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Questões atuais sobre os embargos de divergência.

Uma visão crítica a respeito do recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça

11/02/2013 às 11:13
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Os recentes entendimentos do Superior Tribunal de Justiça vêm enfraquecendo a grande importância que os embargos de divergência possuem no sistema processual pátrio.

1. INTRODUÇÃO.

Os embargos de divergência são um importante recurso de cabimento restrito no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, e seu estudo merece especial atenção, notadamente em razão dos atuais contornos trazidos pela jurisprudência, conforme será demonstrado a seguir.


2. DESENVOLVIMENTO.

Os embargos de divergência objetivam uniformizar o entendimento interno do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realçando a função de orientar os demais órgãos do Poder Judiciário, sobretudo diante das funções constitucionais conferidas àqueles Tribunais.

Aludido recurso está previsto no artigo 496, inciso VIII, do Código de Processo Civil, com regramento explicitado no art. 546 daquele diploma, que assim preceitua:

“Art. 546. É embargável a decisão da turma que:

I - em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial;

Il - em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário.

Parágrafo único.  Observar-se-á, no recurso de embargos, o procedimento estabelecido no regimento interno.”

Inobstante ser tratado de forma um tanto quanto simplória pelo Codex Processual, o objetivo desse recurso é claramente percebido: uniformizar a jurisprudência interna do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Diante desse objetivo, é imprescindível que exista, nos embargos de divergência, uma comparação entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma, o que permitirá a verificação da efetiva existência de divergência a ensejar o conhecimento desse recurso[1].

Caminhou bem a jurisprudência do STJ ao consolidar seu entendimento no sentido de que a ausência de similitude fática entre os acórdãos paradigma e embargado acarreta a inadmissibilidade dos embargos de divergência, como se vê a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. VALIDADE DA INTIMAÇÃO DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O ACÓRDÃO EMBARGADO E OS PARADIGMAS.

1. Acórdãos paradigmas nos quais se reconheceu a nulidade da intimação da qual não constou o advogado substabelecido com a finalidade de acompanhar o processo no local da sua tramitação, mas apenas os advogados substabelecentes.

2. Acórdão embargado em que se reconheceu a validade de intimação da qual, embora não tenham constado todos, constou um dos advogados substabelecidos com a finalidade de acompanhar o processo no local da sua tramitação.

3. Ausência de similitude fática entre os acórdãos paradigmas e o acórdão embargado.

4. AGRAVO NÃO PROVIDO. (STJ. 2ª Seção. AgRg no AgRg nos EREsp 693308/RJ. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Publicado no DJ de 04/12/2012).

Como não poderia ser diferente, a divergência apta a ensejar a admissão desse recurso deve ser atual – sob pena de se eternizarem discussões que se encontrem superadas no âmbito daqueles tribunais – e demonstrada de forma analítica, segundo o entendimento da doutrina[2] e da jurisprudência[3].

Convém mencionar que só se admitem os embargos de divergência se a decisão recorrida for proveniente de Turma, conforme expressa disposição legal, o que afasta o cabimento de tal recurso contra acórdão de Seção, Corte Especial e Tribunal Pleno.

Por outro lado, por uma questão de coerência lógica, também serão admitidos os embargos de divergência se o acórdão recorrido tiver sido proferido em sede de embargos de declaração ou agravo interno[4] que, por sua vez, tenham sido interpostos em face de acórdão de recurso especial ou recurso extraordinário.

Questão assaz controvertida relaciona-se ao acórdão paradigma: parcela da doutrina[5] entende que este julgado não precisa ter sido prolatado em recurso especial ou recurso extraordinário, sendo suficiente que seja uma decisão colegiada.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado no sentido da impossibilidade de o acórdão paradigma ser oriundo de julgamento proferido em sede de habeas corpus, mandado de segurança e recurso ordinário[6], como se extrai do aresto a seguir, ad literam:

AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. FALTA DOS PRESSUPOSTOS. ACÓRDÃOS PARADIGMA. PROLAÇÃO NO ÂMBITO DE HABEAS CORPUS E DE RECURSO EM HABEAS CORPUS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MONOCRÁTICA NÃO SERVE PARA DEMONSTRAR DISSÍDIO.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à impossibilidade de acórdão proferido em sede de habeas corpus, mandado de segurança e recurso ordinário servir de paradigma para fins de alegado dissídio jurisprudencial, ainda que se trate de dissídio notório, eis que os remédios constitucionais não guardam o mesmo objeto/natureza e a mesma extensão material almejados no recurso especial. Precedentes (AgRg nos EREsp n. 1.265.884/RS, Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 21/6/2012).

2. Decisões monocráticas também não servem para demonstrar eventual divergência.

3. Cumpre à parte, no momento da interposição dos embargos de divergência, fazer a demonstração do apontado dissídio, juntando o inteiro teor do acórdão tido por divergente, prolatado no âmbito de recurso especial, e fazendo o indispensável cotejo analítico, o que, na espécie, não ocorreu.

4. Agravo regimental improvido. (STJ. 3ª Seção. AgRg nos EREsp 998249/RS. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. Publicado no DJ de 21/09/2012).

Tal entendimento não passou imune a críticas da doutrina. De forma sensata e bastante didática, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha[7] assim pontuaram:

“Esse entendimento do STJ – de limitar o cabimento dos embargos de divergência, admitindo apenas quando o acórdão paradigma também tenha sido proferido em recurso especial – não se ajusta à sua própria função institucional, contribuindo contra a uniformidade de sua orientação e apequenando um dos mais importantes mecanismos de unificação da sua jurisprudência interna.

Reproduzimos aqui a mesma crítica que fizemos no Editorial n. 85, quando denunciamos a tacanhez do entendimento do STJ relativamente ao cabimento do Recurso Especial pela divergência jurisprudencial (CF/88, art. 105, III, “c”), ao não admitir que o acórdão paradigma tenha sido proferido em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança; o STJ já exigia ali que o acórdão paradigma deveria necessariamente ter sido proferido no julgamento de Recurso Especial.

A consolidação de tal entendimento reduz a importância dos Embargos de Divergência, conspirando contra sua valorização e contra a necessidade de se incrementarem os mecanismos de uniformização e estabilização da jurisprudência, o que é lamentável.”

Sem dúvida, esse entendimento que vem se consolidando no STJ diminui, neste aspecto, sensivelmente, sua importância como Corte de Justiça destinada, por imposição constitucional, à uniformização da jurisprudência infraconstitucional. Lado outro, o texto legal não imprimiu tamanha restrição, sendo certo que, sob um viés constitucional, aqueles Tribunais Superiores apresentam função de tal relevância que não mereciam visão tão reducionista dos seus respectivos papéis constitucionais.

Outra questão controvertida diz respeito ao cabimento dos embargos de divergência quando haja discordância entre decisões da mesma Turma.

Em princípio, a literalidade do artigo 546, do CPC, seria suficiente para obstar o cabimento de tal recurso na aludida hipótese, entendimento esse que se encontra sumulado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça[8].

Convém transcrever a ementa de recente julgado a respeito do assunto, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ALEGADA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL COM ACÓRDÃO PARADIGMA DA MESMA TURMA JULGADORA DO ACÓRDÃO EMBARGADO. IMPOSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO DA COMPOSIÇÃO. IRRELEVÂNCIA. ACÓRDÃOS COLACIONADOS EM SEDE DE EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA QUE NÃO GUARDAM RELAÇÃO DE BASE FÁTICO-JURÍDICA COM O ACÓRDÃO EMBARGADO. AUSÊNCIA DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL A SER DIRIMIDO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO CONHECIDOS. 1. A configuração da divergência pressupõe arestos provenientes de Turmas diversas, não sendo suficiente, como causa para modificar esse entendimento, a eventual alteração na composição do órgão julgador. Precedentes. 2. Não há falar em divergência quando não são idênticas as situações de fato tratadas, e, por esse motivo, diferenciam-se as soluções jurídicas. 3. "No cotejo analítico dos acórdãos, em se verificando que são hipóteses distintas, cujas situações processuais não se alinham, não têm cabimento os embargos de divergência, uma vez que não albergam reapreciação do recurso especial, pois se prestam a dirimir contradição entre arestos que deram soluções jurídicas diferentes a casos similares ou idênticos, uniformizando a jurisprudência interna nos Tribunais Superiores." (EREsp 529.439/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Corte Especial). 4. Embargos de divergência não conhecidos. (STJ. 2ª Seção. ERESP 798264. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Publicado no DJ de 14/02/2011 – grifou-se).

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Todavia, há quem entenda serem cabíveis os embargos de divergência quando constatada uma modificação substancial da composição da Turma, entendimento esse consagrado outrora pelo c. Supremo Tribunal Federal, ipsis litteris:

E M E N T A: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - PRESSUPOSTOS FORMAIS DE SUA UTILIZAÇÃO - CRITÉRIO DA DIVERSIDADE ORGÂNICA (SÚMULA 353/STF) - PADRÃO DE DIVERGÊNCIA QUE EMANOU DA MESMA TURMAQUE PROFERIU A DECISÃO EMBARGADA - COMPOSIÇÃO SUBSTANCIALMENTE IDÊNTICA DESSE ÓRGÃO FRACIONÁRIO - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO ADMITIDOS.- Os embargos de divergência estão sujeitos, dentre os vários pressupostos que lhe condicionam a interposição, à observância do requisito da diversidade orgânica. Esse requisito impõe que o padrão de divergência - para ser validamente invocado como expressão do dissídio interpretativo -resulte de acórdão emanado, ou do Plenário ou de outra Turma do Supremo Tribunal Federal, pois não se reveste de idoneidade processual, para efeito de demonstração do conflito pretoriano, a indicação de acórdão proferido pela própria Turma de que proveio a decisão contra a qual foram opostos os embargos de divergência(Súmula 353/STF), ressalvada a hipótese excepcional de a Turma haver sofrido substancial modificação em sua composição. Precedentes.- Inocorrência, na espécie, dessa hipótese excepcional, pois os acórdãos em confronto emanaram da mesma Turma cuja composição majoritária - quatro (4) Ministros, no caso - manteve-se substancialmente inalterada. (STF. Pleno. RE-EDv-QO 318469. Rel. Min. Celso de Mello. J. EM 03/10/2002 – grifou-se).

De fato, valendo das mesmas razões críticas apontadas acima para a admissão dos embargos de divergência quando o acórdão paradigma não tiver sido produzido em sede de Recurso Especial, há que se entender que o entendimento do Supremo Tribunal Federal acima transcrito atende melhor ao comando constitucional imposto àqueles Tribunais Superiores enquanto orientadores dos demais órgãos do Poder Judiciário, sobretudo diante das funções constitucionais conferidas a eles de uniformizar as respectivas jurisprudências internas, garantindo ao jurisdicionado maior segurança e certeza quanto ao entendimento das mais altas Cortes jurisdicionais do país.


3. CONCLUSÃO

Desse modo, há que se concluir que os recentes entendimentos do Superior Tribunal de Justiça acima explicitados vêm, em certa medida, enfraquecendo a grande importância que os embargos de divergência possuem no sistema processual pátrio, o que merecia melhor reflexão por parte dos Tribunais Superiores, a fim de garantir o cumprimento dos seus misteres constitucionais estabelecidos pela Constituição Cidadã de 1988.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Volume 3. Salvador: JusPodivm, 2006.

- __________. Editorial nº 155, de 10/10/2012 (disponível em http://www.frediedidier.com.br/ editorial/editorial-155/ - acesso em 13/01/13).

- NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 10ª edição. São Paulo: RT, 2008.

- NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Editora Método, 2011.


Notas

[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Editora Método, 2011.

[2] DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador: JusPodivm, 2006.

[3] STJ. 1ª Seção. AgRg nos EREsp 507120/CE. Rel. Min. Luiz Fux. Publicado no DJ de 30/05/2005.

[4] Súmula nº 316, STJ: Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide recurso especial.

[5] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ob. Cit.

[6] Isto em razão do seu efeito devolutivo amplo (STJ. 2ª Turma. AgRg no Ag 1.160.702/RJ. Rel. Min. Castro Meira. Publicado no DJ de 28.10.2009).

[7] DIDIER JR., Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Editorial nº 155, de 10/10/2012 (disponível em http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-155/ - acesso em 13/01/13).

[8] Súmula nº 158, do STJ: Não se presta a justificar embargos de divergência o dissídio com acórdão ou Seção que não mais tenha competência para a matéria neles versada.

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Sobre o autor
Gustavo D' Assunção Costa

Procurador Federal. Especialista em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Gustavo D' Assunção. Questões atuais sobre os embargos de divergência.: Uma visão crítica a respeito do recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3512, 11 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23699. Acesso em: 19 abr. 2024.

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