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A atuação do Ministério Público na implementação de políticas na área ambiental

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Por quais fundamentos o Ministério Público pode implementar as políticas públicas, especialmente as ligadas à questões ambientais, quando o Poder Executivo deixa de cumprir com seus deveres constitucionalmente previstos?

Resumo: O presente trabalho monográfico consiste em demonstrar os fundamentos que podem levar o Ministério Público a implementar as políticas públicas, especialmente as ligadas à questões ambientais, que se fazem necessárias diante dos anseios da sociedade, quando o Poder Executivo deixa de cumprir com seus deveres constitucionalmente previstos.

Palavras- chave: 1. Ministério Público. 2. Políticas Públicas. 3. Legitimidade. 4. Ação Civil Pública. 5. Separação de Poderes. 6. Discricionariedade Administrativa. 7. Indisponibilidade Financeira e Orçamentária.

Sumário: INTRODUÇÃO. Capítulo I: DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1.1. Considerações Iniciais. 1.2. Configuração do Ministério Público a partir da CF/88. Capítulo II: ASPECTOS DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 2.1. Instituição Permanente. 2.2. Essencial à função jurisdicional do Estado. 2.3. Defesa da ordem jurídica. 2.4. Defesa do regime democrático. 2.5. Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 2.5.1. Interesses Difusos. 2.5.2. Interesses Coletivos. 2.5.3. Interesses Individuais Homogêneos. 2.5.4. Interesses Individuais Indisponíveis. Capítulo III: DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. 3.1. Dos Princípios Ambientais que devem ser observados pelo Administrador Público na implementação de Políticas Públicas. 3.2. Princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana. 3.3. Princípio da natureza pública da proteção ambiental. 3.4. Princípio do controle do poluidor pelo Poder Público. 3.5. Princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento. 3.6. Princípio da participação comunitária. 3.7. Princípio do poluidor-pagador. 3.8. Princípio da prevenção. 3.9. Princípio da função socioambiental da propriedade. 3.10. Princípio do usuário-pagador. 3.11. Princípio da cooperação entre os povos. Capítulo IV: DAS LEIS AMBIENTAIS QUE DEVEM SER OBSERVADAS PELO ADMINISTRADOR PÚBLICO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. Capítulo V: DO CONTROLE EXTERNO DO PODER EXECUTIVO. 5.1. Da Legitimação do MP para intervenção no Poder Executivo. 5.1.1. Da Alegação de violação ao regime democrata. 5.1.2. Da Alegação de violação à separação dos poderes. 5.1.3. Da Alegação de violação à discricionariedade dos Atos Administrativos. 5.1.4. Da Alegação da Indisponibilidade Financeira e Orçamentária. 5.1.5. Da Alegação de Impossibilidade de Hierarquização e Priorização das Atividades Administrativas. 5.1.6. Da Alegação de Ausência de Previsão Legal do Direito Material Pleiteado. 5.1.7. Da Imposição do Modo e do Tempo da Obrigação de Fazer. Conclusão. Referências Bibliográficas. 


INTRODUÇÃO

Não é de hoje que a população brasileira mostra-se insatisfeita com a atuação da Administração Pública na condução de nosso país, especialmente quando esta se omite na concretização das políticas que deveriam ser implantadas.

Nossa esperança de uma melhor gestão da res publicae se renova a cada período eleitoral, momento em que os candidatos a ocuparem as vagas dos Poderes Legislativos e Executivos fazem inúmeras promessas no sentido de assegurar uma melhor qualidade de vida para população com a diminuição da pobreza, melhoria na educação, na saúde; mas, porém, pouco é efetivamente cumprido.

    A população se diz não representada pelos políticos que elegeram, e, assim, cada vez mais se sente impotente, já que esses funcionários públicos se valem de instrumentos jurídicos, econômicos e políticos que acabam legitimando sua conduta (ou não conduta) contrária ao próprio interesse público.

Assim a carreira política mostra-se completamente desacreditada. Há uma desconfiança prévia (que não deveria existir) nas propostas levadas à pauta pelos governantes, pois, pelo que pode ser visto, os mesmos problemas (notadamente sociais) que existiam antes permanecem após o término de seus mandatos.

“A corrupção destrói a confiança da população nas instituições públicas o que prejudica a sua eficácia. Os autores lembram que o bom funcionamento das instituições é um importante fator de crescimento. Esta é a conclusão central de um estudo publicado recentemente pelo Banco Mundial onde é analisada a relação entre os níveis de corrupção e os de confiança nas instituições públicas para mais de 90 países, com base em dados de 2008”.[1]

Diante da ineficiência dos órgãos administrativos em realizar as políticas públicas que se mostram necessárias, seja por problemas de gestão, de empenho o mesmo de corrupção, pergunta-se: existiria algum meio legítimo para compelir esse órgão a realizar as obras/serviços públicos que são essenciais para população?

Muito já foi feito, diga-se de passagem, para que esses administradores fossem punidos pela sua atuação em desconformidade com o que pretende nossa Carta Magna. Foi editada, por exemplo, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429 de 1992) com o intuito de punir os membros integrantes da administração pública que agem em desconformidade com os princípios da boa administração do erário público. Também o Ministério Público tem atuado eficazmente na busca do interesse social, não poupando esforços para denunciar esses membros do Poder Executivo.

A própria Constituição Federal ao mencionar no seu artigo 37, §6º, da responsabilidade objetiva do Estado, propiciou que os administradores pudessem ser punidos independentemente de dolo ou culpa, obrigando-os a responder pelas ações próprias ou por eles confiadas sem maiores escusas, bastando a ocorrência do fato administrativo, do dano e do nexo causal. Assim nos ensina José dos Santos Carvalho Filho:

“O mais importante, no que tange à aplicação da teoria da responsabilidade objetiva da Administração, é que, presentes os devidos pressupostos, tem esta o dever de indenizar o lesado pelos danos que foram causados sem que se faça necessária a investigação sobre se a conduta administrativa foi, ou não, conduzida pelo elemento culpa”. [2]

Porém, não pretendemos expor quais os instrumentos jurídicos existentes para punir o administrador que não cumpre com seu mister, mas sim perquirir se existe atualmente algum meio legítimo para controlar esses atos do Poder Executivo, ou melhor, se possui legitimidade o Ministério Público para cobrar do administrador público às políticas sócio-ambientais prioritárias.[3]

Sabe-se que, em um Estado Democrático de Direito, os interessados tem o direito de resolver seus conflitos de interesses através do Poder Judiciário, órgão este incumbido de fazer prevalecer a paz social. É através deste instrumento que têm os cidadãos a oportunidade de verem suas pretensões negligenciadas pelo Poder Executivo serem cumpridas, não é outra a interpretação do art. 5º, XXXV, da CF/88.[4]

No entanto, o que vemos aqui não é um conflito individual de interesses, mas sim um conflito social (relativo a direitos difusos ou coletivos), tendo em vista que é o povo, na sua visão global, que sairá prejudicado pela não implementação das políticas públicas exigidas, razão pela qual se perquire da legitimidade do Ministério Público para defender o interesse de seus representados em face dos atos praticados (ou não praticados) pelo Poder Executivo perante o Poder Judiciário ou mesmo através de meios extra-processuais.


Capítulo I

Do Ministério Público

1.1. Considerações Iniciais

Para o preciso entendimento do objetivo deste trabalho faz-se necessário, mesmo que resumidamente, nos localizarmos no tempo. Assim cumpre fazermos uma breve análise da evolução do Estado nos diversos momentos históricos.

De início o Estado era representado pela figura do Monarca que, soberano e com poderes absolutos, ditava e fazia executar as regras as quais deveriam seus súditos se adequar. Aqui vigoravam os privilégios (odiosos) e favores à Nobreza que asseguravam que os interesses do Monarca (que era o espelho de Deus na Terra) fossem atendidos.

Com a ascensão da Burguesia nos séculos XVIII e XIX, e consequentemente com a modificação da forma de poder dominante, que passou do poder político para o econômico, ocorreu a desestruturação daquela antiga forma de governo, passando a propriedade privada a ter uma posição fundamental na escala de valores elencados naquela incipiente forma de Estado, resultado da Revolução Francesa e da posterior Declaração dos Direitos do Homem.

Neste momento político, em função do especial significado que passou a ter a propriedade, o Estado deveria assegurar aos indivíduos sua total proteção contra fatores que poderiam prejudicar legítimo usufruto pelo titular desse direito. Os direitos individuais, em especial o direito fundamental de liberdade, eram seu o foco de proteção (direitos de primeira geração).

Nessa época ganha especial relevo a Lei formalmente válida como expressão da vontade da nação, passando seus enunciados a vincular toda administração pública, resguardando-se os direitos subjetivos de cada indivíduo contra as arbitrariedades do Estado.

Em brilhante discurso proferido pelo ilustre Ministro Teori Albino Zavascki aos seus formandos da UFRGS, que o elegeu paraninfo:

“(...) assim, o século XIX foi tomado pela normatização do primeiro desses ideais: os direitos fundamentais de liberdade, por isso denominados “direitos de primeira geração”. Naquele século, ganharam densidade normativa os direitos civis e políticos, direitos do indivíduo contra o Estado. Quebrou-se a espinha dorsal do Estado absolutista e de suas cinzas modelou um Estado liberal, não intervencionista, garantidor das liberdades individuais, com escassa margem nas relações sociais”.[5]

Foi neste momento que a idéia de Estado concebido como Ente Público despersonalizado, que deveria não só editar as leis aplicáveis a todos os cidadãos como também se adequar a elas (Estado de Direito) passou a existir.

Com o passar do tempo foi-se percebendo que a simples proteção dos direitos individuais não era suficiente para garantir que os indivíduos vivessem em harmonia, tendo em vista que atuando desta forma o Estado fechava os olhos para os menos afortunados que não dispunham de bens suficientes para garantir um mínimo existencial.

Criava-se assim uma situação insustentável onde somente alguns poucos indivíduos viam-se protegidos pelo guarda-chuva estatal, ficando de fora a maior parte da população que, embora fossem considerados cidadãos, não dispunham de qualquer perspectiva, encontrando-se marginalizados perante a sociedade (de detentores de capital).

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Assim o Estado se viu obrigado a assegurar a este grupo social completamente destituído de prerrogativas, um mínimo de direitos (que com o passar do tempo foi-se ampliando) para que pudessem viver com dignidade, privilegiando assim os direitos de igualdade.

Perde força, portanto, aquela concepção de Lei aplicável a todos indistintamente, até pelo fato de que sua aplicação poderia levar a injustiças, tendo em vista que sua abstração poderia prejudicar certos indivíduos. Assim, vem à tona a idéia dos Princípios como força que impulsionaria o Estado a agir de determinada forma. A própria interpretação da Lei deveria ser condizente com os princípios que regem o local, como ressalva Miguel Seabra Fagundes:

“Toda a sistematização dos poderes e deveres da Administração Pública será traçada a partir dos lineamentos constitucionais pertinentes, com especial ênfase no sistema de direitos fundamentais e nas normas estruturantes do regime democrático, à vista de sua posição axiológica central e fundante no contexto do Estado Democrático de Direito”.[6]

A propriedade privada, tão valorizada nos primórdios do Estado Liberal, ganha uma nova qualificação, já que, a partir deste momento, deveria atender ao interesse social, no sentido de minimizar as desigualdades existentes entre os proprietários e não proprietários, devendo aqueles a atuar no sentido de adequar sua propriedade ao interesse da comunidade.

Continua Zavascki no seguinte sentido:

“(...) os Estados, outrora omissos, agora proclamam compromissos solenes de estabelecer políticas públicas destinadas a eliminar desigualdades sociais e de promover, em todos os seus aspectos, a dignidade da pessoa humana”.[7]

Foi no século XX que passou o órgão estatal a intervir diretamente na economia, atuando no sentido de viabilizar o convívio pacífico de toda sociedade, fornecendo instrumentos de caráter social (habitação, educação, saúde, infra-estrutura, seguridade social, etc.) para aqueles que necessitavam. Estamos diante da segunda geração de direitos, período conhecido como Welfaire State ou Estado do Bem-Estar Social.

Apesar da tentativa de implementação desses direitos de ordem social, pouco foi efetivamente posto em prática. É verdade que, atualmente, em quase todas as Constituições existentes estão designados um leque de Direitos atribuídos a todo indivíduo, mas será que é o suficiente?

Atualmente, nos deparamos com uma nova ordem institucional que procura assegurar a implementação dos chamados direitos de segunda e também de terceira geração. Devemos ter a consciência de que, como dizia Montesquieu, somente com os ideais de liberdade e igualdade não teremos um Estado que busque e propicie o bem comum, pois falta o sonho da fraternidade.

A partir desta premissa, surge a necessidade de se reconhecer os chamados direitos de solidariedade, que valorizam tanto o ser humano em si quanto o conjunto de interações que este tem ou pode vir a ter com o ambiente em que se situa.

Finaliza o referido Ministro seu brilhante discurso:

“Nascem, assim, neste limiar de um novo século, os chamados direitos de “terceira geração”, inspirados nos valores da solidariedade. O que vemos, hoje, são sinais marcantes de que a humanidade está modelando Estados sem fronteira e fazendo surgir um novo cidadão, um cidadão universal, um cidadão de todas as pátrias. Ganha força e valorização a idéia de que o verdadeiro Estado de Direito – de liberdade e de igualdade entre as pessoas – somente poderá ser construído com reformas não apenas das leis ou das estruturas de poder. A reforma mais urgente, mais profunda, e certamente a mais difícil, mas que precisará ser feita, é a reforma do próprio ser humano, é a renovação de espíritos, é a mudança que se opera pela via do coração. O século XXI há de ser marcado, necessariamente, pelo signo da fraternidade. O Estado do futuro não poderá ser apenas um Estado liberal, nem apenas um Estado social: precisará ser um Estado da solidariedade entre os homens”.[8]

Situamo-nos atualmente em um momento peculiar em que lutamos para concretização dos direitos que giram em torno de todos, considerando que estamos interligados por laços que nos unem como humanos, devendo prevalecer, portanto, nossa responsabilidade para preservar o Ser Humano e o Ambiente em que nos situamos (tomado como bem de uso comum do povo).

Nesse mesmo sentido, importante decisão do Ministro Celso de Mello:

“MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).”[9]

1.2. Configuração do Ministério Público a partir da CF/88

No Brasil, a instituição do Ministério Público passou por várias transformações, passando a acumular com o decorrer do tempo inúmeras atribuições. Porém, foi a partir da Constituição da República Federativa de 1988 que passou a dispor dos instrumentos necessários para poder exigir de forma condizente dos infratores da ordem vigente o cumprimento das leis com o intuito de assegurar a população seus direitos essenciais.

Foram destinados ao parquet alguns instrumentos processuais para assegurar tal fim. Assim, para fazer prevalecer o interesse social, o MP possui à sua disposição o Inquérito Civil Público, que poderá culminar com a assinatura do Compromisso de Ajustamento de Conduta pelo transgressor (no caso em tela, o poluidor), e a Ação Civil Pública, que levará ao Judiciário a decisão final sobre o litígio.

Assim, diante do texto Constitucional pode-se extrair;

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

Porém, não basta enunciar o fim de um instituto sem que a ele seja assegurado um aparato legal para que seja possível realizá-lo. Não é a toa que a nossa Carta Magna assegurou ao Ministério Público uma série de prerrogativas e garantias objetivando efetividade para seu atuar.

Nas sábias palavras do eminente constitucionalista Alexandre de Moraes, “As garantias constitucionais do Ministério Público foram-lhe conferidas pelo legislador constituinte objetivando o pleno e independente exercício de suas funções e podem ser divididas em garantias institucionais e garantias aos membros. Tão importante este objetivo, que a Constituição Federal considera crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de atos atentatórios ao livre exercício do Ministério Público (art. 85, II, da Constituição Federal)”.[10]

No que tange à sua natureza jurídica, muito já foi debatido, até pelo fato de que, com o passar dos tempos, foram-lhe asseguradas diversas funções, como de membro do Poder Executivo, de advogado da União, etc. Porém, diante da estruturação trazida pela Constituição Federal de 1988 através dos artigos 127 ao 130-A, não resta dúvida de que se trata de um órgão que, desvinculado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.[11]

Assegurando-lhe independência funcional, através de um regime jurídico próprio com prerrogativas, garantias, deveres e vedações, a Lei Magna propiciou ao MP os meios para realização de seu mister através da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, nas palavras do ex-ministro Sepúlveda Pertence, enquanto discursava na tribuna:

“O legislador constituinte concedeu [ao ministério público] uma titularidade genérica para promover medidas necessárias à proteção da vigência e da eficácia da Constituição, (...) legitimando-o para uma proteção a patrimônio público em uma vigilância ativa com legitimação processual, sob a legalidade da administração”.

Diante desta formatação, vem o parquet desincumbindo seu papel de forma pró-ativa (não sendo apenas um mero fiscal da lei), valendo-se do seu papel acusador para fazer prevalecer os anseios da sociedade, já que, detentor de parcela de soberania estatal, tem o poder-dever de interferir na condução dos negócios políticos estatais.

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Sobre o autor
Victor Calegare Largura Queiroz

Advogado especializado em Direito Imobiliário. Graduado em Direito e pós-graduação em Direto Imobiliário pela PUC-Rio. Curso de MBA em Gestão Empresarial pela FGV-Rio. Mestrando pela Universidade do Minho, localizada em Braga-Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Victor Calegare Largura. A atuação do Ministério Público na implementação de políticas na área ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3527, 26 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23784. Acesso em: 23 abr. 2024.

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