Muito se fala, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, sobre dano moral. Este é, sem dúvida alguma, um dos temas jurídicos que mais despertou interesse dos juristas e aplicadores do direito hodierno. Felizmente, já vemos no dia-a-dia pessoas das mais variadas classes sociais bradando, defendendo em alto e bom som aquele seu patrimônio ideal de toda sorte de ameaças e lesões. Isso significa que o constituinte não fez outra coisa, senão garantir no texto de nossa Carta Magna aspirações há muito existentes no seio da sociedade.
Inúmeras discussões a respeito do dano moral povoam livros e processos no Brasil. Problemas como a valoração desse tipo de dano, os critérios para sua devida apreciação e os efeitos a serem almejados pela condenação são apenas alguns dentre muitos que ainda não restam pacificados. Entretanto, o conceito e a abrangência desse tipo de violação já contam com um certo consenso no direito mundial e pátrio.
Entende-se como dano moral todo aquele que não venha a afetar o patrimônio material da vítima. Ou seja, abrange a dor física e psíquica, constrangimento, raiva, angústia, aflição, vergonha, sentimento de humilhação, etc. Enfim é tudo aquilo bastante o suficiente para causar uma repercussão negativa no íntimo da vítima.
Nossa Constituição em dois incisos de seu art. 5º trata expressamente desse tipo de dano e vai além. Inova de forma bastante salutar ao estabelecer também a indenização por dano à imagem. Eis o texto constitucional:
Art. 5º, V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
Partindo da máxima de que na exegese constitucional não se deve admitir termos desprovidos de significado efetivo ou redundantes, chegamos à conclusão do mestre Celso Ribeiro Bastos que todas as normas da Lei Maior "têm que produzir algum efeito". Sublime é a lição de Thoma, citado por aquele autor: "A uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê". Assim, não há falar na inaplicação do inciso V do art. 5º da CF por qualquer que seja o motivo.
Conforme asseverado, o constituinte originário assegurou, no elenco dos direitos e garantias fundamentais, o direito das pessoas serem indenizadas por danos materiais, morais e à imagem. Surpreendentemente, não vemos em nosso cotidiano ações de reparação de danos pedindo essas três verbas distintas. Em nosso ordenamento jurídico há espaço, em sendo confirmadas as respectivas lesões, para a condenação conjunta ao dever de indenizar as três espécies de danos constitucionalmente admitidos.
O que seria então esse pouco falado dano à imagem? Sem nenhuma pretensão além de acalorar o debate da matéria, essa espécie de dano deve ser vista como as repercussões sociais do dano que fora tornado público e que, de forma reflexa, foram suportadas pela vítima. Destarte, podemos refletir como sendo o aspecto objetivo do dano que, de uma forma ou de outra, repercutiu para toda uma coletividade. A Constituição, ao prever a reparabilidade do dano à imagem, o faz logo após assegurar a liberdade de expressão (art. 5º, IV da CF), restando nítida a coerência do texto constitucional. Ao estabelecer que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" e logo em seguida assegurar, conforme já mencionado, "direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem", a Constituição claramente fez referência à uma relação de causa e efeito. Ora, direito de resposta e indenização, no tocante ao inciso V, pressupõem uma pretérita manifestação de pensamento. Assim, podemos concluir que nossa Constituição Cidadã garantiu o direito a indenização por dano à imagem como sendo um consectário da livre manifestação de pensamento mal utilizada, ou seja, geradora de conseqüências nefastas para aquele que fora alvo de tal manifestação.
Interessante notar que essas repercussões atingem indiretamente a vítima, porém de forma não menos danosa. O bem jurídico a ser protegido pela reparação do dano à imagem é, como o próprio termo deixa claro, a imagem, a reputação, o conceito que as pessoas fazem ou faziam do lesado. Alguém que é caluniado ou difamado publicamente com certeza terá o seu bom nome abalado diante dos seus pares e sofrerá as conseqüências conexas da sua perda de respeito e/ou credibilidade. Isso se manifesta na forma como as pessoas mudam seu comportamento, se tornando mais arredias e desconfiadas para com a vítima.
Alcançar um alto grau de estima e consideração social é tarefa para toda uma vida, tendo a pessoa que manter-se firme aos mais rigorosos padrões da ética e da moral. Antagonicamente, para acabar com tudo isso basta um único deslize, uma única mentira. A boa reputação, o bom nome, o alto conceito que alguém goza diante da sociedade é como um belo vaso de cristal que, uma vez quebrado, por melhor que seja a restauração, sempre deixará marcas e desvalorização.
Mas será que dano à imagem e dano moral não são a mesma coisa? Data venia, é de se entender que não. O dano moral é uma lesão absolutamente subjetiva, atingindo apenas a vítima. É ela quem sofre diretamente no seu íntimo os respectivos efeitos. É ela quem perde o sono diante das dores, da angústia, do sofrimento. Tanto é verdade que a legitimação ativa para postular a devida reparação é única e exclusiva da vítima, não podendo qualquer outro pleitear tal direito. É necessário destacar que em caso de morte, os familiares podem entrar na justiça em nome próprio, defendendo a justa indenização pelos sofrimentos que efetivamente assolaram suas próprias vidas com a perda do ente querido. Eles não entram em nome do de cujus ou defendendo interesse daquele. Por sua vez, no dano à imagem a vítima sentirá os efeitos da lesão pela mudança na forma de tratamento ou até mesmo no modo de pensar de outrem. É objetivo, é externo e não menos grave. Isso para seres sociais como somos, é altamente relevante.
Para comprovar a pertinência da previsão constitucional em análise, podemos fazer um exercício mental e antever as conseqüências de duas ações muito semelhantes, porém com resultados claramente diferenciados: se alguém, em uma discussão privada qualquer, vem a agredir verbalmente outrem (em um quarto de hotel onde apenas estejam os dois interlocutores, por exemplo), é inegável que aquele que fora vítima das desvairadas palavras de seu agressor, sofre um abalo moral interno. Ele pode vir a ter raiva, é possível que passe mal subitamente, existe a possibilidade de um sofrimento intenso ao ver abaladas aquelas "instituições subjetivas" que o guarneciam. Isso é dano moral, o abalo surge de dentro para fora.
Bem diferente seria a situação onde as mesmas palavras fossem expressadas diante de uma multidão, no ambiente de trabalho, na convivência familiar, etc. Além do dano moral acima retratado, há sem dúvida alguma, o agravante de que aqueles que tomaram conhecimento da violência poderão mudar sua forma de "ver" a vítima. E diante dessa efetivação da mudança, o lesado se tornará vítima por uma segunda vez, desta feita da mudança de tratamento com a qual terá que conviver. Poderia se argumentar pela suposta falta do nexo causal entre o abalo decorrente da mudança do conceito da vítima diante de terceiros e a conduta do ofensor. Entretanto, essa alteração só existiu em decorrência direta dos atos danosos praticados pelo lesante, a relação de causalidade é latente. Se o causador do dano o fez de forma pública, objetivando a potencialização de suas palavras, deve o mesmo ser responsabilizado pelos resultados gerados no contexto social.
Percebe-se com maior nitidez o dano à imagem diante das chamadas "pessoas públicas". Um político de boa índole, que tem sua honestidade questionada reservadamente por alguém, com certeza sofrerá como qualquer pessoa um dano intestino (dano moral). Por outro lado, se ele vier a ser chamado da mesma forma diante de um meio de imprensa, além desse seu dano subjetivo, arcará também com a injusta reprovação social que o colocará na mesma vala dos desonestos (objetivo). Ele perderá credibilidade, confiança, respeito e também votos. Essas conseqüências trazem para o ofendido repercussões sérias e muito relevantes, ainda que por via difusa. Dessa forma insta perceber a plausibilidade e coerência da previsão constitucional do dano à imagem.
Seguindo o mesmo caminho outrora já traçado pelo STJ que, através da Súmula de nº 227, já pacificou o entendimento no sentido de que a pessoa jurídica pode vir a sofrer danos morais, podemos, de igual modo, afirmar que não são apenas as pessoas físicas que podem vir a ser indenizadas por danos à imagem. Quando, utilizando da liberdade de expressão constitucionalmente garantida, alguém se extrapola aos limites do razoável e passa a tecer considerações infundadas, exageradas ou pejorativas a determinada empresa, estará sim causando danos à imagem da mesma, surgindo assim o dever de indenizar. Alias, com a devida vênia, teria sido mais salutar que a referida súmula tratasse do dano à imagem ao invés do moral. Isto porque é sabido que a pessoa jurídica não é possuidora de honra, não sente dores, nem humilhações. É apenas uma conjugação de capital e pessoas, destinadas a um determinado fim. É uma coisa destituída de pensamentos e vontades. Ela é sim, detentora de uma imagem perante seus consumidores e a própria sociedade. Quando se desdenha uma empresa, atinge-se sua imagem e não seus sentimentos, daí porque, ao nosso modo de ver, a teoria da chamada "honra objetiva" das pessoas jurídicas não é muito apropriada para o bem jurídico que se visa tutelar.
Urge, também, salientar a diferença entre o dano à imagem e o chamado dano estético, espécie de dano esta que já goza de entendimentos favoráveis junto ao STJ, quanto à diferenciação do dano moral e material propriamente ditos (RESP 84752/RJ, RESP 203142/RJ, RESP 103012/RJ). Em nada eles se confundem. Quando se fala em dano à imagem, não é imagem corporal ou estética que se deseja referir. É sim, a um determinante genérico resultante de todas as experiências, impressões, posições, conceitos e sentimentos que as pessoas apresentam em relação à uma empresa, produto ou pessoa.
Também, pode-se destacar a diferença existente entre o dano à imagem e o "uso indevido de imagem". Este último se refere à imagem-retrato, com proteção constitucional distinta daquele que é a imagem-atributo. A proteção da imagem-retrato é prevista no art. 5, inciso X da CF: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Em havendo o uso indevido da imagem de alguém, o usurpador será responsabilizado pelos danos que decorreram de sua conduta. Esses prejuízos se sucumbirão em um ou mais das três espécies de danos admitidos pela Constituição (material, moral e à imagem), dependendo a condenação de uma análise pormenorizada do caso concreto.
O STJ já definiu a imagem-retrato como sendo "a projeção dos elementos visíveis que integram a personalidade humana, é a emanação da própria pessoa, é o eflúvio dos caracteres físicos que a individualizam" (RESP 58101/SP). Nesse mesmo julgamento, também restou estabelecido que "a sua reprodução, conseqüentemente, somente pode ser autorizada pela pessoa a que pertence, por se tratar de direito personalíssimo, sob pena de acarretar o dever de indenizar que, no caso, surge com a sua própria utilização indevida".
De igual modo, magistral é o ensinamento do douto desembargador e professor da Faculdade de Direito da USP, Walter Moraes, em sua exaustiva obra "Direito à própria imagem" (RT 443/64), citado pelo responsabilista igualmente admirado Rui Stoco:
"No plano do direito da personalidade a idéia de imagem é entendida extensamente, como sendo toda sorte de representação de uma pessoa. Inclui, então, assim a figuração artística da pintura, da escultura, do desenho, etc., como a mecânica da fotografia. Compreende não apenas essas versões estáticas da pessoa efigiada, como também as formas dinâmicas obtidas pela cinematografia, pela televisão e pela representação cênica".
Assim, o dano à imagem, propriamente dito, tem concepção bastante diferenciada. Ele se refere aos atentados cometidos contra a valoração de alguém por terceiros, no que pertine as suas características subjetivas e abstratas. Trata-se de como as pessoas enxergam um indivíduo no seu ser e não com relação as suas características físicas.
Por tudo isso, é de se estranhar a quase inexistência de ações buscando a justa reparação pecuniária decorrente de danos à imagem. Mais novo e menos estudado do que os danos moral e material, mister serem lançadas as bases de discussão deste terceiro tipo de dano constitucional para que, num futuro breve, a reparação do dano à imagem seja sobejamente difundida e aplicada.