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A contraposição entre a razoável duração do processo e a satisfação do direito: justiça ou celeridade? A temática da segurança jurídica

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Pode haver conflitos entre a garantia constitucional da razoável duração do processo e a mais justa satisfação do direito, com a aplicabilidade do princípio do duplo grau de jurisdição e devido processo legal para garantia da mais ampla recorribilidade das decisões.

Foi introduzida, na Constituição Federal de 1988, a garantia à razoável duração do processo com vistas a mais célere satisfação do direito. Contudo, em que pese esteja esta garantia no rol dos direitos fundamentais do artigo 5º da Carta Magna, é necessário discorrer, ainda que brevemente, sobre a possibilidade de existirem conflitos entre aquela garantia constitucional fundamental e a mais justa satisfação do direito, com a aplicabilidade do princípio do duplo grau de jurisdição e devido processo legal para garantia da mais ampla recorribilidade das decisões[1].

Questiona-se, nesse sentido, o que deve prevalecer: a celeridade das decisões para satisfação do direito de forma rápida ou uma maior recorribilidade para satisfação do direito de forma mais justa. Com base nisso, surgem diversos questionamentos: deve prevalecer a justiça ou a celeridade? A celeridade é necessariamente injusta? Celeridade é também justiça? A segurança das decisões promove a justiça? São a esses questionamentos que se procurará dar respostas, ainda que brevemente.

Como se sabe, nenhum direito é absoluto, mesmo os direitos da personalidade são limitados, e até o direito mais soberano protegido constitucionalmente, o direito à vida, pode encontrar limites. É característica dos direitos fundamentais sua limitabilidade, como ensinam Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior:

Os direitos fundamentais não são absolutos. Isso quer dizer que, por vezes, dois direitos fundamentais podem chocar-se, hipótese em que o exercício de um implicará a invasão do âmbito de proteção de outro. É o que, vezes a fio, ocorre entre o direito de informação e o de privacidade, ou entre o direito de opinião e o direito àhonra. Nestes casos, a convivência dos direitos em colisão exige um regime de cedência recíproca[2].

Nesse sentido, é importante distinguir a colisão entre princípios do confronto entre direitos. Enéas Costa Garcia ressalta que “o modo de solucionar o conflito que se estabelece entre as regras é substancialmente diferente daquele empregado na solução do conflito que envolve princípios”[3].

Tal se dá, pois, em se tratando de princípios, há que se considerar a dimensão de peso ou importância de cada um dos corolários conflitantes, de modo que nenhum deles tenha sua aplicação excluída. O que se aceita no direito brasileiro é a aplicação de um dos princípios em seu círculo mínimo, ou seja, no mínimo possível, mas jamais se admitirá sua exclusão. Isto porque, entre princípios deve haver sempre uma compatibilização[4].

Sendo assim, conclui-se que essencialmente no caso específico dos princípios constitucionais não se admite uma prevalência absoluta de um princípio em detrimento de outro, com o qual conflita. A solução do conflito entre princípios deve se dar levando-se em consideração qual princípio deverá ceder mais e qual tem maior preferência. O que soluciona esta questão é o peso de cada um dos princípios em jogo. “Um princípio tem peso maior, em confronto com o princípio oposto, quando existem razões suficientes para que o princípio tenha preferência em relação ao outro sob o influxo das condições do caso concreto”[5].

Importa, desta forma, definir qual critério deve ser utilizado para determinação dos limites e para decidir a questão da prevalência, no caso específico do confronto entre a razoável duração do processo e o devido processo legal com amplo acesso ao duplo grau de jurisdição.

De início cumpre ressaltar que são vários os doutrinadores que ressaltam ser o excessivo número de recursos dispostos em nosso ordenamento, bem como a mentalidade dos operadores do direito pelo “sempre recorrer”, a causa precípua do atolamento do Poder Judiciário e da não efetividade do corolário da razoável duração do processo. A esse respeito, veja-se o que ressaltam Denise Maria Weiss de Paula Machado e João Carlos Leal Júnior:

Se todos os atos decisórios do processo se mostrarem recorríveis, em quaisquer condições, o mesmo jamais acabaria, em prejuízo da finalidade social. Isso se mostra mais evidente quando respeito às decisões interlocutórias. Por tal motivo, cedo ou tarde há um ponto final quanto à recorribilidade dos provimentos, dependendo da opção política do sistema jurídico. E, neste caso, inexistirá qualquer ofensa aos direitos fundamentais consagrados na Constituição pátria em caso de irrecorribilidade dos atos decisórios proferidos pelo órgão judiciário.

O escopo de fazer justiça tornar-se-ia irrealizável em decorrência de indesejável e contraproducente excesso de garantias (...)[6].

De certo modo, é essa também a preocupação de Nelson Nery Júnior, ao afirmar que grande parte do atraso no julgamento dos processos decorre também da postergação do Poder Público para solução daqueles em que é parte. O autor, inclusive, traz dado relevante que sustenta tal afirmação:

As estatísticas disponíveis sobre os processos judiciais que tramitam ou tramitaram no foro brasileiro, ainda que obtidas por métodos nem sempre científicos e por isso mesmo não seguramente confiáveis, dão conta de que, por exemplo, mais de 60% (sessenta por cento) dos feitos que tramitam no STF e STJ, os dois mais importantes tribunais do País, têm como protagonista o poder público (...).

Esse dado é preocupante porque, ao mesmo tempo que o móvel político da reforma constitucional que culminou com a promulgação da EC/2004, conhecida popularmente como Reforma do Judiciário, foi a lentidão e ineficiência do Poder Judiciário pela demora excessiva da prestação jurisdicional, do outro lado vê-se o poder público postergando a solução dos processos judiciais em razão dessa mesma demora[7].

Contudo e, em que pese a preocupação com número excessivo de recursos nos tribunais pátrios, é importante lembrar que a veia recursal do direito processual é essencial para garantir a justiça. Não se diga que a busca no processo civil é pela verdade real, mas, inegavelmente, a solução dada pelo Poder Judiciário de forma célere e injusta também não atenderá aos anseios da sociedade. Faça-se menção aqui à chamada jurisprudência defensiva dos Tribunais que, recentemente, negam seguimento aos mais diversos recursos por questões irrelevantes, seja a falta ou má colocação de um carimbo, seja a ausência de cópia que, de fato, não seria necessária para o julgamento do mérito.

Frise-se: se há a preocupação com o atolamento dos Tribunais, a melhor solução – que parece estar sendo buscada por meio do PLS n.º 166/2010 – é restringir o número de recursos pela lei e não impedir o acesso aos Tribunais por razões ínfimas. E mais, ainda de maior importância é a conscientização da população, de que nem sempre o recurso é a melhor opção – ou opção, sem qualquer adjetivo – para solução de seu caso. Sobre a justiça das decisões confira-se o que menciona Humberto Theodoro Júnior:

O processo do Estado Democrático de Direito contemporâneo, em suma, não se resume a regular o acesso à justiça, em sentido formal. Sua missão, na ordem dos direitos fundamentais, é proporcionar a todos uma tutela procedimental e substancial justa, adequada e efetiva. Daí falar-se modernamente, em garantia de um processo justo, de preferência à garantia de um devido processo legal[8].

Isso é inegável, o processo há de ser justo. A solução a ser buscada deve ser sempre a mais justa. Mas, como já dito, no caso do conflito entre o devido processo legal com amplo acesso ao duplo grau de jurisdição e a duração razoável do processo, parece que a solução atual é a de dar maior prevalência para este último – sem, é claro, comprometer os demais. Nesse sentido, inclusive, é o que explica Sérgio MassaruTokoi:

Atualmente o maior desafio do processualista é conciliar segurança do processo com a celeridade, pois a brevidade não pode comprometer o contraditório, a ampla defesa e outros princípios constitucionais.

Por seu turno, também tem relevância na ‘nova’ fase do processo civil o comportamento dos profissionais do direito que, para implementar o citado princípio devem colaborar da seguinte forma: a primeira, fazendo requerimentos contra atos da outra parte sempre que se virem diante de condutas irrazoáveis e desproporcionais que apenas procrastinam o regular andamento do processo; a segunda quando verificarem condutas irrazoáveis por parte do juiz, peticionarem nos termos do parágrafo único do art. 133 do CPC ou do art. 198 do mesmo Codex quando for o caso, bem como ao Conselho Nacional de Justiça se a questão envolver matéria pertinente à competência daquele; e a terceira, procurando instruir a parte das conveniências de se realizar um acordo, evitando-se prolongação do processo[9].

Como se vê, preconiza-se atualmente a atuação inclusive da sociedade e dos operadores do direito, no sentido de melhor gestão dos instrumentos para solução do conflito, evitando-se, ao máximo, o prolongamento desnecessário dos trâmites processuais. Há, assim, uma intenção de mitigação do princípio do duplo grau de jurisdição, para que se evite, primeiramente, a interposição desenfreada de recursos e, ao lado disso, a utilização do aparato do Poder Judiciário como um todo.

Por outro lado, deve-se ressaltar que o maior anseio da sociedade é a de pacificar os conflitos, de promover a segurança jurídica final aos processos levados ao Poder Judiciário. Nesse sentido, interessante o que ensina Antônio Gidi, ao analisar a necessidade de que as decisões adquiram, com o trânsito em julgado, uma estabilidade:

(...) esta garantia de estabilidade é anseio não somente da parte vencedora, como também da parte vencida e da população como um todo, que precisa movimentar o comércio e as relações jurídicas em geral com estabilidade e segurança. Com efeito, justiça sem estabilidade seria equivalente a nenhuma justiça[10].

Percebe-se, pois, que, para o autor a estabilidade da decisão é mais importante do que sua justiça propriamente dita. Para a sociedade, então, seria mais importante que as decisões transitem em julgado e não possam mais ser modificadas, em detrimento da possibilidade infinita das partes se insurgirem contra o julgado, na busca da justiça plena.

Não que se deva permitir que as sentenças sejam injustas, mas uma forma de injustiça, tanto com os litigantes, quanto com o próprio Estado, é permitir que as partes recorram por tempo indeterminado das decisões proferidas. Ademais, a coisa julgada não é instrumento de justiça, existe com a finalidade de dar segurança à sociedade, por meio da imposição da impossibilidade de se recorrer de sentença judicial.

Com fulcro nessas premissas é possível responder aos questionamentos iniciais: no direito pátrio parece querer prevalecer a celeridade[11], buscando-se os meios de consecução da justiça com utilização dos meios recursais e garantido o acesso à justiça, sem, contudo, procrastinar a solução dos conflitos. O processo deve ser célere, sendo certo que tramitações de dez, vinte, trinta anos para determinados casos não podem ser admitidas porque serão, sem qualquer dúvida, injustas.


Notas

[1] Curiosa a observação de Araken de Assis a respeito: “O discurso fácil em prol da rapidez e, notoriamente, da ‘efetividade’ já produziu deformações notáveis. Inculcou-se no inconsciente coletivo que a fortuita circunstância de demandar em juízo, tomando a iniciativa de abrir o processo, por sem dúvida atitude trabalhosa, indicaria de modo seguro toda a razão do autor. Nesta contingência, a única providência justa residiria em acolher imediatamente a sua pretensão, pouco importando eventuais conseqüências sofridas pelo réu e o direito à defesa. E qualquer que seja a duração do processo, a tardança desfavorece o autor. Não há outra explicação, talvez, para o diagnóstico de que ‘a demora sempre beneficia o autor que não tem razão; ademais, e fundamentalmente, se o autor ou o réu tem ou não razão é o que se apurará no processo” (ASSIS, Araken de. Duração razoável do processo e reformas da lei processual civil. Revista Jurídica. Porto Alegre: Notadez, Ano 56, n.º 372, Outubro de 2008, pp. 11-29, p. 15).

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[2] ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES Jr., Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 111.

[3] GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação. São Paulo: Juarez, 2002, p. 132.

[4]É o que explica Enéas Costa Garcia: “A colisão de princípios não é resolvida com a exclusão de um dos princípios em jogo, mas com a ponderação deles, determinando qual será aplicado no caso concreto. Nem por isso o princípio preterido deixa de valer. Poderá ser ulteriormente aplicado em toda a sua inteireza, até mesmo em detrimento de outro princípio, em face do qual havia anteriormente cedido sua aplicabilidade” (Idem, p. 134).

[5]GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação. São Paulo: Juarez, 2002, p. 135.

[6] MACHADO, Denise Maria Weiss de Paula; LEAL JÚNIOR, João Carlos. Análise crítica do duplo grau de jurisdição sob o prima do direito à razoável duração do Processo. Revista de Processo (RePro) n.º 183. São Paulo: RT, ano 35, maio de 2010, p. 77-119, p. 107/108.

[7]NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10 ed. São Paulo: RT, 2010, p. 324.

[8] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito fundamental à duração razoável do processo. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Magister, v. 29, mar-abr/2009, pp. 83-99, p. 88.

[9] TAKOI, Sérgio Massaru. A luta pela razoável duração do processo (efetivação do art. 5º, LXXVIII, da CF/1988). Revista de direito constitucional e internacional. São Paulo: RT, jan-mar 2010, ano 18, n. 70, p. 225-239, p. 232.

[10]GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 8.

[11] É interessante posição adotada por Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier ao afirmarem que “O mundo hoje caminha mais rapidamente. Com a Internet, sabe-se o que aconteceu do outro lado do mundo, imediatamente.Com isso, a expectativa das pessoas quanto à duração de tudo se altera.Todavia, nem tudo pode ser encolhido no tempo, sem prejuízo. O processo, por exemplo, não pode. Há procedimentos que devem ser, sim, respeitados, sob pena de fissura no tecido constitucional, o que é ruim para todos, em qualquer circunstância. Romper a ordem constitucional custa caro à Nação, e os reflexos dessa conduta desbordam para diversas áreas da vida social.Para encerrar estas anotações que visam a estimular o debate em torno do art. 286-A, convém fazer referência, ainda que breve, ao pensamento de Eduardo Couture, para quem ‘O tempo se vinga de tudo o que é feito sem a sua colaboração’” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues.Anotações sobre o julgamento de processos repetitivos. Revista IOB de direito civil e processual civil. Porto Alegre: Síntese, v.9, n. 49, set/out, 2007, pp. 38-46, p. 45)

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Sobre a autora
Letícia Zuccolo Paschoal da Costa

Mestranda e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Extensão universitária em Recursos e Tutelas de Urgência e Procedimentos Especiais pela Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão – COGEAE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Auxiliar de ensino voluntária perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em Direito Processual Civil. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Letícia Zuccolo Paschoal. A contraposição entre a razoável duração do processo e a satisfação do direito: justiça ou celeridade? A temática da segurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3574, 14 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24168. Acesso em: 22 nov. 2024.

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