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OAB ajuíza ADI contra limite na dedução de despesas com educação no IRPF

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A imposição de limites à dedutibilidade das despesas com educação na base de cálculo do imposto de renda das pessoas físicas ofende diversos comandos constitucionais, como o conceito de renda, a capacidade contributiva, o não-confisco tributário e o direito à educação.

EXCELENTÍSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF

“Enfin, il osa lui faire un crime d’avoir voulu que chacun payât l’impôt suivant ses facultés.” [1]

CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – CFOAB, serviço público dotado de personalidade jurídica própria e regulamentado pela Lei nº 8.906/94, com sede em Brasília/DF, no SAUS, Qd. 05, Lote 01, Bloco M, CNPJ nº 33.205.451/0001-14, por seu Presidente MARCUS VINÍCIUS FURTADO COELHO e por seu advogado que esta subscreve, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 102, I, a, e 103, VII, da Constituição, no art. 54, XIV, da Lei nº 8.906/94 e no art. 2º, VII, da Lei nº 9.868/99, propor

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM PEDIDO DE CAUTELAR,

contra CÂMARA DOS DEPUTADOS, por intermédio de seu Presidente, com endereço para comunicações no Palácio do Congresso Nacional, Praça dos Três Poderes, Brasília-DF; SENADO FEDERAL, por intermédio de seu Presidente, com endereço para comunicações na Praça dos Três Poderes, Brasília-DF; PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, por intermédio de sua Presidenta, com endereço para comunicações no Palácio do Planalto, Praça dos Três Poderes, Brasília-DF, todos órgãos/autoridades federais responsáveis pela elaboração dos itens 7, 8 e 9 do inciso II do art. 8º da Lei federal nº 9.250/95 (com redação da pela Lei nº 12.469/2011), pelas razões que passa a expor.


1 - OS DISPOSITIVOS LEGAIS QUESTIONADOS:

Trata-se de impugnar a constitucionalidade dos itens 7, 8 e 9 do inciso II do art. 8º da Lei nº 9.250/95 (com redação da pela Lei nº 12.469/2011), que “altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas e dá outras providências”. Eis o seu teor:

“Art. 8º. A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:

I – de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva;

II – das deduções relativas:

(...)

b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de: (Redação dada pela Lei nº 11.482, de 2007)

(...)

7. R$ 3.091,35 (três mil, noventa e um reais e trinta e cinco centavos) para o ano-calendário de 2012; (Incluído pela Lei nº 12.469, de 2011)

8. R$ 3.230,46 (três mil, duzentos e trinta reais e quarenta e seis centavos) para o ano-calendário de 2013; (Incluído pela Lei nº 12.469, de 2011)

9. R$ 3.375,83 (três mil, trezentos e setenta e cinco reais e oitenta e três centavos) a partir do ano-calendário de 2014. (Incluído pela Lei nº 12.469, de 2011)”

A imposição de limites tão reduzidos à dedutibilidade das despesas com educação na base de cálculo do imposto de renda das pessoas físicas ofende, conforme se demonstrará, diversos comandos constitucionais, como o conceito de renda (art. 153, III), a capacidade contributiva (art. 145, § 1º), o não-confisco tributário (art. 150, IV), o direito à educação (arts. 6º, caput, 23, V, 205, 208, 209 e 227), que a Constituição admite não ser plenamente garantido pelo Poder Público (art. 150, VI, c), a dignidade humana (art. 1º, III), a proteção da família (art. 226) e a razoabilidade (art. 5º, LIV).

Violando abertamente “a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos [e] a justiça social”, cuja defesa incumbe à Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94, art. 44, I), os dispositivos legais acima transcritos suscitam a iniciativa do Conselho Federal da entidade, legitimado universal à propositura da presente Ação Direta.


2 - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA AÇÃO DIRETA:

2.1. Limites materiais do pedido: inconstitucionalidade por ação:

Duas são as censuras em princípio oponíveis ao art. 8º, II, b, da Lei nº 9.250/95 (com redação da pela Lei nº 12.469/2011):

  •  a sua insuficiência objetiva, por não contemplar inúmeras atividades essenciais à formação e ao aprimoramento intelectual e profissional do cidadão, como, entre outras, a aquisição de material didático, as aulas particulares e os cursos de idiomas, de artes e pré-vestibulares;
  •  a sua insuficiência quantitativa, por estabelecer – em relação às despesas autorizadas – limite de dedução claramente irrealista.

Volta-se a presente Ação Direta apenas contra o segundo defeito acima indicado, o qual decorre de uma conduta ativa do legislador (fixar teto simbólico), constituindo, pois, caso de inconstitucionalidade por ação.

Feita essa delimitação, tem-se que a hipótese não é sequer de inconstitucionalidade por omissão parcial, que se verifica (a) quando “o legislador promulgou norma que não corresponde, plenamente, ao dever constitucional de legislar” ou ainda (b) quando “uma mudança das relações jurídicas ou fáticas impõe-lhe um dever de adequação do complexo existente” (voto do Min. GILMAR MENDES na ADI nº 875/DF – DJe 30.04.2010).

A segunda situação é claramente inaplicável, já que não se trata de erosão da constitucionalidade de normas longevas, mas sim da impugnação de dispositivos com vigência específica para cada um dos anos-bases analisados (os itens 7 a 9 transcritos no tópico precedente).

O mesmo se diga da primeira condição, visto que – embora não se vá defender a existência de uma vedação constitucional à fixação de um teto razoável na matéria – é certo que tampouco há um dever constitucional de limitar-se a dedutibilidade dos gastos com educação na base de cálculo do IRPF, restrição aliás inexistente para as despesas com saúde e pensão alimentícia, para darmos apenas alguns exemplos (Lei nº 9.250/95, art. 8º, II, a, d, e e f).

Contudo, ainda que se entendesse que o caso é de omissão parcial, ter-se-ia a plena fungibilidade, inclusive quanto à técnica decisória, entre a ADI e a ACO, pois – ao contrário do que se passa quanto à exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade, onde a cassação da regra imperfeita suprime vantagem lícita concedida aos agraciados, sem nada proporcionar aos discriminados – aqui a anulação dos comandos profligados bastará para atender plena e imediatamente ao desígnio constitucional de impulso à educação.

Manifesta, por tudo isso, a diferença entre o objeto desta ADI e a pretensão rechaçada pelo STF no RE nº 388.312/MG (Rel. para o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 11.10.2011).

Ali se consideravam em bloco, pedindo-se a sua atualização judicial pelos índices oficiais de inflação, valores referidos na legislação do IRPF para diferentes fins: definição da parcela mínima não-tributável (o impropriamente chamado “limite de isenção”[2]), do limite de isenção das aposentadorias e pensões, do desconto-padrão por dependente (decorrência do princípio da praticabilidade, pois seria inviável apontar e comprovar os gastos efetivos com habitação, vestuário, alimentação, higiene, etc., atribuíveis a cada um deles), das faixas de renda sujeitas a cada uma das alíquotas progressivas e, ainda, do teto de dedutibilidade das despesas com educação própria ou por dependente.

A ação partia da validade originária de cada uma daquelas cifras, protestando somente contra a omissão do legislador em atualizá-los pela inflação. O pleito foi negado, como se sabe, ao fundamento da separação dos Poderes: legalidade estrita e vedação à atuação do Judiciário como legislador positivo.

Aqui, no entanto, cuida-se apenas das despesas com educação e se busca a declaração de inconstitucionalidade dos tetos de dedução impostos de maneira específica para os anos-bases de 2012 a 2014.

A diferença é nítida: enquanto não se concebe uma lei de IRPF no Brasil sem o estabelecimento de um valor mínimo intributável, de um desconto-padrão por dependente ou de faixas de renda para a aplicação da tabela progressiva, não existe imperativo lógico ou jurídico quanto à fixação de um limite de desconto das despesas com educação, cuja eliminação em nada prejudicaria a coerência interna do tributo (de lembrar, mais uma vez, os gastos essenciais do contribuinte a que não se aplica qualquer teto: saúde e pensão alimentícia, entre outras).

Não se discute nestes autos se um tal limite seria aceitável em tese, desde que condizente com a realidade. O que apenas se afirma é que ele é inconstitucional, nos termos em que ora fixado.

A procedência desta Ação Direta, obviamente, não levará o STF a definir o teto de abatimento que entenda legítimo. Isso é tarefa a ser empreendida pelo legislador, sempre sujeito ao controle judicial.

Todavia, até que nova lei venha a ser editada a dedução desses gastos permanecerá ilimitada, tal como ocorre para outras despesas vitais.

2.2. Limites materiais do pedido: atuação do Judiciário como legislador negativo:

Viu-se acima que tudo o que se pretende é a fulminação de comandos legais determinados. E tal anulação, ainda que parcial, não é daquelas aptas a subverterem o sentido original da lei, infringindo de maneira oblíqua a vedação à atuação do Judiciário como legislador positivo.

A censura foi feita por esse e. Tribunal, v.g., na ADI-MC nº 1.063/DF, que se voltava – entre outros pontos que não interessam aqui – contra as seguintes expressões do art. 8º, § 1º, da Lei nº 8.713/93:

“Art. 8º, 1º. Aos que, na data de publicação desta lei, forem detentores de mandato de Deputado Federal, Estadual ou Distrital, é assegurado o registro de candidatura para o mesmo cargo pelo partido a que estejam filiados na data da convenção, independentemente de sua escolha nesta, salvo deliberação em contrário do órgão de direção nacional do partido.”

A “supressão seletiva” dos trechos em destaque, segundo o voto condutor do eminente Min. CELSO DE MELLO, “alterar[ia], substancialmente, o conteúdo material da regra impugnada, modificando-lhe o sentido e elastecendo o âmbito de sua incidência”, “a ponto de (...) comprometer, em sua integridade, a própria vontade estatal positivada no texto da lei” (Plenário, DJ 27.04.2001).

Deveras, a prevalecer o pedido, da candidatura nata (a) dos Deputados Federais, Estaduais e Distritais (b) ao mesmo cargo passar-se-ia à candidatura nata (a’) de todo detentor de mandato (b’) a qualquer cargo, regra nova que destoa completamente do objetivo visado pela lei.

Não é o que se tem aqui.

A uma porque se trata da impugnação integral de partes autônomas de um dispositivo legal (os multicitados itens 7 a 9), e não de palavras pinçadas do fraseado normativo.

A duas, principalmente, porque o direito ao abatimento dos gastos com instrução já existe, e a eliminação da trava arbitrária a que está sujeito não “desfigurar[á] o sentido da regra legal”, mas antes compatibilizará a decisão legislativa com as imposições da Constituição.

É certo que a procedência desta Ação Direta levará à redução do IRPF devido por vários contribuintes, mas tal circunstância – corriqueira em debates de fundo tributário – não basta para atrair a pecha, que não se impôs em outros feitos nos quais se combatiam restrições à exclusão de valores para efeito da apuração dos mais variados tributos. Assim, à guisa de exemplo:

a) o RE nº 344.994/PR (Plenário, Rel. para o acórdão Min. EROS GRAU, DJe 28.08.2009), sobre a legitimidade do limite de 30% para a compensação de prejuízos na base de cálculo do IRPJ;

b) a ADI-MC nº 2.325/DF (Plenário, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 06.10.2006), contra os dispositivos da Lei Complementar nº 102/2000 que fracionavam a dedução de créditos de ICMS por bens do ativo fixo e restringiam o aproveitamento de créditos do mesmo imposto quanto às entradas de energia elétrica e serviços de comunicação;

c) a ADI nº 3.128/DF (Plenário, Rel. para o acórdão Min. CEZAR PELUSO, DJ 18.02.2005), onde se declarou a invalidade das regras da EC nº 41/2003 que sujeitavam a contribuição previdenciária as aposentadorias e pensões dos servidores públicos, mesmo naquilo em que não atingissem o teto dos benefícios do regime geral.

Em todos esses casos a anulação das regras que impediam a dedução de certas parcelas no cálculo dos tributos – e é disso que se trata nestes autos – acarretaria (e efetivamente acarretou, na situação referida na letra c) a redução do valor devido àquele título, sem que por isso se pudesse falar em atuação normativa do STF.

2.3. Limites materiais do pedido: estraneidade à discussão de políticas públicas:

Com efeito, o direito à educação impõe ao Estado prestações positivas e negativas, aquelas voltadas à oferta de instrução pública de qualidade e acessível a todos os legitimados, estas consistentes na abstenção de comportamentos que entravem, para os optantes, o acesso à instrução particular.

Versa esta Ação Direta apenas sobre uma de tais prestações negativas – a proibição da exigência de IRPF sobre as quantias empregadas pelo cidadão na instrução privada –, não importando a judicialização de políticas públicas e repelindo, bem por isso, a invocação da reserva do possível, que nunca constituiu óbice à impugnação judicial de tributos, mormente quando destituída de efeitos patrimoniais pretéritos.

De notar, en passant, que esta Corte atribui tal relevância à educação que – pelo menos quanto às creches e às pré-escolas – supera o argumento da reserva do possível mesmo quando se trata de exigir a atuação positiva do Poder Público, asseverando que aquela cláusula “encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial”, a qual assegura “acesso efetivo (...) a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação...” (2ª Turma, ARE nº 639.337-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe 15.09.2011).

Este debate, relevantíssimo, não precisará ser travado nos presentes autos.

2.4. Limites temporais do pedido:

Uma última precisão se impõe: voltando-se contra os itens 7 a 9 do inciso II do art. 8º da Lei nº 9.250/95, a presente ação se limita aos anos-bases 2012 (exercício 2013) a 2014 (exercício 2015).

O termo final explica-se por ser 2014 o último período para o qual o tema está disciplinado em lei.

O termo inicial, que traduz renúncia à discussão do tema quanto a exercícios anteriores ao corrente (e, assim, à infusão à decisão de inconstitucionalidade de efeitos quanto a anos anteriores), visa a evitar controvérsias sobre:

  • a viabilidade financeira e operacional da restituição do indébito aos contribuintes que tiveram, no passado, despesas de educação superiores aos valores então autorizados; e
  • a correspondência, em cada ano pretérito, entre tais limites e a realidade econômica então vigente.

A incongruência entre os tetos de dedução aqui enfocados e o panorama atual, que é intuitiva, e os efeitos jurídicos dela advindos, também evidentes, serão demonstrados a seguir.


3 - INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS COMANDOS LEGAIS EM APREÇO:

3.1 - Advertência inicial:

A questão dos autos não é inédita nesse e. Tribunal, tendo sido assim decidida pela 1ª Turma:

“Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Direito Tributário. Imposto de Renda. Limites impostos à dedução com educação. Impossibilidade de atuar o Poder Judiciário como legislador positivo. Precedentes. Julgado recorrido fundado em norma infraconstitucional – Lei nº 9.250/1995. Ofensa constitucional indireta. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (RE nº 603.060-AgR/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 03.03.2011)

Contudo, o precedente – que se noticia por imperativo de boa-fé – não determina o resultado desta ADI, visto que:

a) se trata de decisão de órgão fracionário;

b) o obstáculo processual da inconstitucionalidade reflexa não se aplica ao controle concentrado; e

c) ficou demonstrado nos itens 2.1 e 2.2 acima, data venia, que a procedência do pedido não pressupõe a atuação do STF como legislador positivo, sendo em rigor inaplicáveis os acórdãos invocados na decisão em tela, a saber: RREE nº 572.664-AgR/PR e 424.629-AgR/DF (correção judicial da tabela do IRPF), RE nº 410.515-AgR/PI (equiparação da base de cálculo do PIS/COFINS de indústria à aplicável ao setor financeiro), RE nº 493.234-AgR/RS (extensão a particulares de condições de parcelamento tributário oferecidas apenas ao Poder Público) e AI nº 360.461-AgR/MG (extensão de isenção fiscal a empresas situadas fora da área geográfica contemplada na lei).

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3.2 - As insuficiências da educação pública e o custo médio da instrução particular no Brasil:

A Constituição dá a máxima importância à educação, a qual define como direito social (art. 6º), direito de todos e dever do Estado, da família e da sociedade (arts. 205 e 227) e atribuição comum das três ordens de governo (art. 23, V).

A teor do art. 208, porém, o dever de prestação universal e gratuita limita-se à educação básica (inciso I), não havendo mais do que o imperativo de “progressiva universalização do ensino médio gratuito” (inciso II), e nem mesmo isso em relação ao ensino superior (inciso V) e ao ensino técnico-profissionalizante (sequer referido no artigo e tratado de forma indireta no art. 214, IV).

Apesar dos rigores da Carta – responsabilidade do administrador em caso de não-oferecimento da instrução obrigatória (art. 208, § 2º) –, sabe-se que este mínimo não chega a ser plenamente cumprido, do que dá prova a decisão desta Corte transcrita no item 2.3 acima.

Donde a significativa participação das instituições privadas – com ou sem fins de lucro – na educação básica brasileira, atestada pelos dados oficiais abaixo, relativos ao ano de 2011[3]:

                       

Os mesmos dados levam aos seguintes porcentuais:

                       

No que toca ao ensino superior, os números são ainda mais expressivos: das 1.852 instituições ativas em 2003, 1.652 eram privadas (com 2.750.652 alunos, ou 70,77% do total), e apenas 270 eram públicas (com 1.136.370 alunos, ou 29,23% do total)[4].

É também sabido que, com honrosas exceções, a instrução pública não-universitária sofre de um déficit qualitativo em comparação com a particular. Confira-se o testemunho de NAÉRCIO MENEZES FILHO e DIANA FEKETE NUÑEZ[5]:

“Sabemos que em muitos países, incluindo o Brasil, o sistema público de ensino tende a ter uma qualidade média baixa, insuficiente para formar os indivíduos para o mercado de trabalho, para o sucesso profissional e também pessoal. Por isso, surge o mercado privado de educação, que muitas vezes exige um alto dispêndio por parte das famílias, para prover um ensino de melhor qualidade.”

Isso também o que demonstram as estatísticas oficiais relativas ao IDEB – Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico[6]:           

Anos Iniciais do Ensino Fundamental

     

IDEB Observado

Metas

 

2005

2007

2009

2011

2007

2009

2011

2013

2021

 

Total

3.8

4.2

4.6

5.0

3.9

4.2

4.6

4.9

6.0

 

Dependência Administrativa

 

Pública

3.6

4.0

4.4

4.7

3.6

4.0

4.4

4.7

5.8

 

Estadual

3.9

4.3

4.9

5.1

4.0

4.3

4.7

5.0

6.1

 

Municipal

3.4

4.0

4.4

4.7

3.5

3.8

4.2

4.5

5.7

 

Privada

5.9

6.0

6.4

6.5

6.0

6.3

6.6

6.8

7.5

 

Anos Finais do Ensino Fundamental

     

IDEB Observado

Metas

 

2005

2007

2009

2011

2007

2009

2011

2013

2021

 

Total

3.5

3.8

4.0

4.1

3.5

3.7

3.9

4.4

5.5

 

Dependência Administrativa

 

Pública

3.2

3.5

3.7

3.9

3.3

3.4

3.7

4.1

5.2

 

Estadual

3.3

3.6

3.8

3.9

3.3

3.5

3.8

4.2

5.3

 

Municipal

3.1

3.4

3.6

3.8

3.1

3.3

3.5

3.9

5.1

 

Privada

5.8

5.8

5.9

6.0

5.8

6.0

6.2

6.5

7.3

 

Ensino Médio

     

IDEB Observado

Metas

 

2005

2007

2009

2011

2007

2009

2011

2013

2021

 

Total

3.4

3.5

3.6

3.7

3.4

3.5

3.7

3.9

5.2

 

Dependência Administrativa

 

Pública

3.1

3.2

3.4

3.4

3.1

3.2

3.4

3.6

4.9

 

Estadual

3.0

3.2

3.4

3.4

3.1

3.2

3.3

3.6

4.9

 

Privada

5.6

5.6

5.6

5.7

5.6

5.7

5.8

6.0

7.0

 

Os resultados marcados em verde referem-se ao Ideb que atingiu a meta.Fonte: Saeb e Censo Escolar.

Ciente da dupla insuficiência – quantitativa e qualitativa – do serviço público, a Constituição franqueia o setor à iniciativa privada (art. 209) e garante a liberdade de escolha do cidadão (art. 206, III).

Se assim é, e se o direito à educação impõe – como se verá no item 3.2 infra – a intributabilidade dos valores despendidos pelo contribuinte com a instrução particular, cumpre aferir o custo médio desta nos diversos níveis.                       

Observem-se as tabelas elaboradas por ANDRÉA ZAITUNE CURI, NAÉRCIO AQUINO MENEZES FILHO e ERNESTO MARTINS FARIA quanto ao ensino médio em escolas particulares do Estado de São Paulo no ano de 2006 (as notas variam de 0 a 100)[7]:

Características das Escolas Particulares

(com mais de 10 alunos concluintes, que informaram mensalidade e responderam questões de background familiar)

Anualidade

% de

escolas

Nota

(média)

Maior ou igual a R$ 10.000,00

34,04%

57

Entre R$ 5.000,00 e R$ 10.000,00

56,60%

47,2

Menor ou igual a R$ 5.000,00

9,36%

42,4

Nota objetiva

(média)

% de

escolas

Anualidade

(média)

Maior ou igual a 60 pontos

9,36%

R$ 19.323,90

Entre 50 e 60 pontos

38,30%

R$ 11.707.50

Menor ou igual a 50 pontos

52,34%

R$ 6.997,70

Características Socioeconômicas das Escolas Particulares (mesma amostragem da tabela anterior)[8]

Grupos por mensalidades

Nota objetiva

Anualidade

50 primeiras

59,05

R$ 18.510,74

51ª a 100ª

52,01

R$ 10.653,66

101ª a 150ª

48,77

R$ 8,016,39

151ª a 200ª

44,89

R$ 6.271,00

200ª a 235ª

43,34

R$ 4.769,27

Total

50,08

R$ 9.955,38

Informam os Autores que, das 1.000 escolas paulistas com os melhores resultados no ENEM de 2006, 935 são particulares e 65 são públicas, acrescentando que a média global na prova objetiva foi 36,30, caindo para 34,94 quanto aos alunos que frequentaram apenas escolas públicas, e elevando-se a 50,57 para o grupo dos que estudaram apenas em escolas particulares[9]. Ao que concluem[10]:

“A figura 8 mostra a relação entre o efeito escola estimado (no modelo com controle por background familiar) e o valor da anualidade. Notamos uma relação positiva indicando que escolas com mensalidade maior têm um efeito no desempenho do aluno no ENEM maior. Assim, podemos dizer que a mensalidade é uma boa proxy da qualidade da escola. Os pais estão pagando mais, mas os filhos apresentam um desempenho melhor (aprendem mais) mesmo controlando por background familiar. Destaca-se mais uma vez a concavidade da curva, indicando que existe um ‘limite’ no valor da mensalidade a partir do qual não vale mais a pena o alto valor pago pela qualidade do ensino em termos de aprendizado.”            

Como fica claro, o limite de eficiência da anuidade escolar (valor a partir do qual o aumento de valor não mais acarreta ganho de rendimento), representado pelo ponto de inflexão da curva, situa-se em torno dos R$ 35.000,00.

Eis agora as mensalidades das dez escolas com os melhores resultados do Brasil no ENEM 2011[11]:

 

Instituição

Cidade

Mensalidades1º e 2º ano

Mensalidade3º ano

Fonte: Inep/MEC

1

Colégio Objetivo

São

Paulo/SP

R$ 1.685

R$ 1.802

2

Colégio Elite Vale do Aço

Ipatinga/MG

R$ 725

R$ 845

3

Colégio Bernoulli – unidade Lourdes

Belo

Horizonte/MG

Não informou

R$ 1.319

4

Colégio Vértice – unidade II

São

Paulo/SP

R$ 2.922

R$ 3.552

5

Colégio Ari de Sá Cavalcante

Fortaleza/CE

R$ 850

R$ 914

6

Instituto Dom Barreto

Teresina/PI

R$ 760

R$ 780

7

Colégio Objetivo

São

Paulo/SP

R$ 1.425

R$ 1.548

8

Coluni – Colégio Aplicação da UFV

Viçosa/MG

gratuito

(federal)

gratuito

(federal)

9

Colégio Santo Antônio

Belo

Horizonte/MG

R$ 949

R$ 979

10

Colégio São Bento

Rio de

Janeiro/RJ

R$ 2.378

R$ 2.556

Não se localizaram estudos sistemáticos sobre o custo da educação superior. Amostragens desatualizadas, porém, bastam para deixar clara a insuficiência dos limites de dedução atualmente em vigor.

Veja-se o levantamento feito por TRISTAN McCOWAN[12] em relação ao ano de 2003 (valores originais da época):

Valor das mensalidades de alguns cursos no Estado do Rio de Janeiro (em R$)

 

Adm.

Eng.

Medicina

Pedag.

Matem.

Enferm.

PUC/RJ

760

962

-

730

913

-

UGF

347

-

1.100

247

247

402

USS

367

-

1.00

247

247

402

UNIFOA

-

375

1.242

-

-

364

Legenda: PUC-Rio = Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro; UGF = Universidade Gama Filho; USS = Universidade Severino Sombra; UNIFOA = Centro Universitário de Volta Redonda. [Fonte: Guia Vocacional 2003]

Informa ainda o Autor que, em 2003, as mensalidades do curso de Medicina na Uninove e na Unicastelo eram de R$ 2.200,00[13].

Lidando com dados de 2005, ELÓI MARTINS SENHORAS, KELLY PEREIRA TAKEUCHI, KATIUCHIA PEREIRA TAKEUCHI apresentam o quadro comparativo a seguir (“cursos antigos” são os que têm nome consolidado no mercado local)[14]:

Mensalidades do curso de administração

Cidades Mensalidade Média Mensalidade Média Mensalidade Média
  (Cursos Novos)     (Cursos Antigos)
São Paulo R$ 598,23 R$ 490,56 R$ 645,98
Rio de Janeiro R$ 455,11 R$ 346,03 R$ 487,30
Belo Horizonte R$ 506,70   R$ 449,07 R$ 562,51
Vitória   R$ 369,56   R$ 347,92 R$ 391,19
Porto Alegre R$ 613,00 R$ 628,63 R$ 585,92
Curitiba       R$ 429,60   R$ 397,70 R$ 456,58
Florianópolis R$ 390,67 R$ 377,29 R$ 408,50

Fonte: Hoper Educacional (2005).

A conclusão é indesviável: os custos anuais com a educação privada, em qualquer nível, situam-se muito além dos tetos de dedutibilidade estabelecidos na legislação do IRPF.

Resta indagar se essa mutilação deliberada resiste ao teste de constitucionalidade. Vejamos.

3.3 - Os comandos constitucionais ofendidos pelos limites quantitativos em testilha:

Viu-se no tópico precedente que a Constituição autoriza o ensino privado e prestigia a escolha do cidadão que, por déficit de vagas ou de eficiência da instrução pública, se vê forçado àquele caminho.

Mas não é só: em prova adicional de que reconhece a incapacidade do Estado, na atual quadra histórica, para satisfazer de forma direta e integral a esta necessidade, imuniza a impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das instituições educacionais sem fins lucrativos que atendam aos requisitos da lei (art. 150, VI, c), exoneração que em alguns casos alcança as contribuições para a seguridade social (art. 195, § 7º).

Essas franquias tributárias – que seriam odiosas se a opção pela rede particular pudesse ser considerada um capricho – constituem sinalização inequívoca do constituinte quanto às prestações negativas que impõe ao Poder Público em favor da educação.

Com efeito, sendo a um tempo decorrência e pressuposto da dignidade humana, e por isso enformando o mínimo existencial, o direito à educação tem eficácia imediata e ambivalente: seja a positiva, de que aqui não se trata, seja também a paralisante das regras jurídicas que o amesquinhem[15].

Em qualquer dessas vertentes, por estarmos em presença de um dos “direitos fundamentais do homem”, “todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas (...) no sentido de sua plena e efetiva realização”[16].

Cuidando de forma genérica da proteção do mínimo vital no âmbito do IRPF, registram KLAUS TIPKE e JOACHIM LANG[17]:

“Para o pagamento do imposto não é disponível o que o sujeito passivo precisa despender para sua própria subsistência ou para a subsistência de sua família... Por isso o mínimo vital e as obrigações de manutenção devem diminuir a base de cálculo. Vale o princípio da dedutibilidade de despesas privadas inevitáveis (o assim chamado princípio de liquidez privada ou subjetiva).”

De forma mais direta, aduzem ser “intolerável que o Direito Tributário não preserve os pressupostos materiais mínimos para uma existência humana digna”, arrematando com a advertência de que “os pontos de vista orçamentários devem retroceder perante a realização de uma valoração constitucional prévia ao Direito Tributário”[18].

Na mesma linha, HUMBERTO ÁVILA[19]:

“Somente a renda disponível da atividade desempenhada pode ser tributada. Despesas indispensáveis à manutenção da dignidade humana e da família devem ser excluídas da tributação. Preservar a dignidade humana e a existência da família implica não as destruir por meio da tributação.”

Demonstrando a necessária integração da educação entre os gastos a que se deve garantir dedutibilidade plena – ou quando nada, limitada a montante comprometido com a realidade – aduz CARLOS LEONETTI[20]:

“Com efeito, grande parte da população se vê obrigada a utilizar os serviços de instituições de ensino privadas, com ou sem fins lucrativos, cujos custos via de regra consomem boa parte de seus rendimentos. Dessarte, os gastos com instrução também se incluem entre aqueles necessários e involuntários e que beneficiam não apenas o contribuinte e/ou seus dependentes, mas a comunidade em geral. (...) Neste giro, a capacidade contributiva do indivíduo depende dos montantes dos gastos com educação em que este incorre, impondo-se a dedução destes dos respectivos rendimentos brutos.”

A intangibilidade fiscal dos rendimentos despendidos com a educação tem sido afirmada, em contexto diverso, por esta Corte:

“(...) A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). (...)” (STF, Plenário, ADI-MC nº 2.010/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 12.04.2002)

E com toda a razão: segundo WILLIAM D. ANDREWS[21], o efeito primário visado pelo imposto de renda é “reduzir o consumo e a acumulação privados a fim de liberar recursos para utilização pública”. E acrescenta, referindo-se às despesas médicas, mas com argumentos em tudo extensíveis – segundo a ordem jurídica brasileira – à educação:

“Para muitas finalidades, é claro, serviços médicos são adequadamente classificados como consumo pessoal. Mas para efeito de comparações interpessoais de capacidade contributiva, existem razões convincentes para a sua exclusão. Entre duas pessoas com padrões de consumo e acumulação similares quanto ao mais, a maior utilização de serviços médicos por uma não parece indicar maior bem-estar ou capacidade contributiva, mas somente maior necessidade de tratamento.”

Em conclusão, a dedutibilidade das despesas com instrução da base de cálculo do IRPF não é favor fiscal sujeito ao alvedrio do legislador, mas consequência direta e inafastável, pelo menos, dos seguintes comandos constitucionais:                      

? o conceito de renda, que, mesmo sujeito à densificação legal, contém um núcleo mínimo insuprimível que o equipara, para as pessoas físicas, ao valor disponível após o abatimento de despesas essenciais à existência digna do contribuinte e de seus dependentes (art. 153, III);

  • a capacidade contributiva, que só se manifesta para além do mínimo existencial (art. 145, § 1º);
  • o não-confisco, que obsta a apropriação pelo Estado de valores necessários à satisfação deste mínimo (art. 150, IV);
  • o direito fundamental à educação pública ou privada (arts. 6º, caput, 23, V, 205, 208, 209 e 227); e
  • a dignidade humana, de que a educação é promotora (CF, art. 1º, III).

O estabelecimento de limites de dedução irrealistas, ao lado desses dispositivos, ofende ademais a razoabilidade (art. 5º, LIV), na sua acepção de congruência. Sobre o tema, leciona HUMBERTO ÁVILA[22]:

“... o postulado da razoabilidade exige a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação.

(...)

Desvincular-se da realidade é violar os princípios do Estado de Direito e do devido processo legal.”

Bem por isso, em decisão pioneira, a Corte Especial do TRF da 3ª Região declarou a inconstitucionalidade da redação original da regra legal aqui profligada, aos seguintes fundamentos:

Constitucional. Tributário. Imposto de Renda. Pessoa física. Limites à dedução das despesas com instrução. Arguição de inconstitucionalidade. Art. 8º, II, ‘b’, da Lei nº 9.250/95. Educação. Direito social fundamental. Dever jurídico do Estado de promovê-la e prestá-la. Direito público subjetivo. Não tributação das verbas despendidas com educação. Medida concretizadora de diretriz primordial delineada pelo constituinte originário. A incidência do imposto sobre gastos com educação vulnera o conceito constitucional de renda e o princípio da capacidade contributiva.

1. Arguição de inconstitucionalidade suscitada pela e. Sexta Turma desta Corte em sede de apelação em mandado de segurança impetrado com a finalidade de garantir o direito à dedução integral dos gastos com educação na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física de 2002, ano-base 2001.

2. Possibilidade de submissão da quaestio juris a este colegiado, ante a inexistência de pronunciamento do Plenário do STF, tampouco do Pleno ou do Órgão Especial desta Corte, acerca da questão.

3. O reconhecimento da inconstitucionalidade da norma afastando sua aplicabilidade não configura por parte do Poder Judiciário atuação como legislador positivo. Necessidade de o Judiciário – no exercício de sua típica função, qual seja, averiguar a conformidade do dispositivo impugnado com a ordem constitucional vigente – manifestar-se sobre a compatibilidade da norma impugnada com os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. Compete também ao poder Judiciário verificar os limites de atuação do Poder Legislativo no tocante ao exercício de competências tributárias impositivas.

4. A CF confere especial destaque a esse direito social fundamental, prescrevendo o dever jurídico do Estado de prestá-la e alçando-a à categoria de direito público subjetivo.

5. A educação constitui elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, estando em estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Atua como verdadeiro pressuposto para a concreção de outros direitos fundamentais.

6. A imposição de limites ao abatimento das quantias gastas pelos contribuintes com educação resulta na incidência de tributos sobre despesas de natureza essencial à sobrevivência do indivíduo, a teor do art. 7 º, IV, da CF, e obstaculiza o exercício desse direito.

7. Na medida em que o Estado não arca com seu dever de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito, deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar o direito fundamental à educação.

8. A incidência do imposto de renda sobre despesas com educação vulnera o conceito constitucional de renda, bem como o princípio da capacidade contributiva, expressamente previsto no texto constitucional.

9. A desoneração tributária das verbas despendidas com instrução configura medida concretizadora de objetivo primordial traçado pela Carta Cidadã, a qual erigiu a educação como um dos valores fundamentais e basilares da República Federativa do Brasil.

10. Arguição julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)’ contida no art. 8º, II, ‘b’, da Lei nº 9.250/95.” (TRF da 3ª Região, Corte Especial, Arguição de Inconstitucionalidade Cível nº 0005067-86.2002.4.03.6100/SP, Rel. Des. Federal MAIRAM MAIA, DJe 14.05.2012)

No que toca aos gastos com a instrução de dependentes, malferido está ainda o princípio da proteção da família (art. 206 e ss.), assim interpretado, no campo do IRPF, por MISABEL DERZI[23]:

“A Constituição Federal assegura especial proteção do Estado à família. (...) O casamento é a regra prestigiada na Constituição e, uma vez individualmente aceita, não pode resultar em maiores encargos fiscais para quem se curva à ordem jurídica. Nem tampouco o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, consagrado no art. 229, pode desencadear consequências fiscais mais gravosas. (...) O cumprimento de um dever (o de sustentar, educar e assistir os filhos menores), que recebeu, entre nós, dignidade constitucional, o ordenamento tem de assegurar coerente e lógica eficácia.”

É que, ao tempo em que impõe limites simbólicos para a dedução das despesas de educação realizadas no âmbito do lar comum, a Lei nº 9.250/95 autoriza – com total acerto, aliás – o desconto integral dos gastos com pensão alimentícia (art. 8º, II, f), dentro da qual, nos termos do art. 1.694, caput, do Código Civil, devem figurar as quantias necessárias à educação do alimentando[24].

3.4 - Estimativa dos valores em discussão:

No exercício de 2011 (ano-base 2010), o último para o qual tais informações estão disponíveis no site da Receita Federal do Brasil[25], 23,96 milhões de pessoas físicas apresentaram declaração de imposto de renda.

Os rendimentos tributáveis somaram R$ 946,24 bilhões, e as deduções realizadas foram de R$ 232,50 bilhões, o que – feitas todas as contas (IR-fonte + saldo a pagar – saldo a restituir) – levou a um IRPF total de R$ 81,11 bilhões.

Os gastos com instrução declarados foram de R$ 31,37 bilhões[26], mas o teto legal limitou a dedução a R$ 15,46 bilhões. Houve, assim, R$ 15,91 bilhões em despesas com educação que não puderam ser abatidos pelos contribuintes.

Admitindo-se que todo este montante tenha sido tributado à alíquota máxima de 27,5%, conclui-se que a redução de arrecadação decorrente da procedência desta Ação Direta não superaria os R$ 4,37 bilhões em 2010 (se o pedido se estendesse a períodos pretéritos, o que não é o caso), valor parcíssimo ante os investimentos públicos em educação – da ordem de R$ 213,15 bilhões naquele ano[27] – e da relevância social da matéria, mas que acarreta ônus elevados para aqueles a quem o abatimento é negado.

Um exercício hipotético o comprova. Tome-se um servidor público federal com dois filhos em uma escola particular cuja anuidade seja de R$ 10.000,00, sem outras fontes de renda, sem outros dependentes e sem gastos com saúde.

Eis o cálculo do seu IRPF 2012/2013, com e sem o limite de dedução das despesas com instrução, caso os seus rendimentos totais no ano tenham sido de R$ 75.000,00[28]:

Situação 1: atendido o teto dos gastos com educação:        

  • Base de cálculo: 75.000,00 – 3.949,44 (desconto-padrão com os dois dependentes) – R$ 8.250,00 (contribuições previdenciárias) – R$ 6.182,30 (teto das despesas de educação) = R$ 56.618,26
  • IRPF devido: R$ 56.618,26 x 27,5% – R$ 9.078,38 = R$ 6.491,64

Situação 2: plena dedutibilidade dos gastos com educação:

  • Base de cálculo: 75.000,00 – 3.949,44 (desconto-padrão com os dois dependentes) – R$ 8.250,00 (contribuições previdenciárias) – R$ 20.000,00 (despesas de educação) = R$ 42.800,56
  • IRPF devido: R$ 42.800,56 x 22,5% – R$ 6.625,79 = R$ 3.004,33

A diferença é de R$ 3.487,31, ou aproximadamente 60% de um salário mensal do contribuinte.

Caso o rendimento anual fosse de R$ 150.000,00, mantidas as demais condições, o IRPF devido seria de R$ 24.847,88 na situação 1 e 21.048,02 na situação 2, uma diferença de R$ 3.799,86, algo em torno de 1/3 de um salário mensal do contribuinte.

Caso os filhos fossem três, o imposto devido seria, ceteris paribus:

  • para o contribuinte com rendimentos totais de R$ 75.000,00: R$ 5.098,52 na situação 1 contra R$ 942,32 na situação 2 (a diferença representa cerca de 70% de um salário mensal do contribuinte);
  • para o contribuinte com rendimentos totais de R$ 150.000,00: R$ 23.454,77 na situação 1, contra R$ 17.754,97 na situação 2 (a diferença beira os 50% de um salário mensal do contribuinte).

Como fica claro, as diferenças são sempre expressivas para as faixas de rendimentos consideradas (para os muito ricos, é natural, tais quantias valem pouco), e os prejuízos são maiores para os cidadãos com menores rendimentos e/ou com maior número de dependentes, justamente aqueles que revelam menor capacidade contributiva.

A injustiça foi denunciada pelo Des. Federal JOHONSON DI SALVO, que apontou a “falácia” do argumento de que “todos os que encaminham filhos, ou se encaminham, para escolas particulares são as pessoas mais bem postas neste país”, invocando como prova o FIES – Fundo de Financiamento Estudantil, “instituído com o alarde de sempre pelo Poder Executivo” para “emprestar dinheiro a pessoas pobres, para que custeiem ensino superior prestado por entidades privadas” (TRF da 3ª Região, Corte Especial, Arguição de Inconstitucionalidade Cível nº 0005067-86.2002.4.03.6100/SP, cit.).

Este o pano de fundo da presente ação direta.

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Sobre os autores
Igor Mauler Santiago

Advogado em São Paulo (SP), sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Doutor, Mestre e Especialista em Direito Tributário pela UFMG.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior

Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Igor Mauler ; COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado et al. OAB ajuíza ADI contra limite na dedução de despesas com educação no IRPF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3556, 27 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/24061. Acesso em: 28 mar. 2024.

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