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O adimplemento substancial como causa impeditiva da resolução contratual

11/12/2012 às 15:58
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Se do credor for retirado o direito à rescisão e consequente retomada do bem, isso importará no perdão do débito, já que o devedor terá assegurado o direito de permanecer com o bem e, por não ter qualquer outro patrimônio, obterá o equivalente ao perdão judicial da dívida, em total desprestígio aos princípios da segurança jurídica e boa-fé.

I - INTRODUÇÃO

De acordo com a disposição contida no art. 475 do Código Civil, a parte lesada pelo inadimplemento contratual pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Todavia, a doutrina tem sustentado e a jurisprudência tem acolhido a teoria do adimplemento substancial do contrato como causa impeditiva do exercício do direito à rescisão contratual.

Essa teoria apregoa que o credor não pode rescindir o contrato na hipótese de cumprimento de parte substancial da obrigação assumida, competindo-lhe a adoção de outras providências para cobrar o que ainda lhe é devido.

O artigo que se segue procura delinear as condições que estão sendo admitidas pela jurisprudência como aptas a autorizar a aplicação da teoria do adimplemento substancial como causa impeditiva da rescisão contratual e os riscos decorrentes da aplicação indiscriminada dessa teoria.


II – FUNDAMENTAÇÃO

A regra insculpida no art. 475 do Código Civil faculta ao credor optar pela resolução contratual ou por exigir o cumprimento do contrato nos casos de inadimplemento contratual.

Todavia, a doutrina e a jurisprudência tem limitado o exercício do direito subjetivo à resolução contratual quando as excepcionais particularidades do caso evidenciarem que houve adimplemento substancial do contrato, de forma que a opção pela resolução contratual configuraria abuso de direito.

Trata-se da teoria do adimplemento substancial fundamentada nos princípios da boa-fé objetiva (art. 422), da função social dos contratos (art. 421), da vedação ao abuso de direito (art. 187) e ao enriquecimento sem causa (art. 884).

Essa teoria objetiva impedir o exercício do direito subjetivo à resolução contratual nas hipóteses em que caracterizado o adimplemento substancial da obrigação, de forma que o credor somente poderá cobrar o efetivo cumprimento do contrato adotando providências com vistas à cobrança do saldo remanescente.

Nelson Rosenvald cita o adimplemento substancial como configuração do desleal exercício de direitos, por ele citada como uma das hipóteses de exercício inadmissível de direitos subjetivos desenvolvidas pela doutrina e pela jurisprudência. Confira-se:

Hipótese recorrente desse desleal exercício de direitos é vista na figura do adimplemento substancial do contrato. O inadimplemento mínimo é uma das formas de controle da boa-fé sobre a atuação de direitos subjetivos. Atualmente, é possível questionar a faculdade do exercício do direito potestativo à resolução contratual pelo credor, em situações caracterizadas pelo cumprimento de substancial parcela do contrato pelo devedor, mas em que, todavia, não tenha suportado adimplir uma pequena parte da obrigação.

É o que no direito inglês é cunhado como substancial performance. ARAKEN DE ASSIS descreve que “a hipótese estrita de adimplemento substancial – descumprimento de parte mínima – equivale, no direito brasileiro, grosso modo, ao adimplemento chamado de insatisfatório: ao invés de infração a deveres secundários, existe discrepância qualitativa e irrelevante na conduta do obrigado.

O juiz avaliará a existência ou não da utilidade na prestação, segundo determina o art. 395, parágrafo único, do CC-02. É bastante natural que, em alguns casos, se repute o descumprimento minimamente gravoso e pouco prejudicial ao projeto de benefícios recíprocos constantes do contrato”.

Para quem possui uma percepção nítida da boa-fé objetiva, deve incluir- se entre as atribuições do magistrado a análise da gravidade da infração contratual, não sendo crível o desfazimento de uma significativa relação jurídico-econômica pelo fato do insignificante descumprimento da avença. Em outras palavras, na linha do princípio constitucional da proporcionalidade, o desfazimento do contrato pode impor um sacrifício excessivo a uma das partes, comparativamente à opção de manutenção do contrato. Na falta de uma pequena parcela para o alcance do adimplemento, é coerente que o credor procure a tutela adequada à percepção da prestação faltante (v. g., ação de execução ou monitória), e não a pura e simples resolução contratual.

Vale destacar que o direito brasileiro não contém regras sobre o que se pode considerar adimplemento substancial. Ruy Rosado de Aguiar Junior, no artigo intitulado “ A Convenção de Viena e a resolução do contrato por incumprimento” aborda a forma como definido o inadimplemento fundamental naquele diploma legal, do qual o Brasil não é signatário. Confira-se:

A Convenção não distingue entre cláusula fundamental ou acessória, entre condizion ou warranty, entre dever ou obrigação principal e dever ou obrigação acessória ou secundária, decorrentes do contrato, da Convenção ou do princípio da boa-fé. Dispensa tratamento unitário a todas as cláusulas e obrigações. Para o fim resolutório, interessará estabelecer se o incumprimento caracteriza uma violação fundamental, assim definida no art. 25:

“Uma violação do contrato cometida por uma das partes é fundamental quando causa à outra parte um prejuízo tal que a prive substancialmente daquilo que lhe era legítimo esperar do contrato, salvo se a parte faltosa não previu esse resultado e se uma pessoa razoável, com idêntica qualificação e colocada na mesma situação, não tivesse igualmente previsto”.

Equipara à violação fundamental (e mesmo se pode dizer que o predefine como tal) o incumprimento das obrigações principais do vendedor e do comprador, enumeradas na alínea b dos arts. 49 e 64.

O disposto na alínea b dos arts. 49 e 64 conduz seguramente à idéia de que a inexecução da obrigação principal não é causa suficiente, só por si, para extinção do contrato: da inexecução da obrigação de entregar, de aceitar ou de pagar a mercadoria, não resulta necessariamente uma violação fundamental; o contrato permanece, se a falta não ocasionar “um prejuízo tal que a parte fique privada substancialmente daquilo que lhe era legítimo esperar”, ou, como diz Larenz, “quando a prestação tardia já for economicamente diversa daquela esperada”. Assim, por exemplo, nos contratos com data fixa, depois da qual desaparece o interesse do credor, a mora já é quebra substancial; nos outros, nos quais a data serve apenas para fixar a época da exigibilidade da obrigação ou auxilia na orientação programática das partes, o simples incumprimento é insuficiente para resolver circunstâncias do contrato, a natureza da prestação e o interesse da parte revelarão, a cada caso, a substancialidade do incumprimento.

Dessa forma, a conclusão em relação ao que estatuído naquele diploma legal é a de que o simples incumprimento é insuficiente para resolver. Circunstâncias do contrato, a natureza da prestação e o interesse da parte revelarão, a cada caso, a substancialidade do incumprimento.

A matéria é objeto do Enunciado nº 361 da IV Jornada de Direito Civil que dispõe, in verbis:

361 – Arts. 421, 422 e 475. O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.

Como se observa, embora o adimplemento substancial não esteja expressamente previsto na legislação brasileira, a sua aplicação tem sido admitida com fundamento nos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, previstos nos arts. 421, 422 e 475 do Código Civil de 2002-CC/02.

Tem-se entendido que o inadimplemento contratual não justifica a extinção do negócio jurídico quando cumulativamente: (i) houver adimplemento substancial da avenca; (ii) a parcela inadimplida puder ser alcançada por outro meio alternativo e útil ao credor; (iii) o devedor houver agido com boa-fé, mediante o oferecimento de alternativa eficaz para alcançar a quitação ou demonstração do esforço e a diligências em adimplir integralmente o contrato.

A Revista Jurídica nº 15 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[1] abordou especificamente a Teoria do Adimplemento Substancial selecionando dezenas de julgados que aplicam ou excluem a teoria, tendo sido pesquisadas decisões do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, do Distrito Federal, de Minas Gerais, do Rio Grande do Norte, do Rio Grande do Sul, do Estado de São Paulo.

Dentre as decisões colacionadas, destacam-se aquelas em que o posicionamento é no sentido de que a aplicação da teoria exige a demonstração da boa-fé do devedor, o adimplemento substancial e a demonstração da existência de meio alternativo e eficaz para a cobrança do saldo remanescente. Eis algumas dessas decisões:

0027614-63.2009.8.19.0000 (2009.002.30461) - AGRAVO DE INSTRUMENTO 1ª Ementa DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 28/08/2009 - SEXTA CÂMARA CÍVEL.TJRJ

Direito Processual Civil. Art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil. Contrato de arrendamento mercantil. Inadimplemento. busca e apreensão de motocicleta. Presença dos requisitos. Cabimento. Cumprimento da obrigatoriedade de notificação prevista no art. 2º, § 3º, do Decreto-lei nº 911/69. Notificação recebida e assinada pelo próprio devedor. Afastamento da teoria do adimplemento substancial. Dívida de 11 parcelas de 45 que remonta ao ano de 2005. Prejuízo significativo para o credor. Aplicação da Súmula nº 55 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. "Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Liminar. Indeferimento. Teoria do adimplemento substancial. Pagamento de 28, de um total de 36 parcelas. Não configuração da excepcionalidade requerida para a aplicação da referida teoria. A teoria do adimplemento substancial deve ser aplicada com extrema parcimônia, eis que seu emprego generalizado pode causar desequilíbrio no sistema financeiro, com reflexos nos custos dos financiamentos e consequente encarecimento do crédito, gerando efeitos negativos a toda a cadeia produtiva e de consumo. Em assim sendo, somente em casos excepcionais está o juiz autorizado a afastar a norma legal que prevê que a liminar de busca e apreensão deverá ser deferida; na espécie, todavia, não se vislumbra essa excepcionalidade. Recurso provido" Provimento de plano (art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil).

Decisão Monocrática: 28/08/2009

0003333-62.1999.8.19.0204 - APELAÇÃO 1ª Ementa DES. RICARDO RODRIGUES CARDOZO - Julgamento: 12/04/2011 - DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL BUSCA E APREENSÃO DE VEICULO CONTRATO DE FINANCIAMENTO INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DA BOA FE OBJETIVA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL INAPLICABILIDADE - TJRJ

"FINANCIAMENTO. BUSCA E APREENSÃO. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. Busca e apreensão pela qual a parte Autora alega que a parte Ré restou inadimplente em contrato de financiamento, com veículo alienado em garantia. O juiz a quo aplicou a Teoria do Adimplemento Substancial e julgou improcedente o pedido. Para a adoção da Teoria do Adimplemento Substancial, devem ser considerados alguns aspectos inerentes à sua aplicação. Em um primeiro momento necessário aferir-se se existe uma proximidade entre o efetivamente cumprido e o previsto nas cláusulas contratuais e se a prestação imperfeita satisfaz os interesses do credor, ou seja, se remanesce débito não desprezível, a ponto de ensejar a cobrança. O Réu pagou 2/3 das parcelas, ou seja, 16 (dezesseis) prestações de um total de 24 (vinte e quatro) Restou configurado, portanto, um inadimplemento significante, além da insatisfação dos interesses do credor, consubstanciada na interposição da ação.Em um segundo momento impende averiguar o esforço e a diligência do devedor em adimplir integralmente o contrato.A ação data de 31/03/1999, sendo que o Réu deixou de pagar a partir da parcela que vencia em 14/04/1998, ou seja, apesar do lapso temporal de mais de 10 (dez) anos, não demonstrou qualquer intenção de quitar seu débito, apesar de reconhecê-lo em sua contestação (fls. 61/71). Sequer fez qualquer consignação judicial referente às parcelas não pagas.O Réu não zelou pela observância do princípio da boa-fé objetiva, impedindo, assim, a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial.Recurso provido, nos termos do voto do Desembargador Relator."

0000130-97.2001.8.19.0018 (2009.001.62289) - APELAÇÃO 1ª Ementa DES. JOSE C. FIGUEIREDO - Julgamento: 16/12/2009 - DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL -TJRJ

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVOLADA EM AÇÃO DE DEPÓSITO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DEMANDA QUE JÁ PERDURA MAIS DE OITO ANOS. AMPLA OPORTUNIDADE DO RÉU COMPROVAR SUAS ALEGAÇÕES DEFENSIVAS E BUSCAR COMPOSIÇÃO AMIGÁVEL COM O AUTOR. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RÉU QUE É DEVEDOR DE ELEVADA QUANTIA E APÓS A PROPOSITURA DA DEMANDA ALIENOU O BEM A TERCEIRO. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DÉBITO COBRADO NOS EXATOS TERMOS DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. NÃO SE CONHECE DO AGRAVO RETIDO E NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO.

0023536-62.2005.8.19.0001 - APELAÇÃO 1ª Ementa DES. NASCIMENTO POVOAS VAZ - Julgamento: 21/07/2010 - DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL -TJRJ

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE NEGÓCIO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA IMOBILIÁRIA C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INADIMPLEMENTO DE PARCELAS DE AMORTIZAÇÃO DO FINANCIAMENTO. INAPLICÁVEL AO CASO A TEORIA DO ADIMPLEMENTO CONTRATUAL SUBSTANCIAL, SEJA PORQUE AINDA PENDENTE DE PAGAMENTOS REPRESENTATIVA PARTE DO SALDO DEVEDOR, SEGUNDO O CONTRATO AO QUAL LIVREMENTE SE SUBMETERAM OS PROMITENTES COMPRADORES, SEJA TAMBÉM PORQUE DEIXARAM DE OFERECER QUALQUER ALTERNATIVA EFICAZ PARA ALCANÇAREM A QUITAÇÃO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO POR INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DOS MESMOS, E CONSEQUENTE REINTEGRAÇÃO DO PROMITENTE VENDEDOR NA POSSE DOBEM ASSIM COMPROMISSADO. RECURSO PROVIDO, COM INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

Processo REsp 272739 / MG RECURSO ESPECIAL 2000/0082405-4 Relator(a) Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 01/03/2001 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA e BARROS MONTEIRO. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros CESAR ASFOR ROCHA e ALDIR PASSARINHO JUNIOR.

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Como se observa, as decisões judiciais acima transcritas avaliaram não apenas o que consideraram adimplemento substancial do contrato, mas a efetiva existência da demonstração de interesse e providências do devedor em pagar o que deve e também a demonstração da existência de um meio alternativo e eficiente do credor alcançar a satisfação do seu crédito.

Outras decisões judiciais colacionadas na já citada Revista Jurídica nº 15 adotam um critério matemático para aplicação da teoria do adimplemento substancial. Elas impedem a resolução do contrato quando as prestações pagas representam percentuais que variam de 70% e 80% do valor ou da quantidade de prestações devidas. Confira-se:

Número: 70035146893 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS Tipo de Processo: Apelação Cível Órgão Julgador: Décima Quarta Câmara Cível Relator: Niwton Carpes da Silva Data de Julgamento: 02/06/2011-TJRS APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULO. CONTRATO DE CONSÓRCIO. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO REVISIONAL EM APENSO TRANSITADA EM JULGADO. 1) COMPROVAÇÃO DA MORA NA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - Notificação entregue no endereço do devedor - Para comprovação da mora do devedor, é necessária a notificação extrajudicial deste por intermédio de carta expedida por Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título (art. 2º, §2º, do DL 911/69). Basta que a notificação seja entregue no endereço do devedor, dispensada a notificação pessoal. 2) TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL - A teoria do adimplemento substancial atua como instrumento de equidade, impondo que, nas hipóteses em que a extinção da obrigação pelo pagamento esteja muito próxima do final, exclua-se a possibilidade de resolução do contrato e busca e apreensão do bem, permitindo-se tão-somente a propositura da ação de cobrança do saldo em aberto. Para a aplicação da teoria do adimplemento substancial necessário que o devedor tenha pago pelo menos 80% das parcelas avençadas no contrato, o que não se configura no caso concreto. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70035146893, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 02/06/2011).

0008559-41.2009.8.26.0127 Apelação Relator(a): Órgão julgador: Data do julgamento: Outros números: João Pazine Neto 3ª Câmara de Direito Privado 10/05/2011 85594120098260127-TJSP

Rescisão contratual c/c reintegração de posse - Aquisição de lote de terreno para pagamento em sessenta e sete parcelas, das quais adimplidas cinqüenta parcelasAdimplemento substancial Caracterização - Rescisão que não se mostra adequada face o caso concreto Contrato mantido Recurso provido.

0020198-33.2008.8.19.0209 - APELAÇÃO 2ª Ementa DES. FERDINALDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 23/11/2010 - DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL. TJRJ. AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO CÍVEL. CESSÃO DE DIREITOS POSSESSÓRIOS. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. A demandada descumpriu a cláusula contratual relativa ao pagamento do valor acordado. No entanto, a hipótese em tela deve ser apreciada à luz do Princípio da Função Social dos Contratos, bem como da Probidade e Boa Fé nas relações contratuais, nos termos do art. 421 do Código Civil, o qual afastou a prevalência dos valores individuais em detrimento dos valores coletivos, consagrando a função social do contrato como princípio a ser seguido pelo aplicador do direito na interpretação destes. A reintegração na posse do imóvel objeto da lide, na atual situação (quitadas 26 das 37 parcelas e construção de uma casa no terreno) se mostra temerária. Pensar de outra forma seria privilegiar a leitura fria do contrato, deixando de lado a sua função social que limita a autonomia da vontade, em face do interesse social. Ademais, considerando o valor já pago pela ré, afigura-se aplicável ao caso a Teoria do Adimplemento Substancial. DECISÃO PROFERIDA PELO RELATOR QUE SE MANTÉM. AGRAVO DESPROVIDO.

Há que se ponderar as consequências da adoção de critério matemático sem qualquer consideração a respeito da possibilidade e disponibilidade do devedor em saldar o que realmente deve e tampouco da possibilidade jurídica e conveniência do credor utilmente buscar a recuperação do seu crédito por outra via.

A adoção pura e simples desse critério foi objeto de críticas no artigo intitulado “A aplicação da teoria do adimplemento substancial pela jurisprudência brasileira[2]”, da autoria de Thiago Drummond de Paula Lins, do qual se transcreve o que segue:

Nesse passo, a adoção de um critério matemático [58] rígido, como quer certa jurisprudência que admite a configuração do adimplemento substancial sempre que for cumprida 80% da prestação em todos os tipos contratuais, acaba por desconsiderar a importância dos deveres anexos da boa-fé e a finalidade específica de cada negócio na aplicação do referido instituto.

A adoção generalizada desse critério matemático, além de desconsiderar os critérios estritamente jurídicos estudados no presente trabalho, também é questionável sob o ponto de vista da eficiência, fundamento básico da análise econômica do Direito, tendo em vista o evidente repasse do percentual médio de inadimplência em desfavor da globalidade de potenciais devedores em contratos de alienação fiduciária, leasing, mútuo em geral, etc.

Avaliando, no exemplo ora sob comento, a totalidade dos interesses envolvidos em cada caso concreto, deve o juiz perquirir o esforço do devedor em adimplir a integralidade das obrigações contratuais, propondo, assim, medidas conciliatórias das partes [61] para, além de resguardar o direito de crédito e a menor onerosidade do sistema, garantir direitos existenciais. Deve o juiz, por exemplo, propor o parcelamento das prestações não cumpridas em condições dignas para o devedor, dialogando com as partes e exercendo seu munusde forma efetiva.

Nessa análise complexa dos interesses em jogo, o juiz deve estabelecer critérios casuísticos para avaliar a boa-fé do devedor em cumprir o restante das prestações, verificando se existe algum justo impedimento que impeça aquele de adimplir a integralidade das prestações, sob pena do instituto do adimplemento substancial, que foi desenvolvido para garantir o equilíbrio contratual e impedir o enriquecimento sem causa, ser utilizado como estímulo ao enriquecimento ilícito.

Se não foi possível ao devedor esclarecer, em ação movida pelo credor para a resolução contratual, um justo e concreto impedimento para efetuar o pagamento das parcelas vencidas de determinado contrato de trato sucessivo, não é provável a obtenção de resultado prático em futura execução ou ação de cobrança contra o devedor, razão pela qual deve o juiz perquirir os reais motivos da inadimplência do devedor, em busca do princípio da efetividade do processo e da verdade real, que é o ideal do Processo Civil contemporâneo [62

De fato, como forma de prestígio ao principio da segurança jurídica e da boa-fé, deve ser exigido que o devedor comprove a existência e a oferta ao credor de outros meios que possibilitem a satisfação integral da obrigação pendente.

Se isso não ocorrer, a teoria tende a ser utilizada como meio eficaz para a aplicação dos mais variados golpes. Basta imaginar a aquisição de uma casa em 100 parcelas mensais de 10.000,00 (dez mil reais) e o inadimplemento intencional das últimas, na certeza de que, em razão da inexistência de outros bens penhoráveis, o credor não terá qualquer outro meio para cobrar o seu crédito.

O mesmo ocorreria com um assalariado cujo único patrimônio se resume ao carro adquirido em 48 parcelas com o inadimplemento das últimas. Se do credor for retirado o direito à rescisão e consequente retomada do bem, isso importará no perdão do débito, já que o devedor terá assegurado o direito de permanecer com o carro e, por não ter qualquer outro patrimônio, obterá o equivalente ao perdão judicial da dívida, em total desprestígio aos princípios da segurança jurídica e boa-fé.

Em casos tais, embora o pagamento das prestações inadimplidas possa ser útil ao credor, resta saber se afastada a possibilidade de resolução contratual com a eventual retomada do bem, o credor terá alguma possibilidade de êxito na condução de um processo de execução, ou se este representará apenas mais um processo judicial bastante dificultoso e oneroso e fadado ao fracasso absoluto pela total ausência de bens penhoráveis.

Em um sistema judiciário no qual tramitam mais de 90.000.000 de ações[3], não há como negar os efeitos negativos que a aplicação indiscriminada dessa teoria trará para o funcionamento do próprio judiciário, que : (i) certamente será procurado por todos aqueles que objetivam não honrar as ultimas prestações devidas; (II) compelirá o credor a propositura de uma segunda e custosa ação judicial para tentar receber o que lhe e devido, sem que se tenha exigido do devedor qualquer demonstração de meio eficiente para honrar o que deve ou a existência de patrimônio penhorável, ou seja, ações em grande parte sujeitas ao insucesso e ao arquivamento.

Com isso, se quer evidenciar que, em nome do principio da boa-fé e da segurança jurídica, a aplicação dessa teoria deve ser restrita aos casos excepcionais em que demonstradas as condições que autorizam a sua aplicação, notadamente a demonstração e a garantia de que o credor terá uma alternativa eficiente para receber o que lhe é devido.


III- CONCLUSÃO

A teoria do adimplemento substancial como causa impeditiva do exercício do direito subjetivo à resolução do contrato não tem previsão expressa do direito brasileiro, mas a sua aplicação tem sido admitida com fundamento nos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, previstos nos arts. 421, 422 e 475 do Código Civil de 2002-CC/02.

O inadimplemento contratual não justifica a extinção do negócio jurídico quando cumulativamente: (i) houver adimplemento substancial da avença; (ii) a parcela inadimplida puder ser alcançada por outro meio alternativo e útil ao credor; (iii) o devedor houver agido com boa-fé, mediante o oferecimento de alternativa eficaz para alcançar a quitação ou demonstração do esforço e a diligências em adimplir integralmente o contrato.

A aplicação indiscriminada da teoria do adimplemento substancial, inclusive aquela que decorre da adoção exclusiva de critério matemático representado por adimplemento correspondente a percentuais acima de 70% do valor do contrato ou do número das prestações e sem qualquer consideração a respeito da possibilidade e disponibilidade do devedor em saldar o que realmente deve é temerária porque pode: (i) prestigiar a má-fé do devedor decorrente do inadimplemento premeditado por oportunizar uma excelente forma de não pagar até 30% do que é devido; (ii) conduzir o credor a um novo processo judicial - a ação de cobrança – bastante dificultoso, oneroso e fadado ao insucesso pela total ausência de bens penhoráveis ou qualquer outro meio eficiente para o recebimento do credito; (iii) provocar desequilíbrio no sistema financeiro e de crédito, com os reflexos daí decorrentes nos custos dos financiamentos e consequente encarecimento do crédito e com efeitos negativos a

Notas

[1] Divulgada no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

[2]http://jus.com.br/revista/texto/13896;Publicado em 11/2009

[3] Notícia divulgada no dia 30.09.2012 no site do Superior Tribunal de Justiça com o título “STJ ajuda o Brasil a consolidar confiança na arbitragem”,

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Sobre a autora
Marisa Pinheiro Cavalcanti

Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal Especializada Anatel.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, Marisa Pinheiro. O adimplemento substancial como causa impeditiva da resolução contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3450, 11 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23219. Acesso em: 18 dez. 2024.

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