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A terceirização ou concessão de serviços públicos sociais.

A privatização de creches municipais

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01/11/2002 às 00:00

Resumo:


  • A privatização em sentido amplo envolve desregulação, desmonopolização, privatização em sentido estrito, concessão de serviços públicos ou terceirização em sentido estrito.

  • Educação e saúde, quando prestados pelo Estado, são considerados serviços públicos sociais, sendo vedada a concessão ou terceirização da gestão desses serviços.

  • A terceirização de serviços públicos, como creches municipais, é viável apenas para atividades-meio, não permitindo a transferência da gestão operacional das atividades prestadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

I INTRODUÇÃO

Na onda das privatizações que estão ocorrendo em nosso país, alguns municípios pretendem até mesmo privatizar suas creches públicas. Empresas estatais estratégicas já foram vendidas pelo Governo Federal (como por exemplo, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce), e outras ainda poderão ser alienadas (como a Petrobrás, Banco do Brasil e Furnas). Fala-se, ainda, na possibilidade de privatização das Universidades Públicas.

O fato é que o modelo dito de "Estado gerencial", em que a tentativa de implantação foi iniciada pelo Governo do Presidente Fernando Collor de Mello (1990 a 92), e vem sendo implementado pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso, desde 1995, também é desejado por alguns estados e municípios brasileiros.1

Há sérios apontamentos ideológicos e políticos contrários ao repasse da gestão das creches públicas a terceiros, particulares, mas o que será tratado aqui é a impossibilidade jurídica desta privatização (ou transferência aos particulares).2

Por mais que certos governantes discordem, até mesmo porque muitas vezes são leigos sobre questões jurídicas ou mesmo mal assessorados, o fato é que o repasse da gestão de creches municipais para a iniciativa privada pode ser tomada como privatização dessa atividade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro3 entende que a privatização em sentido amplo, que também pode ser chamada de terceirização em sentido amplo, se dá de várias maneiras, com a:

a) desregulação, onde ocorre uma diminuição da interveniência do Estado no domínio econômico;

b) desmonopolização, quando o Estado quebra o monopólio de empresas públicas, sem a venda. Esse procedimento está acontecendo muito na Europa, sendo que, no Brasil, normalmente o monopólio é quebrado com a venda da empresa estatal;

c) privatização em sentido estrito, que é a alienação de empresas estatais, onde o Estado perde a titularidade, que a autora chama de "venda de ações de empresas estatais ao setor privado";

d) concessão de serviços públicos, onde o Estado mantém a titularidade do serviço público;

e) terceirização em sentido estrito (contratação de terceiros) ou mesmo firmamento de acordos, como os convênios, consórcios administrativos, etc. A autora denomina este tópico como contracting out.

Neste trabalho, quando for tratado sobre "privatização", deve ser entendido o termo como "privatização em sentido amplo", e o termo "terceirização", como "terceirização em sentido estrito".


II SERVIÇOS PÚBLICOS

Várias são as definições do que sejam serviços públicos na doutrina nacional e comparada, sendo essa conceituação uma das mais polêmicas do Direito Público, pois ainda não há nada pacificado.

Nesse trabalho, nos utilizaremos do conceito de serviço público de Celso Antônio Bandeira de Mello. Segundo o autor, serviço público é "toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo."4 (Grifamos.)

Um ponto importante nesta definição é o termo "regime de Direito público" ou "regime administrativo", que se dá com a submissão ao princípio da legalidade, a possibilidade de constituir obrigações por ato unilateral, a presunção de legitimidade dos atos praticados, a auto-executoriedade, a continuidade, a revogabilidade e a unilateral declaração de nulidade. Segundo o mesmo autor acima citado, "de nada adiantaria qualificar como serviço público determinadas atividades se algumas fossem regidas por princípios de Direito Público e outras prestadas em regime de economia privada". E ainda: "É por isso que noções como ‘serviço público econômico’, por exemplo (isto é, serviço público estatal prestado sob regime fundamentalmente de Direito Privado), não servem para nada."5

Alguns serviços são públicos por determinação constitucional (para União): art. 21, inc. X (serviço postal e correio aéreo nacional), inc. XI (telecomunicações), inc. XII, alínea "a", (radiofusão sonora e de sons e imagens), alínea "b" (energia elétrica), alínea "c" (navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária), alínea "d" (transporte ferroviário e aquaviário), alínea "e" (transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros), alínea "f" (portos marítimos, fluviais e lacustres), art. 194 (seguridade social) e arts. 205 e 208 (educação).

Muitos são de alçada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: art. 23, inc. II (saúde), inc. V (cultura e educação), inc. IX (construção de moradias, habitação e saneamento básico).

Mesmo não havendo total liberdade, o legislador ordinário pode qualificar certas atividades como "serviços públicos", que não serão, então, atividades econômicas em sentido estrito.6

Certos serviços públicos podem ter sua gestão repassados para particulares, por meio da concessão de serviços públicos, que "é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço".7

O caput do art. 175 da Constituição dispõe que:

Art. 175 Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente, ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Como regra, podem existir ainda a permissão de serviços públicos, que tem caráter mais precário que a concessão, e é utilizada normalmente em casos onde o permissionário não tem que se comprometer com investimentos de grande monta e nem alocar muito capital. A Lei nº 8.987/95, art. 2º, inc. IV, dispõe sobre a possibilidade da permissão ser "revogada" pelo poder concedente a qualquer momento.8

Os serviços públicos privativos (exclusivos do Estado) são prestados diretamente ou mediante concessão de serviços públicos.

Todavia, há serviços públicos que podem ser prestados por particulares sem a necessidade de concessão do Estado, como a educação (incluindo-se as creches) e a saúde. São os serviços públicos não privativos (não exclusivos), chamados também de serviços públicos sociais, que podem ser considerados como atividades econômicas em sentido estrito quando executadas por particulares, e serviços públicos quando exercidos pelo Poder Público (em regime de Direito Público).

II.1 A EDUCAÇÃO E OS SERVIÇOS PRESTADOS PELAS CRECHES PÚBLICAS COMO SERVIÇO PÚBLICO SOCIAL

Serviços sociais são "os que o Estado executa para atender aos reclamos sociais básicos, e representam ou uma atividade propiciadora de comodidade relevante, ou serviços assistenciais e protetivos. Evidentemente, tais serviços, em regra, são deficitários e o Estado os financia através dos recursos obtidos junto à comunidade, sobretudo pela arrecadação de tributos. Estão nesse caso os serviços de assistência educacional; apoio a regiões menos favorecidas; assistência a comunidades carentes, etc", segundo José dos Santos Carvalho Filho.9

Os particulares podem prestar os serviços sociais, não sendo caso de concessão, e sim de autorização e controle por parte do Poder Público. O que se verificará, nessa situação, será a fiscalização do Estado, nos termos do art. 199 da CF (saúde) e art. 209 (educação),10 sendo que, neste caso, não serão serviços públicos, mas sim, atividades econômicas controladas pelo Estado.

De qualquer forma, quando prestados pelo Estado, a gestão destes serviços não poderá ser repassada para particulares por simples terceirização ou mesmo concessão de serviços públicos.

O art. 23, inc. V, da Constituição da República, dispõe que:

Art. 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...)

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; (Grifamos.)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20.12.96 – LDB) dispõe o seguinte sobre creches:

Art. 4º O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: (...)

IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; (...)

Art. 11 Os Municípios incumbir-se-ão de: (...)

V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. (...)

Art. 30 A educação infantil será oferecida em:

I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; (...)

Art. 89 As creches e pré-escolas existentes ou que venham a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de ensino. (Grifamos.)

Fica claro que as creches públicas são entidades que prestam serviços públicos de educação infantil, e, portanto, os serviços executados por elas são considerados como serviços públicos sociais.

Alguns municípios também deixam claro o caráter educacional das creches em suas Leis Orgânicas Municipais. Por exemplo, a LOM de Curitiba dispõe o seguinte em seu art. 70:

Art. 175 O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...)

XII - Atendimento, em creche e pré-escola, das crianças de zero a seis anos de idade, inclusive dos portadores de deficiência. (Grifamos.)

Por conseguinte, verifica-se que os serviços de educação, inclusive os exercidos pelas creches (educação infantil) e os de saúde são serviços públicos sociais quando exercidos pelo Estado.

II.2 TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Entende-se que o que é permitido no caso das creches municipais é a participação de particulares de forma complementar, prestando serviços de atividade-meio (alimentação, limpeza, vigilância, contabilidade, ou certos serviços técnico-especializados,11 como por exemplo, a realização de exames médicos), e não a gestão, administração e execução das atividades prestadas pelas creches municipais, que são públicas.

Assim, ficaria afastada a possibilidade da Administração repassar por meio de contrato administrativo a gestão operacional da própria creche, ou seja, do próprio serviço público prestado, como um todo, por estas entidades, podendo ser transferida a execução material de atividades ligadas a esse serviço público.

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Portanto, podem ser criadas creches públicas ou privadas, não sendo os serviços prestados pelas creches considerados como serviços exclusivos do Estado (são serviços não exclusivos). Contudo, como ocorre com a educação e a saúde (todos serviços sociais), quando estas atividades são executadas pelo Estado, são consideradas serviços públicos, mesmo porque, a prestação de serviços de saúde e educação à população é um dever do Estado.

De qualquer forma, estes serviços sociais podem ser executados por particulares (vide, como exemplo, as escolas, hospitais e creches particulares, que são autorizadas a atuarem nestas atividades pelo Poder Público, que as controla).

O art. 6º, inc. II, da Lei nº 8.666/93, classifica serviço como toda atividade destinada a obter utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais. Note-se que, via de regra, a contratação de serviços (e não de pessoal ou mão-de-obra) em conformidade à Lei n° 8.666/93 é relacionada com as atividades-meio da Administração, e não atividades-fim.

Os serviços das creches municipais são serviços típicos dos seus servidores (atividade-fim), não sendo regular a terceirização por meio de licitação, e sim, pela via da contratação de pessoal por meio de concurso público (ver item sobre o tema).

Mesmo se fosse lícito o repasse da gestão das creches municipais a particulares, o instrumento para isso seria a concessão de serviços públicos, conforme a Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessões) e Lei nº 9.074/95, e não a terceirização stricto sensu (contratação de serviços relativos a atividade-meio, pela Lei nº 8.666/93).

Nesse caso, não poderá a Administração simplesmente terceirizar este serviço público por meio de contrato de prestação de serviços, conforme a Lei nº 8.666/93. O contrato de prestação de serviços realizado pela Administração serve para a terceirização de serviços considerados como atividade-meio da Administração, como serviços de limpeza, conservação, manutenção, etc.

Sobre a impossibilidade de repassar a gestão de serviços públicos por meio de terceirização, Marcos Juruena Villela Souto aduz que:

[a terceirização] Envolve uma atividade-meio do Estado, isto é, atividades instrumentais da Administração para realização de seus fins, caracterizando-se, basicamente, pela contratação de serviços, disciplinada pela Lei nº 8.666/93. Embora utilizada em atividades administrativas internas, tais como limpeza, vigilância e digitação, não devem vigorar para a Administração Pública as limitações impostas pela jurisprudência trabalhista (Enunciados nºs 226 e 331 do TST), que vedam a contratação por interposta pessoa na atividade-fim da entidade. A Administração moderna, que busca o ‘enxugamento’ da máquina Administração, não pode ser compelida a criar cargos e estruturas burocráticas se puder ser atendido o interesse público com técnicas mais eficientes e menos onerosas, através da contratação de prestadores de serviço, fornecedores de mão-de-obra; não cabe, no entanto, a transferência de gestão da atividade, permanecendo a responsabilidade com o Estado, que se vale de insumos privados (bens, pessoal, tecnologia, capital).12 (Grifamos.)

É com a concessão de serviços públicos que o Município poderia repassar a gestão de serviços públicos e a execução material de serviços que hoje estão sob o poder de municípios.13

Marcos Juruena Villela Souto ainda dispõe que a "terceirização difere da concessão, porque naquela, via de regra, transfere-se a execução de atos materiais mas não a gestão do serviço, tal como ocorre na concessão, na qual o concessionário atua em seu próprio nome, por sua conta, risco e responsabilização."14

Em síntese, entende-se que não pode o Estado repassar a gestão de serviços públicos por meio de terceirização (contratação de serviços), sendo esse instituto utilizado para a contratação, como regra, de atividades acessórias da Administração (atividade-meio). Ou seja, a gestão de uma creche pública não seria passível de terceirização.15

II.3 A GRATUIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELAS CRECHES E A IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO

Por meio de terceirização não se repassa serviços públicos a particulares. O meio adequado para o repasse seria a concessão de serviços públicos, o que entendemos também não é compatível no caso das creches.

Se os serviços de gestão das creches pudessem ser repassados a particulares, por meio de concessão de serviços públicos, o prestador destes serviços seria pago pelo próprio Município, e não pelos usuários das creches. Isso, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não é viável, inviabilizando a própria concessão do serviços públicos sociais prestados pelas creches:

Na locação de serviços, a remuneração é inteiramente paga pelo poder Público em troca do serviço que lhe é prestado pela locadora. Na concessão e na permissão, a regra é a remuneração pelos usuários, além das formas alternativas previstas nos arts. 11 e 18, da Lei nº 8.987/95. (...)

Ocorre que nem todo o serviço público pode ser objeto de concessão de serviço público; esse contrato somente é compatível com os serviços que permitam exploração comercial que garanta a remuneração do concessionário ou permissionário, o que não ocorre com os chamados serviços públicos sociais, que a própria Constituição ou a lei definem como gratuitos. É o caso da saúde, educação, assistência social. (...)

Quando esses serviços sociais constituem incumbência do Poder Público, como serviço público próprio, eles serão prestados, no direito brasileiro, sem ônus para o particular.

Sendo serviço gratuito, repita-se, não se presta à concessão ou permissão de serviços públicos, o que não impede a terceirização, sob forma de contrato de prestação de serviços, tendo por objeto exclusivamente atividades materiais ligadas à execução do serviço público; mas não a gestão operacional.16

Fabio Giusto Morolli salienta que descabe concessão de serviços públicos sem sujeição a regime tarifário, onde os particulares serão remunerados pelo titular do serviço.17 O autor ainda cita decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo18: "Não se pode argumentar com concessão de serviço público, já que é vedada ao poder público ou a particulares, em tal regime de concessão, a cobrança pelo serviço prestado".

Em posição contrária, Benedicto Pereira Porto Neto diz que a "inexistência de relação entre remuneração do concessionário e exploração do serviço não desnatura o instituto da concessão", aduz que "daí que não vejo qualquer impedimento legal para que o concessionário preste os serviços mediante o recebimento de preços da Administração, salvo na concessão de obra, pelas razões expostas."19

Como critério de julgamento das concessões de serviços públicos, a Lei nº 8.987/95, em seu art. 15, alterado pela Lei nº 9.649/98, trata apenas do menor preço da tarifa, da maior oferta ao poder concedente, melhor proposta técnica, melhor oferta de pagamento pela outorga, entre outras combinações.

Mesmo que a Lei de Concessões de Serviços Públicos disponha como critério de julgamento a "melhor oferta de pagamento pela outorga" (inc. VII do art. 15) sobre o critério "menor preço a ser cobrado pelo concessionário", esse critério seria factível apenas se o concessionário tivesse outros meios para arcar com seus gastos, o que não será o caso nas creches, por ser algo gratuito para a população.

Assim, ou o Município só poderia repassar para particulares serviços considerados como atividade-meio das creches, por meio de terceirização, em consonância à Lei nº 8.666/93, ou então teria que realizar concessão dos serviços públicos da creche, pelas Lei nº 8.987/95, em que os usuários das creches teriam que pagar por estes serviços aos concessionários.

Essa cobrança dos usuários seria inadmissível, pois inviabilizaria a utilização, por parte da população carente, das creches municipais. Além disso, segundo o supracitado art. 4º, inc. IV, da LDB, os serviços das creches públicas devem ser gratuitos.

Enfim, até mesmo como diz Celso Antônio Bandeira de Mello, "só há concessão de serviço público quando o Estado considera o serviço em causa como próprio e como privativo do Poder Público". Entende ainda que:

por isto não caberia cogitar de outorga de concessão a alguém para que preste serviços de saúde ou de educação, já que nenhuma nem outra destas atividades se constituem em serviços privativos do Estado. Quando desempenhados por ele, submetem-se ao regime próprio dos serviços públicos, mas, consoante dantes deixou-se registrado, seu desempenho é "livre" para particulares, na forma do disposto, respectivamente, nos arts. 199 e 209 da CF.20

Fabio Giusto Morolli ainda sentencia que mesmo não sendo possível o repasse da gestão da educação e da saúde por meio de concessão, é lícito o repasse por meio de parceria, entendendo que "a terceirização de serviços sociais pode ser excelente solução, que encampa o novel conceito de administração por resultados". O autor cita, como exemplo, os "voucher-saúde" e "voucher-educação"21, as organizações sociais22, os malfadados convênios à cooperativas de saúde em São Paulo23, e a terceirização.24

Por decorrência, verifica-se a incompatibilidade entre a sistemática das concessões de serviços públicos e o repasse da gestão de creches públicas e gratuitas à iniciativa privada.

II.4 AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA PARA A CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Caso fosse recomendável a realização de concessão de serviços públicos no caso das creches, há ainda a discussão sobre a necessidade ou não de lei específica autorizando esta concessão.

A Lei nº 9.074/95, em seu art. 2º, aduz que "é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios, em qualquer caso, os termos da Lei nº 8.987, de 1995".

Celso Antônio Bandeira de Mello, sobre o tema, tem a seguinte opinião:

A outorga do serviço (ou obra) em concessão depende de lei que a autorize. Não pode o Executivo, por simples decisão sua, entender de transferir a terceiros o exercício de atividade havida como peculiar ao Estado. É que, se se trata de um serviço próprio dele, quem deve, em princípio, prestá-lo é a Administração Pública. Para isto existe. (...)

Ademais, como é sabido e ressabido, a atividade administrativa marca-se por sua integral submissão ao princípio da legalidade. Daí o haver afirmado com absoluta exatidão o ilustre Seabra Fagundes que "administrar é aplicar a lei de ofício".25 E Fritz Fleiner em assertiva de extrema felicidade esclareceu que ‘Administração legal significa, então: Administração posta em movimento pela lei e exercida nos limites de suas disposições.26

Assim, cumpre que a lei fundamente o ato administrativo da concessão, outorgando o Executivo competência para adoção desta técnica de prestação de serviço. Nada impede, todavia, que a lei faculte, genericamente, a adoção de tal medida em relação a uma série de serviços que indique.27

Marçal Justen Filho também expressa-se por meio do seguinte raciocínio:

A análise do art. 175, caput, propicia fortes indícios da impossibilidade de outorga de concessões e permissões sem autorização legislativa. (...) Portanto, caberá à lei estabelecer se o regime de concessão ou permissão será adotado. Sem lei prevendo a outorga da gestão ao particular, a prestação do serviço far-se-á diretamente pelo Estado.28 (Grifamos.)

Assim, consideramos que para a realização de licitação para concessão do serviço público, é necessária a devida autorização legislativa específica.

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Sobre o autor
Tarso Cabral Violin

advogado, assessor jurídico da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social do Paraná (SETP), professor de Direito Administrativo do Centro Universitário Positivo (UnicenP), ex-integrante da Consultoria Zênite, pós-graduado no Curso de Especialização em Direito Administrativo pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (IBEJ), mestrando em Direito do Estado na UFPR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIOLIN, Tarso Cabral. A terceirização ou concessão de serviços públicos sociais.: A privatização de creches municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3515. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Texto publicado no Informativo de Direito Administrativo e Responsabilidade Fiscal (IDAF) nº 13, de agosto de 2002.

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