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Ação declaratória incidental e questão prejudicial

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01/03/2002 às 00:00
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Capítulo 4 - AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL E SUA RELAÇÃO COM AS QUESTÕES PREJUDICIAIS

4.1 - Explicação

A necessidade de se estabelecer a relação entre a ação declaratória incidental e as questões prejudiciais diz respeito a ligação que a incidental tem com relação a questão prejudicial, tendo em vista que a incidental decorre de certa questão prejudicial que, em determinado momento, pode prejudicar a decisão principal.

Assim, é necessário que se estabeleça a relação entre elas, para que se verifique a coisa julgada com relação a questão prejudicial, questão que necessita um certo cuidado, tendo em vista que o Código de Processo Civil brasileiro faz distinção entre a questão prejudicial decidida incidentemente no processo, não fazendo coisa julgada e a questão prejudicial constituindo pressuposto necessário ao julgamento da lide, fazendo coisa julgada.

4.2 - A questão prejudicial até o Código de 1939

No direito brasileiro anterior ao Código de 1939, em matéria de limites objetivos da coisa julgada, prevaleceu a doutrina romana que dizia que a imutabilidade do julgado somente alcançava a parte dispositiva, isto é, o decisório da sentença e não os seus motivos, as questões prejudiciais, cujo exame teria de ser feito para julgamento do pedido do autor. As questões prejudiciais eram examinadas apenas incidenter tantum e não eram objeto de decisão em sentido técnico.

Com a publicação do Código de 1939, abriu-se larga controvérsia acerca dos seus dispositivos relativos aos limites objetivos da coisa julgada, dada a redação de seu art. 287. Segundo esse dispositivo, a sentença teria força de lei nos limites das questões decididas. E seu parágrafo único considerou decididas todas as questões que constituíssem premissa necessária da conclusão.

Se interpretado literalmente o artigo, não se teria dúvida que fariam coisa julgada todas as questões prejudiciais que fossem premissas da conclusão. Essa interpretação era a mesma de Savigny, segundo a qual a coisa julgada atinge não só a decisão como também os seus motivos objetivos.[33]

Assim, os intérpretes do Código se esforçaram para dar uma interpretação do artigo diferente de Savigny, tendo em vista que o entendimento de Savigny encontra forte oposição na doutrina e na legislação dos países que influenciaram o direito processual brasileiro. Ela também é repelida pelo direito nacional anterior a 1939 e tem realmente várias falhas que desaconselham sua utilização.[34]

No Código de Processo Civil vigente, procurou-se superar a enorme controvérsia sobre os limites da coisa julgada, adotando-se a teoria restritiva de Chiovenda, onde diz que a questão prejudicial, desde que constitua pressuposto necessário ao julgamento da lide, pode fazer coisa julgada.

4.3 - A coisa julgada

O fim em si da ação declaratória incidental é fazer com que também sobre a questão prejudicial haja coisa julgada.

Deve se atentar para o princípio geral, onde as questões prejudiciais se resolvem, normalmente, sem o efeito da coisa julgada.

Por isso é que se afirma que a ação declaratória incidental tem grande função na fixação da coisa julgada pois "a regra geral, no processo civil, é a de que as questões relacionadas, prejudicialmente, com a questão principal, o mérito (Hauptsache, do direito alemão entre outros termos), apresentadas num único processo e ação, tem, necessariamente, de ser objeto ordenadamente da atividade do juiz"[35]. São, porém, normalmente, sem o efeito da coisa julgada, o que significa que é possível que tais questões, em outros processos, possam novamente ser discutidas e ter solução diversa aquela dada a elas anteriormente.

Daí o legislador ter inserido no nosso Código de Processo Civil, art. 469, o seguinte "Não fazem coisa julgada III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente, no processo."

Restritivamente e em decorrência do enlace com a doutrina européia, logo a seguir, abriu um precedente para dizer no art. 470, do Código de Processo Civil que "Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer, o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide".

Penido Burnier[36] comenta, com precisão, a regra do art. 470 ao dizer que "tal regra está ligada as do art. 5º e 325, de maneira que não se restringem os pressupostos da ação declaratória incidental ao eu dispôs o art. 470, sendo necessário, também, que tenha havido controvérsia sobre a questão, isto é, que o réu tenha tornado controvertida, de forma explícita, a relação jurídica prejudicial, a qual goza de autonomia, podendo servir de pressuposto para a decisão de outra lides."

Assim, é conveniente lembrar que a apreciação da questão prejudicial, em regra, não produz coisa julgada material, consoante disposição expressa do art. 469 inc. III do Código de Processo Civil. Mas, nos termos do art. 470 deste mesmo estatuto, faz coisa julgada a resolução da questão prejudicial se a parte o requerer (art. 5º e 325) e o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto processual necessário para o julgamento da lide ou, mais corretamente, do pedido. É que nessas casos, insere-se no processo em andamento uma nova pretensão, deduzida mediante ação declaratória incidental, que transforma também a questão prejudicial em objeto do processo, passando a ser decidida, por sentença, junto com a principal (no dispositivo da sentença e não entre os motivos).

Ainda sobre o preceito constante no inc. III do art. 469, relativo às questões prejudiciais fazerem ou não coisa julgada, são bem esclarecedoras as lembranças e ensinamentos de Moacir Amaral Santos[37] quando nos diz.

"A resolução de tais questões como motivos da decisão final, isto é, como fim de fundamentá-la, não incide em coisa julgada. Claro Chiovenda, que inspirou o inc. III do texto que se analisa, ao emitir princípio dominante: "as questões prejudiciais são decididas, em regra, sem os efeitos de coisa julgada (incidenter tantum)". E conclui o mestre: "Daí a necessidade de manter a coisa julgada nos confins da demanda, e de discernir na cognição as questões prejudiciais ou motivos, sobre os quais o juiz decide incidenter tantum, ou seja, com o fim exclusivo de preparar a decisão final, mesmo quando não se insiram em sua competência e sobre a qual a causa é designada à sua competência e sobre a qual provê principaliter, com autoridade de julgado".

Concluindo as suas colocações sobre a matéria em foco (questão prejudicial e coisa julgada) o apontado jurista sintetiza assim:

"O princípio é que não faz coisa julgada a apreciação de questão prejudicial, seja esta ou aquela solução, feita incidentalmente no processo. Ou, com as palavras da lei: não faz coisa julgada a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo (art. 469, nº III). De tal modo, se a resolução da questão prejudicial se dá apenas como preparação lógica do julgamento da lide, não fará coisa julgada, mas apenas terá a natureza e a eficácia de motivo da sentença. Todavia, se qualquer das partes, no momento próprio, requerer que a prejudicial seja resolvida com força de sentença declaratória, isto é, se a seu respeito propuser ação declaratória incidente, a decisão, que a declarar, acolhendo-a ou rejeitando-a, terá eficácia de coisa julgada."

Para que a conclusão do juiz sobre a questão examinada como prejudicial tenha força de coisa julgada, é necessário que ela seja tomada como decisão e não apenas como atividade de simples conhecimento incidenter tantum. Para isso é necessário um pedido, que transforme a discussão em verdadeira causa ou ação.

4.4 - Diferença entre o inciso III do art. 469 e o art. 470 do CPC.

Diz o inciso III do art. 469 do CPC que não faz coisa julgada a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. Já o art. 470 do CPC diz que faz coisa julgada a questão prejudicial se requerida pela parte, se o juiz for competente em razão da matéria e se for pressuposto necessário para o julgamento da lide.

Como se observa há duas conclusões que se pode ter a partir da leitura dos arts. 469, III e 470 do CPC. A questão prejudicial ou faz coisa julgada ou não faz.

A questão prejudicial, como já visto, é aquela questão decidida previamente, antes do mérito da ação principal que influi no julgamento da ação principal. Se decidida incidenter tantum, constitui premissa necessária a conclusão da parte dispositiva da sentença, sendo que esta hipótese já está contemplada pelos incisos I e II do art. 469 pois a decisão incidente sobre a questão prejudicial faz parte da motivação da sentença.

Assim, a decisão sobre a questão prejudicial somente será acobertada pela coisa julgada se tiver sido ajuizada ação declaratória incidental, de acordo com o art. 470 do CPC pois neste caso a decisão não seria mais proferida incidentalmente mas de forma principal.[38]

Precisa é a lição de Nelson Nery Júnior[39] quando diz que ação declaratória incidental é "ação declaratória pura, positiva ou negativa, cujo objetivo é fazer com que a questão prejudicial de mérito que será apreciada incidenter tantum, necessariamente, pelo juiz, possa ser abrangida pela coisa julgada. Objetiva-se a decisão principaliter sobre a relação jurídica prejudicial que influirá na decisão sobre o mérito, aumentando-se assim os limites da coisa julgada."

Assim, tem-se que, normalmente, os motivos constantes da fundamentação da sentença, dentre os quais se encontra a solução da questão prejudicial, não são alcançados pela coisa julgada, de acordo com o art. 469 do CPC. Com a propositura da ação declaratória incidental, há ampliação do thema decidendum, fazendo com que os limites objetivos da coisa julgada sejam aumentados, abarcando a parte da motivação da sentença, onde se encontra resolvida a questão prejudicial de mérito. Com isso evita-se tanto a proliferação de demandas quanto a possibilidade de haver decisões conflitantes, ao mesmo tempo em que se atua benefício da economia processual.


CONCLUSÃO

Transcorrendo uma causa, inúmeras vezes, o julgador se vê obrigado a analisar vários pontos suscitados na controvérsia. Tais pontos se manifestam como preliminares ou prejudiciais a questão principal. Da controvérsia desses pontos surge o marco em função do qual o juiz declarará, se houver pedido expresso, na forma de ação declaratória incidental, para fazer coisa julgada, tomando-o com decisão e não como mera atividade incidenter tantum.

A partir daí, procurou-se discorrer, no presente trabalho, sobre o tema da ação declaratória incidental e das questões prejudiciais, apresentando suas ligações, ficando clara a importância do tema no ordenamento jurídico nacional e internacional.

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O que se demonstrou, assim, foi que a questão prejudicial é uma questão que influi diretamente no processo, podendo ou não estar ligada a resolução da questão principal. Se diretamente relacionada a questão principal ela viabiliza a ação declaratória incidental que, se intentada, faz, então coisa julgada.

Buscou-se a amplitude na procura de conhecimentos sobre a ação declaratória incidental e as questões prejudiciais que se mostrou, através das pesquisas, ser um tema bastante tumultuado, reinando uma vasta escassez na contribuição jurisprudencial, o que dificulta numa definição, necessitando ainda de uma maior aplicabilidade, para que, através das decisões proferidas, venha a se delinear na sua totalidade.

Assim, o tema ficou restrito a demonstrar o que é a ação declaratória incidental, a questão prejudicial e suas relações, concluindo que a questão prejudicial viabiliza a utilização da ação declaratória incidental.


NOTAS

1.BARBI, Celso Agrícola, Ação Declaratória Principal e Incidente, editora forense, 6ª edição, Rio de Janeiro, 1987, p. 25.

2.BARBI, Celos Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 25.

3.FABRÍCIO, Adroaldo, Furtado, A Ação Declaratória Incidental, editora forense, 1ª edição, Rio de Janeiro, 1976, p. 32.

4.FABRÍCIO, Adroaldo Furtado, Ob. cit. n.º 3, p. 30.

5.SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, volume I, editora forense, Rio de Janeiro, p. 150.

6.COSTA, Lopes da, Direito Processual Civil, José Konfino editor, 1º volume, 2ª edição, São Paulo, 1947, p. 78.

7.BARBI, Celso Agrícola, ob. cit. n.º 1, p. 70.

8.FABRÍCIO, Adroaldo Furtado, ob. cit n.º 3, p. 48.

9.MIRANDA, Pontes de, Tratado das Ações, p. 78

10.MIRANDA, Pontes de, ob. cit. n.º 9, p. 56.

11.BUZAID, Alfredo, Ação Declaratória Incidental, editora forense, Rio de janeiro, p. 73.

12.GRINOVER, Ada Pellegrini, Ação Declaratória Incidental, editora revista dos tribunais, volume 7, São Paulo, 1972, p. 18.

13.CARNEIRO, Athos Gusmão, Notas Sobre a Ação Declaratória Incidental, revista ajuris, n.º 27, ano X, Porto Alegre, 1983, p. 49.

14.GRINOVER, Ada Pellegrini, Ob. cit. n.º 12, p. 18.

15.LOPES, João Batista, Ação Declaratória, editora revista dos tribunais, 2ª edição, São Paulo, 1985, p. 103.

16.FABRÍCIO, Adroaldo Furtado, Ob. cit. n.º 3, p. 65.

17.CARNEIRO, Athos Gusmão, Ob. cit. n.º 13, p. 50.

18.LOPES, João Batista, Ob. cit. n.º 15, p. 97.

19.LOPES, João Batista, Ob. cit. n.º 15, p. 97.

20.BARBI, Celso Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 206.

21.SOUZA, José Luiz Oliveira de, Ação Declaratória Incidental, síntese jornal, n.º 35, ano 3, São Paulo, p. 4.

22.DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, editora saraiva, volume 2, São Paulo, 1998, p. 22.

23.NERY JUNIOR, NELSON, Código de Processo Civil Comentado, editora revista dos tribunais, 4ª edição, São Paulo, p. 383.

24.BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, Rio de Janeiro, p. 103.

25.Recurso Especial 11528-SP, STJ, 4ª Turma, DJ 09 12 91.

26.SOUZA, José Luiz Oliveira de, Ob. cit. n.º 21, p. 5.

27.BARBI, Celso Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 211.

28.CARNEIRO, Athos Gusmão, Ob. cit. n.º 13, p. 53

29.NEGRÃO, Theotonio, Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, editora saraiva, 30ª edição, São Paulo, 1999, p. 379.

30.LOPES, João Batista, Ob. cit. n.º 15, p. 101.

31.ALVIM, Thereza, Questões Prévias e Limites Objetivos da Coisa Julgada, editora revista dos tribunais, São Paulo, p. 104.

32.Recurso Especial 66674-SP, STJ, 3ª Turma, DJ 20 04 96.

33.BARBI, Celso Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 205.

34.BARBI, Celso Agrícola, Ob. cit. n.º 1, p. 205.

35.SOUZA, José Luiz Oliveira de, Ob. cit. n.º 21, p. 5.

36.BURNIER, Penido, Ação Declaratória Incidental, revista de processo, n.º 11, Rio de Janeiro, p. 105.

37.SANTOS, Moacir Amaral, Comentários ao Código de Processo Civil, editora forense, volume IV, Rio de Janeiro, p. 89.

38.NERY JÚNIOR, Nelson, Ob. cit. n.º 23, p. 922.

39.NERY JÚNIOR, Nelson, Ob. cit. n.º 23, p. 383.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Thereza, Questões Prévias e Limites Objetivos da Coisa Julgada, editora revista dos tribunais, São Paulo, p. 104.

BARBI, Celso Agrícola, Ação Declaratória Principal e Incidente, 6ª edição, editora forense, Rio de Janeiro, 1987, p. 25.

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SANTOS, Moacir Amaral, Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, editora forense, Rio de Janeiro, p. 89

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SOUZA, José Luiz Oliveira de, Ação Declaratória Incidental, síntese jornal, n.º 35, ano 3, São Paulo, p. 4.

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Sobre o autor
Rodrigo Frantz Becker

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BECKER, Rodrigo Frantz. Ação declaratória incidental e questão prejudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2729. Acesso em: 24 nov. 2024.

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