As relações do " business to consumer " (B2C) no âmbito do " e-commerce ":
(i). Considerações Iniciais:
As relações jurídicas decorrentes das operações realizadas no âmbito do " e-commerce " através da rede mundial, se encontram na ordem do dia das grandes nações. O crescente volume na comercialização de equipamentos de informática tanto para o uso empresarial, quanto para o uso doméstico, têm despertado os interesses de grandes investidores, já estamos diante de um mercado em potencial crescimento.
Entendemos que o " e-commerce ", conhecido aqui no Brasil como comércio eletrônico, nada mais é que uma modalidade de compra à distância, consistente na aquisição de bens e/ou serviços, através de equipamentos eletrônicos de tratamento e armazenamento de dados, nos quais, são transmitidas e recebidas informações. Sendo uma das possíveis formas de comércio à distância, como os casos de vendas por catálogo, por telefone, pela televisão e tantas outras.
Assim, o comércio eletrônico passou a ser difundido na medida em que a " rede ", começou a se alastrar mundo a fora, trazendo na seqüência o surgimento das " lojas " e " shoppings " virtuais, uma elevada gama de ofertas apresentadas para a aquisição de bens e/ou serviços, pode ser visitada no mundo inteiro pelos consumidores, que de dentro de seus escritórios e/ou residências, têm a possibilidade de realizarem compras que vão desde um bilhete de cinema até um automóvel, bastando para tanto um computador conectado a rede mundial por meio de um provedor de acesso.
Em outras palavras, comprar através da Internet, pode proporcionar ao consumidor comodidade, escolha e em alguns casos bons preços. Através do computador, em local mais útil e cômodo para si, o consumidor poderá através, com um simples click, adquirir bens e/ou serviços, 24 (vinte e quatro) horas por dia, quase em todo o mundo.
As vantagens e benefícios apresentados, são dos mais atraentes, tudo isso poderá ser feito sem filas, congestionamentos, multidões, empurrões e outros problemas enfrentados quando do deslocamento até uma loja ou shopping center.
Contudo, as aquisições de bens e/ou serviços através do " w.w.w. ", ainda encontram inúmeros focos de resistência entre os consumidores, na medida em que a questão central para a perfectibilização das operações de consumo, reside na preocupação de que as compras estariam ou não sendo realizadas em ambiente seguro.
Embora, o tema seja bastante polêmico, não nos parece que esta modalidade de compra, seja menos arriscada que qualquer outra forma de venda à distância.
De outro lado, temos que no âmbito do " world wide web " alguns aspectos devem ser verificados pelos consumidores, e com isso várias dúvidas acabam surgindo, tais como: a) quais as cautelas a serem adotadas no momento em que serão realizadas as compras ? b) quais as formas com as quais poderão ser solucionados os eventuais conflitos ? c) qual a legislação será passível de aplicação ? d) onde encontrar a empresa virtual em casos de reclamações ? a empresa que oferece bens e/ou serviços existe efetivamente ou não ?
(ii). Os Códigos de Conduta – A tendência mundial:
Uma das maneiras que os " comerciantes virtuais ", tem adotado para conquistar a confiança necessária dos consumidores (internautas), que tencionam adquirir produtos, bens e/ou serviços através do " w.w.w. ", é desenvolvimento de códigos de boa conduta, decorrentes das práticas comerciais.
O que vale dizer, por meio de associações de classe (fabricantes / fornecedores / comercializadores), entidades governamentais e associações e/ou institutos de consumidores, nacionais e/ou estrangeiros, estabelecem entre si, as formas de disciplinamento das relações de consumo advindas do comércio eletrônico, sempre com respaldo nos termos previstos nas respectivas legislações.
Essa forma de certificação, que poderá se caracterizar por meio de logotipos ou marcas identificativas, asseguram a possibilidade de maiores garantias aos consumidores, que poderão adquirir bens ou serviços com maior segurança, junto aos " estabelecimentos virtuais " identificados.
A titulo de ilustração, em Portugal através de um projeto piloto financiado pela União Européia e desenvolvido pela Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), denominado " Mercúrio ", impõe que as empresas com atividades voltadas ao " e-commerce ", a subscreverem um código de conduta, que estabelece alguns padrões de qualidade. Além disto, tais empresas devem aderir ao código de conduta da Associação Portuguesa para Defesa do Consumidor (DECO), que certifica as lojas de comércio eletrônico, que cumprem determinadas obrigações.
Para que se tenha uma idéia, esta iniciativa, designada " Web Trader ", já engloba 10 (dez) associações de consumidores do Reino Unido, Portugal, Holanda, Bélgica, França, Itália, Grécia, Suíça e Argentina, e foi inserida no contexto de um projeto financiado pela União Européia. Este código de conduta, é comum a 08 (oito) das associações aderentes, excetuando-se as associações do Reino Unido e da Holanda. Seguindo esta linha, a " Eurocommerce ", entidade européia que congrega as associações de fornecedores, lançou em abril de 2000, o Código de Conduta Europeu para Relações Comerciais em Linha.
Em termos práticos, podemos dizer que as lojas virtuais, são certificadas pelas associações de consumidores do país onde estiverem estabelecidas. Este código certifica que os fornecedores aderentes, se comprometem a adotar critérios de boa prática mercantil, tanto na forma de apresentação dos produtos e/ou serviços descritos no seu estabelecimento, quanto as normas e políticas de segurança, privacidade e os procedimentos à serem adotados em casos de insatisfação.
E mais, na hipótese do consumidor virtual, suspeitar que uma loja aderente ao código de conduta, não está respeitando as regras estabelecidas, poderá reclamar diretamente junto a respectiva associação, ou entidade certificadora, as quais, deverão investigar e, se entenderem pela ocorrência de descumprimento, poderão inclusive, cassar-lhe a certificação.
(iii). O " business to consumer " (B2C) no Brasil:
No âmbito do Direito Brasileiro, ainda não encontramos uma legislação específica, que venha as disciplinar o " business to consumer ", assim entendemos que as relações jurídicas perfectibilziadas através da rede mundial de computadores, seguem os ditames previstos no Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), especialmente no que pertine ao disposto nos Incisos I a XIII, artigo 39, que em linhas gerais, onde são caracterizados os aspectos considerados como formas de práticas abusivas, que podem causar prejuízos incomensuráveis aos consumidores.
Além disto, se encontram em tramitação, junto a Comissão Especial de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, inúmeros projetos de lei que cuidam do documento eletrônico e da assinatura digital, dentre eles, os projetos de lei de n.ºs. 4.906/2001; 1483/1999 e 1.589/1999.
Tais projetos após longo debate junto a sociedade civil, foram objeto de analise e estudo, consolidando a elaboração de relatório datado de 08 de agosto p.p., pelo Deputado Federal Júlio Francisco Semeghini Neto, que exarou seu voto pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa, pugnando no mérito, pela aprovação dos mesmos, na forma do Substitutivo ao Projeto de Lei n.º 4.906/2001.
O aludido substitutivo, cuida da validade jurídica e o valor probante do documento eletrônico e da assinatura digital, regulando a certificação digital e instituindo normas para as transações de comércio eletrônico, temas dos quais, já tivemos oportunidade de nos manifestar em outros estudos.
Porém, dentre as outras providências constantes no Substitutivo ao Projeto de Lei, encontramos no Título V, disposições de grande relevância que tratam do comércio eletrônico. No Capítulo I, os artigos 25 a 29, disciplinam os critérios de contratação no âmbito do comércio eletrônico. Já no Capítulo II, encontramos as normas relativas a proteção e defesa do consumidor no âmbito do comércio eletrônico (arts. 30 a 32). Assim, diz o artigo 30:
" Aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa do consumidor vigentes no País, naquilo que não conflitar com esta Lei. "...
O que vale dizer, o legislador está a reconhecer a necessidade de aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, de sorte que os consumidores / internautas, sejam protegidos contra eventuais práticas abusivas decorrentes das empresas virtuais.
Ainda como forma de garantia aos consumidores que venham a adquirir bens e/ou serviços, conforme o disposto no artigo 31,
a oferta dos mesmos pelas empresas virtuais, deverão ser realizadas em ambiente seguro, devidamente certificado, e contendo claras e inequívocas informações sobre os seguintes aspectos:
a) nome ou razão social do ofertante;
b) número de inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda, e, em se tratando de serviço sujeito a regime de profissão regulamentada, o número de inscrição no orgão fiscalizador;
c) domicílio ou sede do ofertante;
d) identificação e sede do provedor de serviços e armazenamento de dados;
e) número de telefone e endereço eletrônico do ofertante para contato;
f) tratamento e armazenamento, pelo ofertante, do contrato ou das informações fornecidas pelo destinatário da oferta;
g) instruções para o arquivamento do contrato eletrônico pelo aceitante, bem como para a sua recuperação no caso de necessidade e,
h) os sistemas de segurança empregados na operação.
Seguindo ainda no âmbito das posturas que deverão ser adotadas pelos ofertantes de bens e/ou serviços, impõe o artigo 32 que:
..." Para o cumprimento dos procedimentos e prazos previstos na legislação de proteção e defesa do consumidor, os adquirentes de bens, serviços e informações por meio eletrônico, poderão se utilizar da mesma via de comunicação adotada na contratação para efetivar notificações e intimações extra-judiciais.
§ 1.º - Para os fins do disposto no caput deste artigo, os ofertantes deverão, no próprio espaço que serviu para o oferecimento de bens, serviços e informações, colocar à disposição dos consumidores área específica, que permita o armazenamento das notificações ou intimações, com a respectiva data de envio, para eventual comprovação.
§ 2.º - O ofertante deverá transmitir uma resposta automática aos pedidos, mensagens, notificações e intimações que lhe forem enviados eletronicamente, comprovando o recebimento. "...
Outro aspecto que nos parece de grande pertinência, e que diga-se de passagem, foi muito bem enfocado pelo amigo e ilustre Deputado Federal Júlio Francisco Semeghini Neto, reside no fato de que para as soluções dos litígios decorrentes das matérias tratadas pela Lei, poderá ser empregado o sistema de arbitragem, obedecidos os parâmetros da Lei n.º 9.037, de 23 de setembro de 1996, bem como a possibilidade de adoção dos acordos internacionais, dos quais o Brasil seja parte.
(iv) Conclusões
Evidentemente, os países mais avançados já se utilizam de mecanismos revestidos de juridicidade para o disciplinamento das relações oriundas do " business to consumer ", evidenciando a constante preocupação de atender aos consumidores, outorgando-lhes formas seguras para a concretização dos negócios realizados no " world wide web ", sob a forma de venda à distância.
Sob a ótica do direito brasileiro, entendemos que apenas as disposições constantes no Código de Defesa do Consumidor (CDC), servem de sustentáculo para a proteção dos consumidores / internautas, visto que ainda não possuímos legislação específica a tratar do tema.
Inobstante a este aspecto, a questão do comércio eletrônico tem que ser objeto de apreciação urgente pelo Congresso Nacional, de sorte, que venha a nascer uma legislação voltada a implementação de critérios de confiabilidade e segurança para os consumidores da grande rede, intensificando os investimentos e o conseqüente crescimento do " comércio virtual ".