Artigo Destaque dos editores

Constituinte exclusiva para reforma política: dois momentos

25/06/2013 às 10:36
Leia nesta página:

Mesmo que aprovada por plebiscito, a convocação de Constituinte específica seria inconstitucional. Só se poderia admitir uma Constituinte caso se reconhecesse o rompimento da ordem constitucional. Uma Constituinte plena, geral, sem amarras, e que aprovaria uma nova Constituição.

2009 – Michel Temer: “Uma constituinte exclusiva para a reforma política significa a desmoralização absoluta da atual representação”. (“Não à Constituinte exclusiva”, publicado no site da Câmara dos Deputados em 2009-2010)

2013 – Dilma Rousseff: “Quero, nesse momento, propor o debate sobre a convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política que o país tanto necessita. O Brasil está maduro para avançar e já deixou claro que não quer ficar parado onde está” (discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante reunião com governadores e prefeitos de capitais, em 24.06.2013)

* O constitucionalista Michel Temer é o atual vice-presidente da República, eleito para o quadriênio 2011/2014 com a presidente Dilma Rousseff, nas Eleições 2010. Ao tempo do artigo acima citado, porém, ainda era deputado federal e presidente nacional do PMDB.

O Brasil vivencia um momento indecifrável. O povo saiu às ruas para protestar. Tudo pode ter começado com o impopular aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus em São Paulo. Alguns poucos manifestantes foram ganhando adesões em massa. De repente, um conflito com a Polícia Militar foi o suficiente para eclodir a revolta popular no Brasil inteiro. No Rio de Janeiro, estima-se que apenas em um dos dias de manifestação havia trezentas mil pessoas na tradicional Avenida Rio Branco – os manifestantes afirmam que havia um milhão de pessoas. O aumento das passagens foi revogado em São Paulo e em várias cidades no Brasil, mas o povo não saiu das ruas. As reclamações são as mais diversas: o desperdício de dinheiro público com os estádios da Copa do Mundo; os poderes de investigação criminal e a demonizada PEC 37; a impunidade; a necessidade de reforma política; a deficiência de representação institucional; mobilidade urbana; mais recursos para a saúde e para a educação. Enfim, o povo está insatisfeito, mas não se sabe exatamente como acalmá-lo.

A presidente Dilma Rousseff, então, em reunião emergencial com os governadores e com os prefeitos das principais cidades brasileiras, lançou uma proposta inusitada. Dentre outros quatro pactos, propôs a “convocação de um plebiscito popular que autorize o funcionamento de um processo constituinte específico para fazer a reforma política que o país tanto necessita” (discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante reunião com governadores e prefeitos de capitais, em 24.06.2013).

Surge a  indagação: seria possível uma Constituinte específica, ou exclusiva para tratar de reforma política? A resposta é negativa.

O Poder Constituinte Originário não deve satisfação à norma alguma, senão ao próprio povo que outorgou os seus poderes. Nem se invadirá, neste texto, a discussão acerca do denominado transconstitucionalismo dos direitos fundamentais ou mesmo do respeito aos direitos adquiridos, que se imporia inclusive ao Poder Constituinte Originário. Certamente o “processo constituinte específico” tratado no discurso da presidente não seria Originário, posto que não haveria o completo rompimento e superação da Constituição de 1988.

Então, estaria a presidente tratando do denominado Poder Constituinte Derivado? Em sendo, este Poder é vinculado a uma norma, no caso à Constituição que delegou ao mesmo o Poder de Reforma. Em outras palavras, uma Constituinte Exclusiva para a reforma política seria uma espécie de Poder de Reforma, também denominado Constituinte Derivado.

E o Poder de Reforma, ou Constituinte Derivado, deve respeito às cláusulas pétreas, sendo estas as expressas, mas também as implícitas. Nestas últimas cláusulas pétreas, as implícitas, se inclui a vedação ao processo de reforma chamado de dupla revisão. O Congresso Nacional recebeu da Constituição uma atribuição indelegável, irrenunciável, que o Poder de Reforma.

Para José Afonso da Silva, a denominada dupla revisão representa “simplesmente uma fraude à Constituição” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 442). Paulo Gonet, incorporando as lições de Nelson de Souza Sampaio, sustenta ser intangível ao Poder de Reforma “as normas concernentes ao titular do poder reformador” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 305).

A própria Constituição veda ao Congresso Nacional a delegação de sua competência privativa e especificamente a competência legislativa sobre direitos políticos e eleitorais. Qualquer ideia sobre uma Constituinte específica exigiria a revogação do art.68, §1º, II, além da reforma do art. 60, ambos da Constituição. E estas disposições devem ser constitucionalmente protegidas, como cláusulas pétreas implícitas. Não é à toa que o art. 60 da Constituição permaneceu íntegro em sua redação após as seis emendas de revisão e as setenta e três emendas constitucionais já promulgadas. E nem o povo pode modificar o núcleo petrificado da Constituição.

A pensar de forma diversa, o povo poderia tudo, sem limitações, e as próprias cláusulas pétreas não teriam mais razão de ser. Seria possível, por exemplo, revogar o art. 16 da Constituição, para no passo seguinte implementar uma reforma casuística no processo eleitoral às vésperas da própria eleição; ou revogar o art. 60, §4º, para em seguida se instituir a pena de morte no Brasil. Ou de forma mais ousada, seria possível reformar o art. 82 da Constituição, reduzindo o tempo de mandato do presidente da República, cassando o próprio mandato da presidente da República, Dilma Rousseff. As propostas seriam teratológicas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Resumindo, mesmo que aprovada por plebiscito, a convocação de Constituinte específica seria inconstitucional. Só se poderia admitir uma Constituinte caso se reconhecesse o rompimento da ordem constitucional. Uma Constituinte plena, geral, sem amarras, e que aprovaria uma nova Constituição.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rodrigo Lago

Advogado, conselheiro federal da OAB em exercício, ex-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MA, diretor-geral da Escola Superior de Advocacia do Maranhão – ESA-OAB/MA, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e fundador e articulista do Os Constitucionalistas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGO, Rodrigo. Constituinte exclusiva para reforma política: dois momentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3646, 25 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24785. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Artigo originalmente publicado no site <a href="http://www.osconstitucionalistas.com.br/constituinte-exclusiva-para-reforma-politica-dois-momentos">"Os Constitucionalistas"</a>.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos