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Competência para fiscalizar atividade jurídica de membros da advocacia pública federal: TCU ou órgão correcional próprio?

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O TCU não detém competência para, revolvendo a matéria-prima inexata da Ciência Jurídica, sancionar aqueles que, constitucionalmente, nasceram para “dizer o Direito” no âmbito de suas atribuições.

Sumário: I. INTRODUÇÃO. II. DA CIÊNCIA JURÍDICA: MATÉRIA-PRIMA INEXATA. III. DA NECESSIDADE DE UM REGIME PRÓPRIO DE CONTROLE DAS ATIVIDADES JURÍDICAS. IV. EFEITOS DA COMPETÊNCIA. V. COMPETÊNCIA DA AGU PARA ASSESSORAR JURIDICAMENTE A UNIÃO. VI. DA COMPETÊNCIA DA CORREGEDORIA-GERAL DA ADVOCACIA DA UNIÃO – CGAU. VII. DO DESPROPÓSITO DA RESPONSABILIZAÇÃO DE ADVOGADOS PÚBLICOS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. VIII. CONCLUSÃO. IX. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA.


I. INTRODUÇÃO

1. O presente estudo foca-se em discutir a quem compete responsabilizar os membros da Advocacia Pública por manifestações jurídicas em sede de procedimentos licitatórios e de contratações públicas: o Tribunal de Contas da União – TCU ou o órgão correcional reservado aos patronos públicos federais (a Corregedoria-Geral da Advocacia da União)?

2. Ao longo do artigo, realçar-se-á a natureza da ciência jurídica para, posteriormente, debruçar-se sobre o regime de responsabilidade dos membros das carreiras da Advocacia Pública e sobre as atribuições fiscalizadoras do TCU.

3. Por fim, demonstrar-se-á que os patronos públicos federais sujeitam-se exclusivamente à atuação de instância própria de responsabilização, e não ao TCU.


II. DA CIÊNCIA JURÍDICA: MATÉRIA-PRIMA INEXATA

4. Primeiro aspecto a destacar é o de que a natureza da matéria-prima com a qual os operadores do direito laboram não é exata.

5. A propósito, é basilar recordar as lições do jurista Recaséns Siches, que preconizava que a lógica do Direito é a do Razoável. Nesse passo, elucidativo é o escólio dos professores da Universidade de Maringá, Drs. Alessandro Severino Vallér Zenni e Elizabet Leal da Silva:

“O procedimento interpretativo, no âmbito do direito, é um importante instrumento na concretização da justiça. É por meio da interpretação que o aplicador do direito, põe em sintonia fatos, valores e normas, possibilitando a subsunção da norma, ao caso concreto, a fim de lhe dar a decisão mais justa. Utilizando-se de definições de autores como Demolombe, Adicks e Erlich, Carlos Maximiliano, apresenta-se a seguinte definição de interpretação:

A interpretação das leis é obra de raciocínio e de lógica, mas também de discernimento e bom senso, de sabedoria e experiência. Um Código, porventura teoricamente ótimo, sempre exige, para sua perfeita observância, aplicadores exornados de grandes dotes intelectuais. É notório que a mesma norma positiva adquire acepções e aplicações várias em diferentes países, ou em época diversas, e a causa da divergência acha-se no temperamento, na orientação do espírito e na posição social, ou política, dos que têm assento nos tribunais.

Não basta conhecer os métodos de interpretação, é necessário que estes sejam utilizados de maneira adequada para que o exegeta atinja o objetivo do direito, que é fazer com que a justiça seja alcançada.

Segundo Luiz Fernando Coelho, sendo os sistemas lógico-formais insuficientes para atender a dinamicidade do direito, deve-se então, buscar outros mecanismos que supram os espaços deixados pela insuficiência do pensamento analítico. Desta forma, resplandece a Lógica do Razoável, como técnica que possibilita ao jurista encontrar condições adequadas para a aplicação de um direito mais justo. Prossegue o doutrinador, ponderando que o julgador, em várias situações, terá que, por conta própria, “completar os critérios axiológicos pertencentes à ordem jurídica positiva”, com base em suas estimativas pessoais.

Recaséns Siches, que desenvolveu o método do “logos do razoável”, preceitua que o juiz deve manuseá-lo diante de sua função criadora, e até porque, tem responsabilidade com o cumprimento da justiça, iniciando por analisar os fatos, examinar as circunstâncias, eleger qual norma deve ser aplicada e qual sua extensão.

Conceitua-se a Lógica do Razoável, como método, segundo o qual, a aplicação das normas jurídicas devem ser pautadas por critérios estimativos, segundo princípios de razoabilidade, ou seja, elegendo a solução mais razoável para o problema jurídico concreto.

Na utilização da Lógica do Razoável, a equidade figura como um dispositivo sintomático na solução dos casos lacunosos e de antinomias existentes nas normas ou na própria ordem jurídica, o que muitas vezes, torna o trabalho de julgar, um tanto tormentoso. Com a equidade, o magistrado se mune de um poder discricionário, porém, não arbitrário, e desta forma aprecia, segundo a Lógica do Razoável, interesses e fatos não determinados a priori pelo legislador.

Em breve síntese, as lições propostas por Siches são de anatematizar a carregada metodologia da lógica formal na interpretação do jus, porquanto, não se pode admitir que o legislador tenha encaixado todos os fatos da vida em conceitos jurídicos abstratos e normas de direito, permitindo que a dedução seja a técnica por excelência na aplicação direito cuja característica é marcada por lógica humana, inspirada na equidade e na prudência.”[1]

6. Aliás, é inesquecível a lição de Recásens Siches acerca da natureza da ciência jurídica, que ultrapassa os limites das letras das normas, a saber:

“No exemplo clássico da premissa "é proibida a entrada de animais", um cego acompanhado de seu cão guia estaria impedido de entrar no recinto, numa solução dogmática dada ao problema. Outro enfoque poderia levar a um questionamento do problema, concluindo que não seria razoável que tal proibição fosse estendida ao cego, permitindo-lhe, assim, entrar no recinto guiado pelo seu cão. Num enfoque dogmático o problema estaria resolvido pela máxima "a lei é a lei", portanto, o cego estaria proibido de entrar no recinto. Para Recaséns Siches não se pode conseguir nunca uma exatidão nem uma evidência inequívoca na solução dos problemas jurídicos. Isto seria impossível em virtude da multiplicidade de elementos heterogêneos que intervém na conduta humana, e especialmente nos problemas das relações inter-humanas. O operador do direito deve se valer da lógica do razoável ao aplicar a norma jurídica. Entende Recaséns Siches que o Direito, como toda obra humana, é circunstancial. [2]

7. No mesmo diapasão, ressoa o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que, homenageando no Plenário da Corte Máxima do País o jurista Eros Roberto Grau (que também enriqueceu a Excelsa Corte), averbou, in verbis:

“À força das palavras, Eros Grau somou o poder da luta efetiva com as armas da lei e do Direito para alcançar a sonhada Justiça – sem dúvida, o melhor de todos os argumentos. Por quatro décadas fez da Advocacia a trincheira de onde torpedeou desde a ilegalidade ao normativismo vazio. Volto a citá-lo, de maneira a melhor fruir da pureza só obtida na própria fonte:

Que me perdoem os estudiosos que tomam a norma escrita, positiva, como objeto único de suas indagações. Isso é pouco e demasiado pobre para mim. Prefiro os desafios mais amplos, ainda que irresolúveis, a ocultar-me na cidadela do normativismo.

Uma teoria crítica supõe a concepção do direito não apenas como norma, mas como conjunto de preceitos enraizados nas condições de vida material, preceitos que as representam de maneira deformada, ideologicamente. Uma teoria crítica é uma teoria voltada à transformação do mundo. Eis o que me motiva e me conduziu até aqui. Viemos ao mundo para marcar os nossos próprios pés na areia inexplorada.

Pensar e refletir criticamente não apenas sobre o direito, mas sobre o mundo. Mundo em transformação, mundo que necessita, para que se possa transformar, do dinamismo de um direito também em transformação.

Esse, o direito instrumento de mudança social, o direito que me cumpre ensinar, porém, mais do que isso, que me proponho estudar. Direito que há de ser resolvido em suas bases, mediante o profundo questionamento das teorias que o sustentam. Dele pouco sei. Menos, porém, por certo, do que dele saberei amanhã. O compromisso, que assumo, de perseverar a pesquisar e a refletir sobre o direito, assumo-o comigo mesmo.”[3]

8. Como se vê, na faina de interpretar normas, os advogados poderão chegar a conclusões multifárias, em virtude da natureza inexata da matéria-prima do Direito.


III. DA NECESSIDADE DE UM REGIME PRÓPRIO DE CONTROLE DAS ATIVIDADES JURÍDICAS

9. Atento à natureza inexata da matéria-prima da ciência jurídica, o ordenamento jurídico brasileiro estabeleceu um regime diferenciado e particular para controle das atividades desempenhadas pelos operadores do Direito.

10. A propósito, a própria Constituição Federal alijou dos três Poderes as Funções Essenciais à Justiça. Disso dá conta a divisão do Título IV da Constituição Federal, referente à Organização dos Poderes, em quatro capítulos: um ao Legislativo (capítulo I), outro ao Executivo (capítulo II), o seguinte ao Judiciário (capítulo III) e o derradeiro às “Funções Essenciais à Justiça” (capítulo IV).

11. Deveras, a efetividade do ambiente democrático exige que as instituições essenciais à Justiça – inegavelmente, instâncias próprias de Poder – gozassem de certa autonomia em relação aos três Poderes da República, de modo a permitir que a observância da legalidade – pedra fundamental de qualquer Estado de Direito – seja cultuada sem ingerências políticas externas.

12. E isso se torna especialmente necessário, ao considerar-se que a matéria-prima da Ciência Jurídica é inexata e, portanto, reclama que a definição da melhor interpretação seja realizada por instâncias constitucionalmente criadas para “dizer o Direito”.

13. Nesse contexto, a Magistratura, o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública esgrimam suas atribuições mediante submissão a um regime jurídico, em grande parte, particular, diverso do que orquestra os demais Poderes.

14. Assim, sem mencionar a possibilidade de responsabilização civil ou criminal pela via judicial, é certo que: (a) Juiz só pode ser responsabilizado por órgão correcional do Poder Judiciário ou pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ (órgão de controle externo criado apenas para o Judiciário); (b) membro do MP, só por órgão do próprio MP ou pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP (órgão de controle externo criado apenas para o MP); (c) advogados, só pela Ordem dos Advogados do Brasil e (d) advogados públicos e defensores públicos, só por instância da estrutura do seu órgão jurídico[4].

15. Quanto aos advogados, o art. 133 da CF atenta para a especificidade da atividade jurídica, ao preconizar que o advogado é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

16. É inquestionável que, tirante eventuais responsabilizações civis ou criminais pela via judicial, os agentes das Funções Essenciais à Justiça só podem ser responsabilizados por órgãos criados especificamente a tanto, com composição obrigatória de bacharéis em Direito (ou seja, de pessoas academicamente preparadas a lidar com a matéria-prima do Direito).

17. Não se trata de privilégios, e sim uma prerrogativa indispensável a quem está constitucionalmente incumbido das Funções Essenciais à Justiça e que, no seu mister, precisará revolver a amorfa e incerta matéria-prima da Ciência Jurídica.


IV. EFEITOS DA COMPETÊNCIA

18. Antes de adentrar no delineamento da competência do TCU sobre as atividades dos advogados, é preciso definir o que é competência.

19. Competência, a grosso modo, é um dos requisitos do ato administrativo e consiste em exigir que o agente público (ou o órgão) incumbido da prática do ato possua credenciamento legal a tanto.

20. A competência envolve a liberdade de decidir, dentro dos limites estabelecidos pelos demais requisitos dos atos administrativos.

21. Assim, se o TCU possuir competência para responsabilizar advogados, ele possui autoridade para decidir quais são os casos de responsabilização.

22. Outrossim, se a AGU possui competência para assessorar juridicamente a União, ela detém autoridade para decidir qual a melhor solução jurídica a ser adotada.


V. COMPETÊNCIA DA AGU PARA ASSESSORAR JURIDICAMENTE A UNIÃO

23. O art. 131 do CF estabelece que a Advocacia-Geral da União – AGU possui competência para desempenhar “as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.

24. Os limites a essa atividade são os estabelecidos em lei complementar, consoante art. 131 da CF. Nesse contexto, a Lei Complementar nº 73/1993 traçou as balizas da atividade da Advocacia-Geral da União.

25. É nesse diploma que se encontra que os advogados públicos, no exercício de sua atividade, devem curvar-se aos pareceres vinculantes da AGU.

26. É também nessa norma complementar que se estabelece que a avaliação das atividades dos advogados públicos será realizada pela Corregedoria-Geral da Advocacia da União – CGAU.

27. Enfim, os membros da AGU possuem autoridade constitucional para assessorar juridicamente a União (ou seja, “dizer o Direito” para o Poder Executivo), sob as balizas do Advogado-Geral da União e sob a supervisão correcional e disciplinar da CGAU, nos limites da lei.


VI. DA COMPETÊNCIA DA CORREGEDORIA-GERAL DA ADVOCACIA DA UNIÃO – CGAU

28. A Constituição Federal, atenta aos reclamos democráticos de destacar as Funções Essenciais à Justiça da tríade tradicional do “O Espírito das Leis”, dotou a atuação de consultoria jurídica e representação judicial da União, promovida pela Advocacia-Geral da União, de um apartado sistema de controle.

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29. Com efeito, o art. 131 da CF dispõe:

“Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.”

30. Adveio, então, por força dessa previsão constitucional, a Lei Complementar n. 73/93, batizada de Lei Orgânica da AGU – LOAGU, que criou a Corregedoria-Geral da Advocacia da União apenas para controle das atividades funcionais dos seus membros (arts. 2º, I, 5º e 6º) e deixou para lei ordinária a estruturação de uma Secretaria de Controle Interno (art. 16)[5] para o controle das atividades dos servidores administrativos da AGU.

31. Importa-nos, para o presente estudo, frisar que a atividade funcional dos membros da AGU ficou reservada à Corregedoria-Geral da Advocacia da União. Não se olvide o teor dos arts. 5º e 6º da LOAGU:

“Art. 5º - A Corregedoria-Geral da Advocacia da União tem como atribuições:

I - fiscalizar as atividades funcionais dos Membros da Advocacia-Geral da União;

II - promover correição nos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União, visando à verificação da regularidade e eficácia dos serviços, e à proposição de medidas, bem como à sugestão de providências necessárias ao seu aprimoramento;

III - apreciar as representações relativas à atuação dos Membros da Advocacia-Geral da União;

IV - coordenar o estágio confirmatório dos integrantes das Carreiras da Advocacia-Geral da União;

V - emitir parecer sobre o desempenho dos integrantes das Carreiras da Advocacia-Geral da União submetidos ao estágio confirmatório, opinando, fundamentadamente, por sua confirmação no cargo ou exoneração;

VI - instaurar, de ofício ou por determinação superior, sindicâncias e processos administrativos contra os Membros da Advocacia-Geral da União.

Art. 6º - Compete, ainda, à Corregedoria-Geral supervisionar e promover correições nos órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União.”

32. Portanto, com exclusividade, a CGAU fiscaliza a atividade funcional dos Membros da AGU, bem como verifica a regularidade e eficácia dos serviços dos órgãos jurídicos da AGU.

33. De um lado, a CGAU fiscaliza as peças jurídicas produzidas pelos Membros da AGU e, de outro, supervisiona os aspectos gerenciais dos órgãos da AGU, com poder de lhes transmitir “sugestões de providências necessárias ao seu aprimoramento” (art. 5º, II, da LOAGU).


VII. DO DESPROPÓSITO DA RESPONSABILIZAÇÃO DE ADVOGADOS PÚBLICOS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

34. Como já realçado, a AGU é a instância da “Função Essencial à Justiça” incumbida de fornecer ao Poder Executivo Federal as balizas jurídicas para as práticas dos atos administrativos.

35. A supervisão disciplinar da atividade dos membros da AGU incumbe apenas à CGAU, em virtude da estrutura constitucional dos Poderes e da peculiar natureza inexata da ciência jurídica.

36. Semelhantemente, o controle disciplinar: (a) da magistratura é pelo Poder Judiciário ou pelo CNJ (órgão de controle externo criado apenas para o Judiciário); (b) do MP pelo próprio Parquet ou pelo CNMP (órgão de controle externo criado apenas para o MP); (c) advogados privados, pela OAB.

37. É assim despropositado cogitar que o Tribunal de Contas da União – TCU goze de competência para responsabilizar quem possua competência constitucional para “dizer o Direito”.

38. De plano, anota-se que a composição do TCU não depende de necessária formação jurídica, conforme se depreende do art. 73, § 1º, III, da CF (que exige que o Ministro do TCU ostente notórios conhecimentos de administração pública ou jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros). Em tese, o TCU pode ser composto por Ministros que somente exuberem conhecimentos de administração pública, mas não apreendam, plenamente, as particularidades da Ciência Jurídica.

39. Assim, o TCU não foi organicamente gestado para desempenhar o controle das atividades desempenhadas pelos integrantes das “Funções Essenciais à Justiça”. É sob essa ótica que se deve ler o art. 71 da CF, notadamente os incisos abaixo transcritos:

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

(...)

VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário

(...)

XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.”

40. É sob as asas dessas reflexões que, por exemplo:

a) Um membro do MP jamais seria responsabilizado pelo TCU, ainda que tivesse sido omisso em seu mister ou tivesse adotado entendimento jurídico próprio e, em razão disso, tivesse dado ensejo a prejuízos ao erário.

b) Um magistrado jamais seria responsabilizado pelo TCU, caso, no exercício de seu mister, tiver colaborado com sangrias de verbas públicas (ao prolatar, por exemplo, uma sentença que permitisse a prática de um ato administrativo qualquer).

c) O Advogado-Geral da União (e, igualmente, os membros da AGU) jamais seria responsabilizado pelo TCU, por ter prestado assessoramento jurídico tido por desconforme pela Corte de Contas.

41. Enfim, o TCU não detém competência para, revolvendo a matéria-prima inexata da Ciência Jurídica, sancionar aqueles que, constitucionalmente, nasceram para “dizer o Direito” no âmbito de suas atribuições.

42. O TCU não foi gestado constitucionalmente para atropelar as “Funções Essenciais à Justiça”.

43. Caso o TCU depare-se com atuação de jurista constitucionalmente vestido com o mister de “dizer o Direito”, só lhe remanescerá o mister constitucional de “representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados” (art. 71, XI, da CF).

44. Acresça-se, por oportuno, que a CF foi agudamente sistemática e harmônica ao velar pela observância da ordem jurídica pela Administração Pública, posicionado instituições das “Funções Essenciais à Justiça” em todo o percurso dos atos administrativos.

45. De fato, a CF, como via profilática prévia à prática do ato, criou a Advocacia-Geral da União – AGU para assessorar juridicamente o Poder Executivo Federal. Antes de praticar o ato administrativo, a sua higidez jurídica poderá (e, no casos de obrigatoriedade legal de prévio parecer jurídico – como nas licitações e contratos por conta do art. 38, parágrafo único, da CF.

46. Por outro lado, como via de controle da higidez jurídica dos atos administrativos a posteriori (e, até mesmo, a priori), a CF dotou o Estado Democrático de Direito com o Ministério Público e o Poder Judiciário.

47. O TCU, a seu turno, foi concebido pela CF para auditar os atos administrativos, sem, todavia, atropelar a atuação das Funções Essenciais à Justiça.

48. Ora, se o TCU pudesse responsabilizar os membros da AGU por reputar insuficiente ou inadequada a sua atuação de assessorar juridicamente a União, então:

a) O TCU teria competência para decidir quais são os casos de responsabilização pessoal dos causídicos.

b) O TCU, em conseqüência, constante coerção inibidora sobre a atividade jurídica da AGU e suprimiria a competência constitucional desta em assessorar juridicamente a União.

c) A CF seria inexplicavelmente desarmônica, pois não teria conferido segurança jurídica prévia à prática dos atos administrativos. De fato, se o advogado público pode ser responsabilizado pelo TCU posteriormente (por vários motivos, entre os quais o de que o TCU – Corte não necessariamente compostas por profissionais do Direito – reputou absurdo determinado entendimento jurídico adotado pelo causídico), a CF não teria conferido ao administrador público qualquer arrimo jurídico prévio para praticar os atos, o que é despropositado. É absurdo pensar que a CF só quis permitir a segurança jurídica quando “Inês já está morta”.

d) Os advogados públicos não gozariam de liberdade para, transitando no terreno peculiar da Ciência Jurídica, apontar a orientação jurídica mais adequada para Administração, o que esvaziaria a competência constitucional de consultoria jurídica do Poder Executivo Federal (art. 131, CF).

e) O TCU poderia, em tese, responsabilizar o próprio Advogado-Geral da União, por este ter exarado eventual parecer vinculante com entendimento jurídico reputado teratológico pela Corte de Contas.

f) O TCU poderia responsabilizar membros do MP e, até mesmo, membros do Judiciário, se entender que suas condutas concorreram para prejuízos aos cofres públicos.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Elias de Oliveira

Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na Universidade de Brasília – UnB. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual, do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias. Competência para fiscalizar atividade jurídica de membros da advocacia pública federal: TCU ou órgão correcional próprio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3561, 1 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24056. Acesso em: 22 nov. 2024.

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