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Aplicação do art. 222 da CRFB/88 aos sítios e portais da internet (jornalismo)

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08/10/2012 às 11:03
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A fiscalização do cumprimento do art. 222 da CRFB por sites da internet, ainda que venha a se tornar viável/eficaz na prática, não se constitui em competência do Ministério das Comunicações, haja vista a ausência de lei que assim o determine.

PARECER Nº 0479 – 1.16/2010/SJL

PROCESSO Nº -------------------

ASSUNTO: Aplicação das restrições do art. 222 da CRFB/88. 

Solicitação de manifestação acerca da aplicação do art. 222 da Constituição da República aos sítios e portais da Internet que desenvolvam, com objetivos empresariais e lucrativos, a atividade de jornalismo.


Trata-se de questionamento elaborado a este Órgão acerca da aplicação das restrições do art. 222 da Constituição Federal aos sítios e portais da Internet que desenvolvam, com objetivos empresariais, a atividade de jornalismo.

2. Menciona o Ofício de fls. a ocorrência de Audiência Pública, na data de 11 de novembro de 2009, em que se debateu o tema supramencionado.

3. Acostados aos autos encontram-se, ainda, pareceres atribuídos aos doutrinadores Tercio Sampaio Ferraz Junior (fls. 9/24) e Luis Roberto Barroso (fls. 25/49), os quais se constituem em consultas formuladas pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (ABERT) acerca da aplicabilidade do art. 222 da CRFB às empresas jornalísticas que desenvolvem suas atividades por intermédio de sítios e portais da Internet; concluem os nobres doutrinadores de modo afirmativo às consultas em questão (embora nada mencionem acerca da competência para fiscalizar referido mister).

4. É o sucinto relatório. 

5. Antes de se adentrar aos comentários do supramencionado art. 222 da CF, faz-se mister sejam tecidas considerações acerca da Comunicação Social, cuja importância fora reconhecida pelo constituinte originário, ao prever Capítulo Constitucional específico sobre o tema, a saber, o Capítulo V do Título VIII – Da Ordem Social.

6. Sucintamente, pode-se dizer que se depara com a comunicação social quando se constata a difusão de fatos e notícias por intermédio de organizações institucionais e complexas, cujo poder de alcance atinja um grupo heterogêneo, difuso e geograficamente disperso[1] (fatos e notícias de transcendência pública); são exemplos das citadas entidades de comunicação os jornais, as revistas, o rádio e a televisão.

7. No que concerne à importância da comunicação social, faz-se imprescindível que se ressalte a visão integradora que a caracteriza, por intermédio da qual, segundo Edílson Farias[2], enxerga-se nos mass media justamente uma ferramenta imprescindível à construção de uma sociedade democrática e pluralista, com a difusão de notícias vitais para integração social e a governabilidade.

8. A doutrina[3] faz menção, ainda, a determinadas funções desempenhadas diariamente pelos meios de comunicação social, quais sejam, as funções política ampla, a cultural e a de utilidade pública – as quais procuram suprir as demandas de conhecimento dos cidadãos referentes a informações públicas, educação política e formação cultural; explicitam-se, ainda que sucintamente, as funções in quaestio.

9. A função política ampla é por deveras abrangente e envolve outras subespécies de funções, a saber, a de cão de guarda público ou watchdog function, por intermédio da qual os meios de comunicação contribuem para a publicidade dos acontecimentos em órgãos estatais, bem como da conduta dos servidores públicos, de modo a deixar a coletividade informada acerca da esfera pública; a de subsidiar os cidadãos para a realização de escolhas inteligentes, objetivando disponibilizar as notícias relevantes que possam servir de fundamento à adoção de atitudes conscientes, com especial destaque em época eleitoral; a de garantia do espaço público, em cujo bojo se exalta a caracterização dos mass media como um bem público, uma arena pública onde são difundidas as teses que construirão um diálogo democrático, um debate político; e, por fim, a de estabelecer a agenda política, isto é, elegem-se temas que influenciam profundamente as discussões, muitas vezes direcionando-as, face ao poder de que dispõem (não por outra razão são os mass media denominados de o quarto poder).

10. Mas além de informar, os meios de comunicação social atuam em conjunto também na formação cultural dos cidadãos (função cultural), de forma a auxiliar, pois, o surgimento da mass culture.

11. No que pertine à função de utilidade pública, atenta-se para a divulgação de informações que repercutem no quotidiano da população, como, por exemplo, a previsão do tempo, a divulgação de campanhas de vacina, a situação do tráfego etc.

12. Por fim, mas não menos importante, como consequência da efetividade das funções acima destacadas, há que se enfatizar a relação intrínseca entre a comunicação social e a opinião pública - aquela referente ao processo democrático, à legitimação dos representantes do poder, concernente, pois, à administração do patrimônio público – de onde se extrai a suma importância dos meios de comunicação social, ao difundir notícias de transcendência pública que contribuirão na formulação daquela.

13. Elaboradas as considerações acima acerca da importância do setor, retorna-se ao disposto na Carta Magna.

14. Procedendo-se a uma leitura do outrora referido capítulo da Comunicação Social, percebe-se que, além de discorrer sobre as liberdades de expressão e de comunicação, voltam-se as normas, primordialmente, no que concerne aos veículos de comunicação, para as atividades jornalísticas e para os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (televisão e rádio). Destaque-se, por oportuno, que esta última modalidade se constitui em autêntico serviço público, de competência da União, conforme o disposto no art. 21, XII, “a”, e no art. 223, ambos da CRFB.

15.Por lado outro, a execução da atividade jornalística independe de outorga do Poder Público - não se configurando, assim, em um serviço público propriamente, mas, apenas, em um serviço de utilidade pública, conforme se explicará mais à frente. A imprensa, ou melhor, as empresas jornalísticas que veiculam conteúdo de forma impressa parecem gozar de ampla liberdade na realização de seu mister. Reforça referido entendimento, aliás, o próprio § 6º do art. 220 da Carta Magna, ao predispor que “a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de atividade”.

16. Diplomas normativos há que tratam, sim, da profissão do jornalista (cite-se, à guisa de exemplo, o Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, o qual “Dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista”), mas não da atividade em si do jornalismo[4].

17. Aliás, registre-se, sim, a então existência de lei (Lei nº 5. 250, de 9 de fevereiro de 1967 – a qual regulava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação), também denominada de “Lei da Imprensa”, que antevia, dentre temas outros, articulados referentes ao registro das empresas de jornalismo, mas que teve a recepção pela atual Constituição negada, em virtude de julgamento, perante o Supremo Tribunal Federal, da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 130[5] .

18. Nesse contexto, a atuação em si da imprensa parece trilhar caminhos condizentes com a de uma atividade econômica – fundada, portanto, na livre iniciativa[6]. Não obstante, diante do relevante papel desempenhado, clarividente de mostra a natureza de atividade econômica, sim, mas de utilidade pública[7], isto é, longe está de um mister cujo intuito se restrinja tão-somente à obtenção de lucro.

19. Depreende-se, da leitura supra, o caráter de utilidade pública associado à atividade jornalística, razão pela qual não pode, no desenvolvimento de suas atividades, deixar-se conduzir unicamente por interesses mercadológicos, tal qual uma atividade econômica qualquer. Encerra-se a presente temática com palavras de James Görgen[8]: “É hora de o mercado se acostumar com a ideia de que sua busca incessante pelo lucro não está acima do interesse público e que o Estado democrático de direito pressupõe pluralidade, concorrência leal, responsabilidade social e uma ordem econômica vigorosa”.

20. Quanto à criação e ao funcionamento de empresas jornalísticas, considerando, pois, sua condição de atividade econômica, conforme acima explicitado, há que seguirem regras gerais para a criação e funcionamento de empresas quaisquer; assim, em se tratando de empresa de natureza mercantil, por exemplo, seus atos constitutivos deverão ser registrados perante a respectiva Junta Comercial, conforme o disposto na Lei n º 8.934, de 18 de novembro de 1994 (a qual “Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências”), senão, veja-se:

Art. 8º Às Juntas Comerciais incumbe:

I - executar os serviços previstos no art. 32 desta lei;

(...)

Art. 32. O registro compreende:

(...)

II - O arquivamento:

a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas;

b) dos atos relativos a consórcio e grupo de sociedade de que trata a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;

c) dos atos concernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil;

d) das declarações de microempresa;

e) de atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao empresário e às empresas mercantis;

(...)

21. Especificamente sobre o registro de empresas jornalísticas, encontram-se previstos dispositivos, outrossim, na lei que dispõe sobre os registros públicos – Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973; veja-se:

CAPÍTULO III

Do Registro de Jornais, Oficinas Impressoras, Empresas de Radiodifusão e Agências de Notícias

Art. 122. No registro civil das pessoas jurídicas serão matriculados:

I - os jornais e demais publicações periódicas;

II - as oficinas impressoras de quaisquer natureza, pertencentes a pessoas naturais ou jurídicas;

III - as empresas de radiodifusão que mantenham serviços de notícias, reportagens, comentários, debates e entrevistas;

IV - as empresas que tenham por objeto o agenciamento de notícias.

22.Estas são, portanto, as regras gerais que regulam a constituição de empresas jornalísticas, dada sua natureza jurídica, repita-se, de atividade econômica.

23.Retornando-se à esfera constitucional sobre os veículos de comunicação social, veja-se, agora, o teor do art. 222:

Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

§ 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.

§ 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social.

§ 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais.

§ 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º.

§ 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional.

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24. O texto acima sofreu alteração por intermédio da Emenda Constitucional nº 36, de 28 de maio de 2002. Com a inovação proposta pelo constituinte derivado, passou-se a admitir a possibilidade de que capital estrangeiro pudesse participar das empresas a que se refere o caput (jornalística e de radiodifusão), mas, ainda assim, com as limitações impostas pelos demais parágrafos do dispositivo em tela.

25. Ressalte-se que, também no presente articulado, visualiza-se norma afeta às empresas jornalísticas e às de radiodifusão.

26. Com base no § 4º do art. 222 supratranscrito, foi emitida a Lei nº 10.610, de 20 de dezembro de 2002 (resultado da conversão da Medida Provisória nº 70, de 1º de outubro de 2002), a qual “Dispõe sobre a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, conforme o § 4° do art. 222 da Constituição, altera os arts. 38 e 64 da Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962, o § 3° do art. 12 do Decreto-Lei n° 236, de 28 de fevereiro de 1967, e dá outras providências”. Para uma melhor compreensão da matéria, colacionam-se alguns dispositivos da referida lei:

Art. 1° Esta Lei disciplina a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens de que trata o § 4° do art. 222 da Constituição.

Art. 2° A participação de estrangeiros ou de brasileiros naturalizados há menos de dez anos no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão não poderá exceder a trinta por cento do capital total e do capital votante dessas empresas e somente se dará de forma indireta, por intermédio de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no País.

(...)

§ 2° É facultado ao órgão do Poder Executivo expressamente definido pelo Presidente da República requisitar das empresas jornalísticas e das de radiodifusão, dos órgãos de registro comercial ou de registro civil das pessoas jurídicas as informações e os documentos necessários para a verificação do cumprimento do disposto neste artigo.

(...)

Art. 3° As alterações de controle societário de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens serão comunicadas ao Congresso Nacional.

Parágrafo único. A comunicação ao Congresso Nacional de alteração de controle societário de empresas de radiodifusão será de responsabilidade do órgão competente do Poder Executivo e a comunicação de alterações de controle societário de empresas jornalísticas será de responsabilidade destas empresas.

Art. 4° As empresas jornalísticas deverão apresentar, até o último dia útil de cada ano, aos órgãos de registro comercial ou de registro civil das pessoas jurídicas, declaração com a composição de seu capital social, incluindo a nomeação dos brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos titulares, direta ou indiretamente, de pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante. [grifos nossos]

27. Consoante se observa nos dispositivos colacionados, não há previsão expressa a quem compete a fiscalização do cumprimento do art. 2º da citada Lei nº 10.610, de 2002 (o § 2º do mencionado artigo faculta ao órgão do Poder Executivo expressamente definido pelo Presidente da República requisitar as informações mencionadas), de onde se deduz que citada incumbência será de atribuição dos órgãos e entidades atualmente responsáveis pela fiscalização em geral dessas atividades.

28. Ainda conforme o dispositivo acima, no que concerne às alterações no controle societário das empresas em questão, as mesmas deverão ser comunicadas ao Congresso Nacional (i) pelo ‘órgão competente do Poder Executivo’, quando se tratar de empresas de radiodifusão e (ii) pelas próprias empresas jornalísticas, quando das alterações de seus controles societários (parágrafo único do art. 3º).

29. No que se refere ao item “(i)” supramencionado, convém efetuar um ligeiro parêntese para antecipar tema que será aprofundado ulteriormente. No caso em baila, o órgão do Poder Executivo competente para comunicar as alterações do controle societário das empresas de radiodifusão é o Ministério das Comunicações – não só para realizar a comunicação em questão, mas, também, para fiscalizar o cumprimento de preceitos legais outros afetos aos serviços de radiodifusão; afinal, todo o processo de outorga para os referidos serviços (de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como os serviços de retransmissão e de repetição de televisão, ancilares ao serviço de radiodifusão de sons e imagens[9], dentre outros) iniciam-se nesse Órgão Ministerial. Nesse sentido, nada mais lógico que a fiscalização quanto ao cumprimento dos rigores constitucionais por referidas empresas executantes desses serviços públicos esteja inserida no rol de competências dessa Pasta[10].

30. Corrobora o ora aduzido o art. 7º da própria Lei nº 10.610, de 2002, por intermédio do qual se efetuam alterações nos arts. 38 e 64 da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações)[11], adaptando este último diploma ao disposto nas regras sobre a participação de estrangeiros nas empresas de radiodifusão.

31. Prevê a Lei supra, ainda, que, no caso de atos praticados em desconformidade com o disposto em seu texto, será declarada a nulidade de pleno direito dos mesmos (art. 6º), acrescentando-se que, uma vez caracterizada a prática dos crimes tipificados no art. 1º da Lei no 9.613, de 3 de março de 1998[12], aplicar-se-á a sanção prevista no art. 91, inciso II, letra a, do Código Penal à participação no capital de empresas jornalísticas e de radiodifusão adquirida com os recursos de origem ilícita, sem prejuízo da nulidade de qualquer acordo, ato ou contrato ou outra forma de avença que vincule ou tenha por objeto tal participação societária.

32. Expostas as considerações gerais acerca do art. 222 e da Lei nº 10.610, de 2002, adentra-se, agora, à especificidade a que se refere o Ofício de fls. , qual seja, a suposta competência do Ministério das Comunicações para fiscalizar o cumprimento das normas citadas pelas empresas jornalísticas que desempenham seu mister por intermédio dos portais e sites da Internet.

33. Preliminarmente, destaque-se que, com relação aos destinatários do art. 222, a norma constitucional in casu não limitou seu alcance a determinada categoria das empresas jornalísticas e de radiodifusão – seja para as empresas físicas propriamente, seja para as virtuais, isto é, aquelas que desempenham sua função por intermédio, por exemplo, da Internet. Se o constituinte assim não o fez (isto é, se optou por não restringir o alcance da referida norma), ao intérprete, por óbvio, não é permitido fazê-lo.

34. Nesse diapasão, ainda que o tema não se inclua dentre aqueles de competência específica do Ministério das Comunicações (conforme se demonstrará em tópico mais à frente), ratifica-se a tese defendida pelos pareceres atribuídos aos ilustríssimos doutrinadores Tercio Sampaio Ferraz Junior e Luis Roberto Barroso, no sentido de que o dispositivo constitucional (art. 222) aplica-se às empresas jornalísticas que desempenham seu mister por intermédio dos portais e sites da Internet, pelo menos em tese[13].

35. Admitir o contrário afrontaria, no mínimo, o princípio constitucional da igualdade, a respeito do qual foram proferidas as célebres palavras da Senhora Ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia:

Conforme já consignado, em outra oportunidade, quanto ao princípio da igualdade, "... não se aspira uma igualdade que frustre e desbaste as desigualdades que semeiam a riqueza humana da sociedade plural, nem se deseja uma desigualdade tão grande e injusta que impeça o homem de ser digno em sua existência e feliz em seu destino. O que se quer é a igualdade jurídica que embase a realização de todas as desigualdades humanas e as faça suprimento ético de valores poéticos que o homem possa desenvolver. As desigualdades naturais são saudáveis, como são doentes aquelas sociais e econômicas, que não deixam alternativas de caminhos singulares a cada ser humano único" (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípio Constitucional da Igualdade . Belo Horizonte: Jurídicos Lê, 1990. p 118). José Afonso da Silva explica que o princípio da igualdade "... não pode ser entendido em sentido individualista, que não leve em conta as diferenças entre grupos. Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual ... não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os 'iguais' podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador" (Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 216). [grifos nossos]

MS 26302 MC / DF - DISTRITO FEDERAL - MEDIDA CAUTELAR NO MANDADO DE SEGURANÇA - Relator(a): MIN. CÁRMEN LÚCIA - Julgamento: 15/03/2007 - Publicação: DJ 21/03/2007

36. Uma vez reconhecida a aplicação do art. 222 às empresas jornalísticas que desenvolvem atividades por meio dos portais e sites da Internet, repita-se, em tese, adentra-se, agora, a outro ponto a que faz alusão o Ofício Parlamentar, qual seja, a competência para fiscalizar a referida aplicabilidade (repita-se: por intermédio do citado Ofício, requer-se sejam envidados esforços ao cumprimento dos ditames constitucionais esculpidos no articulado citado, no que concerne às empresas jornalísticas, quando no desempenho de suas atividades por intermédio de sítios e portais da Internet).

37. Primeiramente, faz-se imperioso recorrer aos diplomas normativos que dispõem sobre as competências do Ministério das Comunicações. Prevê a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003 (a qual “Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências”):

Lei nº 10.683, de 2003

Art. 27 Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes:

(...)

V - Ministério das Comunicações:

a) política nacional de telecomunicações;

b) política nacional de radiodifusão;

c) serviços postais, telecomunicações e radiodifusão;

38.No mesmo sentido, antevê o Decreto nº 7.462, de 19 de abril de 2011[14] (5.220, de 30 de setembro de 2004 (que “Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério das Comunicações, e dá outras providências”):

Decreto nº 7.462, de 2011

Art. 1º  O Ministério das Comunicações, órgão da administração federal direta, tem como área de competência os seguintes assuntos:

I - política nacional de telecomunicações;

II - política nacional de radiodifusão;

III - serviços postais, telecomunicações e radiodifusão; e

IV - política nacional de inclusão digital.

39.Outrossim, convém repisar dispositivo da Lei nº 4.117, de 1962:

Art. 29. Compete ao Conselho Nacional de Telecomunicações:

(...)

h) fiscalizar o cumprimento das obrigações decorrentes das concessões, autorizações e permissões de serviços de telecomunicações e aplicar as sanções que estiverem na sua alçada;

40. Efetuando-se uma interpretação sistemática dos diplomas supra e daqueles a que se fez menção nos primeiros parágrafos da presente peça (em que se discorreu acerca da natureza jurídica de atividade econômica das empresas jornalísticas), infere-se que não há previsão de lei que determine ao Ministério das Comunicações a competência para fiscalizar o cumprimento do disposto no art. 222 da CRFB pelas empresas jornalísticas – seja por meio da imprensa propriamente, seja por meio dos sites e portais da Internet.

41. Enfatize-se: não se está, em momento algum, a defender a tese de que as empresas jornalísticas que realizam seu mister via Internet não devam obedecer aos preceitos constitucionais esculpidos no Capítulo da Comunicação Social; antes pelo contrário, ratifica-se o que já fora exposto na presente, isto é, ainda que não se consubstancie em tema afeto ao MC, opina-se, sim, pela aplicabilidade dos dispositivos constitucionais às empresas jornalísticas em questão, haja vista que o constituinte (tanto o originário quanto o derivado) não delimitou o alcance da norma mencionada. O que se está a realçar é que, a par dos diplomas normativos atualmente em vigor, não subsiste disposição que preveja a competência do MC para fiscalizar referida incumbência. Os diplomas acima enumerados lhe atribuem, sim, competências específicas, mas, no caso, para as empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens – e, não, para as empresas jornalísticas, seja qual for o meio utilizado.

42. Compreensível se mostra a preocupação dos nobres parlamentares, bem como de entidades da sociedade civil, em que se proceda à fiscalização quanto à efetiva aplicação do art. 222 e seu cumprimento pelas empresas jornalísticas, quando no desempenho das atividades por intermédio da Internet. Não obstante a extensão em tese do dispositivo em questão a estas categorias de empresa, a fiscalização de seu cumprimento, (a qual, repita-se, não se constitui em incumbência desse Ministério), na prática, salvo melhor juízo, pode se apresentar ineficaz.

43. De fato, regras voltadas para aqueles que difundem informações por meio da rede mundial de computadores, a depender de seu alcance, pode se apresentar inviável, sob o ponto de vista técnico (afinal, como impedir que um determinado portal, eventualmente impossibilitado de se registrar no Brasil, por exemplo, venha a efetuar seu registro em outro País e, consequentemente, seja acessado pelo público brasileiro?).

44. A fim de subsidiar o ora aduzido, sugere-se seja instado a se manifestar a respeito o Comitê Gestor da Internet – CGI[15], colegiado criado para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços Internet no País[16].

45. Atualmente no Brasil não existem, ainda, diplomas normativos que disponham sobre o tema; o próprio CGI limita-se a estabelecer princípios a respeito (“Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil”), cujo teor encontra-se disponível no sítio eletrônico do Colegiado[17].

46. Para finalizar e, apenas à guisa de informação, convém mencionar salutar iniciativa que pretende apresentar um “Marco Civil da Internet”: projeto de lei (PL nº 2126/2011) de iniciativa do Poder Executivo (mais precisamente do Ministério da Justiça, com a colaboração de outros Órgãos e entidades), que restou amplamente discutido através de consulta pública; eis o que dispõe seu art. 1º:

Art. 1º Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.

47.Em face do exposto, não obstante a ilustre iniciativa Parlamentar, conclui-se que a fiscalização do cumprimento do disposto no art. 222 da CRFB pelas empresas jornalísticas, por intermédio dos portais e sítios da Internet, ainda que venha a se tornar viável/eficaz na prática, não se constitui em competência específica do Ministério das Comunicações, haja vista a ausência de diploma normativo que assim o determine.

À consideração superior.

Brasília, 24 de setembro de 2012.

Socorro Janaina M. Leonardo

Advogada da União

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Sobre a autora
Socorro Janaina M. Leonardo

Advogada da União em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEONARDO, Socorro Janaina M.. Aplicação do art. 222 da CRFB/88 aos sítios e portais da internet (jornalismo). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3386, 8 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/22765. Acesso em: 20 abr. 2024.

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