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Judicialização da competição política e eleições municipais no Rio Grande do Sul

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O direito processual eleitoral vem sendo utilizados como instrumento no jogo político, como mais uma forma de desestabilizar o adversário ou anular resultados desfavoráveis do que para o combate à corrupção.

Resumo: Este trabalho pretende construir um perfil da judicialização da competição política no Rio Grande do Sul, a partir da premissa de que ela se dá no momento da formulação das regras do jogo e não no resultado final da intervenção da Justiça Eleitoral. Com base nos dados referentes às eleições municipais de 2008 e na construção do perfil da judicialização da competição política local pretende-se fornecer elementos para novas agendas de pesquisa e sinalizar para a existência de alguns indicativos referentes aos impactos existentes na competição política local a partir da intervenção da Justiça Eleitoral.

PALAVRAS-CHAVE: judicialização, competição política, eleições municipais.


Introdução

Este trabalho pretende construir um perfil da judicialização da competição política no Rio Grande do Sul, a partir da premissa de que ela se dá no momento da formulação das regras do jogo e não no resultado final da intervenção da Justiça Eleitoral. A temática em torno da judicialização da política tem adquirido amplo espaço de discussão no ambiente acadêmico, porém, com focos específicos, como por exemplo, o controle de constitucionalidade das leis, deixando-se de abranger outros aspectos interessantes para a compreensão do fenômeno como a própria dinâmica das eleições municipais e atuação do Poder Judiciário nesse campo.

Com base nos dados referentes às eleições municipais de 2008 e na construção do perfil da judicialização da competição política local pretende-se fornecer elementos para novas agendas de pesquisa e sinalizar para os seguintes pressupostos: 1) A judicialização da política, nesse contexto, não ocorre no aumento do número de processos, nem mesmo no aumento da intervenção do Poder Judiciário na dinâmica da competição eleitoral, mas sim, no momento em que são elaboradas as leis que regulam os pleitos e períodos que sucedem e antecedem o mesmo; 2) Os mecanismos de combate à corrupção eleitoral estão sendo utilizados como mais um instrumento para contestar os resultados das eleições, fazendo com que grupos políticos possam ter mais uma oportunidade de chegar ao poder ou pelo menos, competir novamente caso todas as outras alternativas de competição tenham falhado; 3) as possibilidades de acesso à Justiça Eleitoral e a sua intervenção dos pleitos, têm alterado significativamente a dinâmica da competição política/eleitoral no nível municipal.

Para tanto, apresenta-se na primeira seção um breve esboço teórico do que se trata a judicialização da política, em seguida detalha-se os passos metodológicos utilizados para o levantamento e análise dos dados, para então apresentar os dados coletados na pesquisa e o tratamento dado a eles com base nos pressupostos deste trabalho. Por fim, apresenta-se as considerações finais contendo elementos para novas pesquisas sobre o tema.


1. Judicialização e Competição Política

É uma afirmação recorrente em vários estudos que o Poder Judiciário vem se expandindo em âmbito mundial e que este fenômeno vem ensejando o debate sobre a judicialização da política. O crescimento da procura pela via judicial para a resolução de conflitos antes solucionados na arena política, ocasionada por diversos fatores, entre eles a influência dos modelos norte-americanos nas demais democracias, especialmente aquelas surgidas na Terceira Onda de democratização (HUNTINGTON, 1991), tem sido tema de vários estudos, inclusive no Brasil, desde a publicação da obra de Tate e Vallinder (1995). Tais autores convencionaram chamar esse fenômeno de judicialização da política, e a agenda de pesquisa assim como o termo, vem sendo objeto de debates na ciência política contemporânea.

No Brasil, a maioria dos estudos acabou centrando-se no objetivo de comprovar a existência ou não da judicialização da política, tendo como objeto de estudo as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs). Tendo como base esse universo de pesquisa, a tendência foi refutar o termo ou negar a existência do fenômeno, pelo menos completa, de uma judicialização da política no Brasil. Este trabalho se posiciona contrário a esse argumento e tem a pretensão de contribuir para formulação de outros enfoques de estudo sobre a judicialização da política. Partimos, portanto, do argumento de Ferejohn (2002), de que a judicialização ocorre no momento da definição das regras do jogo que irão constranger atores nas disputas políticas, e não necessariamente no resultado final de ações que ensejaram a intervenção do Poder Judiciário.

Sendo assim, especificamente no que concerne a temática deste trabalho, desconsideramos a idéia de que a influência do Poder Judiciário se daria no resultado final do processo político, e tomamos a concepção de que o momento da definição das regras do jogo que balizam a disputa política – no caso, a legislação eleitoral – e o modelo de Governança Eleitoral adotado, é que ocasionam um ambiente institucional favorável para a judicialização.

Para começar a percorrer este caminho teórico, é preciso lembrar que o modelo de Justiça Eleitoral brasileiro nasceu da preocupação com a corrupção. Tal preocupação foi uma das bandeiras da Revolução de 30 (SADEK, 1995), e continua presente nos movimentos que deram origem a Lei 9.840/99, que modificou a Lei 9.50497, basicamente incluindo a possibilidade de cassação de diploma nos casos de captação ilícita de sufrágio, e recentemente, a Lei Complementar 354/2010, conhecida como a Lei da Ficha Limpa, que modifica a Lei nº 64/1990, conhecida como a Lei das Inelegibilidades, tornando inelegíveis pelo período de oito anos os atores políticos que tenham sido condenados por um colegiado de juízes, entre outros, por crimes eleitorais. Tendo como pano de fundo essa necessidade de minimizar as influências prejudiciais da corrupção, soluções institucionais vêm sendo elaboradas para inibir a corrupção política e eleitoral.

No sentido semântico, corromper significa degradar, deteriorar ou decompor as propriedades originas de alguma coisa (BRANDÃO, 2008). Em seu sentido mais genérico, a corrupção não é uma exclusividade da política, sendo praticada no setor público e privado, em instituições sindicais, religiosas, sociais, e até mesmo em termos de relações individuais e intergrupais.

No entanto é visível que este tema, tratado desde o pensamento clássico, ganhou notoriedade nos tempos atuais relacionado especialmente à política. Em seu conceito mínimo, ou seja, “a sobreposição de interesses privados ao interesse público” (FILGUEIRAS, 2008a, p. 155), geralmente associa-se a vantagens de ordem material e financeira. Mas, conforme Hébette (2008), existem vários outros tipos de benefícios como poder, prestígio, classificação em determinada competição, vantagem eleitoral, etc.

No que concerne à corrupção política, não é possível dizer que há uma teoria especifica para explicá-la, pois não há consenso em nenhuma etapa do pensamento social sobre o que ela vem a ser, suas causas e suas conseqüências (FILGUEIRAS, 2008). Segundo o autor, existem duas agendas de pesquisa sobre a temática dentro da Ciência Política, uma ligada à Teoria da Modernização e outra ligada à Teoria da Escolha Racional. Para a primeira, a corrupção se relaciona com mudanças sociais das quais decorrem falhas no sistema institucional da política (HUNTINGTON, 1975). Ou seja, quando as instituições políticas não se adaptam às mudanças, cria-se um contexto favorável para comportamentos corruptos. Dentro dessa abordagem, abriga-se a idéia de que a corrupção pode ser um lubrificante para o desenvolvimento, desde que mantida sob controle (NYE, 1967).

Já na segunda abordagem, a preocupação é focada menos na estrutura institucional e mais nas escolhas e contextos que influenciam estas escolhas (ACKERMAN, 1999). As duas correntes têm em comum a concepção de que a corrupção é gerada num sistema que equilibra interesses e incentivos. Na literatura sobre o assunto, há consenso de que a corrupção política sempre esteve presente no Brasil, variando em termos de percepção e tamanho desde a colônia, perpassando o Império, a Primeira República, a ditadura militar, até a contemporaneidade. Para Schwarcz (2008), o tamanho da corrupção depende da natureza e do volume do Estado, ou seja, num regime autoritário ela pode ser maior pelas dificuldades de controle, porém, a democracia aumenta as oportunidades para que ela ocorra devido ao grande volume e mobilidade de recursos.

Entre afirmações de que a democracia seria o regime mais vulnerável à corrupção, “condenada a ser a mais corrupta das ordens políticas” (SANTOS, 2008, p. 125), o fato é que sua disseminação e ausência de controle podem ocasionar a instabilidade do regime, representando uma ameaça para a consolidação da democracia, especialmente em regimes onde ela é mais recente. Sendo assim, têm sido freqüentes as reformulações da legislação e da arquitetura institucional para controlar a corrupção em sua faceta política, aumentando a quantidade de mecanismos e a sua rigidez. Essa multiplicidade de controles pode ser agrupada em dois tipos: o accountability vertical e o accountability horizontal. O primeiro é a forma de controle que se refere à dimensão pública, ou seja, o governo é obrigado a prestar contas e o eleitorado avalia se elas estão de acordo com suas expectativas ou preferências. No caso de não estarem, o controle será feito nas urnas, ou seja, pela responsabilização eleitoral através do voto (O’DONNEL, 1998).

O segundo refere-se à dimensão judicial/legal do controle: são ações para assegurar que as atitudes das pessoas que ocupam cargos públicos estejam de acordo com o marco legal, e pressupõe estratégias institucionais de moderação entre os poderes e existência de agências estatais, legalmente habilitadas e capacitadas para tomar medidas, desde a supervisão de rotina até as sanções máximas, como o afastamento de agentes do Estado cujas ações ou omissões possam ser caracterizadas como ilegais (O’DONNEL, 1998). Embora o conceito de accountability vertical seja muito importante para a compreensão da dinâmica das democracias, preocupar-nos-emos aqui com o accountability horizontal. Ou seja, a corrupção tem causado inquietações acadêmicas e institucionais, e tem representado ameaças para a estabilidade democrática, ensejando a elaboração de um conjunto de propostas anti-corrupção, nas quais, segundo Barbosa Filho (2008), o Poder Judiciário tem ganhado papel de destaque.

O Poder Judiciário passa a ser considerado a instituição-chave para o combate à corrupção, sendo conferido a este uma série de poderes e atributos, dentro de princípios de autonomia, integridade e eficácia. A autonomia significa a independência dos juízes em relação a outros poderes e suas possíveis pressões; a integridade diz respeito ao compromisso dos juízes com o Direito – do contrário, ela poderia se tornar em si uma poderosa e autônoma instituição corrompida e corruptora – e por fim, a eficácia, que compreende a desburocratização dos processos, rapidez nas decisões, transparência no funcionamento do Judiciário, abertura às demandas da sociedade e a disseminação da cultura de respeito à lei (BARBOSA FILHO, 2008). Para o autor, o Judiciário organizado nesses três eixos reduziria a corrupção a níveis toleráveis, sendo, portanto, a principal instituição organizada para o accountability horizontal.

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É importante observar que esse controle não acontece somente no âmbito eleitoral, foco da pesquisa em questão, e sim, agências estatais especializadas são responsáveis por outros níveis da corrupção política. É o caso, por exemplo, do Tribunal de Contas da União – TCU, em torno da improbidade administrativa. Aqui prestaremos atenção no accountability horizontal exercido no intuito de enfrentar a corrupção na dinâmica eleitoral e garantir assim a legitimidade das eleições e a confiabilidade dos seus resultados.

Faz-se necessário lembrar que as democracias contemporâneas são arranjos representativos. A representação foi a saída encontrada para estabelecer a democracia – que em seu berço, a Grécia, era direta – em sociedades complexas em termos de tamanho e diferenciação. No caso da democracia grega, os cidadãos não delegavam aos governantes a responsabilidade de decidir por eles em questões de seu interesse, eles mesmos o faziam (SARTORI, 1999). Porém, isso só era possível porque os territórios e o conjunto de cidadãos eram diminutos se comparados aos Estados constituídos nos moldes atuais. Sendo assim, optou-se pela realização de eleições livres e periódicas para a escolha de representantes.

Desde um conceito minimalista de democracia, a existência de eleições é o pilar da sua consolidação na modernidade (PRZEWORSKI, 1994). Através delas, o eleitor escolheria seus representantes mediante a consonância de seus interesses e as propostas do candidato. Porém, este processo não é isento de falhas e pode apresentar problemas que comprometam a legitimidade do pleito e consequentemente, dos governos eleitos. Tais problemas, embora possam vir de falhas institucionais do próprio sistema eleitoral adotado, em sua maioria, acabam se originando nas práticas de corrupção eleitoral (MELO, 2008).

Diante de tais problemas, que são capazes de desvirtuar o corpo de representantes e representar uma ameaça à estabilidade democrática, cada vez mais os países têm operacionalizado reformas eleitorais no sentido de aprimorar a confiabilidade de seus processos eleitorais. A credibilidade do processo eleitoral depende da forma como são organizadas e controladas as eleições. Conforme Sadek (1995, p. 26),

“(...) de nada adiantam eleições competitivas e nas quais milhões de cidadãos tenham direito de participar, se o alistamento, a emissão do voto, a apuração e a proclamação dos resultados acham-se sujeitos a intromissões que possam adulterar a livre manifestação do eleitor”.

As soluções institucionais encontradas para combater a corrupção e os demais problemas que possam surgir dentro do processo de escolha de representantes dependem do modelo de Governança Eleitoral adotado em cada país. A Governança Eleitoral é uma variável crucial, segundo Mozaffar e Schedler (2002), na garantia da credibilidade das eleições em democracias emergentes, mas continua sendo negligenciada nos estudos comparados sobre a democratização. Para estes autores, isso se deve ao fato da Governança Eleitoral só atrair as atenções quando produz maus resultados, e tende a ser esquecida quando é eficaz, obscurecendo-se assim a relevância empírica e analítica para os estudos sobre democracia.

Os autores conceituam Governança Eleitoral como um conjunto de atividades que envolvem a formulação das regras (rule making), a aplicação das regras (rule application) e o julgamento dos contenciosos relativos a elas (rule adjudication). Ou seja, seria o “conjunto de regras que organizam a competição político-eleitoral” (MARCHETTI, 2008, p. 866). O primeiro nível, o rule making, refere-se à escolha e à definição das regras básicas para a competição eleitoral; o segundo nível, o rule application, envolve a aplicação das regras e a administração do processo eleitoral; e no terceiro, o rule adjucation, está incluída a resolução de possíveis litígios entre os competidores.

A divisão dos níveis de Governança Eleitoral feita por Mozaffar e Schedler (2002) não quer dizer que estes sejam atribuição de um único órgão. O rule making em geral está dentro das normas constitucionais e do Código Eleitoral, e o rule application e rule adjudication, concentram-se no próprio Organismo Eleitoral (OE). Existem esforços da literatura recente em desenvolver critérios para classificar e avaliar o desenho dos OEs e seu impacto no jogo eleitoral, mas este varia muito de país para país. Mozaffar (2002) aponta que a eficácia de um OE depende em grande parte de sua autonomia em relação ao governo. Eles podem ser, portanto, governamentais, quando são vinculados ao Poder Executivo ou a um órgão deste, independentes, quando não sofrem influência do Poder Executivo ou Legislativo, ou mistos, em países que contam com dois Organismos Eleitorais, um vinculado ao governo e outro independente (MARCHETTI, 2008). Para Hartley, McCoy e Mustillo (2008, p. 92), “Organismos Eleitorais profissionalizados e independentes oferecem uma chance muito maior de eleições bem sucedidas”.

Uma Governança Eleitoral eficaz não garante por si só boas eleições, pois uma complexa variedade de fatores sociais, econômicos e políticos afetam o processo, a integridade e os resultados das eleições. Mas, para Mozaffar e Schedler (2002), boas eleições são impossíveis sem uma Governança Eleitoral eficaz.

Levando em consideração a reconstrução histórica da trajetória da Justiça Eleitoral feita por Sadek (1995), em síntese pode-se dizer que a Justiça Eleitoral brasileira – nosso Organismo Eleitoral – e nosso modelo de Governança Eleitoral são conseqüências da Revolução de 30 e das bandeiras do Movimento, entre elas, a moralização das eleições, manipuladas naquele período pela máquina majoritária. Sendo assim, o modelo nasceu no Brasil visando à restrição da influência dos interesses políticos na administração e execução dos processos eleitorais (MARCHETTI, 2008).

Segundo Marchetti (2008), o modelo tradicional de Governança Eleitoral baseado em Organismos Eleitorais vinculados ao Executivo, só foi substituído na maioria dos países após a terceira onda de democratização. No caso brasileiro, essa substituição se deu muito tempo antes, justamente pela preocupação latente naquele período com a corrupção presente nos processos eleitorais, e ainda, a Justiça Eleitoral foi criada em intersecção com o Poder Judiciário, o que denota a desconfiança em relação à política no pensamento brasileiro. O Judiciário, nesse contexto, é tido como imune aos interesses políticos, e capaz, portanto de moderar as forças majoritárias.

Desde a instituição da Justiça Eleitoral em 1932, o modelo de Governança Eleitoral brasileiro concentra os três níveis atividades – rule making, rule application e rule adjudication - nesse único órgão. Ela tem condições de elaborar as regras básicas para os pleitos (regulamentos, resoluções, decretos, etc), funções administrativas, executivas e de decisão sobre contenciosos eleitorais. Com base nesses argumentos, podemos aferir que o modelo de Governança Eleitoral brasileiro é, por si só e desde sua raiz, judicializado, e a persistência do mesmo ao longo dos anos tem possibilitado um cenário favorável à judicialização da competição político-partidária.

Aos poucos, o imperativo do enfrentamento à corrupção eleitoral, a ponto de impedir que este problema pudesse inferir na credibilidade das eleições, foi impelindo à legislação e à Justiça Eleitoral à necessidade de aperfeiçoamentos contínuos, que foram feitos, por exemplo, com a instituição das cabines indevassáveis e envelopes oficiais, mais tarde a cédula única que passou a ser utilizada em 1955, a urna eletrônica instituída em 1996, e as modificações na legislação na década de 1990, com a Lei 9.504/1997 modificada pela Lei 9.840/1999.

A promulgação de tais leis teve seus efeitos. Entre os anos 2000 e 2007, segundo Melo (2008), foram cassados 623 políticos no Brasil, 508 dos quais Prefeitos e seus vices. Os dados, segundo o autor, revelam o crescimento linear do número de cassados, porém, muitos casos referentes a eleições passadas ainda tramitavam sem respostas. Para ele, isso se deve a problemas de ordem institucional, que dificultam a intervenção da Justiça Eleitoral, como por exemplo, a adoção do sistema de lista aberta, o grande número de partidos e candidaturas a cada eleição, o que evidentemente ocasiona uma demanda maior que a capacidade de atendimento em termos de recursos técnicos, materiais e humanos.

Em outras palavras, a própria formulação das leis que regulam o processo eleitoral conferiu a uma instância do Poder Judiciário o poder de executar todas as etapas relativas a ele, e especialmente, atribuiu a este órgão a competência de julgar os conflitos surgidos relativos às eleições. Toda essa abertura institucional tem sido vislumbrada pelos competidores políticos como uma nova alternativa dentro do jogo eleitoral, alterando, portanto, a dinâmica da competição político-partidária ao incluir um novo ator com uma possibilidade de influência decisiva no resultado do pleito.

Embora a legislação eleitoral tenha sido modificada por novas normas, pouco mudou no modelo institucional da Justiça Eleitoral, que continua tal e qual estabelecido na Constituição de 1988, que definiu, em seu Artigo 118, que os órgãos da Justiça Eleitoral são: 1) Tribunal Superior Eleitoral; 2) Tribunais Regionais Eleitorais; 3) Juízes Eleitorais; 4) Juntas Eleitorais. O TSE é órgão superior para decisões acerca da administração e execução do processo eleitoral e ainda configura-se na última instância de recurso do contencioso eleitoral. Já os TREs têm sede na capital dos Estados e participa do processo de administração e execução do processo eleitoral na sua jurisdição, sendo a segunda instância de recurso. O Juiz Eleitoral é escolhido pelos TREs para atuar na jurisdição local, ou seja, nas Zonas Eleitorais, e funciona como primeira instância de recurso; já as Juntas Eleitorais são órgãos temporários que servem apenas para execução do processo eleitoral durante a sua realização (FLEISCHER e BARRETO, 2009). A partir da descrição da hierarquia das instâncias, verifica-se ainda que todas elas, inclusive a mais simples e temporária, a Junta Eleitoral, tem intersecção direta e exclusiva com o Judiciário.

Para Zauli (2011), assim como o modelo de controle de constitucionalidade das leis, como já relatado nas páginas anteriores, tem sido alvo de críticas por aqueles que temem um governo de juízes, as atribuições da Justiça Eleitoral sobre todos os níveis da Governança Eleitoral brasileira já vem suscitando manifestações contrárias à manutenção do modelo. Para o autor:

Em se tratando de um modelo de Governança Eleitoral no qual a Justiça Eleitoral é responsável tanto pela aplicação das regras eleitorais quanto pelo julgamento de controvérsias de cunho eleitoral, alguns críticos perguntam se não estaria a Justiça Eleitoral, por meio de suas decisões, usurpando funções de natureza legislativa ao regulamentar os processos eleitorais e julgar com base em seus próprios regulamentos as controvérsias de natureza eleitoral (ZAULI, 2011, p. 284).

Sendo assim, mesmo não concordando necessariamente com o argumento apresentado, abre-se espaço à crítica no sentido de demonstrar que o fenômeno da judicialização da competição política vem se tornando um tema de interesse de pesquisadores brasileiros em diversas áreas, a ponto de já estarem surgindo inquietações intelectuais acerca da possibilidade do modelo atual de Governança Eleitoral extremamente judicializado não ser a solução mais adequada para corrigir as falhas nas instituições, enfrentar a corrupção eleitoral, compensar déficits democráticos e/ou garantir a credibilidade e legitimidade do sistema democrático representativo.

No próximo item, a fim de fazer um aproveitamento melhor dos conhecimentos que a pesquisa empírica pode permitir, descreveremos os passos metodológicos utilizados para colher e analisar os dados, que servirão de subsídio para discutir a proposta e as hipóteses deste trabalho. Portanto, passaremos a referir as principais fases da pesquisa com o objetivo de identificar e clarear o caminho percorrido até a interpretação dos dados, com isso, possibilitando um julgamento mais operacional das conclusões obtidas a partir da investigação em questão.

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Sobre a autora
Juliana Costa Meinerz Zalamena

Graduada em Serviço Social, graduanda em Sociologia, Mestranda em Ciência Política.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZALAMENA, Juliana Costa Meinerz. Judicialização da competição política e eleições municipais no Rio Grande do Sul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3424, 15 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23021. Acesso em: 24 dez. 2024.

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