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Contrato de obra de engenharia: o direito de reajuste de preços e o instituto da preclusão lógica

11/05/2013 às 15:01
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É possível o reconhecimento da ocorrência do instituto da preclusão lógica sobre o direito de reajustamento de preços previsto nos contratos administrativos firmados para a execução de obras de engenharia.

É possível o reconhecimento da ocorrência do instituto da preclusão lógica sobre o direito de reajustamento de preços previsto nos contratos administrativos firmados para a execução de obras de engenharia.

A legislação prevê quatro instrumentos destinados a assegurar a manutenção do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, quais sejam: a revisão, o reajuste, a atualização monetária e a repactuação.

Em breve síntese, enquanto a revisão se destina à recomposição da harmonia econômica contratual quando o aumento de custos de execução “decorre de alteração extraordinária nos preços, desvinculada da inflação verificada”[1], a atualização monetária, o reajuste e a repactuação são institutos destinados a compensar as variações inflacionárias (a primeira por meio de correção dos valores contratuais por índices gerais de inflação; o segundo, por índices setoriais específicos; e a terceira por demonstração analítica de variação dos custos).

A repactuação é instituto típico e de melhor aplicação em casos de serviços com dedicação exclusiva de mão-de-obra, nos quais a variação de custos é representada na ampla maioria dos casos pelas variações salariais decorrentes de acordos e convenções coletivas de trabalho, já o reajuste por índices setoriais é mais indicado na hipótese de dificuldade de aferição do valor de cada componente separadamente e quando a variação de custo dos componentes de determinado produto ou serviço possam ser realmente representados por um índice setorial[2], o que é o caso dos contratos de obras de engenharia firmados entre a Administração Pública e o particular.

A possibilidade de reajuste de preços desses contratos firmados, com duração igual ou superior a um ano, tem previsão legal, precisamente, na Lei nº 10.192/01:

Art. 2º - É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

Referida possibilidade está prevista, também, na Lei nº 8.666/93, cujo art. 40, XI, assim estabelece:

Art. 40. O Edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, o dia e a hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

(...)

XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para a apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela.

Tanto a doutrina como a jurisprudência tem entendimento pacífico quanto à existência do direito da contratada ao reajustamento de preços, desde que preenchidos os requisitos legais para sua concessão.

Todavia, o exercício desse direito não é absoluto e, nem mesmo, automático. Apesar de a legislação ser omissa em relação ao prazo para a contratada requerer o reajustamento de preços, não se mostra concebível que tal direito possa ser pleiteado a qualquer hora, eternizando-se no tempo.

O direito de reajuste contratual não pode ser exercido indefinidamente, ao bel prazer da contratada, bastando-se que tenha atendido o requisito legal da periodicidade de um ano da apresentação da proposta para sua concessão. Mediante interpretação lógica e consentânea com a razoabilidade, mesmo que a lei não estabeleça um prazo certo para o exercício desse direito, o princípio da segurança jurídica impõe a ideia de que deve haver um termo para o exercício do referido direito, sob pena de instabilidade das relações entre a Administração e o particular contratado.

No ensinamento do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello[3], o princípio da segurança jurídica:

(...) se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Os institutos da prescrição, da decadência, da preclusão (na esfera processual), do usucapião, da irretroatividade da lei, do direito adquirido,  são expressões concretas que bem revelam esta profunda aspiração à estabilidade, à segurança, conatural ao Direito. Tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do porvir e não apenas da imediatidade das situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja uma estabilidade nas situações destarte constituídas.  

Nessa seara, o instituto da preclusão lógica contribui para a proteção da segurança jurídica e decorre da incompatibilidade entre o ato praticado e outro que se queira praticar depois.

No âmbito administrativo, a Instrução Normativa SLTI nº 02/2008 adotou, expressamente, a possibilidade da ocorrência da preclusão lógica ao direito de reajustamento (em amplo sentido) em contratos de serviços continuados, quando a empresa contratada concorda em prorrogar o ajuste sem sequer ressalvar eventual direito à repactuação dos preços.

Observe-se o que dispõe o art. 40, do citado normativo:

Art. 40.

§7º As repactuações a que o contratado fizer jus e não forem solicitadas durante a vigência do contrato, serão objeto de preclusão com a assinatura da prorrogação ou com o encerramento do contrato.

Na mesma toada, o Parecer vinculante AGU/JTB 01/2008, aprovado pelo Presidente da República, o qual teve como ponto central a repactuação contratual e seus efeitos, orienta a necessidade de atuação do particular a fim de resguardar seu direito no momento oportuno, para evitar a ocorrência da preclusão caracterizada pela prática de ato incompatível como outro anteriormente consumado. 

O Tribunal de Contas da União, ressaltando a natureza disponível do direito de reajustamento da empresa, legitima a possibilidade de reconhecimento da preclusão lógica, quando constatadas condutas incompatíveis praticadas pela contratada, durante a execução do objeto contratual.

Atente-se:

Ora, não me aprece razoável inferir que a lei determinou a previsão de critérios de reajustamento com aplicabilidade obrigatória. A cláusula que deve abordar a questão no edital licitatório, embora indispensável, não ofende a norma em comento por deixar de atribuir à administração o dever de realizar o reajuste. O que não pode ocorrer é o realinhamento dos preços contratuais fora dos critérios previstos no edital, os quais devem se coadunar com a lei de licitações, mesmo porque tal reajustamento deve ser pedido pelo interessado, já que consiste em verdadeiro direito patrimonial disponível. Por isso, permito-me dissentir da proposta de determinação da unidade técnica quanto a esse item, registrando, a título de ilustração, a pertinente lição de Hely Lopes Meirelles acerca do tema (in Licitações e Contratos Administrativos, 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002 , p. 195), in verbis:

"Esse reajuste de preços é uma conduta contratual autorizada por lei, para corrigir os efeitos ruinosos da inflação. Não é decorrência de imprevisão das partes contratantes; ao revés, é previsão de uma realidade existente, que vem alterando a conjuntura econômica em índices insuportáveis para o executor de obras, serviços ou fornecimentos de longa duração. Diante dessa realidade nacional, o legislador pátrio institucionalizou o reajuste de preços nos contratos administrativos, facultando às partes adotá-lo ou não, segundo as conveniências da Administração, em cada contrato que se firmar. Não se trata de uma imposição legal para todo contrato administrativo, mas sim, de uma faculdade concedida à Administração de incluir a cláusula de reajustamento de preços em seus ajustes, quando julgar necessário para evitar o desequilíbrio financeiro do contrato.

(Acórdão TCU 1828/2008 – Plenário)

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No mesmo sentido, colaciona-se trecho do artigo “Aspectos polêmicos da cláusula de reajuste nos contratos administrativos”, de Flavio Amaral Garcia[4]:

Tanto é verdade que a lógica do reajuste impõe que a iniciativa parta do contratado, que a Lei nº 11.079, de 30.12.2004 - que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada - restou previsto no 1º, do art. 5º, que "as cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização."

Ora, fica claro que se a própria fatura já pode ser apresentada pelo contratado (parceiro privado), reforça a ideia de que a Administração Pública apenas confirma os cálculos apresentados, não sendo ela a responsável pela aplicação automática da cláusula contratual.

Por fim, destaca-se, ainda, a manifestação contida no PARECER/CONJUR/MTE/Nº 164/2009, a qual retrata a possibilidade do embasamento jurídico do Parecer vinculante e, por consequência, das decisões do Tribunal de Contas da União, quanto à possibilidade do reconhecimento da preclusão, também, aos reajustes em sentido estrito, eleitos nos contratos de obra de engenharia, in verbis:

21. Dessa forma, não obstante o parecer vinculante tratar especificamente de repactuação, é razoável utilizar o seu embasamento jurídico, por analogia, ao reajustamento de preços, pois além destes institutos terem origem comum (decorrem do reajustamento de preços em sentido amplo), a essência do Parecer vinculante, s.m.j., em relação à preclusão, permanece inalterada se empregada ao instituto da reajustamento de preços.

22. Assim, não obstante o contratado ter arguido seu direito decorrente de evento do contrato originário e ter agido de boa-fé, compatibilizando o caso concreto com o referido Parecer vinculante , entende-se que o fato de ter ratificado, no Quarto Termo Aditivo (fl. 232), as demais cláusulas e condições fixadas no Contrato, perdeu, automaticamente, a sua faculdade de exercer o seu direito material por preclusão lógica do direito, fato que impossibilita a celebração de ato contrário, e, consequentemente, desautoriza a efetivação do reajuste.

No caso dos contratos de prestação de serviços de engenharia para construção de obra pública, o marco para fins de concessão do reajustamento é o aniversário de um ano do contrato (e aniversários subsequentes), contado a partir da data do recebimento da proposta ou da data do orçamento e a preclusão lógica deve se operar a cada ato praticado pela empresa incompatível com o efetivo exercício de seu direito.

Desta feita, atendida a periodicidade anual prevista em lei, cabe à empresa solicitar o reajustamento de preços ou, a cada nota fiscal (com planilha de preços) remetida à Administração para pagamento, contemplar o reajuste nos valores apresentados ou resguardar expressamente seu direito. Sua inércia ou o aceite da remuneração pelos serviços elencados em nota fiscal e apresentados à contratante, sem qualquer menção quanto ao reajuste de preços, caracteriza a ocorrência da preclusão lógica diante do direito da contratada, ante a prática de ato totalmente contrário à própria efetivação do reajuste.

Levando-se em conta os entendimentos da doutrina e da jurisprudência pátria, é possível, portanto, o reconhecimento da ocorrência do instituto da preclusão lógica sobre o direito de reajustamento de preços, previsto nos contratos administrativos firmados para a execução de obras de engenharia.


Notas

[1] JUSTEN FILHO, Marçal.  Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª Ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 729.

[2] Corroborando o entendimento, dispôs a IN SLTI/MPOG nº 02/2008:

“Art. 19. Os instrumentos convocatórios devem o conter o disposto no art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, indicando ainda, quando couber:

XXII – o critério de reajuste de preços, observado o disposto no art. 40, inciso XI da Lei nº 8.666, de 1993, admitindo-se a adoção de índices específicos ou setoriais para as contratações de serviço continuado sem a dedicação exclusiva da mão de obra.

(...) Art. 37. A repactuação de preços, como espécie de reajuste contratual, deverá ser utilizada nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir, conforme estabelece o art. 5º do Decreto nº 2.271, de 1997.”

[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.  Curso de Direito Administrativo. 14ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 105/106.

[4]http://download.rj.gov.br/documentos/10112/751060/DLFE-45600.pdf/Revista_61_Doutrina_pg_124_a_139.pdf  - Consultado em 19/06/2012

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Sobre o autor
Marcelo Morais Fonseca

Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Marcelo Morais. Contrato de obra de engenharia: o direito de reajuste de preços e o instituto da preclusão lógica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3601, 11 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/24421. Acesso em: 25 abr. 2024.

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