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O contrato de correspondente de instituição financeira e a natureza jurídica do vínculo de emprego: a ordem e a unidade do sistema jurídico

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04/09/2012 às 11:29
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5 O empregado bancário típico e o empregado do correspondente bancário

A CLT divide-se em onze Títulos que consubstanciam o cerne da legislação de proteção ao trabalhador brasileiro, além do Título VI-A, que estabeleceu as Comissões de Conciliação Prévia, e da legislação extravagante. O Título II apresenta as normas gerais de tutela do trabalho. Já o Título III estabelece as normas especiais de tutela, sendo certo que os quatro Capítulos deste Título instituem proteção ao trabalhador a partir da análise do elemento primordial que distingue estes obreiros tutelados em suas peculiaridades e individualidades enquanto categoria profissional. Fomentou-se, pois, a nacionalização do trabalho (Capítulo II) e protegeu-se o trabalho da mulher (Capítulo III) e do menor (Capítulo IV).

Outrossim, o Capítulo I trouxe disposições especiais sobre a duração e as condições de trabalho, fazendo menção expressa aos bancários, empregados nos serviços de telefonia, músicos, ferroviários, estivadores, jornalistas, professores, etc.. Obviamente, cada uma destas categorias recebeu o devido tratamento diferenciado em razão de aspectos peculiares, sejam eles de ordem biológica, sociológica ou econômica. Tem-se que os aspectossingulares da vida cotidiana que diferenciam cada uma destas espécies de trabalhador impingiram à tutela especial, ampliada e rigidamente estabelecida. Logo, o legislador vislumbrou a importância da exceção, retirando estes trabalhadores de algumas das regras gerais previstas no Título II.

No caso dos bancários, cujo regramento especial encontra-se nos artigos 224 a 226 da CLT, é fato irrefutável que a ampliada proteção no tocante à duração da jornada de trabalho decorreu de específica ordem biológica, no exato entendimento de que os bancários permanecem sob intensa pressão psicológica pela própria necessidade de manusear dinheiro em espécie e permanecer no interior dos estabelecimentos bancários que são, por razões óbvias, alvo de freqüentes investidas de criminosos. Não foi por outra razão que o legislador, quando da redação da Lei nº 7.430 de 17 de dezembro de 1985, que deu redação ao caput do artigo 224 da CLT, entendeu por bem ser a jornada de 6 horas suficiente para exaurir as forças físicas e psicológicas do bancário, jornada reduzida que equivaleria a 8 horas ou mais do trabalhador comum, dada a diferença dos aspectos psicológicos que cada espécie de trabalhador é exposta.

A fadiga psíquica ínsita ao serviço tipicamente bancário exige um lapso temporal maior para a recomposição do equilíbrio biológico e físico do trabalhador, na exata noção de tempo para lazer. Segundo Amauri Mascaro do Nascimento (1997, p. 630):

O lazer atende, como mostra José Maria Guix, de modo geral, às seguintes necessidades: a) necessidade de libertação, opondo-se à angústia e ao peso que acompanham as atividades não escolhidas livremente; b) necessidade de compensação, pois a vida atual é cheia de tensões, ruídos, agitação, impondo-se a necessidade do silêncio, da calma, do isolamento como meios destinados a contraposição das nefastas conseqüências da vida diária do trabalho; c) necessidade de afirmação, pois a maioria dos homens vive em estado endêmico de inferioridade, numa verdadeira humilhação acarretada pelo trabalho de oficinas, impondo-se um momento de afirmação de si mesmos, de auto-organização da atividade, possível quando dispõe de tempo livre para utilizar segundo os seus desejos; d) necessidade de recreação como meio de restauração biopsíquica; e) necessidade de dedicação social, pois o homem não é somente trabalhador, mas tem uma dimensão social maior, é membro de uma família, habitante de um município, membro de outras comunidades de natureza religiosa, esportiva, cultural, para as quais necessita de tempo livre; f) necessidade de desenvolvimento pessoal integral e equilibrado, como uma das facetas decorrentes da sua própria condição de ser humano. (grifo do autor)

Portanto, apresentando-se a estafa psicológica advinda da natureza dos serviços prestados como o elemento determinante para a tutela especial em favor dos bancários, faz-se então fundamental a apreciação da típica atividade das instituições financeiras, nos termos do conhecido artigo 17 da Lei nº 4.595 de 31 de dezembro de 1964, que aduz:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

A coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros perfaz, classicamente, a atividade principal das instituições financeiras, na chamada interposição creditória, sempre na presença dos dois principais requisitos: (i) a mediação e/ou interposição no crédito; e (ii) a regularidade e multiplicidade dos atos de interposição creditória. Por tais requisitos preenchidos, as sociedades de crédito, financiamento e investimento comumente recebem o mesmo tratamento, na qualidade de equiparadas, destinado às instituições financeiras, inclusive no âmbito trabalhista.

Algumas das atividades estabelecidas nos incisos do artigo 8º da Resolução vigente efetivamente confundem-se com serviços prestados pelas instituições financeiras, mas não se pode olvidar que a prestação destes serviços tem caráter acessório à atividade principal desenvolvida pelo contratado, e que a atividade principal deve ser preponderante, do que se conclui que a atividade que se assemelha à coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros, necessariamente, é de pequena escala e voltada para o público consumidor do próprio contratado.

Quando a atividade exercida pelo contratado é exclusiva, nas três exceções previstas no normativo, já se verificou que tanto a mera recepção e encaminhamento de propostas, quanto a execução de serviços de cobrança ou a realização de operação de câmbio passível apenas em relação às empresas detalhadamente mencionadas (próprias instituições financeiras, ECT, agências de turismo ou lotéricas), não poderiam acarretar a situação de pressão psicológica indispensável para entender que aquele trabalhador mereça desempenhar jornada de trabalho reduzida, o que seria mesmo o afastamento da análise daquela análise valorativa do próprio ordenamento jurídico.

Os empregados do contratado, na qualidade de correspondente, não são expostos às mesmas condições de trabalho encontradas no interior de um estabelecimento bancário, bem assim não se encontram, de forma alguma, sob as circunstâncias de pressão psicológica ínsita à condição de bancário. A equiparação de categorias cuja realidade de vida profissional é tão distinta milita em desfavor da ordenação e unidade do sistema jurídico, além de desprestigiar o princípio da primazia da realidade, seja em favor do empregado, quando o caso, seja em favor do empregador, quando for devido.


6 Os empregados das sociedades financeiras, das cooperativas de crédito, das corretoras de títulos e valores mobiliários e dos correspondentes

Feitas as considerações acima mencionadas, cumpre realizar análise comparativa, e desta uma reflexiva decorrente, acerca das situações fáticas de instituições em relação às quais já se desdobrou ampla controvérsia no tocante à equiparação de seus empregados aos bancários típicos, o que derivou na edição de Súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho.

A primeira situação refere-se aos empregados das empresas de crédito, financiamento e investimento, as quais foram equiparadas aos estabelecimentos bancários para os efeitos do art. 224 da CLT, nos termos da Súmula nº 55 do Tribunal Superior do Trabalho. Ora, não restam dúvidas de que os empregados das sociedades chamadas financeiras desempenham tarefas bastante similares aos bancários, em especial porque o crédito objeto das operações típicas é de titularidade, em regra, da própria financeira. A similitude de condições de vida entre os bancários e os empregados das financeiras é inquestionável, o que acarreta, inclusive, reflexos nas questões atinentes às negociações coletivas.

Logo, deduz-se que o elemento determinante para a equiparação entre os bancários e os empregados das financeiras foi, sem dúvida, a similitude de condições de vida, prestigiando, sem dúvida, o princípio da primazia da realidade.

Outra situação peculiar diz respeito aos empregados de distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários, os quais não gozam dos benefícios atribuídos aos bancários, conforme entendimento externado na Súmula nº 119 do Tribunal Superior do Trabalho. É notório o fato de que as atividades dos empregados das distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários são fundamentalmente de administração, acompanhamento e gestão financeira, com especial atenção nas questões escriturais e de controle, não havendo qualquer contato direto com recursos financeiros ou situações especiais de risco encontradas nos estabelecimentos bancários. Não há qualquer elemento que possa acarretar uma condição peculiar de estafa psíquica, a não ser aquela normal dos tempos atuais em quase todas as profissões. Melhor entendimento não poderia ser encontrado para o caso vertente, quando a situação fática do empregado de corretora e distribuidora de títulos e valores mobiliários não guarda qualquer equivalência com os bancários.

De outra banda, há interessante aspecto relativo aos empregados alocados no setor de processamento de dados, por força da Súmula nº 239 do Tribunal Superior do Trabalho, que aduz:

Súmula nº 239 (TST) –É bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico, exceto quando a empresa de processamento de dados presta serviços a banco e a empresas não bancárias do mesmo grupo econômico ou a terceiros.

Verifica-se que o elemento de distinção para o enquadramento do empregado como bancário e que faz processamento de dados para instituições financeiras é o fato de existirem outras tomadoras de seus serviços que não sejam instituições financeiras, justamente porque a pluralidade de tarefas advinda da própria prestação de serviços para sociedades de objetos sociais totalmente distintos permite que a condição concreta de vida do trabalhador se afaste cada vez mais da condição peculiar dos bancários. Realizar o processamento de dados, com exclusividade, para instituição financeira perfaz atividade totalmente vinculada ao objetivo social da própria instituição, o que difere da hipótese em que há atividades mistas, mesclando-se atividades relacionadas às bancárias com outras de qualquer natureza.

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Cumpre recordar que a Orientação Jurisprudencial nº 36 da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho nega o reconhecimento aos empregados de empresa de processamento de dados como categoria diferenciada, justamente sob o fundamento de que o trabalho desempenhado por esta espécie de trabalhadores sofre alterações de acordo com a atividade econômica desenvolvida pelo empregador.

É exatamente o caso dos empregados dos correspondentes, ainda que a união de atividades distintas, entre financeiras e comerciais em geral, dê-se no âmbito da própria empresa prestadora dos serviços de correspondente, e não a prestação a terceiros como ocorre na empresa de processamento de dados. Da mesma maneira, as atividades principais das sociedades prestadoras de serviços de correspondente também sofrem alteração, a depender de cada contratado, sem perder o caráter de preponderância sobre a própria atividade de correspondente por força do normativo do Banco Central do Brasil.

Não se afigura, s.m.j., razoável a interpretação pela qual se decide pelo enquadramento na categoria dos bancários de empregado de correspondente que recebe e remete para a instituição financeira conjunto de documentos que perfaz proposta referente à operação de crédito ou arrendamento mercantil que viabilize a aquisição de veículo automotor, por exemplo, enquanto o próprio empregado do correspondente realiza operação de compra e venda do próprio veículo, atividade principal.

Também não se apresenta adequada, em que pese o pleno respeito pelo entendimento contrário, decisão que condena a pagar horas extras e reflexos acima da 6ª hora diária ao empregado que recebe quantia para pagamento de conta de energia elétrica em caixa devidamente instalado no interior de pequeno mercado situado em bairro da região periférica de qualquer grande cidade brasileira, comodidade da qual se aproveita o cliente do estabelecimento comercial quando vai realizar suas compras de alimentos, etc. Há uma série de situações nas quais o enquadramento do empregado na categoria dos bancários configura verdadeiro absurdo se analisada, pela ordenação e unidade do sistema jurídico, a realidade fática e as normas aplicáveis à espécie.

Da mesma forma, os empregados de cooperativas de crédito também manejaram reclamações trabalhistas para buscar o enquadramento na categoria dos bancários, talvez pela simples existência da expressão “crédito” na denominação da própria cooperativa. A Orientação Jurisprudencial nº 379 da Seção de Dissídios Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho estabelece:

OJ-SDI-1 nº 379 (TST): Os empregados de cooperativas de crédito não se equiparam a bancário, para efeito de aplicação do art. 224 da CLT, em razão da inexistência de expressa previsão legal, considerando, ainda, as diferenças estruturais e operacionais entre as instituições financeiras e as cooperativas de crédito. Inteligência das Leisnºs 4.594, de 29.12.1964, e 5.764, de 16.12.1971.

Nota-se que os dois pontos fundamentais para a diferenciação entre os bancários e os empregados de cooperativas de crédito foram justamente a inexistência de expressa previsão legal, na linha da análise sistemática e ordenada do sistema normativo aqui proposta, e as diferenças estruturais e operacionais existentes entre as instituições financeiras e as cooperativas de crédito, nos exatos termos da aplicação do princípio da primazia da realidade. Assim como os processadores de dados atuantes para diversas empresas, os empregados de empresas distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários e os empregados de cooperativa de crédito, os empregados de prestadores de serviços de correspondente, em especial mas não exclusivamente aquelas que possuem outra atividade preponderante, não guardam relação com o elemento biológico fundamental para o enquadramento como bancário.

Eduardo Gabriel Saad, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco (2011, p. 418) destacam precisamente que:

Motivos de ordem biológica, sociológica e econômica – dizem unanimemente os bons autores – levam o legislador a disciplinar, de maneira especial, determinadas atividades profissionais. A presença de um ou mais daqueles objetivos tem servido para normas reguladoras de certas tarefas. Não se faz mister, para tanto, que os três apontados elementos sejam levados em conta.

No caso dos bancários, o fator determinante do tratamento diferenciado que recebe na Consolidação é de natureza biológica. É inegável que ele está sujeito ao que se chama de fadiga psíquica. Seu trabalho exige, permanentemente, atenção e o traz sob extenuante tensão. Justo e compreensível, portanto, o que se dispõe em seu favor nos arts. 224, 225 e 226 da CLT. Todavia a jurisprudência trabalhista inclina-se a reconhecer como bancários todos aqueles que têm vínculo empregatício num banco, embora muitos deles realizem seu trabalho bem longe do setor onde se cumprem as operações classificas como bancários. Assim é que há julgados considerando o motorista, o faxineiro e outros empregados de bancos com tarefas que em nada se distinguem, daquelas outras cumpridas no interior das empresas industriais ou comerciais. Não é de se aplaudir semelhante tendência jurisprudencial. Aquelas tarefas não têm a fisionomia do que, a rigor, se considera operação bancária. Seus executores estão sujeitos ao mesmo tipo de fadiga do motorista ou do faxineiro de uma empresa industrial e cuja jornada é de oito horas.

Clama-se pela aplicação sistemática e ordenada no sistema jurídico, com total prestígio dos normativos impostos pelo Banco Central do Brasil aplicáveis aos contratos de correspondentes, vez que tais normas devem conformar a situação fática dos contratados e, necessariamente, a verificação efetiva e criteriosa da realidade fática de cada trabalhador inserido na prestação dos serviços de correspondente, por todas as razões já expostas, sem prejuízo das seguintes.

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Sobre o autor
Thiago de Carvalho e Silva

Advogado e administrador de empresas. Mestrando no Programa de Estudos Pós-Graduados da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vinculado ao Núcleo de Pesquisa em Direito Econômico. Especialista em Planejamento Societário e Tributação pela Fundação Getúlio Vargas – FGVLaw. Integrante do Grupo de Estudo “Capitalismo Humanista” da PUC-SP, registrado perante o CNPq. Coordenador de Administração e Finanças da Associação de Pós-Graduandos em Direito da PUC-SP (APGDireito/PUC-SP). Representante discente dos Pós-Graduandos no Conselho da Faculdade de Direito da PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Thiago Carvalho. O contrato de correspondente de instituição financeira e a natureza jurídica do vínculo de emprego: a ordem e a unidade do sistema jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3352, 4 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22549. Acesso em: 18 abr. 2024.

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