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A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução

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01/08/2002 às 00:00

Resumo:



Resumo


  • A natureza jurídica do mar é complexa e abrange conceitos como "res nullius" e "res communis", os quais são explorados em diferentes perspectivas legais e históricas.

  • A poluição marinha e o princípio da precaução são temas centrais, destacando-se a necessidade de medidas preventivas e corretivas para proteger o meio ambiente marinho.

  • As Convenções Internacionais desempenham um papel crucial na proteção do meio ambiente marinho, com destaque para a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: I. Introdução.II. A Natureza jurídica do mar.1. Que é o Mar?2. Uma nova noção sobre a natureza jurídica do Ma.III. O meio ambiente marinho.1 A poluição marinha e o relatório Brundtland..2. As formas de poluição do meio ambiente e dos recursos marinhos.IV. As principais Convenções de proteção ao meio ambiente marinho.1. A iniciativa dos planos de ação regionais de proteção e desenvolvimento do meio ambiente marinho e das áreas costeiras e as primeiras Convenções de proteção do meio ambiente marinho.2. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982.3. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, a Declaração do Rio e a Agenda 21.3.1. A Declaração do Rio de 1992.3.2. O Capítulo 17 da Agenda 21.3.2.1. A proteção ao meio ambiente marinho.V. A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução.1. Introdução ao princípio da precaução.2. O princípio da precaução no direito internacional do meio ambiente.3. A casuística internacional de reconhecimento do princípio da precaução.3.1. O caso dos testes nucleares entre França e Nova Zelândia (1995).3.2. O caso NIREX.4. O conteúdo do princípio da precaução.5. O reconhecimento do princípio da precaução: Capítulo 17 da Agenda 21 - a proteção do meio ambiente marinho, costeiro e das ilhas.VI. Considerações finais.


I. Introdução.

O mar sempre fascinou o Homem. Desde os mais remotos tempos o mar sempre representou um desafio ao conhecimento humano. A população costeira, historicamente superior à continental, sempre buscou no mar sua sobrevivência; imperadores singraram os mares com suas embarcações ávidos pelas inesgotáveis riquezas de terras distantes, tal como contavam os marinheiros; povos inteiros lançaram-se ao desconhecido em busca de novas terras. Enfim, o Mar sempre desenvolveu um importante papel sócio-econômico ao longo da História: as navegações propiciaram a passagem da Idade Média para a Idade Moderna (tomada de Constantinopla em 1453) e incentivaram, na Nova Era, através das grandes navegações, o surgimento de novos Estados além-mar, o incremento das relações comerciais entre Estados que, inevitavelmente, tiveram o mar como palco de incontáveis conflitos, donde surgiu a necessidade de regulamentação de seu uso, com especial atenção aos mares abertos (os oceanos), aos quais se aplicaram uma infinidade regras consuetudinárias que há séculos vinham regendo as navegações em mares semi-abertos e fechados. Nesta época, a Europa, principal teatro de toda esta evolução de tecnologia marítima, ainda não compreendia a grandeza do bem da natureza que estenderia suas fronteiras culturais para terras e povos escondidos para além da imensidão do horizonte.

A dicotomia entre Direito do Mar e Direito Marítimo, que atribuiu a este último a regulamentação das atividades privadas de navegação, ainda não era notada. Existia somente um direito do mar (law of the sea) como um antigo direito do mar [01] atrelado à noção de law of nations.

Em verdade, o Homem (e não somente o europeu) descobriu tardiamente a vital importância do mar, mais precisamente na recente década de 70, quando tomaram corpo alguns movimentos internacionais de proteção ao meio ambiente humano, indicando que a vida do Homem estava inexoravelmente ligada à própria preservação da Natureza.

A partir deste momento, o mar, como um patrimônio comum da Humanidade, passou a ser considerado em todos os seus complexos elementos, os denominados recursos marinhos vivos e não-vivos, um tratamento que não mais se limita à simples regulamentação de seu uso pela navegação. Nesta nova perspectiva, os conceitos que lhe explicavam a natureza jurídica começavam a se esvaziar: de que serve a milenar discussão de direito romano das gentes (ius gentium) se o mar é res nullius ou res communis senão como belo exercício de retórica?

O mar, assim como outros elementos da Natureza (atmosfera, rios, florestas a fauna e a flora) passou a significar fonte de vida, marinha e humana, a um preço muito alto. O desenvolvimento econômico dos Estados a partir do século XVI ganhou impulso com as navegações. Isto é inegável e se justifica no sucesso de uma das primeiras companhias de comércio internacional, a Companhia das Índias Ocidentais. No entanto, este desenvolvimento não ocorreu de forma ordenada, mesmo porque desordenadas e convulsivas foram as duas revoluções industriais inglesas que, naturalmente, tinham no mar a principal via de comércio de seus produtos industrializados. O aperfeiçoamento das embarcações, o desenvolvimento de grandes plantas industriais às margens de rios e mares e o conseqüente aumento da população na faixa costeira provocou, gradativa e em escala exponencialmente crescente, a poluição do mar por resíduos tóxicos resultantes do insustentável desenvolvimento econômico que o Mundo experimentava.

Os problemas se acumulavam. O mar tornara-se uma grande lixeira resultado do acúmulo de produtos químicos, de lixo doméstico, de extensas manchas de petróleo; enfim, a vida do mar estava comprometida e indicava que a vida do Homem seguia para o mesmo caminho. Surgiu, então, a proposta de medidas preventivas e corretivas contra os efeitos da poluição marinha, e mais, de medidas de precaução que, definitivamente, visavam a impedir que tais efeitos ocorressem: os danos ao meio ambiente poderiam ser finalmente evitados. Pode-se dizer, então, que somente após a década de 70 o Mar passou a ser considerado em toda a sua plenitude, como verdadeiro "meio ambiente", um repositório de vida.

Para ilustrarmos detalhadamente toda esta evolução do Direito do Mar, do próprio mar e da problemática da poluição marinha, elegemos como pontos básicos desta nossa dissertação o estudo do princípio da precaução, de seu reconhecimento nas diversas convenções sobre prevenção da poluição marinha e sua aplicação a casos concretos. No entanto, para atingirmos estes objetivos, necessárias se fazem algumas notas sobre a controvertida natureza jurídica do mar, sobre a concepção moderna de mar e seus recursos, sobre o que é poluição e meio ambiente, e principalmente identificar quais os instrumentos de direito internacional se destacam na proteção ao meio ambiente marinho, seja em caráter regional, nacional ou mundial, com especial destaque aos Planos de Ação Regional da ONU e suas Convenções, à Convenção sobre Direito do Mar de 1982 e à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 1992). Nossa posição sobre cada assunto abordado nesta dissertação foi lançada ao longo de cada um dos painéis de exposição, com notas remissivas às fontes de consulta, as quais, sugerimos, sejam consultadas.


II . A Natureza jurídica do mar.

A busca de respostas sobre a natureza jurídica do mar nos remete ao estudo do direito romano, um direito de aplicação exclusiva na ordem interna do Império, embora distinguisse sua aplicação entre os cidadãos romanos (ius civile) e os estrangeiros (ius gentium).

Em linhas gerais, o direito romano dividia-se em duas grandes categorias: o ius publicum e o ius privatum, subdividindo-se este último em ius civile e ius gentium, os quais foram mais tarde unificados por JUSTINIANO em suas Institutas num direito universal de todos os romanos. Portanto, não havia, àquela época, um direito internacional, um direito das gentes que extrapolasse os limites do Império Romano.

Para explicar a relação do homem com as coisas (res), o direito romano consideravam-nas em duas categorias: res in commercium - coisas passíveis de serem disponibilizadas por particulares - e as res extra commercium - coisas que não podiam pertencer a particulares nem de fato nem de direito. Nesta categoria se incluiam res divini iuris e as res humani iuris (estas últimas compreendiam o ar e o mar - "Et quidem naturali jure communia sunt omnium, haec, aqua profulens, et mare et per hoc litora maris" - Institutas, Livro II, TítuloI, § I.).

Ainda no âmbito do ius privatum, os romanos distinguiam também as res nullius propriamente ditas das res nullius in bonis sunt e das res derelictae.

Dizia CAVALCANTI que "Res nullius eram aquelas coisas que por circunstância meramente acidental não se encontravam no patrimônio de alguém, mas que de um momento para outro podiam ser a ele incorporadas - res nullius et primi occupantis." [02]

Noutra vertente estavam as res nullius in bonis sunt, que compreendiam a categoria de coisas que absolutamente podiam ingressar no patrimônio privado de alguém, integrando a categoria de coisas denominadas res extra commercium (res divini iuris e entre as res humani iuris as res publicae e res communis).

As res divini iuris faziam parte do patrimônio religioso, os bens consagrados aos deuses, como os santuários, as estátuas. Entre as res humani iuris, as Res publicae eram as que pertenciam ao Estado, como rios e portos, ou às Cidades, como praças públicas e teatros. As res communis, de sua vez, pertenciam à generalidade dos cidadãos, como o ar, a água corrente e o mar.

Finalmente, as res derelictae, conceitualmente ligadas à noção de res in commercium, eram coisas que houvera composto o patrimôno de alguém, mas posteriormente foram abandonadas.

A celeuma em torno do mar sobre a sua natureza de res nullius ou res communis, surgiu em torno da idéia de patrimônio comum a todas as pessoas.

Aqueles que defendem a idéia de que o mar é res nullius (AMEDÉ BONDE, RIVIER, BASDESVANT e WESTLAKE) [03] apoiam se no Digesto de CELSO, o qual conflita com as Institutas de ULPIANO e de JUSTINIANO, atribuindo ao mar a natureza de coisa sob domínio coletivo de todos os Estados. Um posicionamento que não responde à questão da apropriação do mar e muito se distancia da questão relativa ao seu "uso", sobre a qual, ao longo dos séculos, cuidou a humanidade de regulamentar através de normas consuetudinárias e, mais recentemente, pela sua consolidação convencional. Percebe-se que na ótica do direito romano, quando se fala em "uso" do mar, subtrai-se a discussão do âmbito da res nullius, colocando-a, apropriadamente, no âmbito das res nullius in bonis sunt, que se diferem das res nullius exatamente em razão da impossibilidade particular de apropriação, mas permitem seu uso comum.. Nesta vertente, portanto, estão aqueles que defendem a tese predominante de que trata-se o mar de res communis omium (GROTIUS, HEFFTER, BEVILÁCQUA, ANTOKOLETZ, DESPAGNET, VON LISZT, PLANAS SUÁREZ, PEDRO FRUTOS, LOMONACO, FOIGNET, MARCEL MOYE, THOMAS BARCLAY, PHILLIMORE, CECIL HURST, PRADIER-FODÉRÉ) [04] fiando-se na impossibilidade de apropriação do mar por qualquer Estado.

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Entre um e outra corrente tem-se a posição intermediária defendida por FAUCHILLE [05]. No estudo da questão, chama atenção o tratadista francês ao fato de que os partidários da tese da res nullius invocam ao seu favor a ausência de soberania no alto-mar, enquanto se baseiam os adeptos da concepção da res communis no argumento de que o mar é necessário às trocas comerciais internacionais. Conclui FAUCHILLE que o resultado da divergência não é indiferente do ponto de vista das consequências que encerra, uma vez que admitido o mar como res nullius este poderá ser ocupado ou utilizado por um ou mais Estados, pela sua simples vontade.Mas se considerado o mar como res communis omium, sua ocupação não será possível senão mediante acordo entre os Estados. Em sua teoria defende FAUCHILLE que qualificar a natureza jurídica do mar entre uma e outra concepção não responderia por completo a questão, pois, ainda que o mar fosse res nullius, passível de ocupação por qualquer Estado, haveria a impossibilidade fática em fazê-lo; quanto à res communis omnium, que traz ínsita a noção de domínio comum, assevera que o mar não pode ser patrimônio da coletividade de Estados sem o ser de cada um separadamente. O que ele defende como correta é a concepção do uso comum, que atribui como resultado de seu sistema o uso isolado do mar por todos os Estados, sem que nenhum pretenda seu monopólio de exploração e sob a condição de que esta intervenção não constitua um obstáculo ao igual aproveitamento por outros Estados.

Na contramão de FAUCHILLE estava outro tratadista francês, LA PRADELLE [06], que dedicou especial atenção e sua obra ao estudo jurídico do mar. Assinala que a noção de res communis para o mar está clara no direito romano, embora a noção de comunidade fosse uma noção de direito público interno e não de direito internacional. Foi GROTTIUS quem transportou esta noção de comunidade do direito romano para a a comunidade do gênero humano. Em suas lições, LA PRADELLE adverte que se deve considerar o mar em termos jurídicos, de sorte que justificativas fáticas de impossibilidade de ocupação ou de exercício de poder privado devem ser afastadas.

Uma terceira corrente defendida por Gilbert GIDEL [07] defende que questão sobre a natureza jurídica do mar não se responde por qualquer uma das duas tradicionais correntes doutrinárias, pois tratava-se de um objeto de jurisdição: é sua a teoria da juridicidade do mar [08]. GIDEL afirma em sua obra que a noção de res nullius evoca em direito romano a idéia de possível apropriação: res nullius cedit primo occupandi. Nesta perspectiva, são res nullius, não o mar em si mesmo, mas os objetos materiais que, achados, podem ser apropriados: peixes, ervas, pedras, corais, e outros produtos.

Segundo CAVALCANTI [09], partidário da corrente da res communis omnium, GIDEL, ao defender a sua teoria de juridicidade do mar, confessa-se adepto da tese da res communis, uma vez que negava direitos particulares a cada Estado, vinculando-os a uma norma de direito internacional. BUSTAMANTE Y SIRVEN [10] e JEAN DEVAUX [11], acompanhando as opiniões de FAUCHILLE, afirmam que o mar não é propriamente res communis omnium, mas um domínio comum da sociedade internacional.

A nosso ver, nenhuma destas correntes e suas justificativas respondem de modo satisfatório à questão sobre a natureza jurídica do mar. A tese que mais se aproxima da noção de universalidade que é emprestada ao Mar pelas atuais convenções internacionais, em especial a Convenção de Viena sobre Direito do Mar de 1982, pertence a GIDEL e sua teoria da juridicidade do mar. Também é importante destacar a escola de LA PRADELLE, que se opõe a FAUCHILLE quando rechaça uma conceituação jurídica do mar a partir da uma constatação fática.

Para se resolver a questão sobre a natureza jurídica de determinada coisa (ou bem), deve-se determinar na esfera do "ser" todas as suas características, qualidades e atributos, sem os quais o "ser", no mundo jurídico do "dever ser", não encontra relação com direitos e obrigações que pretende a lei lhe atribuir. Para se declarar o direito do mar deve-se, portanto e de início, esclarecer quais as características, qualidades e atributos do mar se pretende preservar nas relações jurídicas travadas entre os Homens e concernentes ao bem. Em suma, para responder à questão da natureza jurídica do mar deve-se responder, primariamente, à seguinte questão: que é o mar?

1. Que é o Mar?

Contrariamente à teoria de LA PRADELLE, a resposta a esta questão não está no direito, no mundo jurídico, mas na própria essência da universalidade de coisas e bens que compõe o mar. O mar é fato, é mar além de normas de direito e não deixará de ser mar ainda que diga o contrário a lei. O mar é bem por que tem um valor que não se resume apenas ao direito, um valor que extrapola os limites das leis, da economia e da filosofia.

A filosofia distingue entre coisas e bens. Gênero é a idéia geral que se obtém, considerando o que as diferentes espécies têm em comum. Transportando estes conceitos para o mundo jurídico, considerando somente o universo dos objetos corpóreos, e sua relação com o direito de propriedade, temos que coisa é gênero, bem é espécie. São bens todas as coisas sobre as quais podem recair direitos. À totalidade dos bens apreciáveis (jurídica, econômica e axiologicamente considerados) denominamos de patrimônio, que para o direito passa a se compor não somente de bens, mas também de deveres e obrigações. Assim, o mar não é simples coisa apenas suscetível de ser apropriado, mas um bem objeto de direitos que integra um patrimônio sobre o qual incidem deveres e obrigações de todos os Estados da Comunidade Internacional.

O mar, em si mesmo, corresponde a um patrimônio, um complexo de bens que reunidos formam a unidade do mar. O mar respira através dos seres vivos que comporta, mais vale que a riqueza de seus minerais e aponta para um futuro que se realizará na preservação de sua vida na vida do próprio Homem. Se pudéssemos conceituar o "Mar" [12], limitando toda sua grandeza e riquezas em poucas linhas, poder-se-ia ousar dizer que o Mar é o conjunto de todos os elementos vivos e não-vivos que compõem o que se convencionou chamar de "meio ambiente marinho".

É sob este conceito de Mar, que nada de jurídico comporta, que propomos a releitura de todas as mencionadas teses sobre a natureza jurídica do Mar.

2. Uma nova noção sobre a natureza jurídica do Mar.

É certo que os romanos desconheciam o direito internacional. Os conceitos de res nullius e res communis omnium, como dicotomias do ius civile, que, de sua vez, ao lado do ius gentium, compunha o ius privatum, não foram concebidos para reger as relações de ius inter gentium. A inspiração de ambos os conceitos, ou dos tercium genus proposto por FAUCHILLE, talvez servisse para explicar as relações de direito internacional clássico que se estabeleceram ao longo dos séculos, reconhecidas como tal no início da Idade Moderna pela escolástica de FRANCISCO DE VITÓRIA.

Ocorre que nem mesmo o direito internacional clássico pode responder à questão sobre a natureza jurídica do mar de modo satisfatório. A mais autorizada doutrina tem defendido, de forma majoritária, que o mar deve ser classificado quanto à sua natureza jurídica como res communis omnium, tal como fez JUSTINIANO em suas Institutas.

Na evolução histórica do direito do mar, desde a law of nations até o direito internacional moderno, incontáveis regras consuetudinárias poderiam ser mencionadas especialmente com relação ao uso do mar, à navegação. O mar sempre foi usado pelos Estados como uma coisa, assim como todos os produtos que oferece. Passou à categoria de bem com o reconhecimento de sua importância para o desenvolvimento econômico sustentável dos Estados, o que determinou a necessidade de fixação daquelas regras costumeiras em regras convencionais, ora bilaterais, ora multilaterais, mas sempre em caráter regional.

A importância econômica do mar cresceu com a necessidade de expansão dos limites da economia interna dos Estados para uma economia internacional. Houve o incremento das navegações e o mar passou a ser uma das mais importantes vias de trânsito transcontinental, inicialmente entre a América e a Europa, e atualmente na integração de todo o planeta.

Com o "boom" do desenvolvimento econômico, os problemas relativos ao mar não mais se limitavam ao controle da pirataria, às soluções de controvérsias sobre colisões, à guerra. No crescimento da população urbana, especialmente da população costeira, fomentado pela crescente industrialização, o mar se tornou alvo da pior herança do Homem: a poluição (que não conhece a distinção entre res communis e res nullius) afeta o meio ambiente marinho indiscriminadamente, ainda que em menor intensidade em alto-mar, fato que não se traduz em alento, já que grande parte das atividades extrativistas realizadas no mar ocorre em áreas costeiras.

A complexidade das novas relações econômicas, refletidas no mundo jurídico, tem retirado do direito do mar sua característica historicamente consuetudinária, afastando-o, de igual forma, da noção de direito marítimo. O direito do mar não tem origem somente em normas costumeiras que se cristalizaram em convenções. O direito do mar, no que se refere ao direito de preservação do mar contra a poluição, insere-se na categoria do direito internacional do meio ambiente, um direito fundado, originariamente, em disposições convencionais, inéditas como normas de direito costumeiro, mas que, de certa forma, também contribuem para a formação de costumes ambientais.

As noções de res nullius e res communis omnium, atreladas à concepções românicas de direito de propriedade, da relação excludente entre a coisa e seu detentor (o meu direito de propriedade exclui o direito de outros sobre a mesma coisa) estão muito distantes da realidade do Mar. A questão não mais se detém sobre a possibilidade de o mar ser ou não apropriado por um ou outro Estado, ainda que assim declare a Convenção de Viena sobre Direito do Mar de 1982, mas, sim, sobre a disciplina de seu uso e percepção de recursos que a todos os Estados pertence e que por esta razão devem ser preservados. Mais ainda, devem ser preservados para a manutenção da qualidade de vida dos Homens e repensados em termos de um desenvolvimento sustentável·.

Admitindo-se a conceituação do bem mar como um complexo de recursos que compõem o meio ambiente marinho, resta-nos somente identificar quais sejam estes recursos para mais uma vez demonstrar quão imprópria é a discussão doutrinária sobre res nullius e res communis omnium como determinantes da natureza jurídica do mar.

Segundo JAMES A. CRUTCHFIELD [13], Professor de Economia da Universidade de Washington, os recursos marinhos dividem-se em duas grandes categorias - os recursos minoritários e os majoritários - segundo seu grau de importância econômica. Os recursos minoritários são a energia (hidrelétrica) e a água dessalinizada; os recursos majoritários são a pesca, o petróleo, o gás natural e os minerais.

Ao contrário do que prega a doutrina da res communis omnium, cada um destes recursos que compõem o mar podem ser explorados, portanto apropriados, desde que respeitados os limites de exercício de direitos impostos pela lei internacional. É neste ponto que nossa posição toca a teoria da juridicidade do mar de GIDEL. Por outro lado, o mar também não é res nullius, uma vez que o direito de se apropriar da coisa está vinculado a um acordo com outros Estados [14]. Se este direito de apropriação depende de uma relação subjacente, perde sua característica de autonomia em relação à coisa, desnaturando-a.

Posição mais moderna é aquela fundada em princípios consagrados pela Assembléia Geral das Nações Unidas na Resolução 2.749 (XXV), de 17 de dezembro de 1970, na qual se declarou, inter alia, que os fundos marinhos e oceânicos e seu subsolo para além dos limites da jurisdição nacional, bem como os respectivos recursos, são considerados patrimônio comum da humanidade [15], importando que sua exploração deva beneficiar todos os Estados [16]. Contudo, em termos de meio ambiente, o Mar é muito mais que solo e subsolo.

A solução que propomos para a questão está num tercium genus, que a pesar do latim, não está no direito romano, mas no direito internacional convencional: o mar é um conjunto de bens (direitos e obrigações) inapropriáveis em sua unidade, mas exploráveis, de acordo com regras de direito internacional.

Se não nos servem os conceitos de res nullius e res communis omnium, a noção de patrimônio comum da humanidade, de sua vez, restringe sua aplicação a somente dois dos elementos que compõe o patrimônio marinho: solo e subsolo oceânicos. Daí o imperativo de um conceito que abranja estas duas características: a impossibilidade de apropriação por um único ente e a possibilidade de sua exploração. As res nullius são inapropriáveis; as res communis, inexploráveis, pois não se prestam ao uso de alguém.

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Sobre o autor
Rodrigo Fernandes More

advogado, professor em São Paulo,mestre e doutor em direito internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORE, Rodrigo Fernandes. A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3194. Acesso em: 22 dez. 2024.

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