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Direito Alternativo

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01/06/2000 às 00:00
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"O Direito – posto que os direitos – contém a possibilidade de alteração diante de normas jurídicas ou formas interpretativas delas, que em potência já existem, mas que ainda não se tornaram realidade". [1]


I - INTRODUÇÃO

O trecho em epígrafe, retirado da obra "O Misoneísmo e o Filoneísmo Jurídicos", de autoria de Marco Antônio Scheuer de Souza, perfaz um ótimo ponto de partida para o estudo do que veio a se denominar, no Brasil, Direito Alternativo, corrente capitaneada por juristas do sul do país e que vem conquistando adeptos nos quatro cantos da nação, num espaço de tempo relativamente exíguo, tendo-se que sua existência oficial data de 1990.

Segundo o Juiz de Direito da Comarca de Tubarão, Dr. Lédio Rosa de Andrade [2], "o episódio responsável pelo surgimento do movimento do Direito Alternativo ocorreu no dia 25 de outubro de 1990, quando um importante veículo da imprensa escrita, o Jornal da Tarde, de São Paulo, veiculou um artigo redigido pelo jornalista Luiz Makouf, com a manchete JUÍZES GAÚCHOS COLOCAM DIREITO ACIMA DA LEI. A reportagem buscava desmoralizar o grupo de estudos e, em especial, o magistrado Amílton Bueno de Carvalho.

Ao contrário do desejado, acabou dando início ao movimento no mês de outubro de 1990, sendo o I Encontro Internacional de Direito Alternativo, realizado na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, nos dias 04 a 07 de setembro de 1991 e o livro Lições de Direito Alternativo 1, editora Acadêmica, os dois marcos históricos iniciais".

Embora o movimento só tenha sido organizado e sistematizado na década de 90, seu caminhar em terras brasileiras data de mais de 30 anos, originando-se no período da ditadura militar brasileira, onde o Estado de exceção criado pelo comando do exército gerou muitas injustiças e descontentamentos, inclusive dentre a classe dos juizes de direito, que contestavam a práxis da época e não viam no terror instaurado no Brasil a remota existência de um Estado de Direito, propagado nas Constituições do período e hoje experimentado pelo povo brasileiro, mesmo que de forma ainda incipiente.

Basta lembrar que, com o advento do AI-5, no apagar as luzes do ano de 1968, foram retiradas dos magistrados todas aquelas garantias que salvaguardam o exercício imparcial de seus misteres, como por exemplo a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos [3].

Esse movimento alternativista, que como acima descrito teve seu início, é definido por aqueles que dizem esposá-lo de formas tão antagônicas que chega-se a vinculá-lo desde a um padrão de conduta praeter legem e até mesmo contra legem [4].

Representação perfeita dessa forma de se entender o direito alternativo seria o parecer de Cláudio Souto [5], que pedimos vênia para transcrever:

"O direito alternativo é norma desviante em face à legalidade estatal, do mesmo modo que esta última lhe é desviante. Não coincide o direito alternativo com a legalidade do Estado, pois, de outro modo, não lhe seria alternativa".

Com esses alvitres não podemos concordar, visto que referendá-los seria derrubar todas as conquistas que até hoje tem sido duramente perenizadas no intuito de que se forme um verdadeiro Estado de Direito, ligado à noção de legalidade aplicável a todos os entes da vida social.

Para que possamos dar continuidade a nossas especulações, portanto, necessitamos definir o que seja direito alternativo, em nosso sentir, o que faremos ancorados em prestigiosa doutrina sobre o tema. Nesse sentido, assevera João Maurício Adeodato [6]:

"Uma terceira perspectiva é aquela que enfatiza, na expressão "direito alternativo", um uso diferenciado do direito estatal, o que se tem denominado uso alternativo do direito."

No mesmo sentir são os dizeres de Luiz Vicente Cernicchiaro:

"O Direito Alternativo, portanto, é a preocupação com o Direito. Infelizmente, entre nós, impõe-se utilizar o pleonasmo direito justo! Como se o direito pudesse afastar-se da justiça". [7]

Benedito Calheiros Bomfim, advogado e ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros também esclarece:

"Do desencontro entre a lei e o direito, entre códigos e justiça, nasce o direito Alternativo, que nada mais é do que a aplicação da lei em função do justo, sob a ótica do interesse social e das exigências do bem comum". [8]

O direito alternativo é, portanto, uma conscientização que deve ter o jurista acerca da hermenêutica das normas que consubstanciam dado ordenamento jurídico estatal. É, nesse sentido, um apego a uma interpretação teleológica da lei, atrelada aos valores de justiça e eqüidade, que são parâmetros ou medidas erigidas em fundamentos de nossa Constituição, desde seus mais primaciais desdobramentos, quais sejam seus arts. 1º, 3º e 5º. É o direito alternativo a prática do direito calcada no respeito a uma idéia de entrega de justiça; de procura por uma verdade material e não meramente formal; de respeito aos direitos fundamentais, cláusulas pétreas em nossa Carta Magna.

Ao partirmos dessadefinição, queremos estudar o direito alternativo como sinal do tempo de mudança e de rupturas em que vivemos, época em que o positivismo que centra nossas discussões jurídicas - até sem que o percebamos – é contestado em face de alguns descaminhos que gerou, agravados pela grande desigualdade social e violência que assolam nosso país e tornam mais penosa e importante a atividade jurisdicional.

Temos a Intenção de emonstrar até que ponto se pode falar em Alternativismo, respeitando-se as conquistas históricas do Estado de Direito e amainando-se suas deletérias conseqüências.

Nesse sentido, sempre estaremos trabalhando em uma área constante de tensão, pautada por um freio misoneísta, em direito configurado na segurança jurídica imperativa ao desenvolvimento social, e pela inquietação filoneísta, buscando saídas a indicar uma sociedade mais justa e que efetivamente trate os iguais como iguais e os desiguais como desiguais [9], transformando a inerte igualdade formal em material.

Para que nosso estudo torne-se mais profundo e adequado, traremos em apertada síntese uma história do desenvolvimento do direito no ocidente, mostrando os vários percalços que levaram ao apogeu do positivismo jurídico que se debate por ora, no que representa de errôneo relativamente à condução do direito como meio ou veículo de conduta social.


II - HISTÓRIA DA "JUSTIÇA"

Ao longo dos muitos anos de existência da sociedade ocidental, diversos métodos e diferentes soluções foram adotados para o efetivo controle social. O Direito, como o vemos nos dias de hoje, deve muito à filosofia grega e à praticidade romana, que deixou, como seu maior legado, sua estrutura jurídica, base sólida do direito moderno, como se percebe pelas palavras de Becker [10]:

"Roma proporcionou ao mundo antigo um sistema uniforme de direito, baseado na razão e na justiça. Foi esse o mais importante legado romano, deixado às civilizações posteriores".

O sistema romano, de extremamente rígido e formalista, passou a se guiar, em seu desenvolver histórico, pela justiça e alcance do tratamento igual a todos, nos moldes do já citado brocardo "igualdade é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual".

Quanto a este adágio, Becker também traz importante comentário, que deve ser transcrito:

"Os pretores e os juristas suavizaram as fórmulas rigorosas das primitivas leis romanas, guiando-se – na administração da justiça – por princípios de eqüidade e humanidade. Os pretores romanos tinham autoridade para definir e interpretar a lei e para dar instrumentos ao júri". [11]

A transcrição do texto supra citado nos leva a imediatamente fazer um paralelo entre os pretores romanos, aplicadores da justiça à época, e os juizes atuais, incumbidos da mesma função. A dúvida que perdura, na análise dessa comparação, atualmente, deve ser pontificada pelo questionamento sobre os limites da discricionariedade do juiz moderno, após seu veemente combate renascentista, fundamentado na situação jurídica que predominou na Europa, no conhecido "período das trevas".

O legado romano, responsável por tantas inovações no campo da justiça efetiva, no entanto, teve seu tempo de esquecimento, à realidade da idade média, em que o domínio bárbaro na Europa trouxe à tona seus empíricos e inexatos sistemas jurídicos, representando para o direito um grande retrocesso, uma volta ao passado tribal do homem, em que se via um misto de religiosidade e justiça.

Tal sistema é brilhantemente auscultado pelo ilustre Moacyr Amaral Santos, em sua obra "Prova judicial no Cível e Comercial", onde analisa seu desenvolvimento ao longo desse período, em que a realidade do Velho Continente era dominada por Godos, Visigodos, Lombardos, entre outros povos bárbaros que, ao invadir Roma, depuseram seu poder e modos, que resgatados foram a partir do período do Renascimento, em que o racionalismo e o antropocentrismo voltaram a dominar a realidade social, reerguendo os valores clássicos, guardados e resguardados nas grandes bibliotecas do período medieval [12].

Amaral Santos, em sua análise da prova, nos mostra sua imprescindível necessidade no processo e no direito, como um todo, indicando-nos como a sua imperfeição e arbitrariedade podem gerar situações injustas, exatamente como as combatidas pelo Direito Alternativo de hoje.

Dos exemplos dados pelo mestre, um denota a exata dimensão do favorecimento aos detentores do poder monetário, na justiça, segundo o sistema jurídico da prova, nos domínios dos Sálicos:

"Tratava-se da possibilidade de o acusador, mediante certa soma em dinheiro, que a lei fixava, se contentar com o juramento de algumas testemunhas que declarassem que o acusado não tinha cometido o crime, ficando este isento de prestar a prova da água fervendo". [13]

A prova da água fervendo, dentre outras do mesmo estilo (a prova pelo fogo, a prova pela sorte, a prova pela água fria), eram o principal meio probatório desses sistemas e atendiam pelo nome genérico de "ordálias ou juízos de Deus".

Moacyr Amaral Santos as define como "o submeter de alguém a uma prova, na esperança de que Deus não o deixaria sair com vida ou sem um sinal evidente, se não dissesse a verdade ou fosse culpado". [14]

Dentro dessa concepção, jogava-se um indivíduo no rio com os pés e mãos atadas: caso flutuasse, era culpado; se afundasse, inocente. Um sistema que deixava a justiça ao acaso e atribuía ao juiz poderes discricionários amplíssimos, que tornavam como nula a segurança jurídica e a paz social, criando uma situação de terror à justiça, que funcionava à mercê de se entender ser justo ou injusto o resultado de uma verificação ignóbil.

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Frente à situação que se verificava, somente se poderia esperar uma reação como a que rompeu com o ancién regime e, paulatinamente, introduziu no mundo ocidental o positivismo jurídico, rigidamente pautado nas prescrições dos Códigos e das leis. A um padrão de total arbítrio e despotismo, que se verificava travestido também no poder absoluto e destemperado dos monarcas, que concentravam todas as funções estatais que hoje vemos deferidas a órgãos especializados e coordenados, somente poderia se esperar uma reação de igual força e polaridade diversa.

Elegeu-se a segurança jurídica, a legalidade aplicada igualmente a todos os entes da vida social como o ponto nevrálgico do novo Estado, que se caracterizaria pela tripartição das funções legislativa, executiva e judiciária em órgãos específicos, para que se garantisse aqueles direitos ditos naturais e que foram sendo positivados nas cartas constitucionais que daí defluiram.

Essa nova visão do direito, que como explicitamos foi uma contrapartida ao estado de coisas anterior, foi o arcabouço inicial para o fortalecimento do poder burguês, que assumindo o poder, trocou o arbítrio pela legalidade como legitimadora de sua ascensão.

Ascensão essa que, num plano sociológico, se verificou ainda mais acentuada pela grande visualização que mereceu, no mundo jurídico, o aporte da doutrina positivista no direito, principalmente representada em seu mais declamado feixe de idéias, a teoria pura do direito, de autoria do jusfilósofo Hans Kelsen, representante da chamada escola de Viena. Kelsen é, sem qualquer favor, o maior jurista de nosso século, notório por ser aquele que erigiu as bases do Direito como ciência, mas não pode ser levado a efeito, modernamente, a ferro e fogo, sob pena de que o direito seja empecilho ao cumprimento de suas finalidades mesmas [15].

Tal constatação nos remete, hodiernamente, a nossa noção de Direito Alternativo, que é forma de corrigir os erros e descaminhos gerados por esse positivismo e formalismo exacerbados, conseqüência de nossa ordem econômica, política e social.

Numa sociedade em que a "Justiça" não é justa, efetiva, célere e instrumental, como a nossa, é óbvio que surgissem doutrinas a contrapô-la. Assim devemos entender o fenômeno do Direito Alternativo, em sua teoria, como bem já assinalou Cláudio Souto, em trecho supra citado.


III - DIREITO ALTERNATIVO E SUA APLICAÇÃO

"O Juiz precisa tomar consciência de seu papel político; integrante de poder. Impõe-se-lhe visão crítica. A lei é meio. O fim é o Direito. Reclama-se do magistrado, quando o necessário é ajustar a lei ao Direito". [16]

A Constituição da República, em seu preâmbulo – no que é especificada pelos arts. 1º, 3º, 5º dentre outros - indica um princípio fundamental para a sua aplicação, com status de lei fundamental que possui:

"Assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, fundada na harmonia social".

Tem por escopo o Estado Democrático de Direito brasileiro, portanto, a distribuição da justiça a todos, como forma e assegurar a harmonia e paz social de nosso povo. Um preceito bem vindo ao nosso ordenamento, mas que nele mesmo encontra desvios e dificuldades, oriundas da própria edição de leis que o desatendem.

Não é do desconhecimento de ninguém que muitas das leis vigorantes em nosso sistema jurídico tem origem meramente política, para atenderem interesses de determinados blocos econômicos. Essa situação nos leva a uma mitigação da aplicação da justiça em território nacional.

O poder e o dinheiro passam a ter prerrogativas na hora da construção e aplicação da lei, tornando a realidade factual diversa da previsão principiológica estatal.

Além desses fatores "extra-jurídicos", é de se considerar que lidar com direitos fundamentais que, em muitas situações podem ser conflitantes, domina-los e tratá-los de acordo com um critério de proporcionalidade [17], é tarefa das mais difíceis para o legislador e para o aplicador do direito, que em sua formação acadêmica está ainda muito atrelado ao estudo específico de legislações ordinárias e não possui uma formação sólida em direito constitucional que o permita laborar segundo preceitos principiológicos.

Tentando combater as injustiças geradas pela existência de tal realidade é que foi se arregimentando o Direito Alternativo, hoje uma referência nacional ao direito do sul do país, principalmente correlacionado ao estado federativo do Rio Grande do Sul.

A técnica hermenêutica alternativa prescreve uma aproximação maior entre a lei e a justiça no caso concreto, que intrinsecamente ligadas na origem do sistema, tem em muito se afastado ultimamente, no evolver da crise que enfrenta o direito, à véspera do novo milênio [18].

Uma aplicação que se percebe também na distribuição das penas, que cada vez mais tem seguido a lógica já pregada por Beccaria [19], que já no século XVIII abominava os apenamentos que não reeducavam o sujeito para a sociedade, somente o punindo e aumentando seu ódio social.

Sobre o assunto, interessa asseverar a opinião de Renato Wieser:

"O processo alternativo findou numa pena mais humana e racional, rompendo-se, desse modo, com o critério meramente técnico de aplicar uma sentença, ressaltando, por conseguinte, a eqüidade no julgamento". [20]

Para nós não é o direito alternativo, ao contrário do que muitos pensam e propalam, um anti-direito, a negação da ordem jurídica, outro direito, como já explanamos acima. Ele parte da norma para recriá-la, revitalizando-a, dando-lhe calor, substância, substrato, vida.

Trata-se de uma filosofia reflexiva, axiológica, perpassada pelo humanismo, em cuja aplicação há de se ter presente sempre o interesse da comunidade, a realidade social, os direitos da pessoa, o dinamismo da vida.

As palavras acima corroboram o que estabelece a Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, que em seu artigo 5º prescreve:

"Art 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Nosso próprio direito positivo nos dá ensanchas ou abertura para que nele se identifique uma clara finalidade de utilidade social, de necessária consentaneidade com seus fins de pacificação social e atendimento do bem comum.

Justamente por isso é o Direito Alternativo a negação do positivismo entendido como esterilidade e neutralidade diante da norma, como mecanização da aplicação jurídica como se verificou após o advento da revolução francesa, tudo isso em busca da verdadeira justiça e eqüidade. E é negação que o próprio sistema positivo engendra em seu corpo, naquela que é dita a "o direito do direito", a Lei de Introdução ao Código Civil.

O juiz não é um técnico somente, mas um ser que possui valores, que deve aplicar a norma "sob o ponto de vista cultural, sociológico, ético", como ser que está inserido em uma sociedade regida por esses elementos determinados, nas palavras de Mônica Sette Lopes [21].

Essa dicotomia entre o Direito Alternativo e a aplicação convencional-positivista do direito apresenta nitidamente um caráter de contraposição misoneísta-filoneísta, representada, respectivamente, pelo engessamento do direito e pelas variações da vida cotidiana, ou que nas palavras de Boaventura de Sousa Santos poder-se-ia identificar como tensão entre regulação e emancipação [22]. É um sinal do momento de crise de paradigmas e de rumos que vive o direito.

O misoneísmo, na obra de Marco Antônio Scheuer de Souza, em remissão ao dicionário Aurélio significa "a negação do progresso", o apego ao já estabelecido. O filoneísmo, pela mesma fonte tem como acepção "o pendor excessivo para coisas novas".

A aplicação dessa dicotomia resta claramente demonstrada na leitura do alvitre de Benedito Calheiros Bomfim [23]:

"O Direito Alternativo nada tem de radical, de revolucionário. Na realidade, sua destinação é o rejuvenescimento, a revitalização do direito positivo, já envelhecido, engessado, por ter se atrasado em relação aos fatos, se distanciado da realidade".

Esse engessamento e afastamento é também uma das grandes críticas à onda codificadora que se deu, principalmente, após o Code Napoleon, de 1804. E essa situação nos mostra quão grande é a necessidade de evolução, de um despertar para a realidade dominante, pela locomotiva filoneísta que é o Direito Alternativo.

Assim sendo, tomar o direito como letra fria, como mera forma sem alma, é desconsiderar sua finalidade social, é olvidar sua teleologia, qual seja, a instrumentalização da vida pela proteção dos direitos deferidos aos cidadãos e a todos aqueles que se encontrem em território nacional [24]. Aplicar a norma jurídica nos termos do que aqui postulamos ser o direito alternativo é dar trato hermenêutico que advém do próprio ordenamento positivo e que encontra azo no próprio fim a que se destina o direito.

Mas essa corrente enfrenta críticas, que abrangem tanto a extensão de sua aplicação, quanto a qualidade e responsabilidade atribuída a seus aplicadores. Muito interessantes são as ponderações tecidas pelo Excelentíssimo juiz do Tribunal Federal da 1ª Região, Dr. Eustáquio Silveira [25], esclarecendo:

"Não se permite que alguém, sem mandato popular, se arvore em legislador, pretenda aplicar o seu próprio e duvidoso direito, numa indiscutível ameaça à segurança jurídica. No dia em que cada juiz fizer a sua lei, a Justiça será para as pessoas uma verdadeira "loteria", em que quase sempre se perde e raramente se ganha".

Asseverando o verdadeiro papel do Direito Alternativo, a seu entender, segue comentando:

"O Movimento pelo Direito Alternativo é valido enquanto luta por um direito mais justo, mais moderno, que melhor corrija as desigualdades sociais e econômicas, não se podendo confundir nunca tal movimento com a pretensão retrógrada de alguns de substituir a lei (norma genérica) pela sentença (norma individual)". [26]

Tal crítica faz sentido, a partir do momento em que se podem gerar "Frankensteins Jurídicos", surgidos da pura e simples discricionariedade do juiz, voltando-se ao estado de coisas que se verificava no ancién regime, no modelo absolutista de Estado que antecedeu ao nosso paradigma moderno. Mas note-se que ele tem razão de ser a partir do momento em que se entenda o direito alternativo como solução praeter ou contra legem, o que já afastamos desde o início de nosso estudo.

A crítica acima levantada pode levar a uma outra dela dependente: confere-se ao juiz e demais aplicadores do direito um poder excessivo e que nas mãos de pessoas erradas pode gerar injustiças e até corrupção. Tal crítica seria mais pertinente por estarmos vivenciando, agora, uma crise gerada por denúncias de corrupção no judiciário.

Ora, a evolução de nosso direito público, o avanço de seus tentáculos sobre o direito privado e principalmente a mutação das normas processuais, que passam a conferir poderes maiores de condução e instrução processual ao juiz já são uma regra em nossa sociedade. Mas não são prerrogativas absolutas e livres de encargos ou obrigações. E mais ainda, são previsões que tomam como seu fator gerador a lei, formatada em nosso estado por um Poder Legislativo, apto e legitimado a tanto. Pernicioso seria e será se o julgador se imiscuir livremente na função de legislador no caso concreto, desconsiderando a lei posta mesmo que esta não possua um vício de incongruência com a Constituição e postular a solução que entender melhor.

Essa espécie de poder deve ser refreada por que representa a derrota de séculos de busca pela construção de um Estado de Direito.

A segurança jurídica, identificada em princípios como o da legalidade, no respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, no devido processo legal, poderiam ser jogados por terra em pouco tempo de aplicação desse "alternativismo déspota do julgador", que se arregimentaria das funções legislativa e jurisdicional e corromperia, inclusive, o princípio republicano, que tem por um de seus consectários a tripartição de poderes [27].

Por isso, o Direito Alternativo, em verdade, deve ser identificado como um método hermenêutico teleológico, marcado pelo respeito aos cânones de nosso sistema, encontrados no art. 60 § 4º da Constituição de 88, as chamadas cláusulas pétreas, e que vinculam a interpretação de nosso ordenamento jurídico ao respeito ao princípio federalista, à tripartição de poderes, à democracia e aos direitos fundamentais [28][29].

Dessa forma, vê-se que é até estranho denominar-se de "Direito Alternativo" o que vimos tratando em todo nosso estudo, visto que se vincula seu conteúdo à justiça e ao respeito ao que a Constituição e a Lei de Introdução ao Código Civil estabelecem, em seus já citados artigos 60, § 4º e 5º, respectivamente.

É o mesmo que dizer serem a justiça e o respeito ao direito práticas alternativas à nossa prática jurisdicional!

Essa denominação (Direito Alternativo), não obstante seja desproporcional ao seu conteúdo – em nosso entender, mostra quão errado estiveram e ainda estão o exegeta, o jurista e o acadêmico ao desvincularem a aplicação do direito à sua finalidade de pacificação social e entrega justa dos direitos, de respeito aos direitos fundamentais. Alternativo em nosso país é pregar que o direito não seja fim em si mesmo!

Tamanho descaminho e "neutralidade" geraram o alternativismo, tanto como o postulamos, como sob sua forma não legalista, que já combatemos. E justamente por isso temos que toda novidade ou filoneísmo jurídico deve ser aplicado e utilizado com cautela, assim como uma droga é testada anos a fio até ser aceita como própria para o consumo na sociedade.

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Sobre o autor
Rodrigo Klippel

assessor Jurídico TJ-ES, Mestre em Garantias Constitucionais -FDV, Professor da FDV e da Escola de Magistratura do Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KLIPPEL, Rodrigo. Direito Alternativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36. Acesso em: 22 dez. 2024.

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