RESUMO: Este trabalho lida com alguns problemas enfrentados no cumprimento das execuções fiscais, em especial no âmbito do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, com o objetivo de propor soluções e fornecer ideias aos atores processuais que trabalham com esse assunto.
PALAVRAS CHAVE: Poder Judiciário – Execuções Fiscais - Efetividade
SUMÁRIO: 1. PAGAR TRIBUTOS É EXERCÍCIO DE CIDADANIA. 2. EXECUÇÃO FISCAL COMO OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE FISCAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. 3. PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO. 4. COBRANÇA PELO EXECUTIVO OU PELO JUDICIÁRIO. 5. O QUE REPRESENTAM AS EXECUÇÕES FISCAIS PARA O JUDICIÁRIO BANDEIRANTE. 6. FALTA DE FUNCIONÁRIOS, MAGISTRADOS E INFORMATIZAÇÃO. 7 ENQUANTO ISSO. 7.1. MASSIFICAÇÃO. 7.2. DISTRIBUIÇÃO. 7.2.1. LANÇAMENTO. 7.2.2. INICIAL. 7.3. EXECUÇÕES FISCAIS DE VALOR IRRISÓRIO. 7.4. CONCILIAÇÃO. 7.5. A EFETIVAÇÃO DA EXECUÇÃO. 8. A META III DE 2010 DO CNJ.
INTRODUÇÃO
Este trabalho originou-se como um parecer que o autor ofereceu como membro do Núcleo de Planejamento e Gestão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na condição de Gestor da Meta III de 2010 do Conselho Nacional de Justiça nomeado pelo Presidente do Tribunal, Desembargador Ivan Sartori.
Aqui apresentamos por escrito o que foi falado em palestra proferida no Sistema de Educação à Distância da Associação Paulista de Magistrados, ficando registrado um agradecimento ao seu presidente, Desembargador Roque Mesquita, bem como ao Juiz Maurício Conti, Diretor Cultural da APAMAGIS, pela oportunidade recebida.[1]
Registre-se ainda um agradecimento especial às pessoas que me ajudaram a elaborar esse trabalho, meu pessoal, colegas juízes e vários servidores que me mandaram e-mails.[2]
O objetivo deste pequeno texto é fornecer alguns subsídios às pessoas que tem como obrigação funcional dar efetividade à execução fiscal, tema pouco tratado e cuja extensão não permitiria jamais um esgotamento do mesmo, o que também não é objetivo deste estudo, o qual tem um tom eminentemente prático.
1.PAGAR TRIBUTOS É EXERCÍCIO DE CIDADANIA
O Ministro da Suprema Corte norte-americana Oliver Wendell Holmes Júnior disse: “Eu gosto de pagar tributos. Com eles eu compro civilização."[3]
Pagar tributos reforça a cidadania porque o cidadão que é contribuinte se sente sócio da Res Publica e com o direito de exigir um melhor governo, já o que não paga pode se considerar um pedinte do governo sem direito de exigir nada.
Interessante as palavras do filósofo Mário Sérgio Corella sobre isso:
Na relação entre a pessoa e o estado, o brasileiro diz: você sabe com quem está falando? O brasileiro se coloca na condição de beneficiário do estado e não como seu agente. O norte-americano fala Who do you think you are? (Quem você pensa que é). Quando confrontado pelo estado, ele declara: Eu sou cidadão. Eu pago impostos.[4] (grifo nosso)
O sentimento de sócio da coisa pública evita inclusive vandalismo, pois não se depreda o que é seu.
Evidente que todos pagam tributos, mesmo que não saibam disso, pois grande parte dos tributos são indiretos e escondidos, contrariando inclusive o princípio constitucional da transparência tributária o qual é previsto no art. 150, §5º, da Constituição da República.
Claro que a carga tributária não deve ser tão pesada como a nossa, mas sentir que se paga é importante para se sentir cidadão.
2.EXECUÇÃO FISCAL COMO OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE FISCAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO
A Lei de Responsabilidade Fiscal manda cobrar:
Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.
Cobrar é antipático, por isso há desinteresse de muitos Municípios nisso, os quais preferem viver de transferências constitucionais.
A antipatia da tributação é auto-evidente, mas merece citação a frase de Jean-Baptiste Colbert, Ministro da Fazenda do rei da França Luís XIV: “A arte da tributação consiste em depenar o ganso de forma a obter o máximo possível de penas com o mínimo possível de grasnados.”[5]
Os gansos são famosos por serem muito barulhentos, inclusive tendo salvado Roma de uma invasão gaulesa e por isso serem considerados melhores que cães de guarda, o que torna a frase mais pitoresca.
3. PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO.
O mais antigo projeto de lei em tramitação é o PL 2412/2007 do então Deputado e Desembargador Régis de Oliveira com o objetivo de estabelecer processamento administrativo das execuções fiscais, alterando a Lei nº 8.397, de 1992 e revogando a Lei nº 6.830, de 1980.
Nesse projeto constou que a obrigação de realizar a execução seria do Poder Executivo, cabendo ao Judiciário a sua função típica de dizer o Direito sempre que houvesse discordância.
A esse projeto estão apensos os projetos de lei do Poder Executivo PL 5080/2009, PL 5081/2009 e PL 5082/2009.
O PL 2412/2007 e seus apensos tramitam em regime de prioridade, mas estão aguardando parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados desde 16/03/2011, sendo Designado Relator o Deputado Sandro Mabel (PR-GO)[6].
4.COBRANÇA PELO EXECUTIVO OU PELO JUDICIÁRIO
Há dificuldades de a cobrança ser feita pelo Executivo, principalmente o Municipal, para o qual, como dissemos, pode não interessar o ônus de cobrar seus eleitores e é mais fácil despejar execuções no Judiciário e culpar o Judiciário pelo sistema não funcionar, criando-se a ilusão de que se está com isso cumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Os governantes que assim agem cumprem perfeitamente os mandamentos de Maquiavel:
Os Príncipes devem transferir toda a responsabilidade das punições para os outros e tomar para si apenas a benevolência. Relembro, mais uma vez, que um príncipe deve tratar seus nobres com respeito e consideração e, ao mesmo tempo, deve evitar que possa se tornar odiado por seu povo. Nota de Napoleão Bonaparte “Excelente!”. [7] (grifo nosso)
A maior prova de falta de interesse político é o fato de que normalmente os cadastros são totalmente descuidados, os lançamentos lançados pelo ar e as execuções propostas sem qualquer critério, claro que sempre com as honrosas exceções de vários Municípios que lutam pela excelência também nessa área e o evidente risco da perigosa generalização.
5.O QUE REPRESENTAM AS EXECUÇÕES FISCAIS PARA O JUDICIÁRIO BANDEIRANTE
O Judiciário paulista tem hoje 10.866.600 execuções fiscais, o que corresponde a 56,0851% do total de processos em tramitação.[8]
Observamos que, do nosso acervo de execuções fiscais, 98,5%, ou seja, 5.557.314 (cinco milhões, quinhentos e cinquenta e sete mil e trezentos e quatorze) processos são municipais, 8,2%, são estaduais e 1,3% são federais.[9]
De tal observação sugerimos que, enquanto o ideal de a execução sair de nossas mãos não ocorre, deve haver uma maior aproximação política do Tribunal de Justiça de São Paulo com os Prefeitos e Vereadores, explicando-lhes a importância da execução fiscal, a possibilidade de extinguir e não cobrar pequenos valores, com participação ativa do Tribunal nas atividades Municipais, como, por exemplo, a Conferência de Municípios que este ano foi realizada em São Vicente.
Compareci na abertura desta conferência como representante do Presidente da Apamagis e tive a grata surpresa de ver que a ideia que eu havia dado no Núcleo de Planejamento e Gestão (NPG) do Tribunal de Justiça de conseguirmos um espaço para falar aos prefeitos fora realizada pela E. Corregedoria Geral da Justiça por conta própria e sem saberem de minha ideia, a qual fez isso muito bem na pessoa do Exmo. Sr. Dr. Afonso de Barros Faro Júnior, conseguindo um espaço para falar que não existia.[10]
A Corregedoria ainda elaborou uma cartilha que será distribuída aos Municípios e está disponível para download denominada “Dívidas Ativas e Execuções Fiscais Municipais” com excelentes sugestões para a cobrança extrajudicial, análises prévias aos ajuizamentos e para as execuções fiscais em curso.[11]
Sugerimos que os desembargadores coordenadores de circunscrição poderiam ser envolvidos com sucesso nessa aproximação com os municípios, com certamente melhor efeito do que a hoje tentada pelos juízes das comarcas, devido à maior respeitabilidade dos primeiros.
Lembramos que, no interior, o apoio do Município é essencial para nosso funcionamento, não apenas nas execuções fiscais, mas também em locações de prédios, ajuda com pessoal, etc..
A importância do Município é tamanha que apenas o Município da Capital Paulista tem um PIB maior do que vinte e dois Estados norte-americanos, quando analisados individualmente, e seu orçamento é o terceiro maior do país, atrás apenas do orçamento da União e do orçamento do Estado de São Paulo.[12]
Por sua vez o interior do Estado de São Paulo representa mais de 13,64% do PIB nacional.[13]
Sabiamente o Tribunal já criou meios de melhorar essa aproximação política com o Estado pela visita do Presidente do Tribunal à Assembleia Legislativa e ao Governador do Estado, bem como com a Procuradoria do Estado, sendo lembrada a do Município de São Paulo, isso por meio da Comissão de Interlocução, hoje capitaneada pelo Desembargador Samuel Alves de Melo Júnior, medidas todas altamente louváveis, mas faltando ainda uma maior aproximação com o interior.
Visto esse panorama inicial, passemos a questões pontuais, sem nenhuma pretensão de esgotar o tão extenso tema, pois o tempo e nossas limitações pessoais não o permitiriam, mas tentando abordar as questões e sugestões que os meus amigos juízes e servidores supracitados apresentaram.
6.FALTA DE FUNCIONÁRIOS, MAGISTRADOS E INFORMATIZAÇÃO.
As carências de pessoal do Judiciário paulista parecem calamitosas, mas talvez não sejam.
Há a necessidade de uma melhor remuneração para atrair e manter pessoas de qualidade trabalhando aqui e o Tribunal está se esforçando nesse sentido como temos visto nas atitudes da Presidência.
Porém, com um sistema informatizado, inteligente e eficiente a quantidade necessária de pessoal seria exponencialmente menor do que pelo sistema medieval que hoje trabalhamos.
Mas informatizar não significa encher de máquinas, mas sim criar programas inteligentes, com a participação dos envolvidos no sistema, e que não deem mais trabalho do que o sistema atual, principalmente para os magistrados, cada vez mais assoberbados de funções que poderiam ser consideradas de ordem administrativa do processo do que de ordem jurisdicional. Com efeito, hoje os juízes têm uma série de atribuições como bloqueios e etc.. que não são “dizer o direito”, a verdadeira função jurisdicional deles, devendo tudo isso ser delegado aos nossos valorosos servidores.
A informatização terá que ser feita de forma unilateral pelo Tribunal, pois se depender da boa vontade dos Municípios na maior parte dos locais ela não sairá.
Em São Luiz do Paraitinga, por exemplo, o Tribunal informatizou o sistema sem perguntar para ninguém se queria, graças à destruição do fórum por uma enchente, que foi uma benção, pois hoje, segundo a Juíza Renata Alves disse ao autor deste por telefone, ninguém lá quer voltar para o sistema antigo.
Essencial o treinamento constante dos magistrados e servidores e o Tribunal, bem como a Apamagis estão trabalhando nesse sentido.
Assim, pode ser que o pessoal que temos seja mais do que suficiente e a admissão indiscriminada de mais pessoal pode comprometer nossas finanças, como já ocorre hoje, pois é de saudosa memória o tempo em que férias e outros direitos não desfrutados eram pagos no mês seguinte e não se transformavam em eternos atrasados. Com um número de pessoal menor poderemos voltar a fazer isso, como ocorre hoje com o Ministério Público.
Portanto, nesse ponto, o que precisamos é 1. Informatização inteligente; 2. Valorização dos nossos profissionais; 3. Treinamento constante do nosso pessoal; e 4. não nos entupirmos de varas e pessoal como sempre fizemos. Acabar com a cultura do “sempre foi assim” e a do “mais do mesmo” é essencial.
7.ENQUANTO ISSO.
Enquanto essas esperanças não se concretizam já há algumas atitudes que podemos tomar que possibilitarão melhora do sistema desde já e passamos a expor algumas delas.
7.1.MASSIFICAÇÃO.
O volume das execuções fiscais não permite que se trabalhe como antigamente: no varejo e artesanalmente, sendo necessário que se trabalhe no atacado e em escala industrial.
Podemos não gostar da realidade, como os dinossauros não gostaram do meteorito que caiu na terra, mas ou nos adaptamos ou perecemos. Até parte dos dinossauros fizeram isso se transformando em pássaros e aprendendo a voar, então nós também podemos fazê-lo.
Isso significa o abandono máximo possível e um pouco mais de todo o formalismo e desapego a fórmulas e formas de trabalhar sem sentido, lembrando-se que o processo não é um fim em si mesmo, como Dinamarco ensinou:
O que se postula é, portanto, a colocação do processo em seu devido lugar de instrumento que não pretenda ir além de suas funções; instrumento cheio de dignidade e autonomia científica, mas nada mais do que instrumento.[14]
O sistema deve ser simples e o ideal é que as Normas da Corregedoria fossem um verdadeiro manual de instruções acessível ao mais neófito de todos.
A simplicidade é sinal de genialidade. Algo só funciona de fato se for simples, pois a complicação leva ao não funcionamento ou, no mínimo, ao mau funcionamento. Ser simples é algo extremamente difícil e exige esforço, muito meditar e ação consciente constante, tendo os olhos voltados para o outro e não para si. Este “outro”, com a ajuda de nossos esforços, deve poder melhor entender, com simplicidade, a incomensurável complexidade natural da vida.
Objetivando isso, quando o autor deste trabalho assumiu a Vara da Fazenda Pública em 2006 perguntou na Corregedoria onde se trabalhava bem com execuções fiscais e assim ficou conhecendo melhor o sistema que se usava na Capital e é previsto nas Normas, no Tomo I, Capítulo IV, Seção VI, o qual este autor determinou por portaria que fosse aplicado em sua vara, ou seja, o sistema de trabalho por lotes ou por relação.
A princípio, pelo art. 2º do Provimento 11/2002 da E. Corregedoria Geral, tal sistema era de uso exclusivo da Capital, mas a possibilidade de sua adoção por todo o interior, mesmo sem autorização da Corregedoria, foi prevista pelo Provimento 10/2009.
Surpreendentemente o autor deste trabalho soube, no final do ano passado, por intermédio de servidores da Corregedoria, que a maioria das varas do interior não utiliza esse método, a respeito do qual existe até uma cartilha disponível para download no site do Tribunal.[15]
Esse sistema permite o trabalho em grande quantidade e com grande eficiência e é mais do que recomendado até que a informatização não venha.
7.2.DISTRIBUIÇÃO.
7.2.1. LANÇAMENTO.
O título executivo que embasa a execução fiscal é a Certidão de Dívida Ativa (CDA) e ele é produzido por meio de um processo administrativo denominado lançamento, do qual a inscrição da dívida ativa é o último passo.
O Código Tributário Nacional é que trata do lançamento, mas esse Código parece ter sido elaborado por José Abelardo Barbosa de Medeiros, conhecido por nós os veteranos como o Chacrinha, pois esse artista dizia: “Eu vim para confundir, não para explicar” e é isso que o Código Tributário Nacional faz quase o tempo todo.
Nos termos do disposto no Código Tributário Nacional o lançamento é um procedimento, em que pese doutas opiniões em contrário:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. (grifo nosso)
Evidente que o lançamento não é um ato, mas um conjunto de atos, pois são mesmo necessários vários atos da administração para realizar tudo o que é preciso no lançamento como mencionado no CTN.
Isso fica muito claro quando se pensa no IPTU e na complexa forma pela qual se chega à sua base de cálculo, o que exige avaliações, planta genérica de valores e vários outros atos.
O mesmo Código Tributário Nacional coloca como ponto culminante desse processo a inscrição na dívida ativa, momento em que se registra e se concretiza a ocorrência da “coisa julgada administrativa”:
Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular. (grifo nosso)
O artigo é muito claro, mas frente às inúmeras dúvidas que existem no campo tributário, comporta uma explicação.
O artigo diz que a inscrição só pode ocorrer depois de um dos dois seguintes momentos:
1. Quando esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei; ou
2. Quando proferida decisão final em processo regular de lançamento, com ou sem impugnação do contribuinte.
O primeiro caso se refere ao que o Código Tributário Nacional chama de “lançamento por homologação” previsto no art. 150 do citado Código e, quando não há pagamento nesses casos o que ocorre é um lançamento de ofício nos termos do art. 149, I, V e VI do Código Tributário Nacional.
O segundo caso se refere às outras hipóteses de lançamento.
A respeito disso escrevemos em outra oportunidade:
Esse procedimento do lançamento é que dá liquidez e certeza para a obrigação tributária, permitindo a constituição do título executivo extrajudicial que é a Certidão de Dívida Ativa.
Isso não é uma anormalidade em termos de obrigações, mas sim bastante comum no dia a dia das pessoas, como podemos exemplificar com um simples acidente de trânsito.
Para fazer esse paralelo, pensaremos em graus sucessivos de eficácia da obrigação. Esses graus são quatro (cf. XAVIER, 2005, 416-417, passim):
1. com a ocorrência do fato gerador: a obrigação tributária ganha existência;
2. com o lançamento: torna-se atendível (i. e., o sujeito passivo pode pagar e o ativo receber);
3. com o vencimento do prazo: a obrigação torna-se exigível pelo credor e realizável pelo devedor;
4. encerrado o prazo da cobrança administrativa: faz-se a inscrição da dívida ativa e a obrigação ganha exequibilidade.
Vejamos como isso é mais simples do que parece com um exemplo do cotidiano:
Num cruzamento, João e José colidem mutuamente seus veículos. Nasce daí uma obrigação civil: um direito de ser indenizado e um dever de indenizar. A obrigação civil tem aqui existência (1), sendo a colisão o fato gerador dessa obrigação.
Mas quem paga quem? João para José ou José para João? E paga quanto? Como se vê, a obrigação civil, embora tenha existência, não tem atendibilidade (2). O sujeito passivo (devedor) não pode pagar ao sujeito ativo (credor) porque não se sabe quem é quem e nem quanto deve ser pago.
Proferida a sentença, nessa foi fixado que o dano ocorreu, a obrigação existe, seu montante é de três mil reais e João deve pagar José. Pronto, a obrigação civil tem atendibilidade, e o processo civil, culminando na sentença, equipara-se ao lançamento. Agora, se João quiser, pode pagar a José, e esse pode receber.
Mas João não paga. Então, ocorre o trânsito em julgado, e a obrigação civil passa a ser exigível (3) pelo credor e realizável pelo devedor.
Mesmo assim, João não paga, o que leva José a peticionar para o início do cumprimento da sentença, o que equivale à execução, havendo agora exequibilidade (4) da obrigação.
No campo tributário ocorre o mesmo, também a título de exemplo:
João tem uma propriedade na cidade de Santos, assim, na data prevista na lei, ocorre o fato gerador do IPTU e a obrigação tributária passa a ter existência (1).
O Fisco, então, com base em seus dados, vai apurar a ocorrência desse fato gerador, o montante devido e quem o deve, ou seja, vai fazer o lançamento que dá à obrigação tributária atendibilidade (2).
Realizado o lançamento, o Fisco notifica João, mandando-lhe o carnê para pagamento, a partir daí, com o vencimento, a obrigação tributária passa a ter exigibilidade (3).
Mas João não paga. Assim, o Fisco cria um título executivo extrajudicial fazendo a inscrição da obrigação tributária não satisfeita na Dívida Ativa, donde extrai certidão, momento em que a obrigação tributária tem exequibilidade (4).[16]
Como se vê, sem a ocorrência de algum tipo de lançamento não é possível a inscrição de débito na dívida ativa, sendo nula a certidão de dívida ativa que não observar essa determinação legal e, por consequência, também a execução a que ela dá base.
Note-se nesse tema, por fim, que a Lei 6.830/1980 exige que conste na CDA o número do processo administrativo ou do auto de infração, no qual tiver sido apurado o valor da dívida, requisito que, se faltar, torna nula a CDA e a execução. (art. 2º, §6º c. c. o §5º, VI, do mesmo artigo).
7.2.2. INICIAL.
As iniciais das execuções fiscais muitas vezes são impossíveis de ter regular andamento por falta de informações básicas.
Os requisitos da inicial da execução fiscal parecem ser apenas os do art. 6º da Lei 6.830/1980:
Art. 6º - A petição inicial indicará apenas:
I - o Juiz a quem é dirigida;
II - o pedido; e
III - o requerimento para a citação. (grifo nosso)
Evidente que a expressão “apenas” aí não pode ser entendida como somente, mas como pelo menos, pois com apenas esses dados não é possível se saber o mais básico de tudo, ou seja, contra quem executar.
Certo que o §1º do art. 6º diz que a inicial deve ser acompanhada da CDA e os §§ 5º, I, e 6º do art. 2º da Lei 6.830/1980 mencionam a exigência de se constar “o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros”. (grifo nosso)
Ora, como executar alguém que nem ao menos o domicílio ou residência é conhecido? Evidente que isso não é viável e, portanto, se deve entender que as exigências de qualificação do executado previstas no art. 282 do Código de Processo Civil são aplicáveis aqui por força do art. 1º da Lei 6.830/80, sob pena de indeferimento, pois o entendimento contrário seria no mínimo ilógico.
Observe-se que o art. 40 da mesma Lei 6.830/1980 prevê a não localização do executado ou bens penhoráveis como causa de arquivamento e posterior extinção por prescrição intercorrente, portanto não faz mesmo sentido uma inicial incompleta, podendo, em razão disso, ser indeferida se não emendada.
As iniciais deveriam vir acompanhadas de cartas de citação já elaboradas pelo exequente, pois isso é do interesse dele e permite agilidade ou mesmo andamento do processo onde o quadro de funcionários do Tribunal é reduzido ou quase nenhum, contudo, isso não pode ser exigido do exequente, por falta de amparo legal. Entretanto, um acordo nesse sentido certamente é fácil, pois teoricamente ao exequente não interessa que sua execução não tenha nem ao menos um início.
7.3.EXECUÇÕES FISCAIS DE VALOR IRRISÓRIO.
O autor deste texto travou uma verdadeira guerra contra isso e perdeu uma batalha, mas não perdeu a guerra, tendo convertida a sua experiência em artigo que publicou.[17]
A batalha que perdeu foi que o Tribunal anulou, em um único mandado de segurança, mais de cinco mil sentenças que eu foram proferidas nas quais se havia extinguido de ofício essas execuções por falta de interesse de agir. Isso foi feito porque, conforme apurado pela Fundação Getúlio Vargas em 2007, apenas para o Judiciário a execução fiscal custava R$576,40 e nós tínhamos execuções cobrando R$6,13.
Sepultando o assunto, o Superior Tribunal de Justiça editou a seguinte súmula:
Súmula 452. A extinção das ações de pequeno valor é faculdade da Administração Federal, vedada a atuação judicial de ofício. (grifo nosso)
Essa regra se aplica a todas as Fazendas devido à regra do “ubi eadem ratio idem ius”, portanto, não se pode reconhecer falta de interesse de agir de ofício no caso, mas a princípio é possível reconhecer mediante provocação. Essa súmula não seria vinculante, mas o instituto da reclamação, como consagrado pelo Supremo Tribunal Federal recentemente, acabou por tornar vinculante toda a jurisprudência majoritária das cortes superiores.
A guerra, contudo, foi ganha, pois conseguimos, com toda a movimentação narrada no citado artigo e muito diálogo, uma lei municipal para impor um limite, bem como o reconhecimento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo da legitimidade de tal atitude.
Evidente que somente por lei da Fazenda respectiva tal regra poderá ser imposta, posto que se trata de norma administrativa interna interpor ou não uma execução fiscal, e não uma norma processual de competência da União, porque processo ainda não há, não havendo como se impor isso por jurisprudência, salvo por súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, nem por norma não legal criada por entidade estranha à respectiva Fazenda. Os aumentos de tais limites também exigiram lei da mesma forma.
Para os que ainda não conseguiram tais leis e outras cooperações das Fazendas se recomenda um paciente trabalho de esclarecimento e conscientização da importância de as execuções fiscais funcionarem, devendo o Tribunal auxiliar nesse sentido, como aliás já está fazendo a Corregedoria como mencionado acima.
7.4.CONCILIAÇÃO.
A conciliação é possível em execuções fiscais na fase pré-processual ou na fase processual, desde que nos limites fixados na lei da Fazenda respectiva, pois a Administração só pode fazer o que a lei permite ou manda.
Excelente experiência nos vem de Barretos a qual foi supervisionada pelo juiz Alex Ricardo dos Santos Tavares e conduzida pelo servidor Sandro Alberto Mingorance.
O servidor Sandro Mingorance tornou-se especialista em Direito Público tendo coroado o seu curso com a monografia “Conciliação das Execuções Fiscais”, cuja leitura recomenda-se, sendo que Barretos continua desenvolvendo o sistema, assim é bastante salutar um contato com o pessoal de lá.[18]
Na monografia do nosso especialista Sandro Mingorance é mencionado que o Tribunal foi usado como laboratório o que é excelente, devendo o Tribunal não apenas permitir estudos acadêmicos a seu respeito, mas incentivá-los, seja de que área for, pois recebe com isso consultoria sem custo a qual, de outra forma, acarretaria grandes gastos para o Erário.
7.5.A EFETIVAÇÃO DA EXECUÇÃO.
O objetivo da execução fiscal é a satisfação do credor público com a arrecadação, sendo que hoje a mentalidade que deve imperar em qualquer execução é que ela é feita no interesse do credor, como exposto no art. 612 do Código de Processo Civil, sendo ela a concretização do Direito Material.
Assim, o Judiciário deve facilitar o atingimento desse comando legal, o que não significa que o Judiciário deva tomar o lugar do exequente providenciado para ele o que ele mesmo pode fazer, como certidões do Registro de Imóveis, por exemplo, mas sim que os obstáculos, se existirem, devem ser apenas o da lei, em que pese a lei ter sempre que ser interpretada.
No que tange à penhora, o dinheiro é a primeira opção tanto na Lei 6.830/1980 quanto no Código de Processo Civil, assim o uso do BACEN JUD deve ser disponibilizado ao exequente, salvo se a ele interessar outra forma de penhora, não havendo um limite legal de vezes para se tentar um tipo de penhora. Contudo, cabe ao juiz indeferir providências inúteis que apenas atravanquem o Judiciário.
Também o juízo não pode exigir que o exequente prove a existência de bens se isso não for possível, como é o caso, por exemplo, de dinheiro em banco, protegido por sigilo bancário, mas não deve ser pródigo na quebra de sigilos, só o fazendo em último caso após a demonstração do exequente de que ele fez tudo o que podia para conseguir informações sem esses recursos extremos.
O sistema do BACEN JUD precisa de vários aprimoramentos e permitir a utilização do mesmo por oficiais de Justiça e outros servidores de confiança do juízo para dispensar o juiz de funções não estritamente jurisdicionais, como dito acima, o mesmo devendo ser feito com outros sistemas eletrônicos disponíveis ou que venha a ser disponibilizados.
O uso do bloqueio de recursos financeiros não exige, por outro lado, o prévio esgotamento de outras tentativas, lembrando-se novamente que o dinheiro é sempre a primeira opção e não se pode ter como premissa que o que será bloqueado será impenhorável, pois tal informação só surge depois de o bloqueio acontecer.
Como hoje quase tudo é impenhorável nas residências das pessoas, entendemos ser mais eficaz e de acordo com o princípio da economia processual que se use a penhora por oficial de Justiça em último caso, após serem tentados os recursos eletrônicos disponíveis, cuja eficiência e celeridade são evidentemente maiores.
Ainda sobre a penhora, o art. 7º, da Lei 6.830/80 dispõe:
Art. 7º - O despacho do Juiz que deferir a inicial importa em ordem para:
I – [...];
II - penhora, se não for paga a dívida, nem garantida a execução, por meio de depósito ou fiança;
III - arresto, se o executado não tiver domicílio ou dele se ocultar;
IV - registro da penhora ou do arresto, independentemente do pagamento de custas ou outras despesas, observado o disposto no artigo 14; e
V - avaliação dos bens penhorados ou arrestados.
Como se vê, em termos de execução fiscal, a penhora, o arresto e seus consequentes podem ser ordenados de ofício pelo juiz, assim, nada impede que o juiz determine de ofício outro tipo de penhora caso um não dê certo, por exemplo, determinando a penhora de recebíveis caso o BACEN JUD não produza resultados.