1 - Introdução
Na doutrina administrativista, há uma conhecida disputa entre os doutrinadores que consiste em saber se a motivação dos atos administrativos é ou não obrigatória. Em um sentido lato, a discussão insere-se no estudo dos elementos (ou requisitos ou pressupostos de validade) do ato administrativo.
Ato administrativo é o meio pelo qual a Administração Pública exterioriza sua vontade, a fim de produzir efeitos jurídicos. Embora haja muita divergência no assunto, a maioria da doutrina inclina-se em reconhecer que os elementos do ato administrativo encontram-se elencados no art. 2º da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular – LAP), a saber:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
O raciocínio é o seguinte: ato administrativo válido é aquele que tenha sido produzido de conformidade com regras competenciais (competência do agente), formais (forma do ato deve ser legal e solene, isto é, compatível com a lei, escrito e manifesto, pois, em princípio, o silêncio administrativo não produz efeitos), com conteúdo qualificado pela licitude (objeto lícito e possível) e pela exposição dos fatos e fundamentos jurídicos geradores da vontade administrativa que se exterioriza no ato (motivo), além de estar direcionado ao atingimento do interesse público (finalidade). Portanto, são elementos do ato administrativo: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Prova disso é que a LAP comina de inválidos atos que tenham sido editados na ausência desses elementos.
2 - Motivo de fato e de direito e os atos vinculados e discricionários
Já sabemos que, no Direito Administrativo, motivo representa sinônimo de fundamento do ato. Afirmei também que ele seria fático e de direito. Na primeira hipótese (motivo de fato), tem-se a verificação das circunstâncias reais que ensejam a edição do ato. Na segunda (motivo de direito), a verificação dá-se no plano da norma jurídica, a partir da qual é possível extrair a determinação legal que há de culminar na prática do ato.
Nesse ponto, é comum a doutrina efetuar a classificação dos atos em vinculados e atos discricionários. O critério classificatório diz respeito ao motivo, na medida em que o legislador, ao elaborar a norma legal, pode eleger sponte sua o fato gerador do ato ou deixar a sua identificação a cargo do agente. Assim, quando a norma já estabelece de antemão as condições fáticas que autorizam a prática do ato, o agente praticará um ato vinculado, porquanto sua manifestação de vontade dar-se-á num plano de mero executor da lei diante da ocorrência dos fatos eleitos pela regra legal. Por outro lado, pode ser que a norma atribua ao agente a responsabilidade de verificar se as circunstâncias fáticas justificam a exteriorização da vontade administrativa, caso em que se estará diante de ato discricionário, visto que caberá ao agente determinar, por meio de juízo de valor, se as circunstâncias de fato atendem a critérios administrativos de conveniência e oportunidade para o interesse público.
Desnecessário dizer que, em um e outro caso - isto é, seja o ato vinculado, seja o ato discricionário -, o administrador deverá atuar sempre dentro dos limites da lei.
3 - Motivo e motivação: uma necessária distinção conceitual e consequencial
Há que considerar, ainda, a distinção conceitual que a doutrina aponta existir entre motivo e motivação. Aquele, como já expus antes, representa o fundamento de fato e de direito que impulsiona a prática do ato. Este, por sua vez, significa a justificativa que se confere ao ato. Ou seja, sempre que se estiver a falar em motivação dos atos administrativos, estaremos a pressupor que o administrador explicite o porquê de ter praticado o ato diante dos fatos e do direito aduzidos. Não basta os elencar; é preciso que haja demonstração argumentativa de que ambos (fundamentos fáticos e jurídicos) correlacionam-se logicamente, compatibilizando-se com a lei e, em ultima ratio, com o interesse público.
É aí que encontramos o busílis doutrinário entre os administrativistas. Ele pode ser facilmente sintetizado na seguinte pergunta: a motivação dos atos administrativos é obrigatória? Repare o leitor: estou a falar de motivação, e não de motivo, pois é pacífico que este último compõe o rol de elementos integrantes da estrutura do ato administrativo, tanto que toda manifestação de vontade administrativa sem motivo é inválida. E a mesma consequência (nulidade) também se aplicaria à manifestação de vontade com motivo, mas sem motivação? Vale dizer, estaremos diante de ato administrativo inválido em casos nos quais o agente que o praticou tenha manifestado a vontade da Administração, aduzindo fundamentos de fato e de direito, porém sem os justificar, sem argumentar o nexo lógico que une o motivo, o resultado e os fins colimados na lei?
Para autores como José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 113-114) a motivação dos atos administrativos não é obrigatória. Reproduzirei a argumentação do jurista, pois sintetiza bem o pensamento de parte da doutrina:
Quanto ao motivo, dúvida não subsiste de que é realmente obrigatório. Sem ele, o ato é írrito e nulo. Inconcebível é aceitar-se o ato administrativo sem que se tenha delineado determinada situação de fato.
No que se refere à motivação, porém, temos para nós, com o respeito que nos merecem as respeitáveis opiniões dissonantes, que, como regra, a obrigatoriedade inexiste.
Fundamo-nos em que a Constituição Federal não incluiu (e nem seria lógico incluir, segundo nos parece) qualquer princípio pelo qual se pudesse vislumbrar tal intentio; e o Constituinte, que pela primeira vez assentou regras e princípios aplicáveis à Administração Pública, tinha tudo para fazê-lo, de modo que, se não o fez, é porque não quis erigir como princípio a obrigatoriedade de motivação. Entendemos que, para concluir-se pela obrigatoriedade, haveria de estar ela expressa em mandamento constitucional, o que, na verdade, não ocorre. Ressalvamos, entretanto, que também não existe norma que vede ao legislador expressar a obrigatoriedade. Assim, só se poderá considerar a motivação obrigatória se houver norma legal expressa nesse sentido.
O pensamento de Carvalho Filho, entretanto, é hoje minoritário na doutrina e na jurisprudência. Para a maioria dos autores, como regra, a motivação dos atos administrativos é medida de rigor que se impõe.
A corrente doutrinária dominante apresenta uma visão moderna do Direito Administrativo, compreendido desde a perspectiva dos direitos fundamentais. Sendo assim, há de se considerar o direito fundamental à informação (CF, art. 5º, “XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”) e à inafastabilidade da jurisdição (“CF, art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”) como vetores valorativos preponderantes no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, seja pelo dever de informar os cidadãos, seja pela necessidade de garantir conhecimento público quanto às razões conducentes da conduta administrativa, inclusive para permitir eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário, a motivação dos atos administrativos é obrigatória.
Nesse sentido, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 396) apresenta argumentação do ponto de vista constitucional:
Parece-nos que a exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes não são “donos” da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta, sim, senhora de tais interesses, visto que, nos termos da Constituição, “todo o poder emana do povo” (...) (art. 1º, parágrafo único). Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um Estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como “Estado Democrático de Direito” (art. 1º, caput), proclamando, ainda, ter como um de seus fundamentos a “cidadania” (inciso II), os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi praticado, isto é, que fundamentos o justificam.
Recordo ainda que há doutrina que extrai da combinação dos arts 2º, VII, com o art. 50, ambos da Lei 9.784/99, conclusão que pugna pela necessidade de motivação dos atos administrativos no ordenamento jurídico brasileiro.
Quanto à Lei 9.784/99, o art. 2º, VII, instituiu o dever de indicar os pressupostos de fato e de direito que justificam a atuação do administrador e, conforme enumerado acima, o art. 50 aponta os atos administrativos que devem ser motivados. Este último dispositivo, ao contrário do defendido por alguns doutrinadores, institui o dever geral de motivar, considerando que a sua enumeração é tão ampla que acaba incluindo praticamente todos os atos administrativos, embora não se admitindo a alegação de um rol para exclusão de alguns atos. (MARINELA, 2010, p. 249)
Do que foi exposto acima, conclui-se que a maioria da doutrina sustenta a tese da obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos.
De sua parte, a jurisprudência vai encontro desse pensamento, como se pode observar dos seguintes julgados recentes do STJ (grifos meus):
PROCESSUAL CIVIL. ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO.
NULIDADE.
1. O ato administrativo que determina a remoção de servidor público deve ser motivado. Precedentes do STJ.
2. Agravo Regimental não provido.
Não é possível o conhecimento do recurso especial na hipótese em que o estado recorrente sustenta que o ato administrativo de remoção de servidor público está inserido no âmbito do poder discricionário da Administração Pública e o Tribunal de origem declarou a nulidade do ato por falta de motivação, porque além do referido entendimento estar em consonância com a jurisprudência do STJ, a inversão do julgado demandaria o reexame fático-probatório, atraindo a incidência das Súmulas 7 e 83 do STJ. (STJ, AgRg no AREsp 153140/SE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 22/05/2012, p. 15/06/2012).
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MAGISTRADO ESTADUAL. CONVOCAÇÃO AO TRIBUNAL. AUXÍLIO. ART. 2º, III, E ART. 5º, § 2º, DA RESOLUÇÃO 72/2009 DO CNJ. ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. POSTULAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO INSUBSISTENTES. ATO ADMINISTRATIVO EXCEPCIONAL E PRECÁRIO. REVOGAÇÃO MOTIVADA E COMPROVADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que denegou a segurança, em writ no qual se postula a nulidade do ato de suspensão da excepcional convocação de magistrado de primeira instância - com base nos arts. 2º, III e 5º, § 2º, ambos da Resolução CNJ 72/2009, para atuar no Tribunal. É suscitada a violação do contraditório e da ampla defesa, bem como postulada a ausência de motivação e falta de razoabilidade na fundamentação da decisão administrativa.
2. O ato administrativo de convocação não possui equivalência ao ato de remoção, já que ele é precário por sua natureza, nos termos da Resolução 72/2009; seu desfazimento não obriga ao contraditório e à ampla defesa, mas tão somente à comprovação de cessação de sua necessidade e da existência de devidamotivação, como ocorre nos autos.
3. Os autos descrevem com riqueza de detalhes que a cessação da convocação ocorreu em razão da baixa produtividade do impetrante e de sua desatenção ao plano de trabalho, base técnica para deliberação de convocação; tendo o ato administrativoimpugnado sido revestido de convincente e comprovada motivação, em prol da revogação da convocação, não há falar em direito líquido e certo.
Recurso ordinário improvido. (STJ, RMS 34571/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 18/09/2012, p. 25/09/2012.)
Portanto, está claro que os atos administrativos, consoante pensamento majoritário da doutrina e da jurisprudência, devem ser editados com a devida motivação.
4 - Teoria dos motivos determinantes: conceito e jurisprudência aplicável no STJ
Finalmente, após explicitados os fundamentos teóricos que contextualizam a discussão no âmbito do Direito Administrativo, é possível tratar da teoria dos motivos determinantes.
Essa teoria insere-se nos debates relativos aos elementos dos atos administrativos, especialmente no que se refere ao motivo e a exigência de a forma do ato apresentar motivação (obrigatória, conforme já demonstrado, com arrimo na opinião majoritária da doutrina e jurisprudência). A situação que se coloca aqui é, todavia, peculiar.
Em que pese a regra geral ser o dever de motivação dos atos administrativos, há que considerar as hipóteses que não a demandam, visto que também não exigem motivo. São atos nos quais o legislador libera o administrador do encargo de aduzir os fatos ou fundamentos jurídicos de sua decisão. O exemplo mais lembrado pela doutrina é o dos cargos em comissão de livre nomeação e exoneração ad nutum. Em tais hipóteses, como o preenchimento da unidade funcional dá-se com base no critério da confiabilidade que sustenta o nomeado eleito pelo administrador, a lei autoriza-o igualmente a proceder ao desfazimento do vínculo de acordo com seu juízo de valor (em tese, o de confiança), não carecendo o ato, para ser considerado válido, de justificativa (motivação).
Porém, pode ocorrer de o administrador, mesmo não precisando, decidir apresentar o motivo que ensejou a manifestação da vontade administrativa. Juridicamente, haveria alguma consequência nisso? A resposta é positiva, pois aí ele fica vinculado ao fundamento expendido. Logo, se se provar a inocorrência (inexistência) do motivo, ou a sua falsidade, a consequência jurídica imediata será a invalidação do ato.
É nesse sentido que se afirma que os motivos são determinantes para a prática do ato administrativo. Ora, o agente não pode expressar sua vontade baseado em motivo inexistente ou inidôneo (falso). Se isso ocorre, no fundo, o que há é um ato administrativo viciado em um dos seus elementos (ausência ou falsidade do motivo), pois, como vimos, a manifestação da vontade administrativa, de que o ato é a exteriorização formal e solene, é impelida por circunstâncias de fato e de direito legalmente qualificadas.
A propósito da teoria dos motivos determinantes, Bandeira de Mello (2009, p. 398) descreve-a da seguinte maneira:
De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação dos “motivos de fato” falso, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto essa obrigação de enunciá-los, o ato será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam.
A referida teoria tem sido amplamente aceita na jurisprudência do STJ. Inclusive este tribunal superior tem esclarecido que a invalidação dos atos administrativos pela teoria dos motivos determinantes dá-se não apenas quando os motivos elencados não existiram ou eram falsos, mas também quando deles não advier a necessária coerência da fundamentação exposta com o resultado obtido com a manifestação de vontade da Administração Pública. Colaciono um precedente exemplar (grifo meu):
ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO AOS MOTIVOS DETERMINANTES. INCONGRUÊNCIA. ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Os atos discricionários da Administração Pública estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar que os motivos embasadores dos atos administrativos vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e validade.
2. "Consoante a teoria dos motivos determinantes, o administrador vincula-se aos motivos elencados para a prática do ato administrativo. Nesse contexto, há vício de legalidade não apenas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado nele contido" (MS 15.290/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26.10.2011, DJe 14.11.2011).
3. No caso em apreço, se o ato administrativo de avaliação de desempenho confeccionado apresenta incongruência entre parâmetros e critérios estabelecidos e seus motivos determinantes, a atuação jurisdicional acaba por não invadir a seara do mérito administrativo, porquanto limita-se a extirpar ato eivado de ilegalidade.
4. A ilegalidade ou inconstitucionalidade dos atos administrativos podem e devem ser apreciados pelo Poder Judiciário, de modo a evitar que a discricionariedade transfigure-se em arbitrariedade, conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade.
5. "Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária." (Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 15ª Edição.)
6. O acolhimento da tese da recorrente, de ausência de ato ilícito, de dano e de nexo causal, demandaria reexame do acervo fático-probatórios dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ.
Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1280729/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 10/04/2012, p. DJe 19/04/2012.)
DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ATO VINCULADO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES.
Mais recentemente, a teoria dos motivos determinantes voltou à baila no julgamento do MS 13.948/DF (3ª Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 26/09/2012). O caso envolvia pedido de apostilamento em cargo público, isto é, que fosse assegurada a percepção da remuneração correspondente a cargo em comissão exercido pelo servidor durante um período determinado em lei, de tal maneira que, mesmo após deixando o efetivo exercício desse cargo, ele continuasse a perceber a remuneração. Eis o texto do Informativo 505 do STJ (20/09 a 03/10), que informa de que maneira o tribunal decidiu a questão (grifo meu):
Há direito líquido e certo ao apostilamento no cargo público quando a Administração Pública impõe ao servidor empossado por força de decisão liminar a necessidade de desistência da ação judicial como condição para o apostilamento e, na sequência, indefere o pleito justamente em razão da falta de decisão judicial favorável ao agente. O ato administrativo de apostilamento é vinculado, não cabendo ao agente público indeferi-lo se satisfeitos os seus requisitos. O administrador está vinculado aos motivos postos como fundamento para a prática do ato administrativo, seja vinculado seja discricionário, configurando vício de legalidade – justificando o controle do Poder Judiciário – se forem inexistentes ou inverídicos, bem como se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado, em atenção à teoria dos motivos determinantes. Assim, um comportamento da Administração que gera legítima expectativa no servidor ou no jurisdicionado não pode ser depois utilizado exatamente para cassar esse direito, pois seria, no mínimo, prestigiar a torpeza, ofendendo, assim, aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva, corolários do princípio da moralidade. MS 13.948-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/9/2012.
Dessa decisão, depreende-se que STJ vem adotando a teoria dos motivos determinantes, relacionando aos princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, enquanto consectários do princípio constitucional da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput).
Nesse sentido, vale destacar que a própria Lei 9.784/99 reforça o raciocínio do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que impõe ao administrador o dever de conduzir os processos administrativos com atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé (art. 2º, parágrafo único, IV).
5 - Conclusão
Na discussão doutrinária derredor dos elementos do ato administrativo, destaca-se a que versa sobre a obrigatoriedade da motivação.
Por motivação do ato administrativo, deve-se compreender sua justificativa. Na falta de motivação do ato, tem-se defeito de forma, e não de motivo, cujo conceito prende-se ao de fatos e fundamentos jurídicos que ensejam a manifestação de vontade da Administração Pública.Em regra, consoante doutrina e jurisprudência dominantes, o motivo, tanto quanto a motivação, é obrigatório nos atos administrativos. Há, contudo, exceções. São atos para os quais a explicitação do motivo é despicienda, ficando o administrador dispensado de elencar o substrato fático ou de direito que norteia a prática do ato administrativo.
Se o administrador, no entanto, a despeito de inexigência legal, decide praticar o ato, aduzindo o elemento motivo, fica vinculado a ele. Em uma palavra: os motivos expostos condicionam a validade do ato. Os motivos são determinantes.
Sendo assim, dada vinculação do administrador aos fatos e fundamentos jurídicos que impulsionam a materialização de vontade da Administração, em havendo a demonstração de inexistência ou falsidade dos motivos alegados, o ato administrativo será nulo. E, segundo a jurisprudência do STJ, com fulcro na teoria dos motivos determinantes, a nulidade também será decretada se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado pelo ato.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. rev. ampl. e atual. até a Lei 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012. 1250 f.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4ª ed. rev. ampl. e atual. até 01/01/2010. Niterói: Impetus, 2010. 1030 f.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros, 2009. 1101 f.