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O juiz em juízo: a responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais no contencioso cível e a desconstituição da coisa julgada como requisito para a ação indenizatória

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20/09/2012 às 09:53
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9. CONCLUSÃO

A imputação ao Estado do dever de indenizar os danos causados ao indivíduo caminhou a passos lentos. Ele, como qualquer administrado, é sujeito de direitos e obrigações, seja lá de qual Poder emane seus atos: Executivo, Legislativo ou Judiciário. A irresponsabilidade estatal é inconcebível.

O juiz, na prática de atos jurisdicionais, pode lesionar o jurisdicionado em qualquer fase do processo, seja por intermédio de despacho, decisão interlocutória ou sentença. As justificativas em defesa da não-responsabilidade do Estado como a inexistência de lei específica, a independência dos magistrados, a soberania do Poder Judiciário e a imutabilidade da coisa julgada são, no mínimo, inconsistentes. A uma, porque há mais que previsão infraconstitucional, posto que a responsabilização vem disposta na Carta Cidadã. A duas, porque a independência que se atribui aos magistrados não significa que eles estejam autorizados a decidir insubmissos ao princípio geral norteador de todo o campo da responsabilidade civil que impõe, a quem causa dano a outrem, o dever de reparar, além de terem garantias de atuação constitucionalmente asseguradas. A três, porque a soberania não é do Poder Judiciário, mas sim, do Estado, que é uno. E, finalmente, porque a coisa julgada não pode ser veículo de injustiça, sendo um despropósito exigir sua desconstituição como requisito de admissibilidade para a ação indenizatória em face do Estado.

O Código de Processo Civil brasileiro prevê no artigo 495 o prazo decadencial de dois anos para a propositura da ação rescisória, a contar do trânsito em julgado da sentença rescindenda. O artigo 486, por sua vez, prescreve que os atos judiciais não materializados em sentença podem ser rescindidos por ação anulatória.[5]

Obrigar o cidadão lesionado a aguardar o trânsito em julgado da sentença, para depois desconstituí-la; ou ainda, obrigá-lo primeiramente a obter um provimento anulatório (quando o ato judicial não for uma sentença), para só assim buscar a indenização em face do Estado é ilógico. É tornar vã a batalha legislativa em reduzir a morosidade da Justiça.

A prolação da sentença rescindenda pode levar anos afio. A sua desconstituição e o provimento anulatório de uma decisão interlocutória, poderá levar uma longa temporada. Dependendo da comarca e da unidade da federação da qual tenham origem esses atos, pode-se alcançar a marca de dez a vinte anos de uma angustiante e custosa espera.  

O legislador vem lutando bravamente para reduzir o tempo no Judiciário, seja intensificando os requisitos de admissibilidade dos recursos, seja instituindo o “tempo razoável de duração do processo” à categoria de direito e garantia fundamental do indivíduo (artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal).[6]

É do conhecimento geral que a Fazenda Pública (a Administração) é uma das grandes congestionadoras do Poder Judiciário. Exigir-se do jurisdicionado o cumprimento de requisitos tão complexos e morosos para a propositura da indenizatória é no mínimo desigual, haja vista a imprescritibilidade das ações de regresso.

Há muito por fazer, tanto no Brasil, quanto na Argentina. O fato é que já se vislumbra uma tendência em responsabilizar o Estado por erros judiciais advindos de quaisquer áreas do Direito, bem como em abreviar a via crucis do lesionado para o pleito indenizatório, com a dispensa da desconstituição da coisa julgada como requisito para tal. O jurisdicionado agradece.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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(...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[2] Art. 485.  A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;

III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV - ofender a coisa julgada;

V - violar literal disposição de lei;

Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;

Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de assegurar pronunciamento favorável;

VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;

IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;

§ 1º  Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido.

§ 2º  É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.

[3] ARTÍCULO 121.- Las provincias conservan todo el poder no delegado por esta Constitución al Gobierno Federal, y el que expresamente se hayan reservado por pactos especiales al tiempo de su incorporación.

[4] Art. 1.112. Los hechos y las omisiones de los funcionarios públicos en el ejercicio de sus funciones, por no cumplir sino de una manera irregular las obligaciones legales que les están impuestas, son comprendidos en las disposiciones de este título.

[5] Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.

    Art. 486. Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.

[6] Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 


ABSTRACT: Civil Liability may be the issue which had the biggest participation of the judiciary to get to the configuration it has today. The case law and doctrine come fill the growing gaps in the law, by virtue of the increase fast-moving of/in the society. Times have changed, not being on trial here if it better or worse. Globalization, the speed of the exchanged-information, the democratic access to these informations, and the consumerism have formed a new social profile, with more complex relationships, making higher, consequently, the number of processes in the judiciary and the possibility of mistrials. This paper reports that the theme will focus on the way between the total irresponsibility of the state and the objective liability, showing that today there is a dissent about its applicability for damages resulting from acts in civil litigation courts, sometimes with the involvement of the autonomy of the core of the judiciary and its characterization as non-officials, sometimes in the immutability of res judicata, demanding their deconstitution as a prerequisite to the bringing of any suit for damages. It is minimally inconsistent to have as untouchable the State-Judge who pronounces (or not) the occurrence of the requirements of civil liability as well as its exclusive The State must submit to the rules that he himself creates as any administrated, no matter which power emanates from his actions: Executive, Legislative and Judiciary. The guiding principle of civil liability (who causes harm to others must compensate) must be applied to the Administration and the Administrator, or better, to the State-Judge and to the jurisdictional Judge Despite blaming the irresponsibility for the damages resulting from acts courts in civil litigation sounding archaic, we shall see that it is still prowling the doctrine and jurisprudence in a clear proof of the infringement of the democratic state and an undeniable limit to the formation of full citizenship.

Keywords: Civil Liability  State – Error in Judgment - Indemnity

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Sobre a autora
Sandra Regina Pires

Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), com diploma em fase de reconhecimento. Especialista em Direito Processual Civil com Formação para o Magistério Superior. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora no curso de Graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, ministrando as disciplinas Direitos Reais, Direito Processual Civil (Recursos) e Introdução ao Estudo do Direito. Membro da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção Jabaquara/Saúde. Mediadora e Conciliadora capacitada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) para atuar nas iniciativas pública e privada, habilitada junto ao Núcleo de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e inscrita no Cadastro Nacional de Mediadores e Conciliadores do Conselho Nacional de Justiça. Integrante do painel de árbitros e mediadores da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES/SP). Integrante do painel de conciliadores da Câmara de Mediação e Arbitragem de Joinville (CEMAJ). Advogada militante nas áreas cível e família há 26 anos. Atuação no Magistério Superior por 10 anos, ministrando as disciplinas: Prática Jurídica Civil I e II, Direitos Reais, Responsabilidade Civil e Direito Civil (Parte Geral). Integrante do Núcleo de Prática Jurídica. Atuação como Coordenadora de Monitoria e Estágios. Professora do Curso Preparatório para Magistrados na ESMA/PB (Escola Superior da Magistratura Estadual) nas disciplinas Ação Popular/Ação Civil Pública, Atualidades em Processo Civil, Direitos Reais e Direito Civil (Parte Geral). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9557919549020744.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Sandra Regina. O juiz em juízo: a responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais no contencioso cível e a desconstituição da coisa julgada como requisito para a ação indenizatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3368, 20 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22647. Acesso em: 26 abr. 2024.

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