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O instituto da prescrição no direito administrativo

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Sumário: 1. Introdução 2. O fator tempo nas relações jurídicas 3. Conceito de prescrição administrativa 3.1. Impropriedade terminológica 4. A prescrição (decadência) como obstáculo à invalidação dos atos administrativos 4.1. A questão do prazo 5. Prescrição e as Cortes de Contas: o problema do dano ao erário 6. À guisa de conclusão.


1. Introdução

Num Estado de direito (1) (Rechtsstaat) o poder não é absoluto, estando sujeito a princípios e regras jurídicas que asseguram aos cidadãos segurança, liberdade e igualdade. O Estado é limitado pelo direito – império da lei – e seu poder político é legitimado pelo povo – elemento democrático. Nele vigora o princípio da separação de poderes, não reunindo mais o monarca em torno de si as diversas funções (L’État c’est moi). Dessarte, percebe-se que no Estado de direito o ordenamento jurídico-positivo arrima-se em dois axiomas principais: a justiça e a segurança.

Nesse viés, um dos institutos assecuratórios desta segurança jurídica é a prescrição. Esta tem sua razão de ser no fato de que as relações jurídicas têm que proporcionar estabilidade e confiança aos destinatários do ordenamento jurídico, pois o direito é concebido para gerar a paz no convívio social.

O presente trabalho tem o escopo de estudar tal instituto no âmbito do direito administrativo, revelando suas características, diferençando-o da prescrição judicial e trazendo a lume as diferentes teorias a respeito da prescritibilidade administrativa.

Inicialmente, conceituar-se-á o referido instituto revelando a impropriedade terminológica adotada, as diferenças existentes entre decadência, preclusão e a prescrição, e qual desses institutos é o mais condizente com o regime vigorante no direito administrativo.

Far-se-ão, outrossim, concisos comentários acerca dos atos administrativos e o fator tempo como obstáculo à sua invalidação, os prazos prescricionais e, ao final, tecer-se-á uma breve resenha acerca da prescrição no ato complexo e nas Cortes de Contas.


2. O fator tempo nas relações jurídicas

Já dizia o insigne CAIO MÁRIO: "O tempo domina o homem, na vida biológica, na vida privada, na vida social e nas relações civis".

O fator tempo tem grande influência nas relações jurídicas afloradas no seio da sociedade, pois não se admite a eterna incerteza nas relações intersubjetivas a que o direito confere juridicidade. A prescrição visa justamente a conferir estabilidade a tais situações, pois imprime solidez e firmeza ao liame jurídico constituído entre os integrantes desta relação. Notável é o magistério de ANÍBAL BRUNO acerca do assunto:

"O tempo que passa, contínuo, vai alterando os fatos e com estes as relações jurídicas que neles se apóiam. E o direito, com o seu senso realista, não pode deixar de atender a essa natural transmutação de coisas (...) Além disso, o fato cometido foi-se perdendo no passado, apagando-se os seus sinais físicos e as suas circunstâncias na memória dos homens; escasseiam-se e tomam-se incertas as provas materiais e os testemunhos e assim crescem os riscos de que o juízo que se venha a emitir sobre ele se extravie, com grave perigo para a segurança do direito. Umas e outras razões fazem da prescrição um fato de reconhecimento jurídico legítimo e necessário. Em todo caso, um fato que um motivo de interesse público justifica". (2)

Dando eco a este sentimento, aponta WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA com a maestria de sempre:

"O tempo jurídico corta, opera dividindo, secando. Não é fluxo contínuo, não constitui um desenrolar-se, um evolver, um transformar-se. Opera por cortes e saltos numa realidade que insta, dura e se transforma paulatinamente.

O tempo jurídico, na fixação dos termos e dos prazos, fatais, peremptórios, improrrogáveis ou prorrogáveis, corta a realidade dura, distinguindo a legalidade de ontem da legalidade de hoje, separando a validade do que se fez ontem e a invalidade do que se fez hoje, o útil de hoje e o útil de amanhã, a perda e a aquisição. O castigo dos que dormiram até o dia ‘x’ e o prêmio dos que permaneceram em ativa vigília até a data ‘y’". (3) (grifamos)

Como se nota, o direito não é imutável, posto que é baseado em realidade empírica, tendo, por isso, que evoluir junto com a sociedade. Já que é produto cultural, não pode o direito ficar inerte. Nesta justificação que a prescrição toma assento. Com referência a seus fundamentos assevera SAN TIAGO DANTAS, veja-se:

"Esta influência do tempo, consumido do direito pela inércia do titular, serve a uma das finalidades supremas da ordem jurídica, que é estabelecer a segurança das relações sociais. Como passou muito tempo sem modificar-se o atual estado de coisas, não é justo que se continue a expor as pessoas à insegurança que o direito de reclamar mantém sobre todos, como uma espada de Dâmocles. A prescrição assegura que, daqui em diante, o inseguro é seguro; quem podia reclamar não mais pode.

De modo que, o instituto da prescrição tem suas raízes numa das razões de ser da ordem jurídica: estabelecer a segurança nas relações sociais – fazer com que o homem possa saber com o que conta e com que não conta". (4)

Semelhante entendimento ilustra o mestre SÍLVIO RODRIGUES com grande propriedade no tema:

"Mister que as relações jurídicas se consolidem no tempo. Há um interesse social em que situações de fato que o tempo consagrou adquiram juridicidade, para que sobre a comunidade não paire, indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio representada pela demanda. Que esta seja proposta enquanto os contendores contam com elementos de defesa, pois é do interesse da ordem e da paz social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e cuja lembrança se foi". (5)

No direito administrativo não é diferente, pois a prescrição se inscreve como princípio informador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, não admitindo incerteza nas relações reguladas pelo direito. "É regra geral de ordem pública, que se inscreve nos estatutos civis, comerciais e penais, submetendo-se as relações jurídico-administrativas a tal postulado". (6)

Nessa esteira, a segurança jurídica, é, pois, princípio diretor e basilar na salvaguarda da pacificidade e estabilidade das relações jurídicas. Não é à toa que a segurança jurídica é base fundamental do Estado de Direito, elevada que está ao altiplano axiológico. Relativamente ao referido princípio no âmbito da Administração Pública merecem guarida as judiciosas observações do mestre J.J. GOMES CANOTILHO (7):

"Na actual sociedade de risco cresce a necessidade de actos provisórios e actos precários a fim de a administração poder reagir à alteração das situações fáticas e reorientar a prossecução do interesse público segundo os novos conhecimentos técnicos e científicos. Isto tem de articular-se com salvaguarda de outros princípios constitucionais, entre os quais se conta a proteção da confiança, a segurança jurídica, a boa-fé dos administrados e os direitos fundamentais".

Dessume-se, nessa ordem de pensamento, que a prescrição é regra geral em todos os campos do direito, sendo a imprescritibilidade a exceção, dependendo, por tal excepcionalidade, de norma expressa. Esse é o entendimento mais condizente com o ordenamento jurídico pátrio, segundo abalizada doutrina e pacífica jurisprudência. Não é outro a lição de um dos maiores juristas brasileiros, PONTES DE MIRANDA, senão vejamos:

"A prescrição, em princípio, atinge todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional". (8) (Grifamos)

Sob outro giro verbal, arremata o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Moreira Alves, na ocasião em que relata o MS n. º 20.069/1976, no seu voto vencedor, defendendo a tese da prescritibilidade das pretensões, in verbis:

"O que implica dizer que, para haver exceção a esse princípio, é necessário que venha ela expressa em texto legal. E isso não ocorre com a falta de que se trata nos autos. Por outro lado, em se tratando de interpretação extensiva, como se trata, ela se aplica até às normas que integram o denominado ‘ius singulare’ uma vez que, a partir de Helfert, em 1847, a doutrina vem acentuando que, no terreno dessas normas, só não se pode utilizar da analogia. (...) em matéria de prescrição em nosso ordenamento jurídico, inclusive no terreno do direito disciplinar, não há que se falar em ius singulare, uma vez que a regra é da prescritibilidade". (originais sem grifo)

Ao cabo desta cita, sendo a imprescritibilidade exceção, não pode o intérprete alegá-la – ainda mais quando for no âmbito administrativo – sob o fato de não haver norma expressa acerca de determinado prazo, tendo, por isso, que lançar mão da analogia ou da interpretação extensiva, para buscar no ordenamento jurídico o prazo aplicável à espécie. Sendo assim, data venia daqueles que entendem que a prescrição é de direito estrito ou jus singulare, somente é vedada a aplicação da analogia ou da interpretação extensiva àquelas hipóteses que expressam excepcionalidade, dos quais a prescrição não faz parte. A respeito do tema versado, mister trazer à colação a doutrina de J.M. OTHON SIDOU:

"Face ao direito excepcional, portanto, a aplicação da analogia não prevalece. É a regra. Na sistemática brasileira, esta vedação era objeto do artigo 6º da primitiva Introdução ao Código Civil. Ali se assentava que ‘a lei que abre exceções à regra geral, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica’. Este dispositivo não foi absorvido pela reforma de 1942, porém é preceito incorporado à doutrina e forma de interpretação ex iure, conquanto ex lege, o que nenhum jurista nega". (9)

Corroborando do mesmo entendimento CARLOS MAXIMILIANO arremata com experiência na matéria:

"O recurso à analogia tem cabimento quanto a prescrições de Direito comum; não do excepcional, nem do penal. No campo destes dois a lei só se aplica aos casos que especifica". (10)


3. Conceito de prescrição administrativa

Podemos conceituar a prescrição administrativa sob duas óticas: a da Administração Pública em relação ao administrado e deste em relação à Administração. Na primeira, é a perda do prazo para que a Administração reveja os próprios atos ou para que aplique penalidades administrativas, de outro, é a perda do prazo de que goza o particular para recorrer de decisão administrativa. (11)

Cumpre salientar, preliminarmente, que o instituto da prescrição administrativa não se confunde com o da prescrição civil e o da prescrição penal, pois estes se referem ao âmbito judicial. Faz-se conveniente, pois, conceituar o que venha a ser a prescrição na seara do direito civil para solidificar, então, o entendimento de que não se trata de prescrição, mas sim, de decadência administrativa.

Nesse ínterim, necessário se faz, igualmente, diferençar institutos de natureza jurídica bastante semelhante, tais como a prescrição, decadência e preclusão, para, somente assim, ter-se uma noção exata de qual deles seria mais coerente com o regime jurídico-administrativo.

A prescrição seria, em singelas palavras, a extinção do direito de ação em razão da inércia do seu titular pelo decurso de determinado lapso temporal. O que se extingue é a ação e não propriamente o direito, ficando este incólume, impoluto. Entretanto, este não terá nenhuma eficácia no plano prático, porquanto não poderá ser efetivamente desfrutado. Observe-se a opinião dos doutos a respeito:

"A prescrição é a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo. (...) CAMARA LEAL prefere a primeira opinião e a sustenta mostrando que, historicamente, a prescrição foi introduzida no sistema pretoriano como exceção oposta ao exercício da ação, com o escopo de extinguir-lhe os efeitos, pois o direito podia sobreviver à extinção da ação". (12)

"Segundo QUICHERAT (Dictionnaire Latin-Français, veb. Praescribo), o termo prescrição procede do vocábulo latino praescriptio, derivado do verbo praescribere, formado de prae e scribere, com a significação de ‘escrever antes’ ou ‘no começo’ (...) A prescrição tem por objeto as ações, por ser uma exceção oposta ao exercício da ação, tem por escopo extingui-la, tendo por fundamento um interesse jurídico-social. Esse instituto foi criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda de fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado. (...) O que caracteriza a prescrição é que ela visa a extinguir uma ação, mas não o direito propriamente dito". (13) (grifos nossos)

Já a decadência revela-se como a extinção do próprio direito, pelo escoamento do prazo legal estabelecido para seu devido exercício. Não pressupõe obrigatoriamente uma ação como a prescrição, mas simplesmente um direito (geralmente potestativo). Ademais, os prazos prescricionais interrompem-se e suspendem-se, enquanto os decadenciais não. Confira os esclarecimentos da ilustre MARIA HELENA DINIZ, em percuciente estudo sobre o assunto:

"Decadência é um vocábulo de formação vernácula, originário do verbo latino cadere (cair); do prefixo latino de (de cima de) e do sufixo entia (ação ou estado); literalmente designa a ação de cair ou o estado daquilo que caiu (Antônio Luiz da Câmara Leal. Da prescrição e decadência. Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 9).

(...) A decadência é a extinção do direito pela inação de seu titular que deixa de escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para seu exercício. O objeto da decadência é o direito que, por determinação legal ou por vontade humana unilateral ou bilateral, está subordinado à condição de exercício em certo espaço de tempo, sob pena de caducidade.

(...) A prescrição supõe uma ação, cuja origem seria distinta da do direito, tendo assim nascimento posterior ao do direito, e a decadência supõe uma ação cuja origem é idêntica à do direito, sendo, por isso, simultâneo o nascimento da ação que o protege". (14) (grifamos)

Curial, dessarte, para uma melhor compreensão dos institutos, distinguí-los, outrossim, da preclusão. Quem o faz com autoridade é a professora MARIA HELENA DINIZ (15) com arrimo na doutrina do mestre processualista JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETO (16), verbis:

"A preclusão não se confunde com a prescrição ou com a decadência. A decadência é um prazo estabelecido pela norma para exercício de um direito. Não usado dentro do prazo, ter-se-á a extinção do direito. A prescrição é um prazo dentro do qual se pode ajuizar a ação. Se o não for a ação prescreve, embora o direito desmunido de ação exista, sendo, todavia, em termos práticos, muito difícil prosperar a pretensão. Já a preclusão deriva do fato de não haver a prática de um ato, no prazo em que ele deveria ser realizado, não sendo alusivo à existência ou a inexistência de um direito, mas sim às faculdades processuais". (grifamos)

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Nesse diapasão, vê-se que no relativo à autotutela administrativa, não se amolda nem o instituto da prescrição, nem o da preclusão, mas sim o da decadência, já que à Administração Pública é conferido o poder de rever seus próprios atos sem que necessite, para isso, bater às portas do judiciário.

A Administração Pública diferentemente do particular tem esse privilégio: o de rever seus atos (jurídicos) sem que precise ingressar com uma ação processual. É o princípio da autotutela administrativa. (17) ALEXANDRE DE MORAES comentando o referido princípio enfatiza:

"A Administração Pública tem o dever de zelar pela legalidade, moralidade e eficiência de seus atos, condutas e decisões, bem como por sua adequação ao interesse público, e pode anulá-los se considerá-los ilegais ou imorais e revogá-los caso entenda que os mesmos são inoportunos e inconvenientes, independentemente da atuação do Poder Judiciário". (18) (grifamos)

3.1. IMPROPRIEDADE TERMINOLÓGICA

Após tais digressões, é fácil notar que, como a prescrição pressupõe uma ação processual – esta entendida como o direito público subjetivo à tutela jurisdicional – à perda da pretensão da Administração de invalidar os seus atos ou à perda do direito do administrado de recorrer administrativamente, pelo decurso do tempo, aplica-se a decadência e não a praescriptio temporis.

De resto, a diretriz aqui defendida encontra adequado agasalho na opinião majoritária da doutrina, senão vejamos:

"Em face do que se apontou sobre a diferença entre prescrição e decadência, verifica-se facilmente que a perda da possibilidade de a administração prover sobre dada matéria em decorrência do transcurso do prazo dentro do qual poderia se manifestar não se assemelha à prescrição. Com efeito, não se trata, como nesta, do não exercício tempestivo de um meio, de uma via, previsto para defesa de um direito que se entenda ameaçado ou violado.

Trata-se pura e simplesmente, da omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (adjetiva) da Administração, isto é, de seu dever-poder; logo, o que estará em pauta, in casu, é o não-exercício, a bom tempo, do que corresponderia, do Direito Privado, ao próprio exercício do direito". (19)

Assim, para que melhor fique patenteada a idéia acima defendida, colaciona-se a doutrina de WEIDA ZANCANER, abaixo transcrita:

"Se, em razão do exposto, podemos concluir que no Direito Privado a prescrição basta para garantir a segurança jurídica, o mesmo não se dá no Direito Público, pois o princípio da segurança jurídica só fica resguardado através do instituto da decadência, em se tratando de atos inconvalidáveis, devido ao fato de a Administração Pública não precisar valer-se da ação, ao contrário do que se passa com os particulares, para exercitar o seu poder de invalidar. Logo, o instituto da prescrição não seria suficiente para pacificar a situação que advém da matéria objeto desse estudo. Tanto é exato tal assertiva que não se concebe a possibilidade de interrupção ou suspensão do prazo para a Administração invalidar, característica essa da decadência, em oposição à prescrição.

Assim, muito embora a doutrina tenha utilizado o prazo prescricional como forma de sanação dos atos inválidos, este consiste em prazo decadencial, para poder surtir os efeitos em razão dos quais é invocado". (20)

É noção cediça, pois, unanimemente proclamada por pensadores de melhor suposição, que se configura impropriedade terminológica a atribuição da denominação de prescrição administrativa à perda do direito de revisão da Administração dos seus atos pelo decurso do tempo. A Administração tem, hospedada que está no princípio da autotutela, o direito, pretensão e ação de direito material à decretação da invalidade dos seus próprios atos administrativos. (21) É, portanto, prazo decadencial.


4. A prescrição (decadência) como obstáculo à invalidação dos atos administrativos

Como se viu anteriormente, à Administração Pública aplica-se o princípio da autotutela administrativa. Esta se revela na possibilidade de revisão de seus atos seja por vícios de ilegalidade, seja por motivos de conveniência e oportunidade.

No tocante à invalidação dos atos administrativos, tal poder-dever não é absoluto, porquanto encontra limites que o tolhem, resguardando, assim, com total justificação, diversos princípios jurídicos de fundamental observância.

Faz-se necessário, preambularmente, conceituar ato administrativo, já que é sobre este, ou melhor dizendo, sobre a pretensão de revê-los, que a prescrição administrativa (decadência) irá recair.

Partindo-se da idéia inicialmente elaborada por Aristóteles e desenvolvida por Montesquieu, qual seja, a da separação das funções do Estado, "todo ato praticado no exercício da função administrativa é ato da Administração". (22) Conforme a professora DI PIETRO (23), a expressão ato da administração abrange a de ato administrativo, porquanto dentro daquela se incluem os atos de direito privado; os atos materiais; os atos de conhecimento, opinião, juízo ou valor; os atos políticos; os contratos; os atos normativos; e, enfim, os atos administrativos propriamente ditos.

Seguindo um critério material, pois é o que contém maior rigor científico, "ato administrativo é somente aquele praticado no exercício concreto da função administrativa, seja ele editado pelos órgãos administrativos ou pelos órgãos judiciais e legislativos". (24) Tal critério assenta-se na teoria da separação dos poderes, pois, embora exista uma separação, onde cada poder exerce predominantemente uma função que lhe é inerente, há pontos de intersecção entre eles, já que paralelamente cada qual exerce função que é própria de outro poder.

O professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO conceitua ato administrativo como a "declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional". (25) Diz ainda, o citado mestre, que tal conceito reveste-se de um sentido amplo, e, para que este se tornasse estrito bastaria acrescentar-se as características concreção e unilateralidade.

Atuando nessa função administrativa concreta, a administração pública, pois, edita atos administrativos. Já que à Administração Pública, diferentemente do particular, é conferido realizar somente o que a lei autoriza (prohibita intelliguntur quod non permissum), posto que está subsumida ao princípio da legalidade administrativa; pode ela, constatando que em tais atos há a presença de eivas de ilegalidade, anulá-los (26).

Com efeito, ao desfazimento dos atos eivados de ilegalidade dá-se o nome de invalidação ou anulação. Esta nada mais é que a restauração da ordem jurídica, tendo em mira o princípio da legalidade e a indisponibilidade do interesse público. Conveniente, nesse lanço, darmos a palavra a insigne professora da Universidade de Fortaleza, CLARISSA SAMPAIO SILVA (27), para que reforce nosso pensamento:

"O desfazimento dos atos viciados pela própria Administração ocorre mediante a invalidação, que pode ser conceituada como a eliminação de um ato administrativo, por outro ato ou por decisão judicial, em virtude de violação à ordem jurídica, com a desconstituição dos efeitos por ele produzidos.

A invalidação ou anulação, é, pois, feita por meio de um ato administrativo que desfaz o outro (tal técnica foi elaborada pelo Conselho de Estado Francês no início do século XX), incidindo apenas sobre o ato, na hipótese de este não ter ainda gerado efeitos, ou sobre o ato e seus efeitos".

Entrementes, como foi afirmado, não tem cariz absoluto tal dever, pois existem certos limites, verbi gratia a prescrição, que conferem relatividade, portanto, a tal invalidação. Curial destacar que na invalidação de algum ato administrativo, poderá ocorrer eventual conflito dos princípios da segurança jurídica e da legalidade. Nessa hipótese, a indisponibilidade do interesse público deve se sobrepor. (28)

A necessidade de limites à competência invalidatória é indispensável, pois, sob pena de se ver infringindo princípios basilares do Estado de Direito. Sobre essa necessidade, basilar é a opinião abaixo transcrita:

"Mesmo diante do poder-dever de invalidar, a desconstituição de todos os efeitos do ato viciado, em algumas situações envolve alguns aspectos a serem considerados, como por exemplo prejuízos causados a terceiros de boa-fé.

Por outro lado, a questão temporal também se coloca, fazendo-se necessário perquirir se a Administração pode a qualquer tempo, invalidar seus atos, uma vez que em se tratando de atos de direito privado a lei civil estabelece prazos prescricionais. (29) (grifamos).

Questão de profunda complexidade, e indispensável para o estudo da prescritibilidade no âmbito administrativo, é a de que se a teoria das nulidades do direito privado se transporta para o direito público. Enfatiza com propriedade, MIGUEL SEABRA FAGUNDES, que se aceita tal possibilidade com reservas (30), pois haverá que se respeitar as peculiaridades do direito administrativo, veja-se:

"Atenta, porém, à particular natureza dos atos administrativos, não pode ser acolhida, sem reserva, a sistematização da legislação civil, que é, em muitos casos, evidentemente inadaptável àqueles atos. A nulidade como sanção com que se pune o ato defeituoso por infringente das normas legais tem no Direito Privado, principalmente, uma finalidade restauradora do equilíbrio individual perturbado. No Direito Público já se apresenta com uma função muito diversa. O ato administrativo, em regra, envolve múltiplos interesses. Ainda quando especial, é raro que se cinja a interessar um só indivíduo. Há quase sempre terceiros cujos direitos afeta". (31(grifo nosso)

Entretanto, o saudoso HELY LOPES MEIRELLES rechaça esta divisão dicotômica (32) do ato administrativo viciado em nulo e anulável, fundamentando sua posição da seguinte forma:

"O ato administrativo é legal ou ilegal, válido ou inválido. Jamais poderá ser legal ou meio legal, válido ou meio válido, como ocorreria se se admitisse a nulidade relativa ou anulabilidade, como pretendem alguns autores que transplantam teorias do Direito privado pra o Direito público sem meditar na inadequação aos princípios específicos da atividade estatal: o que pode haver é correção de mera irregularidade que não torna o ato nem nulo, nem anulável, mas simplesmente defeituoso ou ineficaz até sua retificação". (33)

Já a jurista WEIDA ZACANER (34), utilizando-se de uma divisão quadricotômica, afirma que os atos quando desconformes com o ordenamento jurídico podem ser: relativamente sanáveis, absolutamente sanáveis, relativamente insanáveis e absolutamente insanáveis. De outra maneira, embora também afastando a nomenclatura civilista, ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL (35), classifica os atos administrativos viciados em convalidáveis e inconvalidáveis.

Inobstante no direito público não exista uma teoria das nulidades assentada como existe no direito privado, não implica dizer, por tal fato, que no direito administrativo seria inconcebível vislumbrar-se o ato nulo e o ato anulável. Deste modo, partindo-se da premissa que a teoria das nulidades é matéria jurídica concernente à teoria geral do direito e não ao direito privado, pode-se perfilhá-la no âmbito do estudo do direito administrativo. Entrementes, ter-se-á que fazê-lo amoldando a referida teoria às peculiaridades do regime jurídico-administrativo.

Ademais, mais importante do que discutir a terminologia empregada (se nulo, anulável, irregular, convalidável, etc) é estudar a teoria das nulidades sob a ótica das conseqüências jurídicas que eventuais atos administrativos viciados provoquem no ordenamento jurídico. Partindo deste entendimento, pode-se perceber que existe uma diferença (variação) quanto à intensidade da repulsa pelo direito aos atos viciados.

Deve partir, portanto, qualquer classificação, desta variação e das suas conseqüências no sistema jurídico-positivo vigente, para somente então, aferir-se a intensidade com que a ordem jurídica irá rechaçar ou acatar o ato eivado de ilegalidade.

AGUSTIN A. GORDILLO, justificando a inaplicabilidade da sistematização civilista da teoria das nulidades ao direito administrativo observa as seguintes comparações:

"1) no Direito Civil a nulidade refere-se sempre a um elemento do ato, enquanto no Direito Administrativo o mesmo não ocorre; 2) os vícios que maculam o ato de direito privado estão necessariamente contemplados em lei, diversamente do direito administrativo no qual não há previsão expressa das nulidades, não havendo assim aplicação da regra do ‘pas de nullité sans texte’; 3) apenas os órgãos do Poder Judiciário podem declarar a nulidade de ato de direito privado, enquanto em se tratando de atos administrativos tanto o Judiciário como a própria Administração podem fazê-lo; 4) no Direito Administrativo a violação diz respeito não apenas a normas legais, mas à constitucionais e regulamentares; 5) o sistema de nulidades do Direito Civil é estático, enquanto o do Direito Administrativo é dinâmico; 6) o objetivo das nulidades do Direito Civil é assegurar a real manifestação de vontade das partes, enquanto no Direito Administrativo a finalidade é assegurar o interesse público". (36)

A referida discussão doutrinária tem relevância no estudo da decadência administrativa, porquanto não há um consenso no que se refere ao prazo que a administração possui para invalidar seus atos quando eivando de vícios. Partindo da classificação das nulidades (atos nulos, anuláveis, etc) os doutrinadores se dividem em três teorias: a da imprescritibilidade, da prescrição vintenária e da prescrição qüinqüenária.

4.1. A QUESTÃO DO PRAZO

Como se viu, o direito não admite a insegurança, a instabilidade, pois seu próprio objetivo é a consecução da paz e da segurança jurídica no seio da sociedade. Nesse fato é que reside o fundamento do instituto da prescrição e da decadência. O tempo se faz, pois, necessário a tal mister.

Como o instituto da decadência administrativa designa "de um lado, a perda do prazo para recorrer de decisão administrativa; de outro, significa a perda do prazo para que a Administração reveja os próprios atos; finalmente, indica a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas" (37), conveniente que o estudemos, pois, por estes dois ângulos.

No primeiro caso, ou seja, o prazo para o particular recorrer de decisão administrativa, não há discrepância doutrinária, encontrando-se em leis esparsas normas estabelecendo tais prazos. (38)

O desentendimento doutrinário é no tocante ao prazo prescricional (decadencial) de que tem a Administração Pública para rever seus atos viciados. A doutrina se divide em três teorias. Passaremos a expô-las demonstrando o fundamento de cada uma.

A primeira delas é a da imprescritibilidade. Alguns autores a defendem com base no fato de que, não sendo possível vislumbrar-se a hipótese de ato nulo e anulável, posto que a administração é regida pelo princípio da legalidade administrativa e da indisponibilidade do interesse público, todo ato praticado sob a eiva de ilegalidade seria nulo de pleno direito, sendo, portanto, imprescritível a pretensão da administração em anulá-los. Dessa opinião fazem parte RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA. (39) Confira seu posicionamento:

"De outro lado, com relação ao próprio Poder Público, temos, em princípio, que não há prazo para que se reconheça a invalidação de qualquer ato, pouco importando se nulo ou anulável. (...) Ao administrador cabe sempre reconhecer a nulidade de algum ato, desde que praticado com vício, bem como decretar-lhe a nulidade, já que qualquer deles é incompatível com a indisponibilidade do interesse público. (...) Mas não haverá nunca a prescrição. Para o particular, sim, pois assim o estabelece o sistema normativo. Para a Administração não. Caber-lhe-á, analisadas as circunstâncias fáticas, escolher se prefere a continuidade dos efeitos materiais do ato ou eliminá-lo. É juízo valorativo da autoridade administrativa, ocorrente por ocasião da decisão". (40) (grifos nossos)

No mesmo sentido, porém estribados em razões diversas, estão DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO e ODETE MEDAUAR, respectivamente, in verbis:

"A regra é a imprescritibilidade fundamental das nulidades (quod nullum est ab initio no potest tracto temporis convalescere), por isso, somente o legislador poderá estabelecer exceções, fixando prazos de prescritibilidade". (41)

"Em matéria de anulação também aflora o problema do prazo de que dispõe o poder público para anular seu atos. No direito pátrio, em princípio, o ato administrativo ilegal pode ser anulado em qualquer época. Embora alguns considerem iníqua tal regra, pela pendência da situação, relembre-se que decorre do princípio da legalidade, consagrado pela Constituição Federal. Limitação temporal ao poder de anular deve estar previsto de modo explícito e não presumido ou deduzido de prazos prescricionais fixados para outros âmbitos. Entendimento diverso traz subjacente incentivo à prática de ilegalidade, ante a possibilidade de ser consolidada pela prescrição". (42) (grifamos)

Pede-se venia para discordar dos entendimentos acima expostos. (43) Ora, o apego demasiado ao princípio da legalidade tornaria os princípios da segurança jurídica e do interesse público inócuos. O administrador deverá, pois, perscrutar o caso concreto, levando em consideração os princípios da legalidade, interesse público e segurança jurídica, para concluir qual o princípio que será determinante na invalidação do ato administrativo viciado. Tal tarefa, no caso concreto, revela-se de difícil consecução, todavia, o eventual conflito de princípios não implica dizer que um deles restará anulado pelo outro, mas sim, que um será privilegiado em detrimento do outro, mantendo-se, ambos, íntegros em sua validade. (44)

Há, também, juristas que transplantando totalmente a teoria das nulidades do direito privado adotam a prescrição vintenária da pretensão anulatória da Administração. Afirmam estes que os atos nulos prescrevem longi temporis, ou seja, em vinte anos; e os anuláveis brevi temporis, isto é, em quatro anos. Tal teoria é endossada pelo mestre OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO:

"No Direito positivo pátrio, conforme interpretação dominante no texto do Código Civil, esse prazo é de 20 anos. Já a outra fica prescrita a curto tempo. Relativamente aos vícios de vontade, pelo decurso de prazo de quatro anos, na conformidade de artigo expresso do Código Civil". (45)

Abraça a mesma teoria o eminente CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

"Quando não houver especificação legal dos prazos de prescrição para as situações tais ou quais, deverão ser decididos por analogia aos estabelecidos na lei civil, na conformidade do princípio geral que dela decorre: prazos longos para atos nulos e mais curtos para os anuláveis. Posto que o prazo mais longo estabelecido na lei civil é de vinte anos, neste prazo prescreverão as ações contra atos nulos. Quanto aos anuláveis, cumpre decidir em função da semelhança com a situação regulada na lei civil. Assim, por exemplo, os relativos a vícios de vontade prescreverão em cinco anos". (46)

Todavia, parece-nos que tal teoria não é a mais apropriada com o regime de direito público regente das relações administrativas. Ora, se o particular goza do prazo de 5 anos para pedir a invalidação de ato viciado, por que, então, a administração gozaria de prazo 4 vezes maior? (47) O próprio CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO abandonou a referida tese após a 11ª edição do seu curso, atente-se:

"No passado (até a 11ª edição deste curso) sustentávamos que, não havendo especificação legal dos prazos de prescrição para as situações tais ou quais, deveriam ser decididas por analogia aos estabelecidos na lei civil, na conformidade do princípio geral que dela decorre: prazos longos para atos nulos e mais curtos para os anuláveis.

Reconsideramos tal posição. Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito civil, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas das que inspiram as relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois, indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional ou decadencial em regras genéricas de Direito Público. (...) É, outrossim, de cinco anos o prazo para a Administração, por si própria, anular seus atos inválidos dos quais hajam decorrido efeitos favoráveis ao administrativo, salvo comprovada má-fé. (...) Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos". (48)

Nota-se, diante disso, que não merece abono a teoria que afirma ser de 20 anos o prazo que a Administração Pública tem para rever seus atos viciados. Mais acertada é a teoria que adota o prazo de cinco anos. A maioria dos doutrinadores administrativistas adotam-na (49), cite-se dentre eles DI PIETRO:

"Ficamos com a posição dos que, como Hely Lopes Meirelles (1996:589), entendem que, no silêncio da lei, a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto n. 20.910/32. Quando se trata de direito oponível à Administração, não se aplicam os prazos do direito comum, mas esse prazo específico aplicável à Fazenda Pública; apenas em se tratando de direitos de natureza real é que prevalecem os prazos previstos no Código Civil, conforme entendimento da jurisprudência". (50)

Segue o mesmo entendimento, porém assentado em razões diversas, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, ALMIRO COUTO E SILVA. Defende que o prazo prescricional seria, por analogia ao art. 21 da Lei 4717/65 (Lei da Ação Popular), o de 05 anos. Afirma o citado doutrinador:

"Nessa conformidade, reconhecida na ação popular a ocorrência da exceção de prescrição, a pretensão da Administração Pública à invalidação do ato administrativo fica encoberta ou bloqueada pela prescrição em todas as hipóteses, ou seja, tenha ela, ou não, contestado a ação ou haja preferido tomar posição ao lado do autor.

Isto significa, pois, que não poderá mais invalidar o ato administrativo, invocando, por exemplo, as Súmulas 346 e 473 do STF, uma vez que a sentença considerou prescritas as pretensões do autor da ação e do Poder Público, seja qual for a posição que este haja assumido no processo.

(...) Ora, a lógica que se predica ao sistema jurídico, como qualquer sistema, está a exigir que se, na ação popular, a pretensão da Administração Pública a invalidar seus próprios atos prescreve em cinco anos, a mesma solução se deverá dar quanto a toda e qualquer pretensão da Administração Pública no pertinente à anulação de seus atos administrativos. Nenhuma razão justificaria que, nas situações em que não tenha sido proposta a ação popular, a prescrição fosse de vinte anos, encurtando para cinco se eventualmente proposta aquela ação.

(...) Assim, por interpretação extensiva da regra do art. 21 da Lei da Ação Popular, ou por analogia, a fim de que se preserve a harmonia do sistema, mantendo-o como um todo possível coerente, lógico e racional, a conclusão necessária será a de que a prescrição de toda e qualquer pretensão que tenha a Administração Pública com relação à invalidação de seus atos administrativos deverá ter o prazo de cinco anos". (51)

Já WEIDA ZACANER, em sua divisão quadricotômica, faz uma interessante divisão dos prazos prescricionais de acordo com a intensidade do vício incidente no ato administrativo. Vejamos seu entendimento:

"Tendo em vista as conseqüências jurídicas que nosso ordenamento jurídico imputa aos atos que não lhe são acordes, necessário se faz uma classificação quadricotômica. Ei-la: atos absolutamente sanáveis, atos absolutamente insanáveis, atos relativamente sanáveis e atos relativamente insanáveis.

Os absolutamente sanáveis são aqueles que, apesar de produzidos em desacordo com o Direito, este, pela irrelevância do defeito os recebe como se fossem regulares. (...) É lógico, pois, que as irregularidades que os agravam não podem comprometer a compreensão do ato ou implicar vício de causa, nem pode se constituir em erro de direito ou em erro de fato. (...) Seu reverso, os absolutamente insanáveis, são aqueles que o ordenamento repele com radicalismo total, pois nem o tempo, nem a boa-fé, nem ato algum lhes poderá conferir estabilização em razão da gravidade do vício. (...) São atos absolutamente insanáveis aqueles que têm por objeto a prática de um ato criminoso, isto é, de um comportamento a que o Direito atribui sanção extrema. A relação jurídica que se propusesse a neles se fundar seria, por assim dizer, nati morta, porquanto a própria pretensão ali calcada é havida pelo Direito como radicalmente inadmissível, repelida com crime. (...) Vê-se, pois, que é necessário incluir esta categoria de atos inválidos pois o tratamento que o ordenamento jurídico lhes dispensa é inconfundível de quaisquer outros atos viciados". (52)

Com relação aos atos relativamente sanáveis e os atos relativamente insanáveis, conclui a insigne jurista:

"Os relativamente sanáveis são aqueles que devem ser convalidados pela Administração Pública ou sanados por ato do particular interessado. O tempo, contudo, os estabiliza em cinco anos, ainda que não sejam sido convalidados, nem sanados por ato particular efetado. (...) São os que devem, em razão dos vícios que os eivam, ser reproduzidos validamente pela Administração Pública, isto é, devem ser convalidados. Anote-se que também podem ser sanados por ato do particular afetado ou em razão do decurso do tempo. (...) Finalmente, esclareça-se que os atos relativamente sanáveis podem estabilizar-se pelo simples transcurso do tempo. Consideramos que este prazo, por analogia ao prazo de impugnação conferido ao administrado para opor-se a eles judicialmente, deva ser de cinco anos, se outro não houver sido estipulado em lei.

(...) Os atos relativamente insanáveis são os que não podem ser refeitos sem vício, ou seja, não podem ser convalidados pela Administração Pública, nem sanados por ato do particular afetado. Estes são prescritíveis longi temporis.

Logo, em regra, seu prazo prescricional será de vinte anos, prazo este tomado de empréstimo da doutrina civilista para os atos nulos, em razão da ‘interpretação dominante do Código Civil’, conforme magistério de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.

(...) Sem embargo do exposto, pensamos que não são todos os atos relativamente insanáveis, na falta de regra expressa, passíveis de serem invalidados pela Administração Pública, pelo período de vinte anos.

Para compreendermos a matéria, mister efetuarmos distinção entre os atos relativamente insanáveis concessivos de benefícios dos não concessivos de benefícios.

Os atos relativamente insanáveis ampliativos da esfera jurídica dos administrados geram situações fáticas que na grande maioria das vezes merecem ser preservadas e validadas pelo Direito, em nome da segurança jurídica e da boa-fé dos administrados, após decorrido um lapso de tempo não tão longo.

Entretanto, só o princípio da segurança jurídica e da boa-fé dos administrados, aliados a um certo lapso temporal não bastaria para insuflar validade ao que nasceu com a mácula de ser relativamente insanável; portanto, necessário, ainda, a existência de uma regra jurídica albergada dentro do sistema, que protegeria a situação caso ela eclodisse como válida.

As situações geradas pelos atos relativamente insanáveis concessivos de benefícios não podem nem devem ser analisadas casuisticamente, nem dependem de apreciação subjetiva do administrador para não serem desconstituídas. A não desconstituição dessas situações deflui do próprio ordenamento jurídico que as protege e levanta um limite ao dever de invalidar. É problema de interpretação e não de discrição, conforme já dissemos". (53)

Data maxima venia, e em que pese a complexidade das teorias erigidas com o escopo de complementar o referido prazo da prescrição administrativa, opta-se pelo prazo de cinco anos para que a Administração anule seus atos ilegais, sem distinção da intensidade do vício. Refuta-se as teses da imprescritibilidade e da prescrição vintenária pelos motivos já expostos, pois tais pensamentos vão de encontro com os princípios da segurança jurídica, legalidade e interesse público.

Ora, o prazo qüinqüenário é mais do que suficiente para que a administração possa invalidar seus atos nascidos com a mácula da ilegalidade. O prazo é de cinco anos não porque tem como fundamento o fato de que, verificada a prescrição judicial da ação popular, não teria mais a Administração a possibilidade de revisão de seus atos, e sim, porquanto se adota, por analogia, o prazo decadencial previsto na Lei 9784/99, in verbis:

"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé". (grifamos)

Como já foi dito anteriormente, a natureza do prazo de que a Administração goza para invalidar seus atos viciados é decadencial, pois não pressupõe uma ação processual. Constatada a prescrição judicial, embora a ação tenha sido aniquilada pelo lapso temporal, o direito está incólume, intacto. Extinto, pois, o direito de ação do cidadão que age pro populo, teria ainda, pelo menos em tese, a administração o direito de invalidar seus atos viciados, posto que no âmbito administrativo é a decadência que vigora.

Nesse comenos, o fundamento aqui defendido, porém, terá o mesmo efeito prático do adotado pelo mestre ALMIRO COUTO E SILVA, pois o prazo prescricional da ação popular e o decadencial da Lei 9784/99 é o mesmo: o de cinco anos.

Importante observar que, configurada a má-fé, o prazo decadencial somente começará a correr da data da ciência da fraude ou do ardil.

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Sobre o autor
Raphael Peixoto de Paula Marques

acadêmico de Direito da Unipê, em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Raphael Peixoto Paula. O instituto da prescrição no direito administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3070. Acesso em: 29 mar. 2024.

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