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Sanção e coação: a organização da sanção e o papel do Estado

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Questões preliminares

O tema suscita variadas questões. Uma a ser posta é: a força pode interferir no cumprimento de um princípio moral ou de uma regra de direito?

Seguem-se: se interferir, como se manifesta, em que constância? A força provém do próprio direito, nele é imanente, dele deriva, ou vem de fora, lhe é externo e para ele se dirige?

Trata-se de força cega, consistente em mera violência física ou psíquica? Ou não sendo cega, tem intensidade racional, manifesta-se de formas diversas e guarda alguma proporcionalidade? Possível a existência de direito sem coerção? Pode haver direito sem que exista justiça?


Força disciplinada

Afirme-se, desde já, cuidar-se de força bem diversa daquela originária da irracionalidade. É disciplinada, organizada a impedir o caos e necessária ao próprio Direito. E por ser assim, sob disciplina que a legitima, há de atuar dentro de determinados limites e para o fim que foi criada: tutela bens da convivência.

Revela ser incompatível com a espontaneidade do ato moral. Exterioriza sua freqüente presença nas manifestações do Direito. Se para o cumprimento dos deveres morais há enorme liberdade, os quais não são impostos coercitivamente pelo Estado, não o há para o cumprimento dos deveres jurídicos. A partir do momento em que o Estado assume o controle dos preceitos morais, eles perdem esse caráter e se transmudam em Direito. Como diz Nader, quando a lei estabelece a indumentária dos militares, as normas que definem os uniformes e o seu uso não são Regras de Trato Social, mas se acham incorporadas ao mundo do Direito.

Por ser a violência geralmente um mal, porque é viciosa, poder-se-ia entender estranho admiti-la no Direito. Todavia, o Direito dela não prescinde. Por ser força organizada, o ambiente da Moral lhe é incompatível. Tal arranjo foi feito pelo próprio Estado, que, em se organizando, precisou de força também organizada, inicialmente para mantê-lo, depois, para proteger seus súditos e as relações jurídicas estabelecidas entre eles.


O que vence?

Poder-se-ia indagar: De que maneira a força é usada e não triunfa?

Responde-se: vence o Direito na medida em que prevalecem seus preceitos, aplicada ou não, a sanção de que também é dotado, e também assim, executada, ou não, a coação.

Tem-se aí o que se deve entender de maior importância: a prevalência dos preceitos do Direito. E em prevalecendo, haverá harmonia e paz social.

Entretanto, na lição de Reale, não é menos certo que a possibilidade de violação do Direito é inerente ao Direito mesmo, como a realização que é da liberdade. Repetindo Del Vechio na lição de ser o Direito, por natureza, fisicamente violável, donde a paralela resistência física contra o ato que o viola, nisto consistindo a coação.


Sanção

Relembremos alguns exemplos de Bandeira de Mello:

Uma norma social ou de cortesia, que requeira num dado indivíduo um certo comportamento, diante de uma certa hipótese. Violado esse comportamento, ter-se-á também uma conseqüência desfavorável, imputada àquele indivíduo, que não seguiu o mandamento estabelecido.

Assim, se uma dada pessoa comporta-se de modo inadequado numa reunião qualquer, digamos, em um banquete, se, por exemplo, come com as mãos, não se servindo dos talheres adequados sofrerá uma reprovação no seu ambiente social, ficará, em outras palavras, mal visto.

Tem-se:

-hipótese: um banquete;

-mandamento: alimentar-se segundo as regras;

-sanção: para quem desatende esta regra, reprovação em seu meio social que se traduzirá na circunstância de um indivíduo, por ser havido como mal-educado, não mais ser convidado.

Se uma pessoa que se encontra com outra de seu conhecimento, deixa, com habitualidade, de lhe fazer um aceno de reconhecimento, essa última passará a encarar de modo desfavorável o indivíduo. Haverá uma mal querença em relação a ele. Logo será havido como antipático, um grosseiro, um desagradável. Pode até se tratar de um míope, mas a sociedade irá reprová-lo. Portanto, há uma sanção. Será isolado, aquele indivíduo perderá seu círculo de amigos, portanto:

Hipótese: encontrar um conhecido;

Mandamento: fazer um sinal de reconhecimento;

Sanção: ser cortado das relações daqueles que se consideraram ofendidos pela transgressão do mandamento.

Normas religiosas:

Hipótese: pessoas religiosas encontrarem com pobres, necessitados e desamparados;

Mandamento: praticar atos e gestos de conforto humano;

Sanção: sanção extraterrena - numa reencarnação sofrimento na terra ou no dia do juízo final...

A estrutura do mundo normativo (jurídico, moral, religioso ou regras de civilidade) é a mesma, mas as normas jurídicas são dotadas de coação.

Recorde-se a disposição do Código Civil "não podem se casar as pessoas casadas".

Hipótese: refere-se às pessoas casadas;

Mandamento: consiste na proibição de se casarem novamente.

Sanção, todavia, encontra-se em outro artigo do Código Civil: "são nulos os atos que tenham objeto ilícito". É ilícito casar-se sendo casado. Primeira conseqüência: o ato praticado não produz os efeitos jurídicos a que se preordenou, ou seja, obter aquele vínculo do casamento - é a primeira sanção. Mas há outra sanção, também no sistema, que é a pena atribuída a quem pratica o crime de bigamia. Então, como se vê, as sanções podem estar dispersas devendo assim ser localizadas dentro de todo sistema.

Tais normas são acompanhadas de uma sanção.

Em sociedades muito primitivas tal sanção parte do próprio indivíduo ofendido e sua reação conta com o beneplácito da comunidade. Assim, em algumas delas, o homicídio confere, ao grupo a que pertencia a vítima prerrogativa de obter satisfação mediante o assassinato do delinqüente ou de outro membro de seu clã. Desse modo, em certas tribos australianas, quando um homem fere outro, a este é facultado pela opinião pública, muitas vezes expressamente revelada pelos anciões, feri-lo com seu boomerang; após tal satisfação, não mais se lhe permite guardar rancor. A idéia de reparação se confunde com a de vingança, mas contém em si o anseio de punir o infrator.

À medida que as sociedades evoluem e se organizam politicamente, a sanção em vez de se manifestar pela própria reação do ofendido, parte da autoridade constituída. Esta atribui à norma força coercitiva, impondo, por conseguinte, sua obediência. E a infração a um preceito cogente provoca uma reação do Poder Público.

Aí está a razão porque o homem não pode furtar ou matar impunemente; se o arbítrio fosse sua lei exclusiva, fatal seria o perecimento da sociedade. Como mostra a imagem simbólica da balança, o direito busca um equilíbrio.

Uma vez gerada a norma esta não fica estagnada, mas continua a sua vida própria, tendendo à autoconservação pela integração obrigatória que mantém os fatos de sua alçada e os valores com que os pretende reger.

Justamente nos preceitos do Direito estão estabelecidos, como pressupostos, os deveres, que, para serem cumpridos, de mister muitas vezes venham a ser aplicadas as respectivas sanções.

A norma que estabelece o dever, pela sua importância e antecedência, é considerada primária. O descumprimento do dever dá origem a uma conseqüência: a sanção. A norma que contém a sanção, dita norma sancionadora, é secundária.

A conseqüência jurídica atinge o sujeito passivo pelo não cumprimento de seu dever ou sua obrigação.


Coação (coercitividade)

Possível a adesão voluntária do ser humano às normas jurídicas. Mas o Direito não pode contar sempre com essa boa vontade. Muitas vezes necessita de força organizada e a usa a fim de que sejam cumpridos seus preceitos. Essa força serve para os fins do próprio Direito.

Numa acepção genérica, a palavra coação é sinônima de violência praticada contra alguém. Se a pressão for irresistível e impedir a livre manifestação da vontade, tal vício contrapõe-se ao Direito e torna anulável o ato jurídico.

Mas num segundo sentido, a coação é força organizada do poder e interfere para que haja exato cumprimento obrigatório do Direito pelo obrigado. Tem-se aqui o próprio Direito armado da força para garantir o seu cumprimento.

Seria esse Direito a expressão autoritária das forças econômicas que triunfaram?

Isso é um aspecto, sem dúvida.

Porém, comungamos com o pensamento de Pontes de Miranda, segundo o qual tanto se exagera o elemento econômico que se eliminam todos os outros. Os interesses não são totalmente econômicos. Ao lado dos fatos materiais, há conjunto de fatos psicológicos, desejos e idéias, que formam, com a mesma legitimidade que a Economia, a trama com que se teceu e tece a vida social.

Mais ainda. A natureza universal do Direito e suas permanentes peculiaridades não se mostram exclusivas de modo a serem inseridas apenas num determinado sistema político-econômico, pouco importando que nele se exaspere algum traço, seja econômico, seja político, ou outro qualquer. O Direito é universal e de sua força organizada, chamada coação, não prescinde o socialismo ou qualquer outro sistema. E também não se deve confundir Direito com justiça, como ensina Bobbio.

Parece difícil entender que justamente a força ou violência, que configura um vício, venha integrar ou cooperar com o Direito. Reale, contudo, bem explica que a astúcia do Direito consiste em valer-se do veneno da força para impedir que ela triunfe...

Há um aspecto subjetivo. A qualquer um, só por ser titular de algum direito subjetivo, o Estado há de dar a devida proteção jurídica. Tem esse sujeito de direito o poder subjetivo público de invocar essa proteção por meio de propositura de ação e instauração do devido processo legal, exigindo respeito ao seu direito pelo não cumpridor do dever.

No aspecto objetivo, a proteção é de garantia ao direito: pela mera possibilidade de intervenção da força ou pela efetiva intervenção da força.

Coação é a aplicação forçada da sanção.

Se a sanção é garantia, a coação que a reforça também o é, só que com maior carga de força. Emprega-se a coação, se se fizer mister, a fim de que venha a tornar efetiva a sanção. É garantia de efetividade da conseqüência jurídica derivada do descumprimento do dever contido no preceito.

A sanção não se confunde com a coação. Se aquela é conseqüência pelo descumprimento do preceito; a outra, é a execução forçada da sanção. Por exemplo, não cumprido um contrato, a sanção pode ser uma multa. Se não paga, pode o devedor ser compelido a quitá-la pelo Poder Judiciário, por meio da penhora dos bens dele. É uma das maneiras que se opera a coação.

Na lição de Piero Calamandrei, deve o juiz, sobretudo, exercer uma atividade de historiador e de lógico, deve conhecer mais que atuar, e o direito que declara certo é, para ele, objeto de estudo mais que norma de atuação; entretanto, o executor deve, sobretudo, atuar, pondo em ação os meios destinados a afirmar o direito contra os renitentes, inclusive por meio da força.

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Ainda mais elucidativo o acréscimo do mesmo processualista italiano no sentido de não ser mera causalidade que a justiça seja apresentada simbolicamente portando a balança e a espada. A defesa do direito que o Estado realiza através da jurisdição não se esgota no arrazoado do juiz; e, para que este possa converter-se em realidade, é necessário que por detrás da balança do julgador esteja a espada do executor.

Exemplos de meio coativo, que antes de executado apresentava-se como meio coercitivo:


Coerção (coercibilidade)

Em regra, para a maioria das situações fáticas, a sanção fica em estado potencial, exercendo sua influência psicológica, pairando como mera possibilidade de realização, como se fora ameaça. Prescinde, bem por isso, da execução forçada, que é a coação. Emprega-se esse meio coativo em última instância, quando desrespeitada a lei.

À antecipação dos sofrimentos psicológicos da sanção, que conduz o sujeito passivo a submeter-se ao cumprimento da obrigação com o objetivo de afastar de si os aspectos aflitivos da execução forçada, segundo muitos é a coerção. É a espada exercendo sua pressão psicológica e se mostrando como possibilidade de ser usada, o que pode levar o obrigado a cumprir sua obrigação sem que lhe seja imposta a coação.

Uma das principais características da lei é a imperatividade, ou seja, contém sanção dotada de coercibilidade.

Impõe um dever, uma conduta. Esta característica inclui a lei entre as normas que regulam o comportamento humano, como a norma moral, a religiosa, etc. Todas as normas éticas são providas de sanção.

A imperatividade (imposição de um dever de conduta obrigatória) distingue a norma das leis físicas. Mas não é suficiente para distingui-las das demais normas éticas. A coação da norma legal, que acompanha a determinação que ela traduz, implica a atuação material do Estado, no sentido de assegurar o cumprimento de seu comando, e compelir o indivíduo à observância da ordem. É a atividade executiva representada pela espada em ação.

O Direito é dotado de coerção; a moral, ao contrário, é incoercível. A principal oposição entre a regra moral e a regra jurídica repousa efetivamente na sanção. Tendo em vista o fim a que se destina, a moral só comporta sanções internas (remorso, arrependimento, desgosto íntimo, sentimento de reprovação geral). Do ponto de vista social, tal sanção é ineficaz, pois a ela não se submetem indivíduos sem consciência e sem religião. A regra de Direito, ao inverso, conta com a coação para coagir os homens. Conta, ainda, com a coerção. Se não existissem esses elementos coativo e coercitivo, não haveria segurança nem justiça para a humanidade.

O conceito de coação, ou possibilidade de constranger o indivíduo à observância da norma, torna-se inseparável do direito. Neste, como diz Jean Hémard, essencial é o problema das sanções, pois, justamente através de sua aplicação é que a regra jurídica adquire mais completa eficácia, seu valor absoluto.

Imaginemos que um HOMEM ABASTADO, ao sair de sua casa encontre uma VELHO AMIGO de infância que, levado à miséria, lhe solicita um auxílio de R$5,00 (cinco reais). Recebe o último uma recusa formal e até mesmo violenta. Em seguida, o mesmo HOMEM ABASTADO toma um táxi para ir a determinado lugar. Ao terminar o percurso, o taxista cobra R$5,00 (cinco reais). A diferença de situação é muito grande entre o taxista que cobra cinco reais e o amigo que solicitava a mesma importância. No caso do amigo, que pedia uma esmola, havia um nexo possível de solidariedade humana, de caridade, mas, no caso do taxista, temos um nexo de crédito por efeito da prestação de um serviço. No primeiro caso, não há laço de exigibilidade, o que não acontece no segundo, pois o taxista pode exigir o pagamento da tarifa. Eis aí ilustrado como o Direito implica uma relação entre duas pessoas, segundo certa ordem objetiva de exigibilidade.


Coercibilidade X Coercitividade

Para os adeptos da teoria da coercibilidade, a coação seria elemento externo do Direito, com a mera possibilidade de interferir com sua força, como sugere a expressão "coercível".

Os adeptos da teoria da coercitividade vêem sempre, no Direito, um elemento coercitivo, sem o qual não existiria o próprio Direito.

A coação estaria, assim, ínsita no Direito, integrando-o, de modo tal que este não pode existir sem aquela, nada podendo romper essa contínua e sólida fusão.

Em outros termos, com Reale pode-se asseverar ser a coação da essência mesma da juridicidade: norma e coação seriam ingredientes inseparáveis de todo fenômeno jurídico. Em assim sendo, a coação não vem de fora do Direito, não lhe é externa; pelo contrário, ela provém do próprio Direito, nele é imanente e dele deriva.

A ordem jurídica, organizada pelo poder do Estado, é um sistema total de proteção jurídica, que garante a todos os seus respectivos direitos. Daí por que Kelsen enxergou o Direito como: "ordem coercitiva da conduta".


Espécies de sanção

Se a sanção é um meio pelo qual se põe em prática a observância do preceito legal, pode haver, por certo, diferentes espécies de sanção jurídica.

A sanção assume vários aspectos, e bem se distinguem em repressivas, de nulidade ou de anulação, de indenização, de segurança ou garantia, acauteladoras, antecipatórias de tutela, diretas, ou indiretas.

1) Sanção repressiva

A sanção pode ser considerada uma pena?

Pode, mas não sempre. As regras, religiosas, morais, jurídicas, são editadas para serem cumpridas. Se forem, nada mais a fazer. Contudo, algo há de ser concretizado se alguém desobedece a uma regra jurídica: a sanção adequada deve ser imposta ao desobediente, a fim de garantir o direito ao obediente e para não ser vã promessa o contido na lei ou no contrato.

Enfatize-se: a sanção é forma de garantia do cumprimento das regras jurídicas. Se garante intimidando, por meio de fenômeno psicossocial de antecipação das conseqüências aflitivas, eficaz a coerção. Se não exerceu nenhuma influência psicológica, não sendo cumprida a norma, há de ser aplicada coativamente. Em assim se aplicando, concretiza-se a força que antes não servira para intimidar.

Sanção é vocábulo que, etimologicamente, também tem outra significação: aprovação, confirmação. Em relação à formação da lei, a sanção é o ato por que o chefe do Executivo confirma a lei votada pelo Legislativo.

Mas a sanção de imposição da pena é bem distinta daquela da formação da lei.

A ilação que se tira é que toda norma legal traz a própria sanção, que se traduz numa pena ligada ao seu fiel cumprimento ou à sua transgressão. Por ela é que se torna efetiva a coação, asseguradora do direito.

Enfim, sanções penais, também denominadas de repressivas, assim se entendem as sanções que comportam a imposição de multas, indenizações, nos casos de atos ilícitos ou de qualquer outra penalidade, como prisão ou confisco de bens ilicitamente usados, quando se registrem atos qualificados como crime ou contravenção.

2) Sanção recompensatória

Pergunta-se: a sanção pode ser, em vez de pena, uma vantagem que estimule o cumprimento do preceito?

Não há apenas sanções intimidativas. Atualmente, houve o aperfeiçoamento de técnicas para obter-se o cumprimento das normas jurídicas, consistentes em processos que possam influir no sentido da adesão dos obrigados, como os que propiciam incentivos e vantagens.

Assim, existem sanções não penais, isto é, as premiais, que oferecem um benefício ao beneficiário. Por exemplo, um abatimento no tributo ao contribuinte que o paga antes do vencimento.

Para Jeremias Bentham, sanção tanto é a pena como o prazer que se aplica à observância de uma determinada lei.

Bem se visualiza as diferenças dessas sanções no quadro comparativo, estribado em Bentham e que condensa os princípios basilares caracterizadores das penas e recompensas:

Sanções Repressivas

(castigos)

Sanções Recompensatórias

(prêmios)

- constituem um freio

- promovem estímulo

- impedem atos negativos,

diminuindo a coragem

- incentivam atos positivos,

aumentando a coragem

- são socialmente

antieconômicas

- são socialmente

econômicas

- um instrumento que

extirpa condutas nocivas

- um compressor de

condutas benéficas

- atuam pela força

- resultam em segurança

- implicam sofrimento e

dispêndio

- implicam prazer e lucro

- impopulares

- populares

- desiguais em valor

- iguais em valor

- indivisíveis

- divisíveis

- poder perturbador

- poder vivificante

3) Inexistência do ato como sanção

A sanção também pode consistir na simples inexistência do ato, para o efeito de ser considerado como não tendo existido, quando violada a lei.

À primeira vista parece ser isso impossível. Ora, se existiu o ato, como o Direito pode considerá-lo inexistente? Não seria mais correto considerá-lo apenas nulo?

Há aqueles que também pensam assim. Contudo, se o Direito Positivo não incidiu, o ato não existiu como jurídico. Aquilo sem existência jurídica, o nada, via de regra, prescinde de declaração. Já o nulo existiu, só que é inválido.

Se num matrimônio civil nem mesmo foi lavrado o assento e figurou como celebrante um Delegado de Polícia, que não é Juiz de Paz, pode-se afirmar ter existido casamento?

A bem da verdade, no caso figurado não existiu casamento. Faltou competência para o celebrante e também não houve a lavratura do assento.

Toda vez que falta, no suporte fático, elemento nuclear, o fato não tem entrada no plano da existência. Em tal situação não há fato jurídico.

Se um negócio jurídico inexiste, nem mesmo é cabível a verificação de sua validade.

Ora, se o casamento não existe, não há necessidade de qualquer ação para proclamar sua ineficácia, ou pelo menos não se exige os rigores e solenidades da ação anulatória. É que, como inexiste, para o direito é o nada. E se tem certeza da inexistência quando nenhum assento foi lavrado no livro de registro. Apenas atores desempenharam um papel.

4) Sanções dos atos nulos

Passe-se ao exame do ato válido e de seu oposto, o ato nulo.

Válido é o ato que obedece a algumas exigências. Deve ter objeto lícito, ser praticado por agente capaz e obedecer à forma prescrita ou não proibida em lei, conforme dispõe o art. 82 do Código Civil. No mesmo sentido é o art. 130 do mesmo Código: "Não vale o ato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em lei (art. 82), salvo quando esta comine sanção diferente contra a preterição da forma exigida".

Se o ato é inválido, decreta-se a nulidade. Mas pense-se um pouco mais. A sanção também pode consistir em simples penalidade imposta ao indivíduo que transgride a lei, ou em uma obrigação de indenizar pelo dano causado àquele que foi vítima da transgressão.

Na lição de Sílvio Rodrigues, se foi lavrado o assento de casamento, não importa que os nubentes tenham o mesmo sexo, ou um dos nubentes tenha deixado de manifestar seu consentimento. O fato juridicamente relevante existe, e por existir, pode ser nulo e não deve gerar efeitos. Para cancelar aquele registro, exige a lei uma ação ordinária.

Exemplifiquemos:

Será nulo o casamento com infração a qualquer impedimento absolutamente dirimente, como o realizado entre: parentes consangüíneos (ascendentes, descendentes e irmãos); afins em linha reta (sogro e nora, sogra e genro); adotante e adotada; adotante e adotado; irmãos por adoção; pessoas casadas; cônjuge adúltero com o seu co-réu por tal condenado; consorte sobrevivente com o autor do homicídio doloso consumado ou tentado. Tais nulidades não convalescem jamais.

Em qualquer um desses casos, em consideração ao alto interesse na observância dessas proibições, reserva o Código Civil, como sanção para desobediência dos preceitos, a nulidade do casamento dos infratores.

O Código Civil também fulmina de nulidade o casamento contraído perante autoridade incompetente. No entanto, aqui o Código, a fim de proteger os casamentos contraídos de boa-fé, embora celebrados por autoridades incompetentes, permite o saneamento da nulidade, se não alegada dentro do prazo decadencial de dois anos.

5) Sanções de anulação

Há também as sanções de anulação. São as que inquinam de anulável o ato jurídico que não obedeceu à forma prescrita não substancial, ou que omitiu requisito suprível. Diante da violação da lei, pode, então, por sua força, ser pedida a anulação do ato.

A sanção de anulabilidade é suscetível de remoção, desde que, por força de lei, o ato anulável é passível de ratificação. É ato sanável.

Exemplos:

Será apenas anulável o casamento contraído com infração de qualquer dos impedimentos dirimentes relativos, como o realizado com: pessoa por qualquer motivo coacta; pessoa incapaz de consentir ou de manifestar, inequivocamente, o seu consentimento, como os loucos ou surdos-mudos que não puderem exprimir sua vontade; raptada, enquanto esta não se encontrar fora do poder do raptor e em local seguro; pessoa submetida ao pátrio poder, à tutela ou curatela, enquanto não obtiver a autorização do representante legal ou o suprimento judicial dessa anuência.

Ainda será anulável o casamento se houver, por parte de um dos cônjuges, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge. O erro essencial pode consistir: a) sobre a identidade do outro cônjuge, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal, que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado; b) a ignorância do crime inafiançável, anterior ao casamento e definitivamente julgado por sentença condenatória; c) a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou herança, capaz de por em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; d) o defloramento da mulher, ignorado pelo marido.

Somente os interessados e/ou, conforme a situação, seus representantes legais, poderão requerer a anulação do casamento contraído em desrespeito aos impedimentos dirimentes relativos. E se nada for requerido dentro de um certo prazo, o casamento é sanado do vício que o macula, convalescendo a anulabilidade.

6) Sanções acauteladoras

Sanções acauteladoras são aquelas que autorizam a prática de medidas tendentes a acautelar os interesses da parte prejudicada pela transgressão ao preceito legal.

Estão elas previstas nos procedimentos cautelares específicos do CPC, arts. 813 a 887, e dentre elas há o arresto, o seqüestro, a busca e apreensão, o arrolamento de bens, o atentado etc.

Há ainda outras medidas provisionais, cujo elenco está no art. 888 do CPC: obras de conservação em coisa litigiosa ou judicialmente apreendidas, entrega de bens de uso pessoal do cônjuge e dos filhos, posse provisória de filhos nos casos de separação judicial ou anulação de casamento, afastamento do menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos pais, afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal, depósito de menores ou incapazes castigados imoderadamente por seus pais, tutores ou curadores, guarda e educação dos filhos com regulamentação do direito de visita.

Por outro lado, dispõe o art. 798 do CPC: "... poderá o juiz determinar medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação".

O juiz, ao usar seu poder geral de cautela previsto naquele art. 798 do CPC, no entender de Humberto Theodoro Júnior, garante a utilidade e eficácia da futura prestação jurisdicional satisfativa, não podendo, nessa medida cautelar, antecipar a decisão sobre o direito material, ou seja, apenas garante o futuro processo relativo à lide ou ao mérito, não realizando o direito substancial, não o satisfazendo.

No art. 799 do CPC, enuncia algumas medidas cautelares genéricas que o juiz poderá aplicar para evitar o dano: autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.

Exemplo de cautelar inominada estribada no poder geral de cautela do juiz:

7) Sanções por meio de medidas antecipatórias

Bem ao contrário das medidas cautelares derivadas do poder geral de cautela do juiz, previu o legislador, na reforma do art. 273 do CPC em 1994, a antecipação dos efeitos da tutela definitiva de mérito, isto é, desde então se tornou possível as medidas provisórias satisfativas, cabível em qualquer ação de conhecimento.

Ante os critérios ali estabelecidos, pode-se apontar algumas diferenças entre as medidas cautelares e a antecipação dos efeitos da tutela:

Tutela antecipatória

Medidas cautelares do poder geral de cautela do juiz

Se dá na própria ação de conhecimento

Sujeitas à ação própria separada do outro processo e disciplinada no Livro do Processo Cautelar

Pressupostos e requisitos próprios do art. 273 do CPC

Requisitos do art. 798 do CPC

Embora medida provisória revogável, antecipa atos executivos relativos ao mérito de realização ou satisfação do direito material

Garantia provisória a outro processo ou situação, não para satisfazer ou realizar o direito material

8) Sanções diretas e indiretas

Sanções diretas são as que firmam disposições em virtude do que o titular do direito ofendido investe diretamente sobre a coisa, para que se assegure em seus direitos, ou sobre a pessoa para que cumpra a obrigação.

Já as indiretas resultam em aplicação de penas, ou no pedido de indenização, por não ser possível uma atuação direta sobre o objeto do direito ofendido. Assim, na transgressão ao preceito regulador das obrigações de fazer, a falta do infrator importa na sanção de perdas e danos, por inadimplemento da obrigação.

Via de regra, quando falta sanção direta, o ordenamento jurídico encontra meio ´indireto´ de emprestar compulsoriedade à regra jurídica. A coercibilidade é, então, imanente na lei, mesmo quando espontaneamente cumprido o seu preceito, pois não significa que toda lei se observe pela força. Ao contrário, normalmente é obedecida sem a necessidade de mobilizar o Estado a sua atuação mecânica, para conter os súditos em termos de sujeição, mas existe sempre seja em estado ostensivo ou potencial, a possibilidade de atê-lo ao aparelhamento coator.

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Sobre o autor
Teófilo Marcelo de Arêa Leão Júnior

advogado, professor universitário na Faculdade de Direito de Marília, mestre em Direito pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÃO JÚNIOR, Teófilo Marcelo Arêa. Sanção e coação: a organização da sanção e o papel do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3117. Acesso em: 28 mar. 2024.

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