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A obrigação de licitar não deve ser imposta às entidades sem fins lucrativos

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22/04/2013 às 15:51
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Analisam-se diversos dados referentes à gestão de recursos públicos por entidades privadas. Constata-se a necessidade de uma norma geral para dispor sobre os repasses ao terceiro setor, considerando as características das entidades, a capacidade operacional, o trabalho voluntariado e os benefícios da atuação desses entes.

Resumo: Nesta pesquisa problematiza-se a questão do uso de recursos públicos, oriundos do orçamento da União, pelas entidades privadas sem fins lucrativos (integrantes do terceiro setor). De início, aborda-se o contexto dessas entidades, o surgimento e o aumento da participação delas na execução de políticas públicas. Em seguida, tratar-se-á da transferência dos recursos públicos para essas entidades, mediante os convênios. Por último, discutir-se-ão os aspectos da gestão dos recursos públicos por essas entidades, sobretudo a realização de processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços necessários à consecução dos objetivos das avenças. Além do estudo dos normativos e da jurisprudência, aplicou-se um questionário aos responsáveis pelas entidades sem fins lucrativos e aos servidores públicos dos quadros do Tribunal de Contas da União. A transferência voluntária, mediante convênios ou outros instrumentos congêneres, é uma das formas de repassar os recursos financeiros para as entidades sem fins lucrativos. Nos últimos quatro anos, o valor transferido ultrapassou o montante de R$ 13 bilhões. Após o recebimento dos recursos, a entidade realiza sua gestão. Neste ponto emerge o debate no que tange a obrigatoriedade ou não de ser realizar o processo licitatório. O tema foi desenvolvido com base nas respostas dos questionários e das posições divergentes e convergentes dos doutrinadores. Ao final, conclui-se, no sentido de contribuir com o debate e apontar uma proposta de solução, além de visualizar pontos que carecem de estudos mais aprofundados.

Palavras-chave: terceiro setor, transferência voluntária, convênio, licitação, entidades sem fins lucrativos.

Sumário: 1. Introdução. 2. Terceiro setor - definição. 3. Surgimento das entidades sem fins lucrativos no Brasil. 4. Transferência voluntária da União. 5. Formalização dos repasses de recursos públicos - Convênios. 6. Metodologia empregada na pesquisa. 7. Panorama das entidades sem fins lucrativos. 8. O Dever de Licitar. 9. A obrigatoriedade de licitar imposta aos entes federados não alcança as entidades privadas sem fins lucrativos. 10. Pregão obrigatório nas transferências voluntárias. 11. A simplificação trazida pelo Decreto 6.170/2007 (Cotação prévia de preços). 12. Conclusão. 13. Bibliografia. 14. Legislação.


1. Introdução

Nesta pesquisa problematiza-se a questão do uso de recursos públicos, oriundos do orçamento da União, pelas entidades privadas sem fins lucrativos (integrantes do terceiro setor). De início, aborda-se o contexto dessas entidades, o surgimento e o aumento da participação delas na execução de políticas públicas. Em seguida, tratar-se-á da transferência dos recursos públicos para essas entidades, mediante os convênios. Por último, discutir-se-ão os aspectos da gestão dos recursos públicos por essas entidades, sobretudo a realização de processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços necessários à consecução dos objetivos das avenças.

As entidades do terceiro setor vêm participando cada vez mais na execução de políticas públicas. Atualmente, elas já somam mais de 300 mil entidades, entre associações, fundações e ONGs (IBGE, 2005).

A transferência voluntária, mediante convênios ou outros instrumentos congêneres, é uma das formas de repassar os recursos financeiros para as entidades sem fins lucrativos. Nos últimos quatro anos, o valor transferido ultrapassou o montante de R$ 13 bilhões, conforme pesquisa realizada no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). Após o recebimento dos recursos, a entidade realiza sua gestão. A Instrução Normativa 01/STN orienta a realização do procedimento licitatório. Recentemente, o Decreto 5.504/2005 instituiu obrigatoriamente o pregão para a entidade privada que receba recursos por intermédio de transferência voluntária da União. Contudo, o Decreto 6.170/2007, de forma totalmente diversa, simplificou o procedimento para a simples cotação de preços, em vez de se realizar pregão ou outra modalidade, conforme apregoam os normativos mencionados anteriormente.

Com intuito de debater o tema, debruçou-se sobre os principais normativos que regulam a matéria, consultou-se a doutrina e a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, dentre outras fontes. Aplicaram-se também questionários aos responsáveis pelas entidades sem fins lucrativos e aos servidores públicos pertencentes aos quadros do Tribunal de Contas da União.

O artigo divide-se em quatro partes. Na parte do referencial teórico, abordam-se os principais conceitos envolvidos com o tema: terceiro setor, transferência voluntária e licitação. Na sequência, apresentam-se a metodologia de pesquisa e a origem dos dados. Em seguida, o desenvolvimento do tema com as posições divergentes e convergentes, juntamente com o resultado das pesquisas. Por fim, a conclusão, no sentido de contribuir com o debate e apontar uma proposta de solução, além de visualizar pontos que carecem de estudos.


2. Terceiro Setor - definição

O termo Terceiro Setor tem origem na expressão inglesa Third Sector. Outras denominações são utilizadas como, por exemplo, Non-Profit Sector, Public Charities e Voluntary. Sob a perspectiva acadêmica, o conceito de terceiro setor tem gerado muita controvérsia, não existindo unanimidade entre os autores, inclusive no tocante a sua abrangência.

No Brasil, a denominação terceiro setor é utilizada para identificar as atividades da sociedade civil que não se enquadram na categoria das atividades estatais. Portanto, em linhas gerais, o terceiro setor é o espaço ocupado especialmente pelo conjunto de entidades privadas sem fins lucrativos que realizam atividades complementares às públicas, visando contribuir com a solução de problemas sociais e em prol do bem comum. Já o primeiro setor é representado por entes da Administração Pública e o segundo setor é composto pelas empresas com finalidade lucrativa (mercado).

A conceituação das organizações da sociedade civil sem fins lucrativos é variada e ainda não definida. Elas recebem as seguintes denominações: organizações não-governamentais (ONGs), organizações da sociedade civil (OSCs), organizações do terceiro setor, organizações sem fins lucrativos, entre outras.

Destacam-se, dentre os critérios para classificação, os estabelecidos pelo Handbook on nonprofit institutions in the system of national accounts, editado pela Organização das Nações Unidas, em conjunto com a Universidade John Hopkins. Conforme o manual, fazem parte do terceiro setor as entidades que detenham, de forma acumulada, as seguintes características:

1. natureza privada;

2. ausência de finalidade lucrativa;

3. institucionalizadas;

4. auto-administradas; e

5. voluntárias.

Nessa mesma linha, o professor José Eduardo Sabo Paes (2005, p.2) cita os pesquisadores Salomon & Anheier, que com base em estudos em vários países, ressaltam cinco características necessárias nas organizações do terceiro setor, são elas:

1. organizadas: ainda que não sejam legalmente formalizadas, precisam ter um sentido de permanência em suas atividades, possuir conselhos e realizar reuniões periódicas;

2. privadas;

3. não distribuírem lucros: ainda que as receitas sejam maiores que as despesas, todo o “lucro” deve ser revertido para a própria organização;

4. autogovernáveis: existência independente do Estado ou de empresas;

5. voluntárias: devem apresentar algum grau de voluntariado, tanto no trabalho quanto no financiamento (doações).

Em vez de tentar enumerar as entidades sociais pela natureza e nomenclatura que possuem, ou ainda pela prática ou não de atividades estatais para classificá-las como entidade de benefício público, como sugere Sílvio Sant´Ana, o critério para integrá-las à definição de terceiro setor estaria nos seus objetivos e ações: quando realizarem atividade de interesse público, entendidas estas como as que promovem cidadania, assistência social e cultura (NUNES, 2006, p. 29).

Com relação ao termo ONG, Fernandes cita a definição de Fagundes da seguinte forma:

(...) está mais associado a um tipo particular de organização, surgida aqui a partir da década de 1970, no âmbito do sistema internacional de cooperação para o desenvolvimento que resultou numa ênfase na dimensão política das ações, aproximando-se do discurso e da agenda das esquerdas (FERNANDES, 2005, p. 26).

Para Antonio Carlos Carneiro de Albuquerque (2006, p. 31) as ONGs:

são instituições privadas sem fins lucrativos que, ao obter algum resultado econômico de suas atividades, devem reinvesti-lo na atividade-alvo da organização. Apesar de não governamentais, os fins a que essas instituições se dedicam têm características de serviço público, ainda que em escala diferente do realizado pelo Estado.

Há ainda os Serviços Sociais Autônomos, que integram o terceiro setor e são definidos por Hely Lopes Meirelles (1998, p. 338) da seguinte maneira:

todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público; com administração e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições particulares convencionais (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias.

Para Gustavo Justino (2005, p. 86), o conceito de entidade do terceiro setor, e que, inclusive, foi usado neste trabalho, é o seguinte:

O Terceiro Setor pode ser concebido como o conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas e sem ânimo de lucro (associações e fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos e privados).


3. Surgimento das entidades sem fins lucrativos no Brasil

No Brasil, o denominado terceiro setor vem angariando espaço e aumentando sua importância nos diversos setores do conhecimento.

Historicamente, Simone Coelho (2002, p. 45) afirma que “[...] desde o século XVI existem no Brasil instituições de assistência a pessoas carentes, orientadas por fins filantrópicos, influenciadas pelo modelo português das Casas de Misericórdia, baseadas em ações cristãs.”

Contudo, apesar da importância dos movimentos sociais, no Brasil, assim como no restante do mundo, o surgimento do terceiro setor tal como conhecemos hoje está intimamente relacionado à queda da participação estatal na área social.

A Constituição Federal de 1988 previu parcerias entre órgãos governamentais e organizações sem fins lucrativos na formulação de políticas de saúde, educação e assistência social, bem como na área ambiental. A Carta Magna, nesse aspecto, lançou as sementes da Reforma do Estado, que estabeleceu, entre outras, as parcerias estatais com novos tipos de organização não-governamental, as organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público, para a execução de atividades estatais não exclusivas (NUNES, 2006, p. 22).

De fato, no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, percebe-se o alinhamento com a Constituição Federal, nos seguintes termos:

O Projeto das Organizações Sociais tem como objetivo permitir a descentralização de atividades no setor de prestação de serviços não-exclusivos, nos quais não existe o exercício do poder de Estado, a partir do pressuposto que esses serviços serão mais eficientemente realizados se, mantendo o financiamento do Estado, forem realizados pelo setor público não-estatal. (BRASIL, 1995, p. 60).

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Cabe ressaltar que essas entidades já atuavam nesses setores, porém em menor número e com menos destaque.

Em maior ou menor grau, as associações voluntárias sempre estiveram presentes nas comunidades, e antecedem o surgimento do welfare state. Nos primórdios, elas eram, em sua maioria, ligadas às organizações religiosas e étnicas, conforme anteriormente mencionado.

O Estado brasileiro tem buscado, cada vez mais, transferir para as sociedades civis a realização de serviços não exclusivos, como forma de diminuir os custos e atuar com mais agilidade.

Assim, além de crescer em número, as entidades do terceiro setor também diversificaram suas áreas de atuação, Coelho (2002, p. 46) evidencia esse fato:

já mencionamos que associações ou organizações que praticam a caridade e a filantropia sempre existiram, de forma quase invisível, sem fazer muito alarde de suas atividades. De fato, aumentaram o seu número e o seu escopo de ação ao longo de nossa história, sem que isso tenha atraído às atenções. Nas últimas décadas, esse setor sofreu um grande incremento em quantidade e uma substantiva diversificação.

Dessa forma, o surgimento do terceiro setor no Brasil se deu por intermédio de entidades vinculadas à religião, como as Casas de Misericórdia. Depois, as entidades se aperfeiçoaram, cresceram, ganhando destaque nos normativos.

Nesse sentido, passou-se a discutir a relação público-privada, Gustavo Justino destaca o surgimento de um ramo do direito voltado para esse setor.

Note-se ainda que vem ganhando corpo – principalmente em virtude das especificidades e dos contornos peculiares dos institutos e categorias jurídicas hoje aplicados ao Terceiro Setor – a conformação e autonomização de um Direito do Terceiro Setor. (OLIVEIRA, 2009, p. 167).

Nesta linha, em sede preliminar, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923-DF, indeferiu por maioria o pedido de cautelar, conforme Diário da Justiça 183, de 21/9/2007. A ação foi proposta contra artigos da Lei 9.637/98, que dispõe sobre as Organizações Sociais (OS), entidades integrantes do terceiro setor. A alegação de inconstitucionalidade de diversos artigos apóia-se no argumento de que o objetivo das regras ali contidas é de transferir atividades estatais (próprias de entes públicos) para o setor privado.

A matéria é de grande complexidade e não há unanimidade nas posições. Em alguns trechos dos votos dos Ministros, ficou patente a importância do tema.

O Relator, Ministro Ilmar Galvão, salienta que os segmentos de atividades elencados na lei (ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde) de forma alguma ferem os dispositivos da Constituição de 1988, ou seja, a Carta Magna, conforme se menciona no início deste capítulo, incentivou a atuação colaborativa entre o Estado e a iniciativa privada, as parcerias.

O Ministro Gilmar Mendes traz à tona outros entes federativos que também implantaram o modelo de OS, a saber: Goiás, Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Distrito Federal, Espírito Santo e São Paulo. Com relação a este último, o Ministro apresentou melhorias na saúde, com aumento do número de internações, de atividade ambulatorial e de atendimentos de urgência/emergência. Em suas considerações finais, o Ministro ressalta que o Direito Administrativo tem passado por mudanças substanciais de paradigmas. Não há mais como compreender esse ramo do Direito a partir da perspectiva rígida da dicotomia entre o público e o privado. Logo, o Estado tem se apoiado cada vez mais em mecanismos de gestão inovadores, muitas vezes baseados em princípios próprios do direito privado.

O Ministro Marco Aurélio, ao concluir seu voto, apontou que a Constituição Federal homenageou a iniciativa privada, reconhecendo a utilidade na prestação de serviços por esta.

O Supremo optou, até pela complexidade da matéria, em indeferir a medida cautelar para discuti-la com maior profundidade no mérito.

O prof. Gustavo Justino, citando Gaspar Ariño Ortiz, enfatiza a concepção do Estado financiador, concentrado na atividade de fomento, entendida como atividade de estímulo e pressão, realizada de modo não coativo, sobre os cidadãos e grupos sociais, para imprimir um determinado sentido a suas atuações. Para o autor, por meio de subvenções, isenções fiscais e créditos, o Estado não obriga nem impõe, mas oferece e necessita de colaboração do particular para que a atividade fomentada seja levada a cabo.

O autor continua:

a transferência de recursos públicos a entidades privadas caracteriza-se como uma das possíveis técnicas de fomento. Presta-se ao menos para dois fins: a) para incentivar que tais entidades privadas, quando lucrativas, por meio do exercício de atividade econômica acabem gerando benefícios públicos e b) para incentivar que entidades não lucrativas passem a realizar atividades de interesse público, gerando igualmente benefícios (sobretudo de modo direto) para a comunidade. (OLIVEIRA, 2009, p. 175).

É exatamente sobre esta última forma de fomento que o capítulo seguinte tratará.


4. Transferência Voluntária da União

Há grande dificuldade em traçar os contornos legais de cada tipo de repasse, haja vista a vasta e esparsa legislação, quais sejam: a) Constituição Federal de 1988; b) Lei 4.320, de 17 de março de 1964; c) Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 (LRF); d) Decreto 93.872, de 23 de dezembro de 1986; e) Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional – STN 1, de 15 de janeiro de 1997; f) Decreto 6.170, de 25 de julho de 2007; g) Portaria Interministerial 127 de 29 de maio de 2008; h) leis especiais do sistema orçamentário (PPA, LDO e LOA).

Da leitura do art. 12 da Lei 4.320/1964, extrai-se que a transferência de recursos públicos divide-se em três modalidades, quais sejam: subvenções, auxílios e contribuições (REGINATTO, 2009, p. 23).

As transferências voluntárias são aquelas não estabelecidas pela Constituição, nem por legislação infralegal, ou seja, não são obrigatórias.

Elas se inserem no campo de discricionariedade do administrador que as utilizam com vistas a alcançar certos objetivos.

Para os efeitos da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), o art. 25 reza que “entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único da Saúde”. O §2º do artigo aludido estabelece que “é vedada a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada”.

Embora o art. 25 da LRF não contemple as entidades sem fins lucrativos como destinatárias diretas de repasses financeiros voluntários, é evidente que isso pode ocorrer. O Ministro Ubiratan Aguiar (2008, p. 27), citando Hely Lopes Meirelles, registra que “tal abertura se deu pela via interpretativa do texto constitucional (art. 23, parágrafo único) combinado com o Decreto-Lei 200/1967.” Despontam-se, como veremos, os convênios como instrumento sistemático das transferências voluntárias, inclusive para as entidades privadas.


5. Formalização dos repasses de recursos públicos - Convênios

Para materializar os acordos e, desta maneira, formalizar os repasses, o Poder Público utiliza-se praticamente das seguintes modalidades: convênios, mais utilizados; contratos de repasse; termos de parceria. A partir de consulta ao Siafi, constatou-se a existência de 14.036 parcerias firmadas entre órgãos públicos e entidades privadas, no período de 2006 a julho de 2010. O convênio é o tipo mais empregado, com 12.330 registros, ou seja, 88% das avenças.

Tabela 1 – Instrumentos de parcerias

2006

2007

2008

2009

2010

Total

Convênio

4887

3885

2926

505

127

12330

Contrato de repasse

522

315

534

71

16

1458

Termo de parceria

35

57

108

14

34

248

Total

5444

4257

3568

590

177

14036

Fonte: Siafi

Os convênios surgem da necessidade da descentralização apregoada na reforma administrativa de 1967, cujos principais instrumentos foram a Constituição de 1967 e o Decreto-Lei 200/1967. Segundo Salinas (2009, p. 193): “a atenção do legislador estava exclusivamente voltada para as verbas a serem repassadas pela União aos Estados e Municípios, “esquecendo-se” o formulador dos atos normativos de mencionar as entidades privadas nas definições dos referidos ajustes.”

Vale destacar que o Decreto-Lei 200/1967, que estabeleceu a reforma administrativa federal, prevê, no art. 10, o convênio como forma de descentralização “da administração federal para a das unidades federadas, quando estejam devidamente aparelhadas”. Percebem-se a preocupação com a capacidade de execução daquele que receberá o recurso e a não citação das entidades privadas.

Recentemente, o Decreto 6.170/2007, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, trouxe a seguinte definição, onde estão inseridas as entidades privadas sem fins lucrativos:

É o acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação. (BRASIL, 2007).

O TCU, também em obra editada em 2009, conceituou os convênios da seguinte forma:

É o acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros dos Orçamentos da União visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação, e tenha como partícipes, de um lado, órgão da administração pública federal direta, autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e, de outro, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos. (BRASIL, 2009, p. 15).

Para Remilson Soares Candeia (2005, p. 22), “pode-se entender convênio como uma das formas de descentralização de recursos da Administração Pública para entes públicos ou privados para a consecução de objetivos de interesses recíprocos entre os partícipes.”

Conforme Salinas (2009, p. 232):

O convênio da administração pública com pessoas e entidades de direito privado sem fins lucrativos procura viabilizar atividades de ambos os partícipes que sejam de interesse público e social. Nestes casos, não há a descentralização de uma função pública, mas sim um fomento ou incentivo a uma função privada de interesse social.

No mesmo sentido, é a lição da prof. Maria Sylvia (2008, p. 232):

o convênio entre entidades públicas e entidades particulares, ele não é possível como forma de delegação de serviços públicos, mas como modalidade de fomento. Caracteriza-se este por ser uma forma de incentivar a iniciativa privada de interesse público.

Na amostra feita, contabiliza-se em 4 anos, somente em Brasília, 327 convênios firmados, num total de R$ 1.852.998.204,51 (um bilhão, oitocentos e cinquenta e dois milhões, novecentos e noventa e oito mil, duzentos e quatro reais e cinquenta e um centavos).

O regramento para se conveniar não será discutido neste artigo. Vale mencionar que o rito passa por diversas etapas, tais como: requisitos para a celebração do convênio, formalização do termo, definição do objeto, obrigações e vedações.

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Sobre o autor
Ronaldo Quintanilha da Silva

Mestre em Poder Legislativo pelo Cefor/CD. Especialista em Orçamento Público pelo ISC/TCU. Participa de grupos de pesquisas na Câmara dos Deputados. Professor do Cefor e cursos preparatórios para concursos. É Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (ex-CGU, ex-TCU). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5699283809757563

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTANILHA, Ronaldo Silva. A obrigação de licitar não deve ser imposta às entidades sem fins lucrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3582, 22 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24252. Acesso em: 19 abr. 2024.

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