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Quem disse que menor em confronto com a Lei não vai preso?

28/10/2012 às 09:30
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Propaga-se a ideia de que menor não é preso e fica sempre impune. Esta é uma inverdade, que impede a inclusão, facilita a reincidência e faz aumentar a aversão da sociedade contra o menor em confronto com a lei.

Ninguém em sã consciência é contra o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. O que assistimos com frequência é a mídia populista tentando a todo custo influenciar pessoas desinformadas e coloca-las contra o menor em confronto com a lei.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (promulgado em 1990) é fruto da luta de movimentos sociais, de educadores, de especialistas e de pessoas preocupadas com as condições da infância e da juventude no Brasil, num momento conturbado da vida política brasileira. O ECA representa, sim, um marco na defesa dessas crianças e adolescentes, mas tem falhas graves que precisam ser corrigidas urgentemente.

Há no ECA dois temas, que em minha opinião, na prática ganharam uma interpretação perversa e diversa do que pretendeu o legislador. E este sofisma vem se arrastando e criando uma visão que tem contribuído para dizimar nossas crianças e adolescentes.

O primeiro tema, e mais gravoso, trata-se da questão propagada aos quatro cantos do país de que menor não é preso e fica sempre impune. Esta é uma inverdade que impede a inclusão, facilita a reincidência e faz aumentar, cada vez mais, a aversão da sociedade contra o menor em confronto com a lei.

Os menores são punidos sim. Não é verdade que eles não têm a resposta estatal para o comportamento reprovável. De acordo com o ECA:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

(...)

VI - internação em estabelecimento educacional;

(...)

Na prática, no entanto, eles são punidos rigor e presos. Sim, presos! Destacamos no texto da lei a “internação”, porque através dela os menores são presos em lugares inapropriados, insalubres, sujeitando-se a tratamento semelhante ao dispensado aos adultos delinquentes. Esquece o Poder Público de dar a eles o tratamento condizente à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 6º, ECA).

Não são raras vezes, temos conhecimento de denúncias de maus tratos e abusos sofridos pelos menores. Veja-se notícia divulgada no Carta Capital sobre a Fundação CASA - http://www.cartacapital.com.br/sociedade/adolescentes-relatam-maus-tratos-na-fundacao-casa/

O infanto-juvenil é imaturo e fácil de ser persuadido – principalmente os de baixa renda, que em geral têm também baixa escolaridade. Vivem sempre em carência afetiva pela ausência familiar e do básico para sobreviver.

Ansioso para pertencer a um grupo, sujeita-se a uma situação de total subserviência para se sentir “acolhido” ou sentir que tem algum valor. Diante da impossibilidade de encontrar essa valoração/projeção dentro da família, da sociedade, da comunidade onde reside, encontra na sagacidade do delinquente adulto o convencimento de que no crime terá espaço e apreço, e dessa forma é ilusoriamente arrastado precocemente para marginalidade e passa a cooperar como criminoso adulto.

Esse funesto vínculo de submissão por parte dos menores aos adultos delinquentes vem ocorrendo a olho nu por décadas, pela ausência de políticas públicas de prevenção e proteção aos menores e as suas famílias e clama por reparo. Esse fato, essa ascensão do delinquente adulto sobre o menor de baixa renda é do conhecimento de todas as autoridades que são pagas com o dinheiro público para cuidar e proteger esses menores, mas que nada fazem.

E aqui temos em nosso poder um documento que retrata de maneira única e verdadeira a realidade acima descrita: “Falcão - Meninos do Tráfico” é um documentário brasileiro produzido pelo rapper MV Bill, que retratou a vida de jovens de favelas brasileiras que trabalham no tráfico de drogas.

Negar essa realidade retratada por MV Bill é o que tem feito o Poder Público e a sociedade. Sabemos que esses menores desprotegidos deveriam ser amparados por instituições que recebem do Estado e têm por lei obrigação de acolhê-los e protegê-los, mas nada fazem.

Dentro desse contexto, em minha opinião, a violência pode ser traduzida como a expressão trágica de necessidades básicas não resolvidas. Às vezes somos expert como especialistas do Direito, ou em outras áreas técnicas, mas não temos o hábito de escutar as necessidades do outro, então deixamos de dialogar com as necessidades desses menores.

Na verdade a maioria de nós foge desse confronto. Esquecemos na verdade que essas crianças e adolescentes não são apenas um número a mais num educandário do governo e sim sujeitos de direitos. Entretanto, na consciência, sabemos que enquanto não alcançarmos as necessidades e sararmos as feridas que estão por trás das demandas desses menores, poderemos até solucionar o processo referente a cada um deles, mas o conflito maior vai continuar.

Então precisamos culpar alguém, e, o culpado será sempre o mais frágil. São os adolescentes que fogem ao padrão comum e por aí seguimos cheios de desculpas. Uma coisa é correta, mas não é feita: quanto mais procurarmos entender e ter a capacidade de escutar a necessidade desses menores, seu histórico de vida, mais seremos capazes de acolher e resolver esse impasse que tem dizimado milhares de jovens e que venho insistentemente denunciando - "o Holocausto Brasileiro".

E os números mostram a realidade desse massacre: o Brasil é um dos países mais violentos do mundo e as maiores vítimas são os jovens. Os jovens (indivíduos com idade entre 15 e 29 anos, de acordo com classificação acatada pela Secretaria Nacional da Juventude) representaram, somente eles, o montante de 53,5% (ou seja, 27.977) do total dos homicídios de 2010, sendo que a faixa etária de 20 a 29 anos (“jovens adultos”) foi a mais atingida, com 38,6% do total (o levantamento foi realizado pelo Instituto Avante Brasil – IAB, a partir dos dados disponibilizados pelo DATASUS - Ministério da Saúde).

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Escolas Restaurativas humanísticas que, através do amor ao próximo, resgatem essas vidas fariam toda a diferença. Esta é, sem dúvidas, a única ponte para que cesse o que denomino de “Holocausto Brasileiro” e dê dignidade a esses desvalidos da sociedade e do Poder Público.

Apenas dentro desse contexto é que será possível questionarmos e solucionarmos a adequada ressocialização, capaz de contribuir de fato para um futuro melhor, menos mortes, menos reincidência e a libertação desses jovens da opressão do poder do delinquente adulto.

Na prática, esses menores são apenas crianças e adolescentes sem dono, em sua maioria, ociosos, vagando nas periferias onde residem sem nenhuma assistência do Poder Público quando são convencidos pelos criminosos e iniciados na criminalidade. No início dessa associação do menor com o adulto delinquente, acredito que as razões principais sejam imaturidade, inexperiência, carência afetiva, pura necessidade de pertencer a um grupo.

Também acredito, por experiência própria, que os menores, principalmente os meninos, são mais ingênuos, acriançados, e quando caem na real já estão severamente comprometidos. A partir desse momento, o vínculo, que antes era por uma bagatela de atenção, passa a ser por uma questão de sobrevivência, falta de oportunidade de dar as suas vidas um destino diferente. Encurralado sem suas míseras comunidades, a maioria tem no bandido o único acolhedor.

A mídia populista ao longo dos anos tem reforçado cada mais a ideia de majoração da punição ou até mesmo a diminuição da maioridade penal, como se fossem as melhores, talvez as únicas saídas para a pacificação social. Neste ideal, levam junto uma sociedade revanchista que nem sequer questiona a necessidade desses menores e de políticas socioeducativas de alcance à família, sobretudo em periferias e comunidade carentes, como o caminho para evitar que crianças e adolescentes sejam atraídos e se envolvam com o crime.

Esses menores não são apenas números, mas cidadãos sujeitos de direito. Quem responde por esse prejuízo  causado ao infanto-juvenil?

Em outra oportunidade apontarei o segundo tema, citado no início deste texto, como responsável pela interpretação equivocada do ECA: o Conselho Tutelar.

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Sobre a autora
Conceição Cinti

Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Articulista de vários sites.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CINTI, Conceição. Quem disse que menor em confronto com a Lei não vai preso?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3406, 28 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22902. Acesso em: 24 abr. 2024.

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