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Procedimentos judiciais em Direito Social

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08/04/2013 às 19:19
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Definem-se pontos de convergência entre os procedimentos judiciais onde se projeta a defesa de direitos sociais dos segurados, acidentados, trabalhadores e consumidores – nas áreas, respectivamente, de direito previdenciário, acidentário, trabalho e consumidor.

Resumo: O presente trabalho, em boa parte, é fruto de debates desenvolvidos em conferência organizada pelo autor na Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul (ESA-RS), em 13 e 14 de dezembro de 2012, e trata de definir pontos principais de convergência entre os procedimentos judiciais onde se projeta a defesa de direitos sociais dos segurados/acidentados/trabalhadores/consumidores – nas áreas, respectivamente, de direito previdenciário, acidentário, trabalho e consumidor, em que se deve formar rica teia de proteção aos interesses legítimos da parte hipossuficiente, que litiga em juízo em demandas individuais.

Palavras-chave: Processo civil. Direito material. Procedimentos judiciais. Direito Social. Parte autora hipossuficiente.

Índice: Resumo. 1. Apresentação. 2. Noções propedêuticas em matéria de Direito Social. 3. Procedimentos judiciais no direito previdenciário, no direito acidentário e a necessária qualificação do procedimento administrativo previdenciário. 4. Procedimentos judiciais no direito do trabalho, no direito do consumidor e na previdência privada. 5. Teoria geral de procedimentos em Direito Social, defesa da parte hipossuficiente e resguardo à produção da prova.  6. Considerações finais.


1. Apresentação

I. Buscou-se debater em conferência realizada no final do ano de 2012, o que já vem sendo feito, e principalmente o que ainda pode ser feito, em matéria de defesa no âmbito processual da parte que litiga em juízo na busca de efetivação de um Direito Social. Campo esse de maior âmbito, envolve uma gama de disposições, inclusive (defendemos) de ordem processual, tendentes a oportunizar a concretização de direitos subjetivos na órbita social – garantido precipuamente benesse econômica de natureza alimentar a esses sujeitos.

Objetivamos apresentar algumas das reflexões desenvolvidas em dois dias de intenso debate, destacando, reforça-se, o que vem sendo feito e também aludindo às possibilidades de desenvolvimento de medidas mais eficazes de proteção processual à parte vulnerável nessas relações jurídicas nas esferas do direito previdenciário e acidentário, direito laboral e direito do consumidor.

II. Para tanto desenvolveremos relevantes reflexões sugeridas pelos palestrantes, os quais desenvolveram as suas concepções na seguinte ordem: Jane Lucia Berwanger – Procedimentos em previdência pública; Ricardo Só de Castro – Procedimentos em previdência privada; Cristiano Heineck Schmitt – Procedimentos em direito do consumidor; Francisco Rossal de Araújo – Procedimentos em direito do trabalho; Felipe Camilo Dall´Alba – Procedimentos administrativos previdenciários; Fernando Rubin – Procedimentos em direito acidentário.


2. Noções propedêuticas em matéria de Direito Social

III. Seguramente não é fácil identificar a dimensão do que seja “Direito Social”, já que o Direito por natureza é social, feito para vigorar na sociedade, e todos os ramos do Direito, portanto, têm essa característica, em maior ou menor grau[1].

De qualquer forma, entendemos viável e oportuno buscar identificar os principais ramos do Direito que se projetam para a proteção da parte hipossuficiente em uma relação jurídica de direito material – cuja hipossuficiência se estende ao campo processual, razão pela qual medidas de proteção e determinação de equilíbrio entre as partes litigantes devem restar corporificadas – seja via desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial, seja via eventual alteração legislativa.

O papel do Estado perante os direitos sociais é justamente fazer com que esses se tornem eficazes perante a sociedade; o Estado, na maioria dos casos tem que intervir para que esses direitos sejam respeitados, buscando sempre a aplicação da igualdade entre os agentes atuantes. Por certo daí, o Estado-juiz, ao longo da tramitação do processo, possui também a prerrogativa de agir, na defesa da parte menos favorecida, a fim de trazer equilíbrio à guerra ritualizada[2].

IV. O Direito Social compreenderia, nesse contexto e no nosso sentir, um conjunto de disciplinas jurídicas voltadas para a proteção das pessoas, mormente em temas relacionados à garantia da natureza alimentar de algumas prestações a elas devidas – cenário que se corporifica no direito previdenciário, no direito acidentário, no direito do trabalho e mesmo no direito consumeirista, cujos pontos de contato, em matéria de proteção, são bem visíveis e devem ser costurados.


3. Procedimentos judiciais no direito previdenciário, no direito acidentário e a necessária qualificação do procedimento administrativo previdenciário

V. O procedimento judicial tendente a concretização de um direito subjetivo do segurado da Previdência Social possui peculiaridades interessantes que merecem o seu estudo inaugural.

Trata-se de demanda judicial que exige prévia negativa na via administrativa, vindo o segurado do INSS a requerer judicialmente a concessão de benefício de caráter alimentar ou ao menos parcelas alimentares vencidas que deixaram de ser pagas pela autarquia federal.

Em geral, a demanda tramita nos Juizados Especiais Federais, sendo só admitido o ajuizamento de demanda na Justiça Estadual, pelo rito comum ordinário, caso o benefício discutido seja por incapacidade e de natureza acidentária[3].

VI. Tratemos primeiramente dos benefícios previdenciários requeridos junto à Justiça Federal[4].

A criação dos JEFs veio para agilizar a tramitação dos processos movidos especialmente contra o INSS, que é o grande réu nesse tipo de demanda. O procedimento, para causas de até sessenta salários mínimos, nos termos da Lei 10.259-2001, é do tipo sumaríssimo, projetado para que tenha o trânsito em julgado em período curto, hoje não superior a dois anos.

Trata-se, pois, de iter direcionado ao atendimento do jurisdicionado, propiciando rapidez no trâmite processual e eliminação de formalidades do processo comum (v.g., afastando o reexame necessário e instituindo a igualdade de prazos)[5]. A instalação pioneira do processo eletrônico, na Justiça Federal, também veio nesse mesmo diapasação, concretizando o direito à duração razoável do processo[6] – buscando acelerar a tramitação dos feitos, eliminando os prazos mortos e otimizando a tramitação regular das demandas.

Como uma de suas grandes disposições, aparece a disciplina do art. 11, a determinar que a entidade pública ré deverá fornecer ao Juizado a totalidade da documentação de que disponha para o esclarecimento da causa, apresentando-a até a instalação da audiência de conciliação.

Ora, tal novidade na seara processual, sem dúvida alguma, é de extrema relevância em defesa dos interesses da parte autora hipossuficiente (segurado da Previdência Social), a qual nem sempre possui condições de obter toda a documentação administrativa em poder da entidade pública e que em inúmeras oportunidades se saía prejudicada na lide em razão dessa entidade não juntar todas as informações que estavam em seu poder, notadamente aquelas que não lhe trariam vantagem alguma na prova do direito que estava sendo alegado em juízo pelo segurado.

No entanto, muito ainda há de ser feito nesse contexto, em que se exige a desburocratização da demanda de menor poder econômico, cumprimento das benéficas disposições legais, inclusive de acordo com os preceitos constitucionais[7], em favor do segurado e acesso mais restrito às superiores instâncias pela autarquia recorrente.

Por exemplo, não é crível diante da aludida disciplina do art. 11 da Lei 10.259-2001 que o Juízo Federal determine o aditamento da inicial, sob pena de extinção do feito sem julgamento de mérito, para que se junte cópia integral do procedimento administrativo, se em geral o segurado possui reais dificuldades no acesso a essa documentação em tempo hábil e há, como posto, obrigação legal de juntada dos documentos de forma completa e célere pela autarquia federal.

Além disso, em termos de procedimento dos JEFs, causa-nos espécie a quantidade enorme de recursos de uniformização – os quais estão previstos no art. 14 da Lei 10.259-2001. A nosso ver parece realmente incompatível com o rito sumaríssimo, a possibilidade de postergação do trânsito em julgado, a partir do primeiro recurso disponibilizado – sendo que a sequencia legal autoriza, em relação às discussões infraconstitucionais, o Recurso Inominado, o Pedido de Uniformização Regional, o Pedido de Uniformização Nacional e ainda espécie de recurso de reclamação ao Superior Tribunal de Justiça[8]. Isso, sem contar a possibilidade de apresentação de Mandado de Segurança em relação às decisões interlocutórias graves de primeiro grau – na ausência da figura do agravo de instrumento nesse tipo de procedimento[9].

Ademais, cobra-se do diretor do processo posição mais cuidadosa no exame dos acordos e na forma como determinada a extinção dos feitos previdenciários. Ocorre que, não raro, o INSS ao se deparar com a possibilidade real de procedência integral da demanda propõe acordo, para fins de imediata extinção do feito e pagamento de parte da dívida (em geral 80% das parcelas vencidas devidas), deixando-se em aberto a condenação nos legítimos honorários devidos aos patronos do segurado litigante[10]. Ora, tal propositura, ainda mais no que toca aos valores de principal, poderia ser razoável ao tempo da fase postulatória, mas após produzidas todas as provas e na iminência de prolação de decisão de mérito, por certo as cifras deveriam ser propostas em valores maiores, preservando além disso o trabalho do causídico ao longo do iter – cuja remuneração também possui caráter alimentar e deve ser preservada, quando efetivamente devida[11].

Da mesma forma, entendemos que se houve ingresso com demanda judicial, tendo pendência de recurso administrativo – em segundo ou terceiro grau dentro das esferas internas do INSS – não parece crível que o resultado favorável ao segurado em meio à tramitação da demanda judicial determine – com a abreviação do procedimento – a simples extinção desta sem julgamento de mérito, forte no art. 267,VI do CPC. Temos que, in casu, o mais ajustado seria determinar judicialmente a extinção do feito com resolução de mérito, sendo aceito que houve espécie de (indireto) reconhecimento jurídico do pedido, forte no art. 269, II do CPC[12] – hipótese que, além de fazer coisa julgada do objeto litigioso em favor do segurado, preservaria a devida remuneração devida ao advogado do segurado.

Em uma ou outra hipótese, haveria privilégio judicial a parte autora que veio a juízo, em tempo, defender um legítimo Direito Social – respaldando-se, por tabela, o procurador que agiu diligentemente para que esse direito fosse imediatamente reconhecido. Posições judiciais favoráveis ao INSS em tais situações tendem a alimentar a judicialização dos conflitos, sendo que justamente o objetivo imediato deve ser coagir os abusos da entidade pública ré, respaldando a parte hipossuficiente que vem a juízo após muitas vezes absurdo indeferimento do pleito na via administrativa.

VII. Por sua vez, o processo judicial que determina a concessão de um benefício acidentário junto ao INSS possui da mesma forma peculiaridades interessantes, a ponto de incentivar a demonstração cabal de cada uma delas em espaço próprio[13].

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Geralmente a partir da negativa administrativa do benefício, envolvendo incapacidade em face de acidente típico, acidente de trajeto ou uma doença ocupacional, surge a oportunidade de o segurado se socorrer do Poder Judiciário para ver implementando, em todas as suas nuances, uma benesse de caráter alimentar – sendo que a Constituição Federal, no art. 109, determina a competência da Justiça Estadual para processamento dessas demandas.

A ação acidentária não corre nos Juizados Especiais Cíveis (JECs), em razão da vedação a esse rito sumaríssimo, imposto pela Lei n° 9.099/95[14]. A demanda cível contra o INSS tem previsão na Lei n° 8.213/91, art. 129,II,  para correr via rito sumário, previsto no CPC no art. 275 e ss[15].

No entanto, a prática do foro nos revela que o rito comum, previsto no art. 282 e ss. do CPC, vem sendo seguido por se mostrar, na esteira de outras demandas ordinárias, mais apto a melhor instrução do processo e por não se mostrar diretamente prejudicial às partes litigantes[16]. Se é verdade que se torna um pouco mais moroso o deslinde do conflito (em comparação com o rito dos JEFs antes discutido), por outro lado a decisão judicial tende a ser mais equilibrada e próxima da verdade material, o que acaba determinando a opção judicial pelo rito comum ordinário[17].

Em um processo com carga fática tão densa, por certo a instrução na demanda acidentária é ponto que merece especial realce. Um conjunto probatório suficientemente apto para ideal elucidação dos pontos controvertidos (quais sejam, o nexo causal e a extensão da incapacidade) é formado pela prova documental, pericial e oral – evidentemente sendo ainda admitidos quaisquer outros meios moralmente legítimos ainda que não especificados no Código Processual[18].

Os processos acidentários, grosso modo, dependem da realização de uma prova pericial oficial. Ocorre que não obstante a relevância da prova documental, em geral há versões antagônicas no processo fornecidas pelo segurado e pelo INSS, fazendo-se assim necessário que um expert da confiança do juízo possa elucidar melhor os pontos controvertidos de ordem técnica. Para tanto é fundamental que as partes litigantes além de apresentarem quesitos, possam nomear peritos assistentes para que se estabeleça produtivo “contraditório técnico”. A participação dos assistentes, de fato, é fundamental para o melhor aproveitamento da prova pericial, devolvendo também legitimidade ao ato solene, desde que haja participação direta e sem restrições indevidas ao trabalho dos assistentes técnicos[19].

A prova técnica deve estar submetida ao contraditório, mesmo que sobre si recaia uma certa “aura” de neutralidade. Vale lembrar, que a redação original do CPC, dispunha que o perito oficial do juízo e os peritos assistentes apresentassem apenas um único laudo, o que passava a falsa impressão de uniformidade e neutralidade da prova pericial, por se tratar de argumento técnico. Ocorre que a prática acabou por mostrar as enormes discrepâncias e as diferentes possibilidades de conclusão que os laudos técnicos podem apresentar, pois, mesmo profissionais especializados, têm distintas opiniões sobre os mesmos fenômenos ou situações descritas nos processos. Assim, a partir da Lei nº 8.455/92 e Lei nº 10.358/01, uma nova redação foi dada ao art. 433 do CPC, determinando a apresentação de laudos em separado. Além disso, os dispositivos legais do CPC, abrem a possibilidade de os peritos complementarem seus laudos com todos os meios probatórios que dispuserem (art. 429, CPC) e, em casos mais complexos, o juiz poderá nomear mais de um perito para avaliar a mesma controvérsia (art. 431-B, CPC).

A perícia oficial é então o grande meio de prova em uma demanda acidentária, o que não significa dizer que necessariamente a conclusão pericial deve ser acolhida sem ressalvas pelo julgador[20]. Há sempre a exigência de julgamento com base na preponderância de provas, cabendo, inclusive, o afastamento do laudo oficial, desde que se revele isolado no contexto probatório – sendo relevante também, nesse contexto, a utilização das máximas de experiência pelo magistrado (art. 335 do CPC), a fim de que cada prova receba realmente o peso que se conforme à realidade do discutido caso concreto. Há, sob outro prisma, a possibilidade de o juiz autorizar uma segunda perícia, caso em meio à instrução entenda que há fundamentos para crer que os pontos controvertidos não restaram suficientemente solvidos com a primeira perícia (art. 437 do CPC).

Como prova complementar, útil a resolver eventual conflito de versões especialmente quanto ao nexo causal, a prova oral, colhida em audiência, deve ser valorizada. É, na verdade, rica a produção de provas em audiência, sendo oportuno o registro de que, nos moldes do art. 452 do CPC, há uma determinada ordem para a produção dessas provas no ato solene diante do Estado-juiz: primeiro sendo dispostas as provas a serem complementadas em audiência e depois sendo mencionadas as provas que efetivamente devem ser feitas em audiência. Senão vejamos a sequencia prevista em lei: I – o perito e os assistentes técnicos responderão aos quesitos de esclarecimento; II – o juiz tomará os depoimentos pessoais, primeiro do autor e depois do réu; III – finalmente, serão inquiridas as testemunhas arroladas pelo autor e pelo réu[21].

Por derradeiro, relevante o registro de que se o segurado possui paralelamente outra demanda envolvendo o mesmo problema de saúde, mas contra diverso réu (a instituição empregadora[22] ou mesmo a seguradora privada[23]), pode trazer a prova lá colhida (geralmente a perícia) para fins de convencimento do juiz neste processo secundário. Por certo não é o caso de ser acolhida essa prova como emprestada (em sentido estrito), já que não houve identidade de partes, mas seguramente o aludido meio de prova pode ser recebido como prova documental unilateral, a se sujeitar ao crivo do contraditório no processo acidentário – em que o INSS deve imediatamente ser intimado para falar do meio de prova, no prazo de cinco dias (art. 398 do CPC).

Seja como for, a instrução acidentária deve ser profícua, sendo autorizados todos os meios de prova lícitos que podem convencer o julgador a melhor solução da demanda. Cabe às partes tomar todas as medidas para auxiliar o magistrado na busca da verdade material; sendo também possível que o próprio Estado-juiz, como diretor do processo, promova de ofício determinadas medidas tendentes a trazer aos autos o máximo de provas confiáveis para a solução do pleito, conforme expressamente autorizado pelo art. 130, ab initio, do CPC, especialmente útil em demandas de Direito Social.

A grande peculiaridade da sentença em demandas acidentárias, já consagrada pela jurisprudência, é a de que a mesma pode conceder benefício diverso daquele requerido na petição inicial, quando a instrução aponta para essa direção. Há aqui clara relativização do princípio dispositivo em sentido próprio, diante da fungibilidade dos quadros clínicos e do cunho de ordem pública que assume o procedimento acidentário.

Como regra geral, a causa petendi e o pedido, no sistema jurídico brasileiro, somente podem ser modificados sem o consentimento do réu até o momento da citação, correndo às expensas do autor as custas acrescidas em razão dessa iniciativa (art. 294 CPC); e mesmo com o consentimento deste até o saneamento do processo (art. 264 CPC). Sendo possível a modificação, deve-se observar se o réu é ou não revel; se o for, após a inovação, ter-se-á de promover nova citação do demandado (art. 321 CPC).

Por sua vez, encerrada a instrução, o juiz deve prolatar sentença nos limites em que foi proposta, não podendo conceder ou deixar de conceder coisa além (julgamento ultra petita) ou diversa (julgamento extra petita) daquela requerida, constante expressamente em pedido da peça vestibular. Também como lógico corolário do princípio da demanda (ou dispositivo em sentido material ou próprio) é defeso ao diretor do processo alterar a causa de pedir e o pedido ao longo da tramitação do feito (art. 128 c/c 460, ambos do CPC), podendo tão somente determinar a emenda da exordial, antes de determinar a citação, caso entenda pela existência de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o exame de mérito (art. 284, caput, do CPC)[24].

No entanto, ingressando a fundo no tema e na forma como lidado na prática forense, é de se observar que a jurisprudência vem excepcionalmente relativizando o teor dos arts. 264, e 128 c/c 460 na hipótese das ações acidentárias. In casu, em razão especial da natureza protetiva da matéria, da alterabilidade dos quadros clínicos incapacitantes e da fungibilidade que revestem essas ações (que conferem forte cunho de ordem pública ao procedimento), permite-se a concessão, em sentença, de benefício diferente do postulado na exordial; e/ou possibilita-se que o próprio demandante venha a aditar o pedido, mesmo ultrapassada a fase de saneamento (após a realização de perícia judicial, v.g.), e mesmo sem a concordância da parte adversa (INSS).

De fato, a concepção de que em sentença de acidente do trabalho declarará o julgador, de acordo com a integralidade do material probatório coligido aos autos, o direito às prestações acidentárias previstas em lei, independentemente do pedido específico formulado na exordial, está devidamente assentado no nosso Tribunal de Justiça e no Superior Tribunal de Justiça – dentre inúmeros outros julgados: TJ/RS – AI n° 70012612826 (10ª Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, j. em 18/08/2005) e AI n° 70015140940 (9ª Câmara Cível, Rel. Des. Tasso Caubi Soares Delabary, j. em 04/05/2006); STJ – REsp n° 197794/SC (6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 03/08/2000); e REsp n° 267652/RO (5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 18/03/2003).

Assim, se o procurador do segurado, nos pedidos contidos na petição inicial, requereu tão somente o restabelecimento do benefício provisório auxílio-doença acidentário e a instrução (especialmente a partir do laudo oficial) indicou que o quadro é ou se tornou ainda mais grave, a ponto de ser deferido o benefício máximo, pode o magistrado, em sentença, conceder imediatamente a aposentadoria por invalidez acidentária, não cogitada na peça portal[25].

Por tal razão, ganha em relevância nas demandas acidentárias a presença do Ministério Público, como fiscal de lei (art. 82, III do CPC), que deve oferecer parecer final no processo e inclusive indicar para a concessão do benefício que melhor se aproxime dos resultados instrutórios, independentemente do pedido expresso contido na petição inicial.

Por fim, como outra interessante peculiaridade no processo acidentário, temos a possibilidade de utilização pelo julgador, como regra de julgamento, do brocardo in dubio pro misero[26]. Ocorre que muitas vezes o julgador se depara com situação fática de difícil resolução, diante da complexidade do quadro clínico articulado com a imprecisão das informações da perícia oficial chamada para elucidar a questão. Se a parte autora e mesmo o INSS fizeram todos os esforços para esclarecer a questão e mesmo assim o magistrado possui dúvidas, especialmente no que concerne ao nexo causal, crível que se valha do brocardo in dubio pro misero e julgue a contenda a favor do hipossuficiente.

Nesse sentido, também vem se manifestando recentemente a mais abalizada jurisprudência pátria[27].

VIII. Em razão de todos os eventos e percalços possíveis envolvendo as demandas judiciais propostas pelos segurados em desfavor do INSS, tanto na Justiça Federal como na Justiça Estadual, certo é que se deve buscar resgatar os valores do processo administrativo previdenciário, resolvendo imediatamente um número ímpar de situações.

Há necessidade, para tanto, de preparação técnica dos operadores do direito nessa seara como também investimento no setor para que ande com rapidez e eficiência – inclusive construindo sistema de processo eletrônico administrativo, autorizando que os advogados devidamente credenciados na OAB possam substituir os despachantes, (muitos deles) sem formação técnica apropriada.

Se a via administrativa é, por regra, indispensável para se ingressar posteriormente no Judiciário e se são altos os custos da tramitação de cada demanda judicial, mesmo em rito sumaríssimo, prudente que a via administrativa passe a ser analisada com mais cuidado, sendo formatado processo interno no INSS que funcione bem e que preserve todas as garantias constitucionais indispensáveis – como o contraditório e a ampla defesa, a publicidade e a motivação suficiente das decisões monocráticas e colegiadas[28].

Na esfera administrativa a demora e a falta de suficiente fundamentação para a negativa do pleito do segurado dá-se especialmente diante da interposição de recursos às instâncias superiores, cujo controle está a cargo do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS).  Ocorre que nesses casos o beneficiário aguarda por prazo indeterminado e sem muita segurança jurídica resposta da Junta de Recursos da Previdência Social (JRPS) e da Câmara de Julgamentos (CAJ)[29] – cenário que exige urgente aperfeiçoamento.

Outra questão, nesse ambiente, que merece maior atenção circunscreve-se ao aproveitamento adequado da denominada “Justificação Administrativa” – procedimento interno tendente a fazer prova de circunstâncias alegadas especialmente pelo segurado ou dependente, notadamente envolvendo prova oral, como averbação de tempo rural (para contagem de tempo de contribuição) e comprovação de união estável (para percepção de pensão por morte).

O processo de Justificação Administrativa (JA) é geralmente parte de um processo antecedente, onde se tenha constatado a insuficiência de prova documental para concessão do pleito[30]. Há casos em que em meio à tramitação do feito, o Juízo Federal percebe que não fora adequada (ou mesmo realizada) a Justificação Administrativa, determinando a suspensão do processo enquanto não perfectibilizada a etapa na via administrativa – medida com a qual não concordamos, já que se iniciada a etapa judicial (e resistida a lide), todo e qualquer meio de prova lícito (documental, pericial, oral) deve ser feito dentro do processo, em nome da organização e mesmo em nome da celeridade procedimental.

Especialmente em relação aos benefícios por incapacidade, previdenciários e acidentários, há um problema tópico a ser desenvolvido na via administrativa, relacionada à qualidade da perícia interna no INSS. O requerimento de benefício por incapacidade deve ser feito junto à agência do INSS, sendo comum que o empregador tenha estrutura interna capaz de intermediar a relação segurado – órgão previdenciário, auxiliando nesse primeiro contato com a autarquia federal para fins de afastamento do trabalhador por prazo indeterminado do ambiente de trabalho.

Por certo, não é possível qualquer participação do Poder Judiciário em estágio anterior à negativa de benefício na via administrativa, devendo ser oportunizado que perícia, a cargo dos médicos do INSS, avaliem primeiramente a condição de saúde do trabalhador e se manifestem sobre os dois grandes objetos de questionamento: a extensão da incapacidade contemporânea (concluindo se o segurado está ou não inapto para o trabalho ao tempo da perícia) e o nexo causal (concluindo se o problema de saúde está ou não realmente vinculado ao trabalho). A partir daí, existindo inconformidade do segurado com a decisão administrativa tomada, poder-se-ia admitir o ingresso na via judicial para discussão de lesão a direito (art. 5°, XXXV CF/88), mesmo sem o exaurimento das instâncias recursais administrativas (Súmula 89 STJ[31]).

Entendemos que justamente por ser importante e complexo esse ato de avaliação pericial, o mesmo deveria ser feito de maneira mais cuidadosa pela autarquia federal, com número condizente de experts autárquicos e extrema qualificação dos mesmos – o que garantiria um nível de acerto nos diagnósticos muito maior do que temos hoje. Vê-se então que já estamos aqui nos afastando dos problemas meramente procedimentais, para ingressarmos em problemas de estrutura orçamentária e estratégica de atuação da Previdência Social no Brasil, o que inegavelmente é ponto ainda bastante precário.

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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. Procedimentos judiciais em Direito Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3568, 8 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24129. Acesso em: 16 abr. 2024.

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