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Da não-recepção do art. 408, caput, do Código de Processo Penal

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            Prescreve o art. 408 caput do Código de Processo Penal que: Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.

            Esta norma não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

            Sabemos que pelo fenômeno da recepção, a Constituição nova recebe a ordem normativa que surgiu sob o império de Constituições anteriores se com ela forem compatíveis [1], no dizer de Michel Temer, assim, toda a normatividade infraconstitucional terá como parâmetro a nova Constituição, subsistindo no ordenamento somente as normas que forem compatíveis com esta.

            Trata-se de entendimento assente na doutrina e na Jurisprudência.

            Comumente os autores ao comentarem a regra do art. 408 do CPP, deixam claro que nesta fase (da pronúncia), vigora o princípio do in dubio pro societate, assim Mirabete, para quem, é a favor da sociedade que nela se resolvem as eventuais incertezas propiciadas pela prova. Há inversão da regra in dubio pro reo para in dubio pro societate [2].

            A adoção do princípio in dubio pro societate, após a CF/88 é de manifesta inconstitucionalidade.

            Prescreve a Constituição Federal em seu art. 93, inciso IX, que todas as decisões judiciais serão fundamentadas, sob pena de nulidade. A Constituição não menciona, todas à exceção da decisão de pronúncia, sim todas. Assim, para que o Juiz possa, após a CF/88 pronunciar um Acusado deverá fundamentar sua decisão e fundamentar é dar suas razões de fato e de direito, sob pena de nulidade. Ainda, prescreve a Constituição Federal o odiado princípio da presunção de inocência, art. 5º, LVII, pelo qual todo acusado é considerado inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

            Ora, se todas as decisões devem ser fundamentadas e se o Juiz encontra-se no momento da pronúncia frente a uma pessoa presumivelmente inocente, somente com amparo em provas, ainda que sem um exame totalmente aprofundado do mérito destas é que poderá submetê-lo a Júri Popular.

            Simplesmente não tem o Poder Judiciário como se esconder por detrás do inconstitucional art. 408 caput do CPP, para pronunciar um Acusado, pois tal artigo foi redigido à luz de Constituição revogada e não se coaduna com as normas da atual, portanto não foi recepcionado.

            Não dá para coexistir em um Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º caput), o princípio da presunção de inocência juntamente com o dever da fundamentação de todas as decisões, com algo antidemocrático, ditatorial, como o é a norma do caput do art. 408 do CPP, pelo o qual na dúvida pronuncie-se sempre.

            Submeter alguém presumivelmente inocente sob o argumento de que há indícios de autoria, ainda que não vagos, e prova de materialidade, ao Tribunal do Júri, deixando, para que o santo do dia faça o milagre, é desconsiderar a Constituição Federal é esconder-se atrás de vetusta disposição legal não recepcionada.

            Não existe maneira de coexistirem as normas constitucionais supracitadas com a norma do caput do art. 408 do CPP, bem disse Carlos Maximiliano, um preceito contrário ao estatuto supremo não necessita de exegese, porque não obriga a ninguém: é como se nunca tivesse existido [3] (grifo nosso).

            Dizer que um inocente pode ser submetido a Júri Popular por força de algo como o princípio do in dubio pro societate é ferir a Constituição Federal é deixar o Poder Judiciário de cumprir sua missão institucional de zelar pela observância das normas jurídicas, em especial da Constituição da República.

            Ou a Acusação apresenta provas de autoria ou impossível é a pronúncia. Como submeter um inocente, à luz da Constituição, tendo que fundamentar a decisão sob pena de nulidade, ao Tribunal do Júri se não se apurou nada contra este?

            Ainda, a dignidade da pessoa humana foi erigida a dogma constitucional, sendo um dos fundamentos do Estado Brasileiro (art. 1. º, inciso III), ora, impossível conciliar dignidade humana com in dubio pro societate.

            Após a CF/88 tornou-se juridicamente impossível submeter a Júri Popular, acusado sob o qual pairem apenas indícios, necessário não um juízo de absoluta certeza, mas após o iudicium acusationis se pairarem dúvidas acerca da autoria, deve-se impronunciar o acusado. Este o entendimento que se coaduna com a presunção de inocência, com a obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões judiciais, com o dogma da dignidade da pessoa humana.

            Na fase da pronúncia, por força da Constituição Federal, na dúvida, resolve-se, não em favor da sociedade, mas em favor do acusado!

            Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, só se admite que um presumível inocente seja submetido a Júri Popular se sobre este pesarem algo mais que indícios.


BIBLIOGRAFIA

            TEMER, M. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 9.ª ed., 1992.

            MIRABETE, J. F. Processo penal. São Paulo: Atlas, 8.ªed., 1998.

            MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 19.ª ed., 2001.


NOTAS

            [1] TEMER, M. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 9.ª ed.,1992. p. 36.

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            2 MIRABETE, J. F. Processo penal. São Paulo: Atlas, 8.ª ed.,1998. p.487.

            [3] MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 19.ª ed. 2001. p.35.

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Sobre o autor
José Aparecido Fausto de Oliveira

Fui Defensor Público/MG, Procurador do Estado/MG e Professor Universitário na Faculdade de Direito da Unifenas campus São Sebastião do Paraíso/MG. Possuo capacitação em Direito à Saúde Baseada em Evidências pelo Instituto Sírio-Libânes de Ensino e Pesquisa e estou me Especializando em Direito Sanitário pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais. Sou Juiz de Direito em Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, José Aparecido Fausto. Da não-recepção do art. 408, caput, do Código de Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3618. Acesso em: 23 dez. 2024.

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