1.Introdução
O desenvolvimento das relações jurídicas não se faz jamais imune aos efeitos inexoráveis do tempo. O pensamento jurídico cria, assim, institutos que, vinculados ao certo intervalo temporal, extinguem ou criam direitos para os sujeitos do negócio jurídico, em nome de um corolário maior, qual seja a segurança jurídica.
Criações mais notórias dos efeitos do tempo no Direito são a prescrição e a decadência, em aquela impede o exercício da ação correspondente a um direito subjetivo de natureza material; já este faz perecer o próprio direito não podendo ser alegado nem mesmo como defesa ou para garantir retenção.
Ditas acepções por suas características, têm mais identidade com as relações desenvolvidas no âmbito do Direito Privado, seio de desenvolvimento dos institutos em comento.
Entretanto, a prescrição e a decadência também influem em uma relação tipicamente pública, qual seja a que se forma entre o Estado e o contribuinte. Nessa província jurídica, têm como escopo a limitação temporal tanto para o Fisco quanto para o contribuinte, para que aquele execute em tempo razoável o seu poder-dever de tributar, e este tenha um limite de tempo para se insurgir contra a imposição tributária.
No presente trabalho, faz-se necessário relembrar noções de crédito e obrigação tributários bem como o de lançamento nessa relação jurídica, para adiante demonstrarmos a incompatibilidade do termo lançamento por homologação com o conceito genérico desse ato jurídico, para verificarmos quais e como se formam os prazos de extinção dos direitos de tributar e impugnar a imposição da prestação pecuniária.
2. O lançamento por homologação e a impropriedade do termo
Antes de abordarmos o objeto específico deste trabalho, faz-se necessário resgatar noções sobre o tipo de lançamento sob estudo, justificando nosso entendimento acerca da impropriedade semântica do termo utilizado. Essa remissão se faz útil visto que, a partir da delimitação de suas características, poderemos situar os momentos de início e fim do crédito tributário, para observarmos os termos inicial e final da decadência e da prescrição operadas nesse tipo de lançamento.
O lançamento por homologação, tratado como modalidade díspare do lançamento de ofício, é definido pelo art. 150 do Código Tributário Nacional, como sendo aquele a ser observado pelo pagamento dos tributos sem a necessidade de imposição do Fisco. Sacha Calmon, Paulo de Barros Carvalho e Alberto Pinheiro Xavier alertam que essa é a modalidade aplicável à maioria dos tributos modernos.
È máxima assente desde o Digesto que é contra o Direito julgar ou responder sem examinar o texto em conjunto, apenas considerando uma parte qualquer do mesmo (Celso, liv. 1, tit. 3º, frag. 24). A partir de uma interpretação sistemática, que envolve noções gerais de Direito Tributário, vejamos se a hipótese do art. 150 corresponde de fato a lançamento, e quais as implicações para o perecimento dos direitos do Fisco e do contribuinte.
A obrigação tributária, segundo o parágrafo primeiro do art. 113 do CTN, surge com a ocorrência do fato gerador, sendo o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. Com ele, extingue-se o crédito decorrente.
O conceito de fato gerador é trazido em conjunto pelos artigos 114 e 115 do mesmo diploma, sendo o da obrigação principal a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Quanto à obrigação acessória, traduz-se na prática ou abstenção de ato que não configure obrigação principal.
Sacha Calmon Navarro Coelho, contextualizando a obrigação tributária, ministra:
O dever de pagar tributos, igualmente, somente surge porque a lei elege determinados eventos como geradores de obrigações tributárias se e quando ocorrem no mundo (‘se fores proprietário de imóvel urbano, terás que pagar o imposto predial e territorial urbano ao município da situação do bem’), tudo conforme o princípio da imputação, que vem a ser atribuir dadas conseqüências a certos fatos e atos a priori previstos (...) Na terminologia do Código, a obrigação tributária principal nasce da ocorrência de um fato, por isso jurígeno, previamente descrito na lei, acontratual e lícito. [1]
Vê-se, portanto, que o surgimento do dever de recolher imposto está intimamente ligado ao fato gerador. Quanto a este elemento, o professor mineiro disseca o conceito do art. 114, extraindo dele dois desdobramentos: a) a descrição de uma situação jurígena; b) o fato gerador como ocorrido no mundo real, ou a própria situação jurígena. Por essas razões é que doutrinadores de escol como Geraldo Ataliba propõem que o fato gerador se desdobre em hipótese de incidência a situação abstratamente descrita na lei, e fato imponível quando da efetiva ocorrência da situação hipotética [2].
Esse fato imponível, segundo o art. 116, traduz-se tanto numa situação de fato, em que se verifiquem as relações de causa e efeito que fazem surgir a obrigação tributária. Doutra forma, o fato gerador pode ser vislumbrado por uma ficção jurídica, desde a sua constituição.
A exigência do tributo, portanto, pode derivar de um fenômeno factual, que pode ser regido até mesmo por outro ramo do Direito. Tome-se como exemplo o a compra realizada pelo consumidor, em que naquele momento surge a contingência de pagar ICMS. A lei pode prever, todavia, determinado ato jurídico que faça repercutir o fato imponível, e.g, a inscrição de imóvel no cartório de registro pertinente.
O artigo 117 do Código Tributário prevê ainda as condições resolutiva e suspensiva da ficção jurídica. No primeiro caso, ocorre desde o momento de sua implementação; no segundo, desde o momento da prática do ato ou celebração no negócio.
O dispositivo deve ser aplicado em conjunto com os artigos 114 a 119, submetendo o primeiro a evento futuro e incerto. Assim, para o orbe tributário, pode ser ajustada uma compra e venda sob condição resolutória. No contexto lógico, se aperfeiçoado o negócio jurídico, ocorre o fato gerador, do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, inobstante tenha se desfeito o ato adiante. Doutra face, se a compra de uma colheita fica sujeita a evento futuro e incerto – o aproveitamento da safra – e este não ocorrer, não há fato imponível criador da obrigação tributária.
A segunda hipótese é tratada no art. 105 do Código como fato gerador pendente, remetendo às condições do art. 116. A impropriedade do termo é latente: o fato gerador nem mesmo chega a existir no ato sujeito a condição suspensiva; refugiria à conceituação do art. 114. Não se aperfeiçoando o negócio, não existe fato gerador. É este que ocorre ou deixa de ocorrer, não surge antes e independentemente do negócio jurídico.
As noções de obrigação tributária, fato gerador e as condições para sua implementação levam-nos ao desfazimento de uma concepção errônea oriunda de boa parte da doutrina de que a obrigação e conseguinte crédito tributário somente se constituem com o lançamento. A confusão é proporcionada pelo próprio texto legal. No artigo 142 do CTN, tem-se o lançamento com o procedimento administrativo pelo qual se verifica a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. O parágrafo único complementa que é ato vinculado e obrigatório, sob pena de responsabilidade funcional.
A leitura sistêmica da lei tributária aponta para a realidade de que o tributo devido com o fato gerador, o qual, como mencionado acima, pode ocorrer por uma situação real ou uma ficção jurídica. Desde aquele momento surge o dever do contribuinte, que com ele tem logo de honrar. Essa é a sistemática concernente à maioria esmagadora dos tributos. Não se pode aguardar, assim, pela autuação de que se reveste o lançamento do art. 142. Referida acepção é aplicável, pelas características do Código, v.g., a tributos não pagos e que formarão título executivo com sua inscrição na dívida ativa da União.
Diante do que é defenfido, anomalia do lançamento por homologação exsurge de sua própria conceituação. Prevê o caput do artigo 150 que tal tipo de ato administrativo ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa. E arremata que a extinção do crédito, de forma comissiva, está condicionada a verificação pela autoridade administrativa.
O lançamento é ato administrativo; aplica a lei, não é lei, não podendo, pois, criar o crédito a ser pago pelos sujeitos passivos da obrigação. Inequivocamente, dispõe o art. 144 do CTN que o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
A análise em paralelo dos conceitos geral e específico de lançamento demonstram que não se deve considerar a hipótese do art. 150 dentro do sistema de lançamento. Por essa razão, a prescrição e a decadência desse tipo de lançamento deve ser analisada de forma isolada, considerando o que adiante abordaremos sobre os efeitos da omissão do Fisco em chancelar o pagamento do tributo.
A notória contradição entre os institutos é analisada de forma bastante incisiva por Paulo de Barros Carvalho:
A conhecida figura do lançamento por homologação é um ato juridico administrativo de natureza confirmatória, em que o agente público, verificado o exato implemento das prestações tributárias de determinado contribuinte, declara, de modo expresso, que obrigações houve, mas que se encontram devidamente quitadas até aquela data, na estrita consonância dos termos da lei. Não é preciso dispender muita energia mental para notar que a natureza do ato homologatório difere da do lançamento tributário. Enquanto aquele primeiro anuncia a extinção da obrigação, liberando o sujeito passivo, estoutro declara o nascimento do vínculo, em virtude da ocorrência do fato jurídico. Um certifica a quitação, outro certifica a dívida. Transportando a dualidade para outro setor, no bojo de uma analogia, poderíamos dizer que o lançamento é a certidão de nascimento da obrigação tributária, ao passo que a homologação é a certidão de óbito.
(...)
Quando é que o funcionário da Fazenda lavra a homologação? Exatamente quando não pode celebrar o ato jurídico administrativo do lançamento. E por que o agente público exara o lançamento? Precisamente porque não pode realizar o ato jurídico administrativo de homologação. Eis a prova. Lançamento e homologação de lançamento são realidades jurídicas antagônicas, não podendo subsistir debaixo do mesmo epíteto [3].
Alberto Pinheiro Xavier leciona que na figura do lançamento por homologação não é necessária a prática de um ato administrativo de lançamento antes do pagamento do tributo, que faz constituir e extinguir a obrigação tributária independentemente daquele ato jurídico [4]. E complementa:
Sendo como é, tiítulo executivo, o lançamento tem a função específica de criar, unilateralmente, em favor do próprio credor público o direito processual à execução. O lançamento traduz assim num juízo declarativo da obrigação tributária e num comando constitutivo da ação executiva, que é autônoma da primeira. E dizemos que o comando tem eficácia constitutiva porque ´faz nascer a ação executiva, criando para o credor o direito de a promover, para os órgãos executivos o poder e o dever de exercer a sua atividade em ordem à consecução do fim da mesma ação, e para o devedor a sujeição ao exercício da atividade executiva... [5]
Sacha Calmon aponta para a impropriedade do termo sob dois aspectos: a) a ´antecipação de pagamento´ significa que o pagamento é anterior ao lançamento. Somente cria um comodismo à Fazenda Pública para que possa fiscalizar quando e quantas vezes quiser o contribuinte no intervalo de cinco anos; b) A homologação - que é do pagamento e não do lançamento - não é condição. O lançamento é ato obrigatório e não incerto. Ressalta, nesse aspecto, a impropriedade do termo, visto que a Fazenda confere o status de homologado a um pagamento sobre o qual restou inerte.
As idéias acima defendidas representam: a) que não há lançamento por homologação, porque o contribuinte paga o tributo antes da verificação do Fisco; b) a homologação é do pagamento, não do lançamento.
Daí em diante, para estudarmos a aplicação da prescrição e da decadência tributárias, faz-se necessário entender: a) que a decadência do Fisco é do direito de lançar, após cinco anos, e não de exigir o crédito tributário, já satisfeito; b) os lapsos prescricional e decadencial para o contribuinte se insurgir contra o pagamento começa a contar do pagamento e não da homologação, expressa ou tácita.
3. Prescrição
O decurso do tempo tem influência na aquisição e na extinção dos direitos. Cego, tal qual Chronos, o direito, implacável, devora o direito que de sua seiva surge. Decadência e prescrição não são formas de se fazer justiça. São formas concretas que o direito encontrou para conviver com esse deus tão-poderoso: o tempo.
A prescrição extintiva, segundo Clóvis Beviláqua, é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso dela, durante determinado espaço de tempo.
No Direito Tributário, deve-se analisar o instituto da prescrição sob os dois sujeitos da relação: a prescição do direito do Fisco é a perda de seu direito de propor ação executiva fiscal; para o contribuinte, é a perda do direito de ação para pleitear a repetição.
O art. 174 do CTN dispõe que a ação de cobrança do crédito tributário (para o Fisco) prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Essa fixação do dies a quo, em regra geral, remete às noções de lançamento do art. 142 do CTN. Por ele, inicia-se o processo de cobrança do tributo, mas não se constitui ainda, o crédito tributário objeto dele. Tem-se o lançamento como definitivo quando sobre ele não paire mais dúvidas, imune a impugnação por parte do contribuinte e a revisão pela Administração.
No caso do lançamento por homologação, há que se distinguir as situações: se houver a homologação – expressa ou tácita - do pagamento antecipado, o crédito tributário se constituiu com o pagamento, e este foi o dies a quo para a contagem do prazo prescricional [6]. Se, no qüinqüídio legal, a Fazenda entender pela irregularidade do pagamento, iniciar-se-ão os procedimentos preparatórios para o lançamento, vertendo o cumprimento da obrigação tributária à regra geral. Tornando-se definitivo o lançamento, daí se inicia o intervalo prescricional, visto que não validada a antecipação do pagamento.
Para o contribuinte, segundo o art. 169, prescreve em dois anos o direito de ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição. Se pagou antes, é porque, procura manter sua idoneidade patrimonial; muitas vezes, anote-se, o pagamento por iniciativa do contribuinte é necessário para obter certidões negativas da Receita. Não quer dizer, entretanto, que tenha manifestado aquiescência na cobrança do tributo. Para o pagamento tributário sob estudo, deve-se conceber que, após o cumprimento dito impropriamente antecipado, pode o contribuinte instaurar processo administrativo fiscal de restituição. Daí porque pode esperar pela decisão no âmbito do Poder Executivo para se socorrer das vias jurisdicionais.
O início do lapso temporal somente após a definitividade das decisões em sede administrativa pode, em certas ocasiões, representar uma vantagem ao cidadão, que pode melhor sustentar sua insurgência, recorrendo ao pensamento jurídico que vai sendo formado sobre o pagamento do tributo contestado. Todavia, não se pode impor ao sujeito passivo da obrigação tributária que submeta à via administrativa as razões de sua insurgência. Tratar-se-ia de jurisdição condicionada, a qual foi expressamente extirpada pelo Carta Política de 88, ao estabelecer, no art. 5º, XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
A garantia fundamental da inafastabilidade de jurisdição, no presente caso, faz com que o interregno prescricional, na ausência da impugnação administrativa, que não foi feita no prazo fixado em lei, comece a contar do pagamento do tributo, pois, como já defendemos em linhas transatas, a obrigação tributária nasce do fato gerador e não do lançamento.
3.1. Prescrição intercorrente no Direito Tributário
Doutrinadores renomados defendem a possibilidade de prescrição intercorrente do direito de ação do Fisco. Não nos parece, entretanto, ter sustentação esta idéia. Não existe no processo administrativo, porque, havendo impugnação adequada, fica suspensa a exigibilidade do crédito tributário, o que impede o curso do prazo prescricional. Tampouco há de se falar desse perecimento na ação executiva fiscal, pois a prescrição extingue o direito de ação e não o processo; ademais, a executiva fiscal é movida de impulso pelo Juiz, não podendo ser extinta pela omissão do Fisco.
A citação pessoal do devedor, segundo o art. 174, parágrafo único, do CTN, interrompe a prescrição. Não se pode entender, entretanto, que se reinicie o prazo. Decorre não somente do Direito Tributário, mas da teoria geral do processo, que a citação interrompe e mantém interrompida a prescrição, paralisando os efeitos do tempo. O ato de formação do processo, pois, não faz correr novo período de tempo. A Prescrição é, unicamente, controlada pelo titular do direito de ação. Fugiria ao razoável que este não somente tivesse que empregar diligência aos seus atos, mas tivesse que também impô-la ao Juízo e à outra parte. Referida regra tem razão de ser no processo penal, visto que trata da liberdade do indivíduo e é, movido, na grande maioria dos casos, por um órgão público que promove os interesses de toda a sociedade. Mas a dilargação do instituto faz criar aberrações em outras províncias jurídicas.
4. Decadência
Ao contrário da prescrição, a decadência faz perecer o próprio direito. É uma extinção derivada de lei ou do contrato que é de interesse público, não se podendo deixar de reconhecê-la.
Em coerência parcial com que esposamos infra, no Direito Tributário, adverte Eurico Marcos Diniz de Santi:
A decadência do direito do Fisco corresponde à perda da competência administrativa do Fisco para efetuar o lançamento tributário, e a decadência do direito do contribuinte coresponde à perda do direito de o contribuinte pleitear administrativamente o débito do Fisco [7].
A explicação de Sacha Calmon Navarro Coelho e Luiz Emygdio Rosa Jr. é a perfeita consagração da navalha de Occam. É a mais simples e que mais se coaduna com o sistema tributário. Segundo estes juristas, antes do lançamento (entenda-se o de ofício) somente pode haver só pode haver prazo de decadência; confirmado o lançamento de ofício, inicia-se constituição definitiva do crédito tributário e daí em diante se inicia o interregno prescricional. Portanto, se o Fisco não contestar o imposto pago antecipadamente, homologando, assim, tácita ou expressamente o recolhimento, não haverá lançamento de ofício e, em conseqüência, perecem o direito e ação a ele correspondente. Feito o procedimento do art. 142 dentro do qüinqüênio, exerceu-se o direito dentro do prazo decadencial, e partir da constituição do crédito dele derivado é que se iniciará o prazo prescricional.
Em face do que foi exposto, o prazo decadencial nos impostos com pagamento antecipado se inicia com o fato gerador. Entretanto, comprovada fraude ou simulação, não vale mais a data do fato gerador.
A realização da autuação lança a contagem do prazo decadencial à regra geral do art. 173, que Sacha Calmon analise de forma bastante coerente: I) em regra, observa-se a anuidade do exercício fiscal; ocorrido o fato gerador em outubro de 2000, e.g., o dies a quo da decadência é 01º de janeiro de 2001. Cinco anos após, na inércia, perece o direito; II) pode o lapso decadencial se iniciar antecipadamente, se a Fazenda Pública, no mesmo exercício, praticar qualquer ato que possa levar ao lançamento [8].
Para o contribuinte, entendo que o conceito de Eurico de Santi, acima declinado não é completo. A decadência é sempre mais abrangente que a prescrição. Assim, não perece ao contribuinte somente o direito de restituição em via administrativa. A tuela judicial também não mais poderá ser invocada.
A decadência do direito à repetição é regulada pelo art. 165 do CTN. Prevê-se a possibilidade de erro na conta, na identificação [9] ou a reforma, anulação, revogação ou rescisão da decisão condenatória. Dispensa maiores comentários pela clareza do texto.
4.1. A tese dos dez anos para o Fisco e o contribuinte: inconsistência
A utilização do verbo poderia no inciso I do art. 173 do Código Tributário, ao se referir à possibilidade de lançamento, levou à mudança de entendimento no STJ, para que se passasse a entender que o Fisco teria o prazo decadencial de dez anos (?!) para realizar lançamento de ofício em relação a tributos sujeitos a homologação de pagamento: após os cinco anos destinados à homologação, considerar-se-ia que o tributo pago, mas não extinto o crédito tributário, e o Fisco teria mais cinco anos para verificar a retidão do pagamento e fazer o lançamento.
A interpretação não tem consistência. Toma-se a conduta omissiva da Administração no poder de lançar como referencial inicial de novo prazo. Eurico de Santi ministra que ao cabo dessa ‘nova’ competência um outro ‘poderia’ faria iniciar um novo prazo para lançar, e assim sucessivamente, em insana circularidade. E arremata o estudioso:
O art. 150, § 4º do CTN, usado juntamente com o art. 173, I do CTN para a construção desse argumento, não é aplicável. Supôs-se os dois dispositivos mencionados estivessem em relação de causalidade, ou seja, que o termo final previsto pelo primeiro dispositivo seria a hipótese do segundo, como se decadência importasse em decadência. Além disso, parte-se da premissa de que não se efetuou nenhum pagamento antecipado: se não houve pagamento, não há o que homologar [10].
O STJ vem entendendo que ao contribuinte assiste igual prazo, sob a interpretação das expressões extinção de crédito e pagamento antecipado, oriundas, respectivamente, dos arts. 150, § 4º e 168, I, do CTN.
Por tudo o que já foi defendido neste trabalho, não merece a menor consistência a tese ora predominante. Como a obrigação tributária nasce do fato gerador, o pagamento antecipado não quer dizer precário, à espera de efeitos, é o próprio cumprimento da obrigação tributário. Por essa razão, desde ali começa a fluência do prazo decadencial.
Ademais, a expressão sob condição resolutória da ulterior homologação de lançamento foi interpretada de forma errada. A condição resolutiva, lembre-se, faz válido o negócio jurídico até que ocorra – e caso ocorra – elemento que o desfaça. Portanto, o pagamento surte efeitos desde logo.
Admitir a interpretação do STJ implica renegar ainda a forma tácita de homologação do pagamento. E ainda, o que seria mais absurdo, impedir o contribuinte de pleitear a restituição de tributo pago sem lançamento de ofício, até que este seja homologado.
5. Conclusão
A obrigação e o decorrente crédito tributário se formam com o fato gerador. Essa é a melhor interpretação sistemática do Código Tributário Nacional. Assim, a grande maioria dos tributos tem de ser paga sem a necessidade de verificação do fato gerador pelo Fisco.
O lançamento, na forma definida no art. 144 do CTN, é autuação administrativa, que ora tem a finalidade de constatar a sonegação de um tributo, ora tem o condão de iniciar o crédito tributário, para um número reduzido de prestações pecuniárias compulsórias.
Por isso, o termo lançamento por homologação é impróprio, tendo em vista que o procedimento previsto pelo art. 150 do CTN, no qüinqüênio legal, ou homologa - tácita ou expressamente - o pagamento, em vez de criar o lançamento, ou, verificando a irregularidade nesse pagamento, realiza o lançamento, que em nada é diferente à regra geral do art. 144.
O pagamento do tributo, assim, faz iniciar desde logo o prazo para o Fisco de seu direito de realizar o lançamento de ofício e, em conseqüência, de executar a cobrança do tributo. Para o contribuinte, o cumprimento espontâneo da obrigação tributária faz contar desde logo o prazo que tem para se insurgir contra o pagamento.
Em face do sistema do Código Tributário, a Receita não se pode valer do argumento de que dispõe de mais cinco anos para lançar o tributo após o decurso de cinco anos anteriores em poderia ter lançado, mesmo porque lançamento é dever da Administração, não faculdade. O contribuinte, tampouco, pode ficar aguardando inerte o decurso de cinco anos para que seja homologado o seu pagamento, para somente a partir daí ter mais um qüinqüênio para repetir o indébito.
6. Bibliografia
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7. Notas
1. Curso brasileiro de direito tributário, 1999, pp. 580/1.
2. Idem.ibid. p. 582
3. Curso de direito tributário. 1993. pp. 282/3
4. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 1997, p. 558.
5. Idem.ibid. p. 573
6. Ver, supra, considerações sobre a decadência do Fisco ser de cinco ou dez anos, cuja discussão tem a mesma origem que a prescrição
7. Decadência e prescrição no direito tributário. 2000, p. 39
8. op. cit. pp. 720/1.
9. O texto original do CTN utiliza o termo edificação, que nada tem a ver com o contexto do dispositivo.
10. op. cit. p. 41