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A legalização da eutanásia no Brasil

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22/09/2003 às 00:00

Resumo:


  • A eutanásia é uma prática antiga, discutida desde a Grécia Antiga, com filósofos como Platão e Epicuro abordando o tema e povos como os espartanos praticando a eliminação de recém-nascidos e idosos considerados um fardo.

  • O termo eutanásia foi cunhado por Francis Bacon no século XVII, significando uma "boa morte", e o conceito envolve questões éticas e legais, sendo classificada em ativa e passiva, com a eutanásia passiva relacionada à omissão de tratamentos que prolongam a vida de pacientes terminais.

  • A legalização da eutanásia é um tema controverso e não amplamente aceito; no Brasil, a prática é tipificada como homicídio privilegiado ou omissão de socorro no Código Penal, e embora haja projetos de lei para regularizar a eutanásia passiva, ainda há resistência e preocupações sobre possíveis abusos e desvios de finalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

II – DA LEGALIZAÇÃO

Antes mesmo de tecermos nossas devidas considerações a respeito da legalização da eutanásia no Brasil e no mundo, é preciso nos situarmos no tempo para identificarmos as bases sólidas que incutiram o processo de legalização.

Em 1903, a Alemanha e, em 1912, o Parlamento dos Estados Unidos discutiram e rejeitaram projetos que versavam sobre homicídio caritativo.

O art.143 do Código Penal russo deu ensejo, em 1922, ao fuzilamento de 117 (cento e dezessete) crianças acometidas de doença tida como incurável à época, por terem ingerido carne de cavalo infecta.

Copiando o art.102 do projeto de Código Penal Suíço de 1918, em 1924, o Peru legalizou o homicídio piedoso (art.157), assim como cuidou da matéria o Projeto Tcheco-eslovaco de 1925 (art. 271, § 3º).

Em 1931, na Inglaterra, o Dr. Millard, propôs uma Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Essa sua proposta serviu de base para o modelo holandês. O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal, através da possibilidade do "homicídio piedoso". Esta legislação uruguaia possivelmente foi a primeira regulamentação nacional sobre o tema. Vale salientar que esta legislação continua em vigor até o presente.

Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução contrária a eutanásia.

Em 1973, na Holanda, uma médica, Dra. Postma, foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe. Foi condenada com uma pena de prisão, suspensa, de uma semana, e liberdade condicional por um ano. Em 1981, a Corte de Rotterdam estabeleceu critérios para o auxílio à morte. Em 1990, a Real Sociedade Médica Holandesa e o Ministério da Justiça estabeleceram uma rotina de notificação para os casos de eutanásia, sem torná-la legal, apenas isentado o profissional de procedimentos criminais. Em 1991, houve uma tentativa frustrada de introduzir a eutanásia no Código Civil da Califórnia/EEUU. Os Territórios do Norte da Austrália, em 1996, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia.

Nos territórios do Norte da Austrália, esteve em vigor de 1º de julho de 1996 a março de 1998, a prática da Eutanásia, ocasião que oportunizou a morte de quatro pessoas. Tal lei recebeu o nome de "Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais" (Carneiro, et al, 1999, In: http://www.jus. com.br/doutrina/biogm.html). A lei determinava três requisitos essenciais para que o interessado pudesse utilizar-se da Eutanásia: o estado de saúde do paciente deveria ser crítico e atestado por três médicos; os períodos de tempo devem ser extremamente respeitados; após esse período, o paciente teria acesso a um equipamento, operado por computador, que consiste em um tubo que é ligado à veia do paciente e uma tecla "SIM". Se o paciente pressionasse a tecla, recebia uma injeção letal. (Alves, 1999, p. 15).

Na Holanda, está legalizada a eutanásia, submetendo-se à limitação de um ato médico e a sete condições apontadas na lei de 10 de abril de 2001, entre elas destacamos o fato de a doença ser incurável que cause sofrimentos insuportáveis ao paciente, devendo o pedido deste ser voluntário e refletido.

À luz do Novo Código Penal da Espanha, consideram-se despenalizadas as práticas de eutanásia passiva (não prolongação artificial da vida) e de eutanásia ativa indireta. Na França, quaisquer das práticas são puníveis como homicídio voluntário.

O Uruguai foi o primeiro a ter legislação, inspirada na doutrina estabelecida pelo penalista espanhol Jiménez de Asúa, sobre a possibilidade da realização da Eutanásia, quando em 1º de agosto de 1934, na entrada do Código Penal Uruguaio foi caracterizado o "Homicídio Piedoso", no art. 37 do capítulo III, que abordou a questão da impunidade ao facultar ao juiz a exoneração do castigo a quem realizou este tipo, desde que preencha três condições básicas: ter antecedentes honráveis; ser realizado por motivo piedoso; a vítima ter feito reiteradas súplicas. Estas condições são, na verdade, uma possibilidade do indivíduo que for o agente do procedimento.

Nos Estados Unidos, recebem considerável apoio as idéias do movimento "Morte com dignidade" para paciente com doenças terminais, que provocam grande sofrimento físico. A Suprema Corte, ao examinar dois casos nos Estados de Washington (Costa Oeste) e Nova Iorque (Costa Leste) (19), em 1997, decidiu que a dificuldade para se definir "doença terminal" e o risco de o desejo do paciente morrer não ser voluntário, justificam e mantém a proibição do suicídio assistido. Em síntese, verificamos que a pretensão dos defensores da eutanásia nada mais é do que a disciplinação legal e racional de uma prática humanitária, cujas origens remotas se encontram na sabedoria institutiva, dos seres humanos primitivos da época tribal.

No entanto, a partir do sentimento que cerca o direito moderno, a eutanásia tomou caráter criminoso, como proteção ao mais valioso dos bens: a vida, não passando de autêntico homicídio, que nada tem de piedoso ou misericordioso, apesar das insistentes tentativas atuais da humanidade em consagrá-lo no ordenamento jurídico.

Decorridos tantos anos, apesar dos esforços, a institucionalização da eutanásia, não tem sido bem aceita na maioria dos países.

1. Código Penal Brasileiro

Em seu artigo Homicídio eutanásico: eutanásia e ortotanásia no anteprojeto de Código Penal (20), Renato Flávio Marcão, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, mestre em Direito Penal pela Universidade Mackenzie, especialista em Direito Constitucional, professor de Direito Penal e Processo Penal na Unirp e Unip, em São José do Rio Preto (SP), sucintamente descreve o plano histórico do tratamento do tema abordado no sistema jurídico brasileiro, assim dispondo:

"Entre nós, seguindo a linha do Código Criminal do Império (1830), o Código Penal Republicano, mandado executar pelo Dec. 847, de 11.10.1890, não contemplou qualquer disposição relacionada ao homicídio caritativo, e destacou em seu art. 26, c: "Não dirimem nem excluem a intenção criminosa, o consentimento do ofendido, menos nos casos em que a lei só a ele permite a ação criminal". Por sua vez, a Consolidação das Lei Penais, Código Penal brasileiro completado com as leis modificadoras então em vigor, obra de Vicente Piragibe (cf. Saraiva & Cia. Editores, Rio de Janeiro, 1933), aprovada e adaptada pelo Dec. 22.213, de 14.12.1932, em nada modificou o tratamento legal anteriormente dispensado ao tema, conforme seu Título X, que tratou "Dos crimes contra a segurança da pessoa e vida" (arts. 294/314). Também não estabeleceu atenuante genérica relacionada ao assunto, conforme se infere da leitura de seu art. 42, ou outro benefício qualquer.

Como escreveu Hungria (op. cit., p. 125), o Projeto Sá Pereira, no art.130, n. IV, incluía entre as atenuantes genéricas a circunstância de haver o delinqüente cedido "à piedade, provocada por situação irremediável de sofrimento em que estivesse a vítima, e às súplicas", e, no art. 189, dispunha que "àquele que matou alguém nas condições precisas do art. 130, n. IV, descontar-se-á por metade a pena de prisão em que incorrer, podendo o Juiz convertê-la em detenção". No Projeto da Subcomissão Legislativa (Sá Pereira, Evaristo de Morais, Bulhões Pedreira), já não se contemplava expressamente o homicídio compassivo como delictum exceptum, mantendo-se, entretanto, a atenuante genérica que figurava no inc. IV do art. 130 do Projeto anterior. Também o atual Código (Dec.-Lei 2.848/40) não cuida explicitamente do crime por piedade. As alterações introduzidas pelas Leis 6.416/77 e 7.209/84 não trataram do assunto em questão".

O Código Penal Brasileiro Atual não fala em eutanásia explicitamente, mas em "homicídio privilegiado". Os médicos dividem a prática da morte assistida em dois tipos: ativa (com o uso de medicamentos que induzam à morte) e passiva ou ortotanásia (a omissão ou a interrupção do tratamento). Hodiernamente, no caso de um médico realizar eutanásia, o profissional pode ser condenado por crime de homicídio – com pena de prisão de 12 a 30 anos – ou auxílio ao suicídio – prisão de dois a seis anos.

No mesmo diploma legal, a Eutanásia passiva, tema de nosso maior interesse, está atualmente tipificada como crime previsto no artigo 135, intitulado omissão de socorro.

"Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível faze-lo sem risco, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro da autoridade pública:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplica, se resulta a morte." (Grifo nosso)

Bem próximo da eutanásia está o suicídio assistido, mas não se confundem. Nem o suicídio assistido se confunde com a indução, instigação ou auxílio ao suicídio, crime tipificado no artigo 122 do Código Penal. Na eutanásia, o médico age ou omite-se. Dessa ação ou omissão surge diretamente a morte. No suicídio assistido, a morte não depende diretamente da ação de terceiro. Ela é conseqüência de uma ação do próprio paciente, que pode ter sido orientado ou auxiliado por esse terceiro.

2. Projeto de Lei nº 125/96

O projeto nº 125/96 foi o único projeto de lei sobre o assunto da legalização da eutanásia no Brasil tramitando no Congresso, que nunca foi colocado em votação, da autoria do senador Gilvam Borges, do PMDB do Amapá.

Ele propõe que a eutanásia seja permitida, desde que uma junta de cinco médicos ateste a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente. O próprio paciente teria que requisitar a eutanásia. Se não estiver consciente, a decisão caberia a seus parentes próximos. Nem o senador tem esperanças de que o projeto vingue.

O próprio Gilvam argumentou que "essa lei não tem nenhuma chance de ser aprovada". Segundo o deputado federal Marcos Rolim, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, "ninguém quer discutir a eutanásia porque isso traz prejuízos eleitorais". Rolim, que é do PT gaúcho, diz que, nos dois anos em que presidiu a comissão, jamais viu o assunto ser abordado.

3. Anteprojeto do Código Penal

O Anteprojeto do Código Penal altera dispositivos da Parte Especial do Código Penal também comina ao homicídio a pena de reclusão de 6 a 20 anos laborado pela Comissão de "Alto Nível" nomeada pelo Ministro Íris Rezende. O ilustre Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro assinala que o Anteprojeto distingue dois tipos de eutanásia – a ativa e a passiva – já apreciadas no presente estudo.

No projeto da Parte Especial do Código Penal, o § 4º do art. 121 aduz:

Art. 121.

§ 4º.

"Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém, por meio artificial, se previamente atestada, por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão".

Tipificada está a eutanásia passiva, também chamada de eutanásia indireta, eutanásia por omissão, ortotanásia ou paraeutanásia. Neste dispositivo, há expressa exclusão de ilicitude. Não é crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Pessoa ligada por estreito vínculo de afeição à vítima não poderá suprir-lhe a anuência.

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A eutanásia ativa, apesar de não ser foco de nossas ponderações, está estipulada no § 3º do mesmo artigo, dispondo :

Art. 121.

§ 3º.

"Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena - reclusão, de dois a cinco anos".

III - DA PESQUISA DE CAMPO

A idéia de se realizar uma pesquisa de campo foi cogitada no nosso projeto de pesquisa. É que na elaboração deste inúmeras pesquisas foram feitas, o que nos levaram a defrontar com o seguinte trecho de um artigo da internet (encontra-se no seguinte site: http://www.ciberacores.net/correiodahorta/2002/Julho/Opiniao2838.shtml):

A eutanásia é uma derrota social

Maria Fernanda Barroca
Colaborador

São Paulo - A legalização da eutanásia foi amplamente aprovada pelos leitores que votaram na pesquisa promovida pelo estadao.com.br. O direito de o doente em estado terminal optar pela morte foi aprovado por 68% dos internautas. Vinte e oito por cento dos que votaram no Portal do Grupo Estado são contrários à medida.

Salta aos nossos olhos o fato de a própria população brasileira, que sempre tem se mostrado conservadora e profundamente religiosa, ter sido favorável a uma medida que a maioria dos países com culturas mais avançadas se recusam a adotar. Assim sendo, a realização de uma pesquisa de campo passou a ser muito mais uma necessidade do que meio de colher informações complementares.

A experiência foi satisfatória. Tivemos a oportunidade de analisar a questão sobre outros ângulos, entender a postura conservadora de alguns e a visão mais aberta de outros. Todavia, não foram poucas as pessoas que não tinham conhecimento aprofundado sobre o assunto a ponto de desconhecer a distinção entre eutanásia ativa da passiva.

Estes foram os entrevistados:

  1. 60 alunos de medicina da UFPB;
  2. 3 médicos (nos campos: cirurgia, anestesia, geriatria) do HU/UFPB;
  3. 2 juristas especializados (21);
  4. O Professor de Filosofia Jurídica do CCJ/UFPB (Eduardo Rabenhorst).

A pesquisa de campo nos possibilitou constatar que os brasileiros não abominam a eutanásia passiva. A maior parte a tolera e há, inclusive, adeptos. Percebemos que existem diferenças entre a eutanásia e a legalização da eutanásia, uma vez que maior parte dos entrevistados tolera a eutanásia passiva, mas é contrária à sua legalização.

A postura da Igreja Católica em ser tolerável à eutanásia passiva, segundo informações constatadas durante a pesquisa teórica, confirma os dados obtidos na pesquisa de campo, considerando o Brasil um país católico. Entretanto, da pesquisa dos posicionamentos das religiões é possível perceber que estas forneciam respostas à questão da eutanásia e não da sua própria legalização que, no plano pragmático, têm sentidos e repercussões diversas.

É preciso traçar uma linha divisória entre o plano da teoria e o da prática, pois pode não haver correspondência entre eles ao tratar de uma mesma questão. Apesar de maior parte dos entrevistados serem toleráveis e, até, favoráveis à eutanásia passiva, são contrários à legalização da eutanásia passiva, ou porque é desnecessária ou porque daria azo para a prática da eutanásia ativa, inclusive homicídios forjados, que continuariam sendo crimes com a Reforma proposta no Anteprojeto do Código Penal.

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Sobre o autor
Luiz Inácio de Lima Neto

acadêmico de Direito na UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA NETO, Luiz Inácio. A legalização da eutanásia no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 81, 22 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4217. Acesso em: 23 dez. 2024.

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