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A necessária participação da Advocacia-Geral da União no processo de políticas públicas

01/06/2003 às 00:00

Resumo:


  • A Advocacia-Geral da União (AGU) foi criada pela Constituição Federal de 1988, sendo classificada como "função essencial à Justiça".

  • A AGU tem como atribuições a defesa judicial e extrajudicial da União, além de prestar consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo.

  • A participação da AGU no processo de políticas públicas é fundamental para garantir a compatibilização da política com o ordenamento jurídico, evitando possíveis atritos sociais e prejuízos para a sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Constituição Federal de 1988 trouxe inúmeras novidades, dentre elas a criação da Advocacia-Geral da União (AGU) em seu art. 131, situando-a no Capítulo IV, do Título IV, que trata da Organização dos Poderes, classificando-a como "função essencial à Justiça." [1]

O Constituinte consignou duas atribuições de relevante importância para a novel Instituição: a defesa judicial e extrajudicial da União; e a consultoria e o assessoramento jurídicos ao Poder Executivo. Essa atividade de aconselhamento jurídico preventivo ao Poder Executivo Federal, com enfoque na política pública, é que será objeto de análise nesse singelo artigo.

O mundo globalizado torna mais complexas as relações em sociedade e é mais rigoroso com o homem moderno. Desse modo, o Estado Democrático de Direito brasileiro também tem de se adaptar às novas exigências, para cumprir, com eficiência, a missão de proporcionar o bem comum ao povo.

É nesse contexto que as atribuições de consultoria e de assessoramento jurídicos ao Poder Executivo devem ser proficientemente prestadas, a fim de se efetuar a compatibilização da política a ser implementada com as normas e princípios vigentes, para a perfeita satisfação dos interesses públicos. A tarefa é complexa e exige a participação de políticos, de gestores e de membros da AGU.

Nessa esteira de raciocínio, um plano político pode ser social e economicamente perfeito, do ponto de vista isolado de cada ciência que compõe o projeto político, mas ser um fracasso na prática, se não houver um lastro jurídico que lhe dê base e sustentação para prosperar.

Dentre os poderes constitucionalmente estabelecidos, incumbe especialmente ao Poder Executivo a tarefa de gerir o aparato estatal e de propor e de executar diretrizes e políticas a serem desempenhadas pelo Estado, para que se possa tornar concreta a consecução do bem comum.

Pontifica FERREIRA FILHO [2]:

Essa extensão de tarefas trouxe aumento de prestígio, especialmente porque nas repúblicas o Executivo se tornou desde cedo a cúpula do partido ou da coligação majoritária. Daí resultou que, embora a estrutura constitucional não se modificasse, ainda que o Legislativo conservasse uma preeminência aparente, o centro real do poder político se deslocou para o Executivo. De fato, este se tornou o motor da vida política, a mola do governo, o que, em última análise, veio repercutir no próprio campo legislativo, com a legislação delegada etc.

Mais ainda, tendo em mãos a vida econômica, pelo controle de câmbio, dos meios de pagamento, do fisco, veio o Executivo a transformar-se no árbitro da vida social, cujas opções governam a tudo e todos.

Ocorre que esse poder governamental não é absoluto, estando submetido a princípios e normas, caracterizadores do Estado Democrático de Direito. O Governo, precisa, pois, cercar-se de cautelas jurídicas, antes de deflagrar os seus planos políticos. Do contrário, poderá violar direitos e infringir o ordenamento jurídico.

O Estado Democrático de Direito agasalha mandamentos e valores do Estado de Direito e do Estado Democrático. Dentre eles, podem ser destacados: a supremacia da vontade popular; obediência à isonomia e à liberdade; submissão ao império da lei e da moral; indisponibilidade do patrimônio público; atuar com eficiência; publicidade; conduta proporcional e razoável; respeito aos direitos fundamentais.

Através da consultoria e do assessoramento jurídicos ao Poder Executivo Federal, a AGU irá orientar o governante, para bem elaborar o plano político, de acordo com a moralidade, com a legalidade e com os princípios e valores do Estado Democrático de Direito, a fim de que obtenha sucesso.

As atribuições da AGU de consultoria e de assessoramento ao Poder Executivo Federal, no que se refere a políticas públicas, estão delineadas na Carta Magna de 1988, porém mais detalhadas na Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (arts. 4º, VII, VIII, IX, X, XI; 10 e 11, I, III, IV e V)

Em termos práticos, como acontece esse aconselhamento jurídico ao Poder Executivo, para auxiliá-lo a viabilizar um plano político ?

No plano interno, a AGU pode elaborar, por exemplo, minuta de projeto de lei que o Executivo irá encaminhar ao Congresso Nacional; poderá preparar, também, em caso de relevância e urgência, proposta de Medida Provisória a ser editada pelo Presidente da República; demonstrar as razões de veto de projeto de lei; minutar atos normativos de hierarquia inferior à lei (decreto, portaria etc), para desenvolver política em andamento; examinar projetos de emenda constitucional; prestar esclarecimentos jurídicos a Deputados e Senadores, quando em audiência no Parlamento;...

No plano internacional, a AGU deve prestar previamente a orientação ao governante sobre o ato que será celebrado no exterior, a fim de se evitar transtornos e prejuízos, quando da incorporação do ato pelo ordenamento jurídico nacional. O tratado internacional pactuado sem as devidas cautelas jurídicas, pode não vir a ter vigência no Brasil, por contrariar normas que lhe são hierarquicamente superior; ou, sendo incorporado, trazer enormes prejuízos ao país, por conta de revogação de normas existentes. Precisa, assim, a AGU participar mais intensamente das reuniões preparatórias das viagens internacionais e ter conhecimento dos mandatos negociais que serão objeto dos atos a serem eventualmente celebrados no exterior, para um adequado e eficiente assessoramento jurídico à autoridade que irá praticar o ato.

Esses atos a serem praticados pela AGU são prévia e meticulosamente estudados, para encaixar, harmonicamente, a política a ser implementada no ordenamento jurídico. Assim, a AGU tem a missão de compatibilizar a política pública com o ordenamento jurídico, conferindo juridicidade aos atos do administrador público.

Todavia, torna-se necessário abrir um parêntese, aqui, para ressaltar que, quando for juridicamente impossível deflagrar um plano político, o membro da AGU, não só deverá comunicar ao responsável pela política pública esse fato, mas também coibir qualquer atitude confrontante com o sistema jurídico posto. Se necessário for, deverá adotar as medidas legais cabíveis contra o potencial dilapidador do patrimônio público, provocando, inclusive, o Ministério Público para eventuais providências criminais.

Por outro lado, o processo de elaboração e de implementação de uma política pública é dinâmico e complexo, envolvendo diversos aspectos a serem analisados. Problemas, objetivos, órgãos executores, execução, grupos de pressão, público alvo são fatores que devem ser cuidadosamente analisados pelos responsáveis pela elaboração e implementação de uma política pública. Assim, a análise jurídica da política pública é um dos pontos do processo de elaboração do programa a ser desenvolvido e que carece de exame por membros da AGU.

Quando deve ocorrer, então, a participação da AGU no processo de política pública ?

Segundo PEDONE [3], o processo de formação e de execução de um plano político teria cinco fases: I) Formação de Assuntos Públicos e de Políticas Públicas; II) Formulação de Políticas Públicas; III) Processo Decisório; IV) Implementação das Políticas e V) Avaliação de Políticas.

A formação de assuntos públicos e de políticas públicas compreenderia o momento em que surgem os problemas, com pensamentos e opiniões envolvendo esses temas. Constitui-se na formação de uma agenda política, contendo assuntos que merecem tratamento pelo Estado. A forma de entrada dessas matérias na agenda política pode se dar de várias maneiras: I) em decorrência do surgimento de crises (ex.: seca, desastres ecológicos, comprometimento do fornecimento de energia elétrica etc.); II) em razão do acontecimento de fatos, que vai aumentando a necessidade de intervenção do Estado, para tratar da demanda (ex.: difícil acesso do cidadão ao Judiciário); III) através da antecipação de problemas e conflitos existentes no horizonte de assuntos públicos (ex.: reformas previdenciária e tributária).

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Na fase de formulação de políticas públicas é que se dá, efetivamente, o início das análises, estudos e debates dos pontos e fatores existentes acerca do problema existente. Os aspectos sociais, econômicos, políticos e jurídicos são aqui discutidos, a fim de se encontrar as melhores diretrizes e coordenadas, para a resolução da questão enfrentada. Valores, princípios e leis são examinados nessa fase. Igualdade, liberdade, legalidade, moralidade, solidariedade e democracia são fatores que devem ser incorporados ao processo de discussão.

A tomada de decisões é o momento em que o responsável pela política pública faz a escolha, dentre as opções que lhe foram apresentadas, para bem atingir o objetivo público colimado.

O processo decisório é o momento crítico do processo de política pública, pois o governante tem de ter muita prudência e equilíbrio, para encontrar a solução mais adequada para o problema proposto. Uma decisão bem tomada terá condições de resolver o problema a ser enfrentado, ao passo que a decisão equivocadamente adotada, além de não resolver a situação, pode contribuir para agravá-la.

A implementação de políticas é a execução da política pública. Ocorre quando a política já está contida necessariamente numa espécie normativa. A implementação pode implicar na realização de subpolíticas, para se conseguir o desdobramento da política-mãe. A execução da política envolverá ações governamentais, com vistas a alcançar os fins e objetivos previamente traçados.

Por fim, a avaliação de políticas públicas compreende a análise dos resultados da política executada. Preocupa-se em saber se o programa da política pública alcançou o objetivo pretendido. A avaliação de resultados tem grande importância, pois serve para subsidiar o tomador de decisões a encontrar o caminho mais adequado, quando diante de situação que guarda semelhança com outra já previamente resolvida ou fracassada, ajudando-o a entender os motivos do sucesso ou insucesso anteriores, evitando que o mal se repita, ou aperfeiçoando o êxito alcançado.

Pode-se ver, então, que a necessária participação da AGU no processo de política pública deve ocorrer, preferencialmente, nas fases de "Formulação de Políticas Públicas", ou de "Processo Decisório". Agindo em uma dessas etapas, o membro da AGU terá perfeitas condições de analisar os caminhos jurídicos, que a política ora debatida poderá tomar, a fim de se conseguir uma implementação mais fácil e adequada para o plano que será executado. Fará o exame da compatibilidade do programa político com a Constituição e demais normas vigentes, bem como com os princípios e valores do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, a AGU terá condições de prever determinadas situações jurídicas que poderiam comprometer o sucesso do plano em debate, indicando, por conseguinte, os caminhos jurídicos mais seguros, para o governante ter maior facilidade e mais opções de escolha na sua tomada de decisão, evitando-se, assim, possíveis atritos sociais decorrentes da implantação da política pública examinada.

Entretanto, a atuação tardia da Instituição no projeto político - ou a sua ausência de participação - pode vir a inviabilizar o plano estabelecido, tornando sem efeito, por conseguinte, as ações que vierem a ser praticadas. Essa falta de participação, ou atuação deficiente, da AGU na discussão da política pública pode ocasionar, mais adiante, atraso, frustração de expectativas e prejuízos para toda a sociedade, como aconteceu em planos econômicos pretéritos, planejados e executados numa era em que, malgrado não houvesse AGU, a visão política era míope, quando se falava em princípios e normas jurídicas.

A participação intensa da AGU no processo de políticas públicas, portanto, é providência de capital importância, para o sucesso da ação política a ser implementada pelo Poder Executivo Federal. A ausência de atuação, ou a integração tardia da AGU nas discussões, podem gerar danos à sociedade, prejudicar metas traçadas e ocasionar sanções aos responsáveis pelo fiasco político.


Notas

01. Dispõe o art. 131.: "A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo".

02. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 19ª ed., São Paulo, Saraiva, 1992, pg. 191.

03. PEDONE, Luiz. Formulação, Implementação e Avaliação de Políticas Públicas. Brasília, Fundação Centro de Formação do Servidor Público – FUNCEP, 1986.

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Sobre o autor
César do Vale Kirsch

advogado da União, pós-graduando lato sensu em Direito Público pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KIRSCH, César Vale. A necessária participação da Advocacia-Geral da União no processo de políticas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4139. Acesso em: 28 dez. 2024.

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