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O Brasil e os acordos stand-by com o FMI: do pós-Segunda Guerra Mundial ao início do século XXI

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A assinatura de acordos stand-by com o FMI e suas consequentes condicionalidades poderiam configurar uma ameaça à soberania dos Estados?

RESUMO: O presente artigo tem como objeto a análise dos acordos econômicos internacionais entre Brasil e FMI no período do pós Segunda Guerra Mundial até o ano de 2002. Pauta-se principalmente pelo seguinte questionamento: a assinatura de acordos stand-by com o FMI e suas consequentes condicionalidades poderiam configurar uma ameaça à soberania dos Estados? Discorre sobre as evoluções sofridas pelo Sistema Monetário Internacional e a forma de celebração de tratados no ordenamento jurídico brasileiro, buscando, por fim, fazer considerações sobre o endividamento externo brasileiro trazendo a baila algumas das críticas dirigidas às condicionalidades exigidas pelo FMI em sua ajuda financeira.

PALAVRAS-CHAVE: Sistema monetário internacional; Bretton Woods; Constituições Brasileiras, tratados internacionais; FMI; endividamento externo.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Sistema Monetário Internacional e Bretton Woods 3. Os Acordos econômicos com o FMI e o ordenamento jurídico brasileiro no pós-Segunda Guerra Mundial 4. Histórico do endividamento externo brasileiro e as implicações econômicas dos acordos com o FMI 5. Considerações Finais 6. Referências bibliográficas


1. Introdução

O tema para o presente artigo foi escolhido em razão do relativo descaso com que a problemática envolvendo os acordos econômicos internacionais e seu impacto no ordenamento jurídico nacional tem sido tratada pela doutrina pátria, com raras e honrosas exceções.

Descerrando o índice dos temas que aqui serão tratados, dedica-se a primeira parte ao estudo do Sistema Monetário Internacional, sua evolução desde o surgimento do padrão-ouro em 1870 que marcou a hegemonia da Inglaterra no cenário financeiro mundial até a criação do chamado Sistema de Bretton Woods no pós-Segunda Guerra Mundial, marcando a entrada dos EUA como nova potência mundial, não somente econômica como também militar. Desta Conferência surgem duas importantes organizações, quais sejam, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhecido como Banco Mundial.

Tais instituições tinham como principais objetivos administrar as relações financeiras e monetárias internacionais, além de lidar com os desequilíbrios externos dos diversos países participantes e definir o aparato institucional para prover liquidez e financiar o desenvolvimento econômico dos países periféricos.

Em seguida, será abordado o impacto dos acordos econômicos internacionais no Direito Brasileiro tratando, em um primeiro momento, das normas de competência para celebrar tratados internacionais nas Constituições brasileiras, bem como do importante papel do Poder Legislativo neste processo de aprovação, assim como do Poder Executivo. Também se discorrerá a respeito da natureza jurídica dos acordos stand-by com o FMI e suas divergências doutrinárias quanto à necessidade de que estas operações sejam ou não apreciadas pelo Congresso Nacional ou se os mesmos podem ser considerados como tratados, de acordo com parte da doutrina.

Cabe também observar que a expressão “acordo stand-by” não está sendo empregada em sentido técnico, mas sim em sentido leigo, comum da palavra “acordo”, correntemente utilizada tanto na prática monetária internacional quanto na prática geral.

Finalmente, buscar-se-á demonstrar as implicações financeiras e econômicas causadas por tais acordos no País e a forma como os mesmos acabaram por moldar em grande parte a economia brasileira. Será abordado o histórico do endividamento externo do Brasil desde o Império até as recorrentes idas ao Fundo para solucionar os problemas na balança de pagamentos. Ainda, serão ressaltadas as críticas endereçadas ao FMI no que diz respeito à realização dos programas de ajuste e suas condicionalidades, e o modo como estas afetam a soberania dos Estados que dele recorrem. Este debate pressupõe uma abordagem harmônica do Direito e da Economia.


2. Sistema Monetário Internacional e Bretton Woods

Os avanços da economia em âmbito global e a incorporação de novos povos ao mundo dito "civilizado" verificou-se com intensa desigualdade entre os países e como consequência houve uma maior interdependência entre eles. Essa maior articulação entre as economias: pelo comércio, setor financeiro e produtividade industrial só poderia ocorrer através de algo comum, qual seja, a moeda, que harmonizaria, ainda que de forma mínima, as trocas, fazendo com que surgisse a necessidade de um sistema monetário internacional[1].

O primeiro sistema que surgiu foi o padrão ouro (clássico)[2] que vigorou de 1870 a 1914. Nesse período, a Inglaterra era a potência econômica líder e as outras nações alinhavam-se a ela, fazendo de Londres o centro financeiro do mundo[3]. A vigência do padrão ouro iniciou-se na Inglaterra em 1821, no entanto, somente veio a se transformar em sistema monetário internacional em 1870 simbolizando uma organização única da economia global.

Tal padrão monetário não ficou ileso de críticas que se concentravam basicamente em relação à falta de importância dada ao papel da prata e da moeda fiduciária no período. Porém, a crítica principal dizia respeito à limitação do padrão ouro imposto pela Inglaterra, limitado aos países mais adiantados que formavam o núcleo do sistema e aos que estavam a eles ligados por vínculos políticos, econômicos e financeiros[4].

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, houve uma redefinição da estrutura econômica mundial que modificou todo o sistema financeiro, instalando-se, em nível mundial, um cenário incompatível com os mecanismos automáticos do padrão ouro então vigente[5].

Até a explosão da Segunda Guerra Mundial verificou-se no âmbito internacional um cenário caótico, sem uma potência hegemônica que pudesse “ditar” ao restante de mundo a direção a seguir. Somente em 1944 os líderes financeiros e políticos reconhecem que a existência de uma ordem monetária e econômica internacional para o Ocidente era indispensável[6].

O mundo ocidental observou claramente neste período o delineamento de um novo centro de comando político, militar e econômico, os Estados Unidos (EUA)[7]. Seu poderio militar resultou das bases hierárquicas, funcionais e competitivas negociadas no Segundo Pós-Guerra, no qual se destacaram a Doutrina Truman[8] e a polarização de poderes com a União Soviética em consequência da Guerra Fria[9][10].

O pós Segunda Guerra também exigia que o comércio mundial fosse reestruturado e para isso o modelo adotado foi aquele idealizado na Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944 em New Hampshire, EUA, que ampliou o poder financeiro da economia norte-americana ao instituir o padrão ouro-dólar, garantiu o livre comércio e a manutenção da dinâmica econômica americana.[11]

O conjunto de medidas acordadas na Conferência ficou conhecido como o Sistema de Bretton Woods, e compreendia iniciativas que equacionavam tanto com os desequilíbrios externos dos diversos países participantes quanto a definição do aparato institucional para prover liquidez e financiar o desenvolvimento econômico por meio das instituições ali criadas, o FMI[12] e o BIRD.[13]

De acordo com Paulo Roberto de ALMEIDA o conceito de “sistema de Bretton Woods”, refere-se, em realidade, a duas problemáticas distintas, porém relacionadas entre si.

Por um lado, num sentido estrito, a noção remete ao papel e ao funcionamento de duas organizações internacionais criadas em meados do século XX para administrar as relações financeiras e monetárias internacionais. Por outro, num sentido mais amplo, ela se refere também, ou principalmente, às políticas implementadas por essas instituições no plano multilateral e nas suas relações com os países-membros, e que constituiu, de longe, o aspecto mais evidenciado na literatura especializada ou no jornalismo corrente, em vista da sensibilidade política normalmente despertada por essas políticas aparentemente “impostas” desde Washington[14].

Outro conceito ao qual ALMEIDA se refere é de ordem mais política do que monetária, e refere-se à atuação prática e operacional das duas organizações, que acabaram necessariamente por envolver-se na administração prática da vida econômica dos países-membros e não somente no cuidado com as moedas e finanças internacionais[15].

No período imediato ao Pós-Guerra havia duas áreas monetárias, a do dólar e a da libra esterlina, usadas como forma de pagamento internacional. O cenário internacional caracterizava-se por um conjunto de acordos bilaterais, em que diferentes países aceitavam formas diferenciadas de pagamentos[16].

Nos primeiros anos de Bretton Woods, o que prevaleceu foi o poder econômico, financeiro e político dos EUA, estendendo internacionalmente a hegemonia de sua moeda e de sua política, legitimando suas instituições e mecanismos de caráter mundial[17]. Esta hegemonia exercida pelos EUA, fez com que fosse imposto ao mercado mundial o padrão monetário lastreado no dólar, o que implicou um alto grau de liberdade na condução da política econômica norte americana e na sua responsabilidade na condução das finanças mundiais[18].

Os países que formavam parte do sistema de Bretton Woods aceitavam o fato de que a conversibilidade oficial implicava que suas reservas de divisas fossem mantidas sob a forma daqueles ativos aos quais eles pretendiam converter suas moedas nacionais. (...) As regras básicas para a política cambial de Bretton Woods estavam centradas em critérios associados à atuação do FMI; os países membros deveriam manter suas paridades dentro de um faixa de +/- 1% em torno dos valores acordados. Variações superiores a 1% obedeciam a duas condições: até 10% as desvalorizações deveriam ser formalmente comunicadas ao FMI; acima de 10%, era necessária autorização por parte do Fundo[19].

A crise do padrão dólar tem início nos anos sessenta, com a recuperação da autonomia econômico-financeira dos países europeus, quando estes passam a contestar os desajustes internos da política econômica americana. O financiamento da guerra do Vietnã, do programa espacial e os esforços relacionados à Guerra Fria criam uma situação de descontentamento com a hegemonia americana; além de tornar-se acirrada a desconfiança no âmbito militar. Em termos monetários, ampliam-se a contestação e desconfiança do dólar como ativo de reserva de valor internacional, levando algumas autoridades a preferir o ouro e não o dólar como reserva. O dólar agora sai dos EUA em direção à Europa recuperada. Aqueles resistem, mas finalmente decretam o fim do padrão dólar em 1971[20].

Somente a partir desta crise é que as instituições criadas na Conferência de Bretton Woods passaram a ter papel ativo no cenário monetário internacional. Ao FMI foram atribuídas duas funções primordiais, a primeira seria a de prover os países membros de um código de conduta internacional e a segunda a de zelar pelo seu cumprimento. Sua importância pode ser medida em termos de números de países[21] que participaram da sua criação, sendo quarenta e cindo países fundadores, e atualmente cerca de cento e oitenta países[22].

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Para cumprir seus objetivos o Fundo favorece a progressiva eliminação das restrições cambiais aos países-participantes, assim como a concessão de recursos temporários para evitar ou remediar desequilíbrios na balança de pagamentos. Também planeja e monitora programas de ajuste estruturais, por meio do oferecimento de assistência técnica especializada e treinamento a seus países conveniados[23].

A participação dos países é feita mediante uma “quota”, considerada a quantidade expressa em DES (direitos especiais de saque[24]) estabelecida, entre outras, pela posição econômica relativa de um Estado participante. A referida quota pode determinar a extensão da participação de cada Estado no FMI; sua subscrição; a extensão de direito a voto além da extensão máxima do suporte à balança de pagamentos e a porcentagem das alocações eventuais de DES[25].

Contrariamente ao que muitos críticos afirmam, o FMI não tem qualquer tipo de controle direto sobre as politicas econômicas dos seus países participantes, pois não pode impor, por exemplo, que um país dispenda mais recursos para a construção de escolas ou outra atividade, ainda que de cunho social. O que faz é sugerir uma melhor utilização dos seus escassos recursos. Importante destacar que, ainda que o Fundo tenha simpatia por determinada espécie de medida, caso tenham sido escolhidas outras pelo Estado solicitante, mas que estas cumpram as metas determinadas, o FMI não poderá se opor a tais escolhas[26].

É também prerrogativa do Fundo, ao entender que um dos seus membros não está utilizando os recursos disponíveis da forma acordada, limitar a utilização dos mesmos, declarar o país inelegível para novos saques e, caso o mesmo insista nesta política, poderá ser convidado a retirar-se da organização, por 85% dos votos da Junta de Governadores[27]. A Junta de Govenadores faz parte da estrutura do Fundo e é a instância máxima de decisão da organização.

O Banco Mundial, por sua vez, fora concebido como um instrumento para ajudar na reconstrução das economias europeias afetadas pela Segunda Guerra Mundial, embora tal ajuda tenha ficado a cargo do Plano Marshall[28]. Sendo assim, a instituição passou a tratar com questões de desenvolvimento econômico, e atuar junto aos países em desenvolvimento. Até os anos sessenta, concentrou seus esforços na provisão de recursos para o setor público desses países, financiando grandes projetos de infraestrutura, além de ocupar-se também com projetos nas áreas educacionais, de desenvolvimento urbano e agrícola, entre outros. Em seguida passou a diversificar sua forma de atuação com empréstimos não mais vinculados a projetos, mas sim a programas de política econômica[29].

O sistema de Bretton Woods entrou em colapso em agosto de 1971, quando, sem aviso, os EUA declararam não mais honrar os compromissos assumidos em 1944 e suspendem unilateralmente a conversibilidade do dólar. Sendo assim, desde 1973, com as modificações pertinentes introduzidas no Convênio Constitutivo do FMI[30], a economia mundial vive num regime de ausência total de paridades correlacionadas, ou seja, num “não-sistema” monetário internacional. Embora a maioria dos países adote o regime de flutuação cambial, vários outros, em especial países em desenvolvimento, continuam a vincular suas moedas a algumas divisas fortes, geralmente o dólar[31].


3. Os Acordos econômicos com o FMI e o ordenamento jurídico brasileiro no pós-Segunda Guerra Mundial

No início do século XVIII, consolidou-se a ideia de que a política externa – concretizada pelos tratados internacionais – tem como centro de impulsão o Poder Executivo. Entretanto, como garantidor dos interesses nacionais surge o Parlamento[32], com a tarefa de velar as ações tomadas por aquele Poder Executivo[33].

É importante entender a definição de tratado internacional e compreender se os acordos stand-by[34] firmados com o FMI enquadram-se naquela definição. Conforme o que está definido no art. 2º, I, “a” da Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados (1969), o tratado consiste em “um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, que conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular.” Sua principal função é a de produzir efeitos jurídicos entre as partes. A própria Convenção considera o tratado internacional independente da sua nomenclatura, podendo as partes adotarem a denominação que melhor lhes aprouver, como tratado, protocolo, convenção, declaração, etc., compatível ao exposto no art. 49, I da CF/88[35].

Dessa forma, questiona-se acerca da possibilidade de considerar os stand-by arragements como tratados[36]. Antônio Cachapuz de MEDEIROS assevera que:

o Fundo que tem a responsabilidade de estabelecer as garantias adequadas para a utilização de seus recursos gerais, optou por não qualificá-los como acordos internacionais. Os intérpretes da organização, demonstrando bom senso e sabedoria, admitem que o abandono das intenções pelo Estado pode vir a ser consequência de fatos imprevisíveis ou incontroláveis e, por isso, o programa expresso na carta não deve adquirir caráter jurídico. Ora, na falta do animus contrahendi, isto é, inexistindo a vontade de criar verdadeiros vínculos obrigacionais entre as partes, não é possível qualificar o stand-by arrangements como tratado internacional[37].

Entretanto, ainda que não haja para tais documentos o animus contrahendi, não se pode ter a falsa impressão de que eles não produzem qualquer efeito ou obrigação. Neste sentido há que se considerar não somente o princípio da boa-fé, mas principalmente o princípio da expectativa, segundo o qual a decisão do Fundo que aprova um acordo stand-by cria no país solicitante uma legítima expectativa de que o mesmo cumprirá o que fora “acordado” e uma eventual revogação por sua parte configuraria um ato de má-fé internacional[38].

As constituições brasileiras também foram foco de grandes controvérsias no âmbito de celebração dos tratados e acordos internacionais, posicionando, a exemplo da Constituição Imperial de 1824, o Parlamento apenas como figura decorativa. Já entre a Constituição de 1891 e as Constituições de 1934 e 1946 a principal distinção encontrava-se em relação à competência privativa ou competência exclusiva do Congresso Nacional, pois enquanto a primeira dispunha que "compete privativamente ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras", as seguintes passaram a afirmar que essa função é da competência exclusiva do Congresso[39].

Salienta-se que a diferença fundamental entre ambas as competências é que a privativa não afasta a colaboração de outro poder na realização de um ato, enquanto que a competência exclusiva, por natureza, afasta a colaboração de outro[40].

A Constituição de 1967[41] também não saiu ilesa no tocante a má redação relativa ao tema, e o artigo 44 da EC nº 1 de 1969 acrescentou, além dos tratados, as palavras convenções e atos internacionais para as competências exclusivas do Congresso Nacional, mantendo assim um texto idêntico ao da Constituição de 1946[42]. A atual Constituição de 1988 dispõe da seguinte maneira o assunto:

Artigo 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (...)

Artigo 84 – Compete privativamente ao Presidente da República:(...)

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

Da simples leitura dos dispositivos ora mencionados, é possível perceber que a vontade do Executivo não se aperfeiçoará enquanto a decisão do Congresso Nacional sobre a viabilidade de se aderir àquelas normas não for manifestada, no que se consagra, assim, a colaboração entre o Executivo e o Legislativo na conclusão de tratados internacionais[43].

Destes artigos é possível a identificação de duas correntes doutrinárias no País no que tange a obrigatoriedade ou não de se passar pelo crivo do poder Legislativo todo e qualquer tipo de ato internacional. Uma parte da doutrina entende que ao Congresso Nacional cabe aprovar todo e qualquer ato internacional concluído pelo Poder Executivo, já outros doutrinadores reconhecem como válidos alguns acordos internacionais produzidos tão-somente pelo Executivo, levando para tanto em conta a prática interna e internacional a respeito[44].

A primeira corrente que defende a compulsoriedade absoluta do Legislativo para a deliberação de todos os acordos internacionais celebrados pelo Executivo tem como representante Haroldo VALLADÃO[45], que por entender ser o Brasil signatário da Convenção de Havana sobre os Direitos dos Tratados de 1928, deve impor a absoluta necessidade de aprovação para todos os tratados, a exceção dos pactos feitos por chefes militares dentro do limite de suas atribuições[46].

Contrapondo-se a esta corrente, encontra-se Hildebrando ACCIOLY, que entende pela admissibilidade da celebração de certos acordos internacionais unicamente pelo Executivo, sem aprovação congressional, considerando, é claro, que a matéria não seja de competência exclusiva do Poder Legislativo[47].

Estes acordos são chamados de acordos executivos e apesar de não serem previstos no ordenamento constitucional brasileiro, decorrem de uma prática costumeira, principalmente norte-americana e do próprio direito internacional, conhecidos como executive agreements. Porém, é importante salientar que tais acordos não podem acarretar ônus ao patrimônio nacional[48].

No que concerne à má redação dos dispositivos anteriormente referidos, destaca-se o inciso I do artigo 49, na utilização do adjetivo “gravoso”, que possui por si só um juízo de valor. Neste sentido, tomando-se a literalidade do termo, questiona-se se os acordos que não estivessem imbuídos de “encargos ou compromissos gravosos” não seriam apreciados pelo Congresso Nacional, ou seja, se o Executivo poderia ratificá-los livremente. Em realidade, atesta-se que o legislador constituinte, ao redigir tal dispositivo, considerou os atos que dizem respeito à sua natureza econômico-financeira, envolvendo graves compromissos do País no exterior[49].

Conclui-se que a grande consequência da imperfeita redação do referido artigo é a que o “Executivo acabou por desobrigar-se de submeter à apreciação do Parlamento atos geradores de encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, concluídos internacionalmente, quando estes não se revestirem da roupagem de tratados internacionais”[50].

Inovando sobre a matéria em relação às outras Constituições Brasileiras, a Carta de 1988 estabeleceu também, conforme art. 52, V, que compete privativamente ao Senado Federal autorizar operações externa de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e Municípios. A origem deste dispositivo remonta à Constituição de 1969, quando o Executivo celebrava de forma discricionária contratos e acordos com bancos e entidades estrangeiras, agravando sobremaneira a dívida externa brasileira[51].

Esta preocupação teve origem principalmente em relação às operações de crédito externo de interesse da União junto ao FMI. A prova está no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias[52], que determina o exame dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro. O próprio Senado, inclusive, regulamentou por meio do seu Regimento Interno sua competência privativa, prevista no art. 52 da CF/88[53].

Com uma avaliação mais detalhada do artigo 52, V observa-se que não só a União, mas todos os governos subnacionais precisam, para emitir títulos públicos e contratar outras dívidas, do consentimento do respectivo Poder Legislativo e também de autorização do Senado Federal. No Brasil, o controle do endividamento público[54] em qualquer nível de governo é realizado de forma centralizada pelo Senado Federal[55].

Depreende-se, assim, que a direção da política externa precisa ficar a cargo do Executivo e a intervenção do Parlamento nesse domínio ocorre sob a forma de controle das ações governamentais. Porém, a partir do término da Segunda Guerra Mundial e a expansão das relações jurídicas internacionais, muitos acordos acabaram sendo concluídos sem a aprovação do Legislativo, os chamados acordos em forma simplificada. Com isso, a melhor maneira de se ajustar às exigências da vida internacional seria em reiterar que os tratados são sujeitos a referendo do Congresso Nacional, mas admitindo a celebração de acordos em forma simplificada nos casos em que se destinem a executar, interpretar ou prorrogar tratados já existentes ou quando forem inerentes às rotinas diplomáticas ordinárias[56].

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Sobre as autoras
Larissa Ramina

Doutora em Direito Internacional pela USP, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais e Coordenadora Adjunta do Curso de Direito, ambos da UniBrasil, Professora de Direito Internacional e de Direitos Humanos da UniBrasil e do UniCuritiba.

Camile Guimarães Rodrigues

Advogada em Curitiba (PR). Bacharel em Direito pela UniBrasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMINA, Larissa ; RODRIGUES, Camile Guimarães. O Brasil e os acordos stand-by com o FMI: do pós-Segunda Guerra Mundial ao início do século XXI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3321, 4 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22359. Acesso em: 18 abr. 2024.

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