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A (in)constitucionalidade da contribuição previdenciária prevista no inciso IV do art. 22 da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99

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10/07/2013 às 16:15
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Analisa-se a constitucionalidade da nova contribuição social, advinda da emissão pelas cooperativas de nota fiscal ou fatura decorrida da prestação de serviço a empresas contratantes. Seu pagamento são é mais ônus da cooperativa, mas sim da empresa tomadora de serviços, e tem por base de cálculo não os valores creditados ou distribuídos aos cooperados, e sim o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, seguindo a tradição dos países desenvolvidos em regulamentar constitucionalmente a matéria, definiu um perfil de Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) a ser adotado no solo pátrio, ao trazer, em seu bojo,título destinado à Ordem Social, na qual se inclui a seguridade social, que deve ser financiada diretamente por todos, mediante o pagamento das contribuições elencadas em seus dispositivos.

O tema do financiamento da seguridade social, entretanto, tem se mostrado tormentoso, com inúmeras batalhas entre o fisco e contribuinte, perdurando por anos, até que o Supremo Tribunal Federal dê a última palavra sobre a possibilidade de se cobrar uma determinada exação.

Após a declaração de inconstitucionalidade da expressão “avulsos, autônomos e administradores”, contida no art. 3º, I da Lei n. 7.787/89, bem como das expressões "autônomos" e "administradores",contidas no inciso I do art. 22 da Lei n. 8.212/91, inviabilizando a cobrança, por lei ordinária, de contribuição social dos empregadores sobre outra base que não a folha de salários, foi editada a Lei Complementar n. 84/96, que instituiu fonte de custeio para a manutenção da Seguridade Social, na forma do § 4º do artigo 195 da Constituição Federal, criando contribuição social a cargo das cooperativas de trabalho, no valor de quinze por cento do total das importâncias pagas, distribuídas ou creditadas a seus cooperados, a título de remuneração ou retribuição pelos serviços que prestem a pessoas jurídicas por intermédio delas, a qual foi declarada constitucional.

Amparada na nova previsão normativa inserta no art. 195, I, alínea "a" da Carta Política de 1988, na redação conferida pela EC n. 20/98, a Lei n. 9.876/1999, além de revogar a Lei Complementar n. 84/96, incluiu o inciso IV no art. 22 da Lei n. 8.212/91, para estabelecer contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, de quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.

Assim, o legislador transferiu a sujeição passiva da cooperativa para a empresa que, ressalte-se, se utiliza diretamente dos serviços prestados pelos trabalhadores cooperados.

A Confederação Nacional da Indústria ajuizou a ADI n. 2.594, ainda pendente de julgamento no Plenário do STF, sob os seguintes fundamentos: (i) interpretação literal que provocaria violação ao art. 195, I, "a", da Constituição Federal, porquanto os serviços mencionados na hipótese de incidência seriam prestados pelas cooperativas (pessoas jurídicas) e não pelos trabalhadores cooperados; (ii) em razão do argumento anteriormente citado, bem como em função de incidir sobre o valor da nota fiscal ou fatura expedida pela cooperativa à pessoa jurídica, a contribuição previdenciária do art. 22, IV, da Lei n. 8.212/91, deveria ter sido prevista em Lei Complementar, havendo ofensa ao artigo 195, § 4º, c/c o art. 154, I da Lex Legum.

Ademais, desde a entrada em vigor da Lei n. 9.876/99, tanto as cooperativas quanto as empresas tomadoras dos seus serviços têm recorrido ao Judiciário, na tentativa de afastar o pagamento pelas últimas da nova contribuição, não apenas sob os fundamentos invocados na ADI n. 2.594, mas também sob os de violação ao princípio da igualdade pela oneração da contratação de cooperativas e de que, se a cobrança da exação em apreço for mantida, as empresas tomadoras de serviços poderão não mais contratar cooperativas, em consequência da elevação da carga tributária decorrente dessa forma de contratação, optando por contratar, em seu lugar, sociedades empresárias ou civis prestadoras de serviços.

As decisões judiciais a respeito têm se mostrado conflitantes em muitos pontos, encontrando-se pendente de julgamento pelo Pretório Excelso a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.594-DF, pedindo a declaração de inconstitucionalidade do mencionado dispositivo.

O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 595838 RG/SP, reconheceu, inclusive, a  existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada com relação à inconstitucionalidade material da nova exação.

O Projeto de Lei do Senado n. 263, de 2001, de autoria do Senador Osmar Dias, publicado no Diário do Senado Federal de 30/11/2001, propõe a revogação do inciso IV, do art. 22 da Lei n. 8.212/91, acrescentado pela Lei n. 9.876/99, ao fundamento de que a contribuição neste instituída tem desestimulado a contratação das sociedade cooperativas, por ser mais vantajosa para os tomadores de serviços, em decorrência da ausência de tributação, a contratação de sociedades mercantis ou civis, situação que contraria o apoio e estímulo ao cooperativismo previsto no art. 174, § 2º, bem como o adequado tratamento tributário estabelecido no art. 146, III, "c", ambos da Constituição Federal.

O objetivo do presente trabalho é, portanto, analisar a constitucionalidade do inciso IV do art. 22, da Lei n. 8.212/91, acrescido pela Lei n. 9.876/99, sob os diversos vieses pelos quais vem sendo tratada pelos tribunais brasileiros, contribuindo para o aprofundamento sobre tema que, pela relevância para o cooperativismo, para o mercado consumidor de seus serviços e para a sociedade, demanda pacificação, em nome da segurança jurídica.

Com efeito, o tema carece de abordagem acadêmica, pois quase não é enfrentado na literatura especializada em direito tributário e/ou previdenciário.

No presente trabalho, será explicada, inicialmente, a regulamentação do financiamento da Seguridade Social na Constituição Federal de 1988. Num segundo momento, serão identificados os antecedentes legislativos da Lei n. 9.786/99 na vigência da Carta Magna e evidenciada a sua interpretação jurisprudencial. Em seguida, será investigado o tratamento dado à sociedade cooperativa pela legislação civil e previdenciária brasileira. Feito isso, serão analisados os aspectos da hipótese de incidência da contribuição prevista no art. 1º, II da Lei Complementar n. 84/96, bem como da instituída pelo inciso IV do art. 22 da Lei Complementar n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99, cotejando-se as correntes doutrinárias e jurisprudenciais divergentes e demonstrando-se a (im)procedência das afirmadas inconstitucionalidades da novel contribuição.

 


1 FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

1.1 Conceituação de seguridade social

A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência social e à assistência social, conforme art. 194 da Constituição.

Com efeito, como se pode observar do Título VIII da Carta Magna, intitulado “Da Ordem Social”, os programas ou iniciativas de seguridade social, definidos pelos arts. 194 e seguintes da Constituição, foram assim sistematizados: saúde (Seção II), previdência social (Seção III) e assistência social (Seção IV).

1.2 Sistema de financiamento da seguridade social

Para o custeio da seguridade social, a Constituição Federal estabeleceu um sistema misto de financiamento, ao prescrever, no caput art. 195, que aquela será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições sociais que expressamente enumera.

1.2.1 Forma indireta

O financiamento indireto é feito por meio de dotações orçamentárias fixadas no Orçamento da Seguridade Social, que abrange todos os órgãos e entidades, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público, vinculados à seguridade social, conforme art. 165, § 5, III da Lex Legum.

O § 1º do art. 195 da Constituição estabelece que receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.

Já o § 2º do art. 195 da Lex Legum prevê que a proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.

Cumpre observar que o art. 77 do ADCT estabelece os recursos mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde, sendo as suas disposições aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, desde o exercício financeiro de 2005, ex vido seu § 4ª, incluído pela EC n. 29/2000, em razão da ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º da Constituição.

1.2.2 Forma direta

A sociedade financia a seguridade social, de forma direta, mediante o pagamento das contribuições sociais instituídas com fundamento no art. 195, I a IVe § 4º da Constituição.

Considerando-se que o art. 195 da Constituição prevê que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta, mediante recursos provenientes das contribuições sociais nele previstas, tem-se que a denominada contribuição para a seguridade social possui destinação constitucional específica na medida em que está essencialmente afetada ao financiamento desta.

1.3 Natureza jurídica das contribuições para a seguridade social

Gize-se que, à luz do art. 149 da Constituição, existem quatro espécies de contribuições sociais de compêtencia da União:

(i) as contribuições sociais gerais, que são aquelas vinculadas a uma finalidade social diversa da seguridade, como, por exemplo, o salário-educação;

(ii) as contribuições para a seguridade social, ou seja, aquelas previstas no art. 195, cuja destinação foi fixada pela própria Constituição, que estabeleceu uma relação entre a contribuição e o sistema de seguridade social, como instrumento de seu financiamento direto pela sociedade, vale dizer, pelos contribuintes;

(iii) as contribuições de intervenção no domínio econômico e

(iv) as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Ao presente estudo, interessam apenas as contribuições para a seguridade social.

Com o objetivo de desvendar a natureza jurídica das contribuições para a seguridade social, foram desenvolvidas pelos juristas as seguintes teorias: teoria do prêmio do seguro; teoria do salário diferido; teoria do salário atual; teoria fiscal; teoria parafiscal e teoria da exação sui generis.

A teoria do prêmio do seguro equipara a contribuição para a seguridade social ao prêmio do seguro pago pelo benefíciário às empresas seguradoras. É criticada pela doutrina porque a contribuição é uma prestação compulsória devida por força de lei, enquanto o seguro é um tipo de contrato firmado entre particulares, além do que a formulação teórica não se presta a explicar a natureza das contribuições devidas pelas entidades patronais.

A teoria do salário diferido preconiza que parte do salário não é paga diretamente ao obreiro, mas à Seguridade Social. Seus críticos argumentam que o pagamento da contribuição deriva de imposição legal, e não de ajuste de vontades, merecendo desataque, também, que tal teoria não consegue explicar a natureza da contribuição de autônomos e empresários, que não recebem salários, e da pessoa jurídica.

A teoria do salário atual prega que são pagas pelo empregador duas cotas, uma pelos serviços prestados pelo empregado e a outra para a Seguridade Social. Segundo MARTINS, “não há atualidade em tal salário, nem este é pago diretamente pelo empregador (art. 457 da CLT. Não pode o referido salário ser exigido de imediato, apenas se atendidas determinadas condições especificadas em lei, e não outras”[1].

Em que pese todas as referidas teorias sofrerem críticas, a posição amplamente majoritária na doutrina e na jurisprudência é no sentido que as contribuições para a seguridade social, previstas no art. 195 da Carta Magna, possuem natureza juridica de tributo, em face do texto constitucional em vigor. É a teoria fiscal.

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Com efeito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais.

No tocante às contribuições sociais, não só as referidas no art. 149 – que se subordina ao capítulo concernente ao sistema tributário nacional – têm natureza tributária (como resulta, igualmente, da observância que devem ao disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III), mas também às relativas à seguridade social previstas no art. 195, que pertencem ao título “Da Ordem Social”.

Por terem essa natureza tributária, é que o art. 149, que determina que as contribuições sociais observem o inciso III do art. 150 (cuja alínea “b” consagra o princípio da anterioridade), exclui dessa observância as contribuições para a seguridade social previstas no art. 195, em conformidade com o parágrafo 6º deste dispositivo, que, aliás, em seu parágrafo 4º, ao admitir a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social, determina que se obedeça ao disposto no art. 154, I (norma tributária), o que reforça o entendimento favorável à natureza tributária dessas contribuições sociais.

A teoria parafiscal critica a teoria fiscal sob o fundamento de que o Estado arrecada a contribuição social para o custeio de encargos que não lhe são próprios. Isso, todavia, não tem o condão de desnaturar sua natureza tributária.

Para a teoria da exação sui generis, a contribuição para a seguridade social é uma imposição estatal atípica, prevista na Constituição e na legislação ordinária, cuja natureza jurídica não se confunde com tributo ou contribuição parafiscal. Tal formulação não logra afastar a natureza tributária da contribuição, a qual tem fundamento na Constituição e no art. 3º do Còdigo Tributário Nacional.

A doutrina majoritária, de igual sorte, reconhece o caráter de tributo da contribuição previdenciária, consoante se infere, por exemplo, no seguinte  escólio de NEVES[2]:

A opção se faz, pois a doutrina majoritária seguindo a jurisprudência do STF (RE 138.284/CE) também entende desta forma, os principais argumentos são:

1 a intrínseca relação entre o instituto das Contribuições Sociais com o direito tributário (aplicação dos arts. 144, 113, 119, 121 todos do CTN às contribuições sociais);

2 o texto constitucional atual concretizou a natureza tributária das contribuições sociais ao instituir sua posição no capítulo sobre o Sistema Tributário Nacional;

3 o art. 149 da CF dispõe que as contribuições sociais só podem ser exigidas mediante Lei Complementar, respeitando-se os princípios da irretroatividade da lei e da anterioridade (art. 150, inciso III do art. 146 da Carta Magna (exigência de observância a Lei Complementar para fixação do fato gerador, base de cálculo e contribuinte);

4   a total compatibilidade com o conceito de tribute expresso no art. 3º do CTN;

Por fim, é bom deixar claro que, nosso sistema tributário rompeu com a velha concepção tripartida e adotou a divisão quinquipartida dos tributos, assim, além dos impostos, taxas e contribuições de melhoria, há também, os empréstimos compulsories, e as contribuições paraestatais ou sociais (arts. 149 e 195 da CF), das quais fazem parte as contribuições para a seguridade social. (sic.)

Diante disso, ao longo do presente trabalho, será adotada a premissa de que as contribuições para a seguridade social possuem natureza tributária.

1.4 Contribuições sociais previdenciárias

A Constituição, no seu art. 167, XI, veda a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, “a”, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social, do qual trata o art. 201.

Assim, enquanto as contribuições sociais previstas no art. 195, I, “b” e “c”, III e IV, da Carta Magna podem ser utilizadas em qualquer segmento da Seguridade Social, inclusive na própria Previdência Social, aquelas indicadas no art. 195, I, “a”, e II têm a sua arrecadação vinculada apenas à Previdência Social.

As contribuições sociais destinadas à Previdência Social, também denominadas contribuições sociais previdenciárias, são uma subespécie das contribuições para a Seguridade Social, que, por sua vez, como visto, representam uma das espécies de contribuições sociais.

A seguir, serão analisadas as contribuições sociais previdenciárias previstas na Constituição, porquanto as demais contribuições para a seguridade social não possuem relação de pertinência com o objeto do nosso estudo.

1.4.1 Contribuições do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (art. 195, I, “a” da CF)

A redação primitiva do inciso I do art. 195 da Constituição previa a contribuição social “dos empregadores, incidente sobre a folha de salários”, permitindo que fosse alcançada apenas a remuneração paga pela empresa em virtude da execução de trabalho subordinado, com vínculo empregatício.

A Emenda Constitucional n. 20/98, ao dar nova redação ao disposito constitucional em comento, ampliou a base de incidência das contribuições sociais, obrigando não apenas o empregador, mas também a empresa e a entidade a ela equiparada, ao recolhimento de contribuição sobre qualquer valor pago ou creditado à pessoa física que lhe preste serviço, ainda que este tenha sido prestado sem vínculo empregatício, como no caso de autônomos ou empresários.

1.4.2 Contribuições do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social (art. 195, II da CF)

O inciso II do art. 195 da Constituição, em sua redação original, mencionava apenas "dos trabalhadores".

A Emenda Constitucional n. 20/98 alterou-lhe a redação, incluindo "dos demais segurados da previdência social" e estabelecendo uma imunidade em relação aos aposentados e pensionistas do RGPS.

A Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, no Capítulo III (Da Contribuição do Segurado) do seu Título VI (Do Financiamento da Seguridade Social), trata das contribuições a cargo dos segurados empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual e facultativo.

1.5 Necessidade de prévia lei complementar para instituição de contribuições para a seguridade social

Tendo em vista as inovações introduzidas pela Constituição de 1988 no sistema tributário nacional, estabeleceu ela, nos parágrafos 3º e 4º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que “promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto” que “as leis editadas nos termos do parágrafo anterior produzirão efeitos a partir da entrada em vigor do sistema tributário nacional previsto na Constituição”.

Ora, segundo o caput art. 34, o sistema tributário nacional entrou em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição (ou seja, a primeiro de março de 1989), exceto – de acordo com o disposto no parágrafo 1º desse mesmo artigo – os arts. 148, 149, 150, 154, I, 156, III, e 159, I, c, que entraram em vigorna data mesma da promulgação da Constituição.

Essas normas de direito intertemporal, portanto, permitiram que, quando não fossem imprescindíveis as normas gerais a ser estabelecidas pela lei complementar, consoante o disposto no art. 146, III, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editassem lei instituindo as novas figuras das diferentes modalidades de tributos, inclusive, pois, as contribuições sociais, de imediato ou com vigência a partir de 1º de março de 1989, conforme a hipótese se na regra geral do caput ou nas exceções do parágrafo 1º, ambos do art. 34 do ADCT.

Note-se, ademais, que, com relação aos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, o próprio art. 146, III, só exige que estejam previstos na lei complementar de normas gerais quando relativos aos impostos discriminados na Constituição, o que não abrange as contribuições sociais, inclusive as destinadas ao financiamento da seguridade social, por não configurarem impostos.

Assim sendo, por não haver necessidade da lei complementar tributária de normas gerais, para a instituição da contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social com base no inciso I do art. 195 – já devidamente definida em suas linhas estruturais na própria Constituição –, não será necessária, por via de conseqüência, que essa instituição se faça por lei complementar, que supriria aquela, se indispensável.

Outro não é o entendimento do Pretório Excelso:

"Constitucional. Tributário. Contribuições sociais. Contribuições incidentes sobre o lucro das pessoas jurídicas.Lei n. 7.689, de 15-12-88. Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. CF, art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. CF, arts.149 e 195.As diversas espécies de contribuições sociais. A contribuição da Lei 7.689, de 15-12-88, é uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. (...). Posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar." (RE 138.284 – Rel. Min. Carlos Velloso – in DJ de 28/08/92, p. 13456)

Tem-se, pois, como regra, que o art. 195 não exige lei complementar para a instituição dessas contribuições sociais, inclusive a prevista em seu parágrafo 1º, como resulta dos termos do parágrafo 6º desse mesmo dispositivo constitucional.

A exeção a talregra é prevista no parágrafo 4º, no qual está ubicada a competência residual da União para a instituição de novas contribuições para a seguridade social.

O art. 195, § 4º, prevê que "a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I".

Havia cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca de se, na instituição de contribuições para a seguridade social incidentes sobre outras fontes, a União, no exercício da competência residual em apreço, deveriam ser observados todos os requisitos fixados no art. 154, I da Constituição, quais sejam, instituição por lei complementar, não-cumulatividade e fato gerador e base de cálculo diferentes de outras contribuições sociais.

Não obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a vedação constitucional prevista no art. 154, I da Carta Magna não diz respeito às contribuições para a seguridade social, mas apenas aos impostos, conforme julgado a seguir ementado: 

EMENTA: EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. FINSOCIAL. ALEGAÇÃO DAS EMPRESAS DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO POR AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR A AUTORIZAR A SUA COBRANÇA E EXISTÊNCIA DE BITRIBUTAÇÃO. RECURSO DA UNIÃO FEDERAL NO SENTIDO DA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ÀS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. 1. Alegações da empresa. Improcedência. O Plenário desta Corte firmou entendimento no sentido de que o Decreto-Lei nº 1.940/82 e as alterações havidas anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988 continuaram em vigor até a edição da Lei Complementar nº 70/91. 1.1. Existência de bitributação por ter o FINSOCIAL a mesma base de cálculo da Contribuição para o PIS. Insubsistência. A vedação constitucional prevista no art.154, I da Carta Federal somente diz respeito aos impostos e não às contribuições para a seguridade social. 2. Extraordinário da União Federal. Inaplicabilidade do princípio da anterioridade às contribuições sociais.Alegação parcialmente procedente. A teor do disposto no art. 195, § 6º da Constituição Federal, a exação somente poderá ser exigida noventa dias após a edição da lei que a houver instituído ou modificado. Extraordinário da União Federal parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Não conhecido o recurso da empresa. (RE 200788, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 27/04/1998, DJ 19-06-1998 PP-00010 EMENT VOL-01915-02 PP-00295)[3]

Assim, entende-se que o § 4º do art. 195 da Constituição, ao impor a adoção da técnica de competência residual da União establecida no inciso I do art. 154, quer dizer apenas que a lei complementar é o único veículo normativo idôneo para a instituição válida de de contribuições para a seguridade social incidentes sobre outras fontes que não as previstas nos quatro incisos do art. 195.

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Sobre o autor
Iuri Cardoso de Oliveira

Procurador Federal, em exercício na Procuradoria Federal Especializada junto ao INCRA em Salvador (BA). Pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela UNIASSELVI - Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Iuri Cardoso. A (in)constitucionalidade da contribuição previdenciária prevista no inciso IV do art. 22 da Lei n. 8.212/91, incluído pela Lei n. 9.876/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3661, 10 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24921. Acesso em: 19 abr. 2024.

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