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Dignidade humana e tráfico de pessoas.

Uma visão a luz do Direito Internacional e da responsabilidade do Estado

Leia nesta página:

Com a globalização e o crescimento das desigualdades sociais, o tráfico humano assumiu grandes proporções e gerou a necessidade de unir forças para combatê-lo, no âmbito internacional, traçando estratégias efetivas de combate ao crime organizado.

Resumo: O presente trabalho objetiva discorrer sobre o princípio da dignidade humana e sua repercussão nos Direitos Humanos e no âmbito do Direito Internacional. Através de metodologia de pesquisa, aborda a prática do crime de tráfico de pessoas e a responsabilidade do Estado na esfera de seu limite territorial. Apresenta conclusão pautada na mobilização do Direito Internacional ao combate do crime transnacional e à garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Palavras-chave: Dignidade. Direitos Humanos. Tráfico de pessoas. Direito Internacional.


INTRODUÇÃO

Sangue, suor e lágrimas. Medo. Escravidão. Prostituição. Palavras que permeiam o tráfico humano e clamam por seu combate. Como o Estado se posiciona quando tal barbárie se insere em seu território e qual a sua responsabilidade perante o Direito Internacional são objeto do presente estudo.

O artigo enfoca a primazia da dignidade e sua prevalência na esfera dos Direitos Humanos, especificamente no Direito Internacional. Analisa também como as nações se unem para a criação de mecanismos de combate e repressão ao tráfico humano.

Aborda a relativização da soberania e a responsabilidade objetiva do Estado frente às violações ocorridas em seu território, o enfrentamento e o dever de prestar assistência às vítimas.

Por fim, na conclusão, desenvolve uma avaliação de como o Direito Internacional se mobiliza no combate ao tráfico humano e garante a proteção dos direitos fundamentais nos Estados.


DIGNIDADE E DIREITOS HUMANOS

A origem da dignidade humana como valor a ensejar proteção especial remete ao cristianismo. “A consciência dos direitos humanos tem, na realidade, sua origem na concepção do homem e do direito natural estabelecida por séculos de filosofia cristã”. (MARITAIN apud MENDES, COELHO, BRANCO, 2010, p. 308).

No período iluminista – “fenômeno que lançou as sementes de um conceito moderno de pessoa humana baseado na dignidade e na valorização do indivíduo como pessoa” (SZANIAWSKY apud GALVANI, 2010, p. 33) – houve o reconhecimento e a consolidação da dignidade humana com valor a ser respeitado por todos.

A internacionalização da proteção aos direitos humanos teve início após a Segunda Guerra Mundial. As atrocidades cometidas sob a égide de suposta supremacia racial chocaram o mundo e impulsionaram a criação de normas capazes de viabilizar tal proteção, bem como a responsabilização dos Estados em caso de violação. Houve a efetiva “conversão em tema transcendente ao interesse estritamente doméstico dos Estados”. (PIOVESAN, 2000, p. 130).

A dignidade humana foi reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 e tida como inerente a todas as pessoas, titulares de direitos iguais e inalienáveis, assevera Piovesan (2010). Para a coexistência pacífica de todas as nações, em relação harmônica e amistosa, houve a relativização da soberania em favor da dignidade.

O princípio da dignidade da pessoa humana passou então a nortear as Constituições modernas, traduzindo-se em um direito fundamental indispensável à vida. Revestiu-se de caráter normativo e constituiu-se como fundamento do Estado Democrático Brasileiro.

A dignidade humana perpassa por todo o ordenamento jurídico e estabelece critérios de valoração destinados à hermenêutica jurídica, gozando de prioridade absoluta sobre interesses coletivos, segundo afirma Mendes, Coelho e Branco (2010). Entretanto o autor admite que tal valor não é absoluto pois é passível de sofrer limitações. “Tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, quando enfrentam outros valores de ordem constitucional”. (MENDES, COELHO, BRANCO, 2010, p. 316).

O autor esclarece que também no âmbito internacional as declarações de direitos humanos admitem expressamente limitações que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde, a moral pública ou os direitos e liberdades fundamentais de outros.

Destaca ainda que uma das tendências na evolução dos direitos humanos, que se verifica tanto no plano internacional quanto nos ordenamentos jurídicos internos, é a da especificação. “Alguns indivíduos, por conta de certas peculiaridades, tornam-se merecedores de atenção especial, exigida pelo princípio do respeito à dignidade humana. Daí a consagração de direitos especiais aos enfermos, aos deficientes, às crianças, aos idosos...O homem não é mais visto em abstrato, mas na concretude das suas diversas maneiras de ser e de estar na sociedade”. (MENDES, COELHO, BRANCO, 2010, p.330). Essa tendência se mostra relevante para assegurar proteção especial às vítimas do tráfico humano.


O TRÁFICO HUMANO E O DIREITO INTERNACIONAL

Embora sejam indissociáveis a liberdade e a dignidade humana, tal assertiva frequentemente é ignorada nos regimes autoritários e corruptos. A desigualdade e a pobreza abrem caminho para a busca de melhores condições de vida em outras nações. Nesse contexto, aliado às facilidades advindas da globalização, se aproveitam os aliciadores do crime organizado, ludibriando pessoas para posteriormente submetê-las às mais degradantes e desumanas situações.

Tais chicanas somente são percebidas pelas vítimas quando estas se encontram fora de seu território de origem. Os criminosos submetem-nas ao trabalho escravo e exploração sexual como forma de pagamento por despesas de viagem, moradia, alimentação. Muitas vezes retém documentos e passaportes, dificultando o retorno ao país.

O tráfico humano atinge mais mulheres e crianças em situação de extrema vulnerabilidade. Contudo, nos últimos anos, é crescente o número de homens vitimados.

Para enfrentar o problema que atinge milhões de pessoas em todo o mundo, a ONU promoveu a criação de estratégias e mecanismos de combate através da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional: a chamada Convenção de Palermo, que contou com 147 países signatários e foi realizada na Itália no ano de 2000.

Segundo Gomes (2009), a Convenção de Palermo é o instrumento mais abrangente no combate ao crime organizado transnacional porque prevê medidas e técnicas especiais de investigação, controle e combate à criminalidade organizada. Incentiva a cooperação e a assistência entre os Estados visando desarticular o crime organizado. Garante que os Estados membros devam criar mecanismos de denúncia e serviços de assistência às vítimas, para que estas sejam tratadas como pessoas vítimas de abusos graves.


O ESTADO E O TRÁFICO

A conduta do Estado para o enfrentamento do problema sugere uma política pública capaz de desenvolver estratégias de combate aliadas a uma intensa mobilização social. Com a participação da sociedade, medidas de informação, prevenção e coibição tendem a ser mais eficazes.

No Brasil, através do Decreto nº 5.948 de 2006, foi criada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – PNETP – que define o compromisso ao combate no âmbito nacional, com a participação do Estado e da sociedade civil.

Tais estratégias internas devem se alinhar às estratégias transnacionais de combate ao crime organizado, afirma Gomes (2009).

Outra faceta do enfrentamento se refere à atenção dispensada às vítimas dentro do território do Estado. Tal atenção se justifica para que possa haver a reconstrução da dignidade humana frente ao direito violado.

A Convenção de Palermo firma a atenção às vítimas do tráfico internacional de pessoas. Enfatiza a criação de meios que permitam a recuperação física, psicológica e social, com o auxílio da sociedade civil. Estabelece que o Estado tem o dever de garantir a segurança das pessoas vítimas de tráfico, enquanto estas se encontrarem em seu território, e de assegurar a possibilidade de obtenção de indenização pelo dano sofrido.

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Cabe ao Estado no qual o tráfico se manifesta o dever de punir, coibir e remediar, como visto no tópico anterior. É dentro dos limites de seu território que essa barbárie se consagra. O Estado deve responder efetivamente, de acordo com sua política interna e seu ordenamento jurídico. Ao declinar-se de sua atuação, pode ser responsabilizado na esfera Internacional.  “A partir do momento em que a voz da razão se cala e as normas do Direito Internacional são desrespeitadas, surge a necessidade de se adotar condutas severas com a finalidade atenuar os efeitos do crime”. (BORGES, 2006, p 137).

A responsabilidade do Estado é objetiva perante o Direito Internacional. Na interpretação dos tratados voltados para a proteção dos direitos humanos, prevalece a natureza objetiva das obrigações pactuadas, segundo Piovesan (2010). “O caráter objetivo das obrigações convencionais sobrepõe-se à identificação das intenções subjetivas das partes”. (TRINDADE, 2010, p. XLII).

Piovesan enfatiza que quando há violação, por ação ou omissão, de direitos humanos pelo Estado, implica em responsabilização internacional. A jurisdição internacional pode ser acionada mediante denúncia, a fim de que o Conselho de Segurança à Promotoria do Tribunal Penal Internacional investigue o crime. Para que o exercício da jurisdição ocorra é necessária a adesão do Estado ao tratado, ou seja, que o Estado reconheça expressamente a jurisdição internacional.


CONCLUSÃO

O sofrimento imposto às pessoas nas duas guerras mundiais trouxe a dignidade humana para a mesa de discussão das principais nações, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta constituiu verdadeiro marco histórico em promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, visto que houve a relativização da soberania das nações em prol da dignidade.

A pessoa humana passou a ser vista como sujeito de direitos internacionais e sua dignidade vista como inerente à ela, inalienável e indivisível.

Uma das violações mais degradantes à dignidade humana é o tráfico de pessoas. Com a globalização e o crescimento das desigualdades sociais, o tráfico humano assumiu grandes proporções e gerou a necessidade de unir forças para combatê-lo, no âmbito internacional, traçando estratégias efetivas de combate ao crime organizado. Os tratados internacionais visam estudar e oferecer instrumentos para o enfrentamento do problema e a Convenção de Palermo se destaca no âmbito de tal crime.

Dada a fragilidade fiscalizatória do sistema internacional, cabe ao Estado a tarefa de reprimir o tráfico dentro de seu território, punindo e coibindo o crime organizado, prestando assistência às vítimas. Portanto, é objetivamente responsável perante o Direito Internacional e estará sujeito às sanções sempre que direitos humanos forem violados e o Estado se quedar inerte.

O Direito Internacional representa um verdadeiro alicerce para a cooperação e o desenvolvimento de sociedades justas e harmônicas, nas quais os direitos humanos sejam respeitados.


HUMAN DIGNITY AND HUMAN TRAFFICKING: an overview of international law and state responsibility

ABSTRACT: The objective of the present study is to discuss about the principle of human dignity and its impact on Human Rights and under international law. Through research methodology, addresses the crime of human trafficking and state responsibility of international law to combat transnational crime and guarantee of fundamental rights of human being.

KEYWORDS: Dignity. Human rights. Human traffcking. International law.


REFERÊNCIAS

BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional humanitário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

GALVANI, Leonardo. Personalidade jurídica da pessoa humana: uma visão do conceito de pessoa no Direito Público e Privado. Curitiba: Juruá, 2010.

GOMES, Rodrigo Carneiro. O crime organizado na visão da Convenção de Palermo. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional. São Paulo: Max Limonade, 2000.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2010.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Apresentação. In: Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. XXXVII a XLVI.

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Sobre a autora
Andrea Cristina Matos Siqueira

Advogada em Belo Horizonte (MG). Especialista em Direito Constitucional. Mestre em Direito Público Internacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Andrea Cristina Matos. Dignidade humana e tráfico de pessoas.: Uma visão a luz do Direito Internacional e da responsabilidade do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3417, 8 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22974. Acesso em: 23 nov. 2024.

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