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Controle interno na Administração Pública:

um eficaz instrumento de accountability

31/10/2003 às 00:00
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Considerações Iniciais

É através da Administração Pública que o Estado dispõe dos elementos necessários para implementar as prioridades do Governo. Assim, é de extrema relevância o estudo acerca das ações empreendidas pelo gestor da coisa pública, destacando especial atenção ao grau de aderência ao interesse público (efetividade).

O presente trabalho estuda a evolução do controle interno como instrumento de accountability, centrando atenção à ética na condução da res publica.


O Controle Interno

O objetivo principal do controle interno é o de possuir ação preventiva antes que ações ilícitas, incorretas ou impróprias possam atentar contra os princípios da Constituição da República Federativa do Brasil, principalmente o art. 37, seus incisos e parágrafos.

Segundo Gomes [1], um sistema de controle compreende a estrutura e o processo de controle. A estrutura de controle deve ser desenhada em função das variáveis-chave que derivam do contexto social e da estratégia da organização, além de levar em consideração as responsabilidades de cada administrador ou encarregado por centros de competência. A estrutura contém, ainda, o sistema de indicadores de informações e de incentivos.

O controle interno se funda em razões de ordem administrativa, jurídica e mesmo política. Sem controle não há nem poderia haver, em termos realistas, responsabilidade pública. A responsabilidade pública depende de uma fiscalização eficaz dos atos do Estado. [2]

Neste contexto o controle interno opera na organização compreendendo o planejamento e a orçamentação dos meios, a execução das atividades planejadas e a avaliação periódica da atuação.

O controle é instrumento eficaz de gestão e não é novidade do ordenamento jurídico brasileiro. Observemos o que a Constituição Federal brasileira dispõe sobre o assunto:

Art. 70: A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta, indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada poder (grifos nossos).

Art. 71: O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União.

Art. 74: Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno [...] (grifo nosso).

Outro fundamento do controle interno na Administração Pública está no art. 76 da Lei nº 4.320/64, o qual estabelece que o Poder Executivo exercerá os três tipos de controle da execução orçamentária: 1) legalidade dos atos que resultem arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações; 2) a fidelidade funcional dos agentes da administração responsáveis por bens e valores públicos; 3) o cumprimento do programa de trabalho expresso em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços.

A Lei nº 4.320/64 inovou ao consagrar os princípios de planejamento, do orçamento e do controle, estabelecendo novas técnicas orçamentárias a eficácia dos gastos públicos.

Com relação aos custos dos bens e serviços, tanto a Lei 4.320/64 (art. 85), quanto o Decreto-Lei 200/67 (art.25, IX e art. 79) estabeleceram que a contabilidade deveria apurá-los, a fim de buscar uma prestação de serviços econômica e evidenciar os resultados da gestão. Mais de 30 anos se passaram sem aplicação, e a Lei complementar n° 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, volta a exigir a apuração dos custos, como se nunca tivesse havido legislação anterior.

A aprovação da LRF deve incorporar aos costumes político-administrativos a preocupação com os limites de gastos pelos administradores públicos municipais, estaduais e federais. A lei veio regulamentar o artigo 163 da Constituição Federal, introduzindo o conceito de gestão fiscal responsável. Nesse contexto, poderá vir a produzir um forte impacto quanto ao controle global da arrecadação e execução dos orçamentos públicos.

A idéia que deu origem a essa lei foi apresentada pelo Governo Federal no auge da crise fiscal brasileira, em novembro de 1997. A partir da aprovação do projeto de lei, todos os orçamentos públicos deverão apresentar superavit primário. Assim, espera-se que os ciclos históricos de deficits nos orçamentos públicos sejam interrompidos, em razão deste novo sistema de monitoramento e responsabilização.

Para Motta, [3] o impacto causado pela LRF, desde sua proposição, encarece o princípio jurídico da eficiência quando focaliza o estrito liame que deve existir entre a fixação e a execução de metas fiscais, enfatizando o controle do percurso para consecução de resultados. Torna concreto e palpável o princípio da economicidade, pela conceituação mais exata de gestão orçamentária e fiscal. Reaviva a noção de continuidade administrativa, até então pouco explorada pelo ordenamento legislativo e mesmo pela doutrina nacional. E desenvolve, sobretudo, o princípio fundamental da responsividade ("accountability"), correlato a todos os demais descritos no art. 37 da Carta Magna.


Ética e Accountability na Gestão Pública

A ética, entendida como conjunto de princípios que direcionam o agir do homem, apresenta, quando estudada no âmbito da gestão pública, a interligação, profunda, com a relação entre o Estado e a sociedade, notadamente, quanto ao exercício da cidadania.

O conceito de cidadania tem sido objeto de muitos estudos e aqueles que se dedicam mais ao tema são capazes de indicar o surgimento de um novo conceito de cidadania. Fundamentalmente, a acepção que se tem de cidadania abrange duas dimensões.

A primeira está intrinsecamente ligada e deriva até da experiência dos movimentos sociais; dessa experiência, boa parte é aquilo que entendemos como luta por direitos que, aliás, encampa o conceito clássico de cidadania, que é a titularidade de direitos.

A essa experiência dos movimentos sociais tem-se agregado uma ênfase mais ampla na conciliação da democracia. Assim, podemos dizer que a construção da cidadania aponta para a edificação e a difusão de uma conduta democrática, ou seja, as coisas estão intimamente relacionadas.

O controle interno na Administração Pública deve, sobretudo, possibilitar ao cidadão informações que confiram transparência à gestão da coisa pública. Desta forma, o sistema integrado de controle interno deve servir como agência de accountability, agência de transparência, de responsividade e prestação de contas de recursos públicos.

Os mecanismos de controle se situam em duas esferas interdependentes de ação: os mecanismos de accountability verticais — da sociedade em relação ao Estado — e os de accountability horizontais, isto é, de um setor a outro da esfera pública.

A palavra accountability é um termo de origem inglesa. Para Castor citado por Peixe [4]:

"Que traduzido por responsabilidade ou (...) melhor ainda por imputabilidade (...) obrigação de que alguém responda pelo que faz (...) obrigação dos agentes do Estado em responder por suas decisões, ações e omissões, o que já é universalmente consagrado como norma nas sociedades mais desenvolvidas".

Accountability representa a obrigação que a organização tem de prestar contas dos resultados obtidos, em função das responsabilidades que decorrem de uma delegação de poder. Na conceituação de Tinoco [5] apud Nakagawa:

"A responsabilidade (accountability), como se vê, corresponde sempre à obrigação de executar algo, que decorre da autoridade delegada e ela só quita com a prestação de contas dos resultados alcançados e mensurados pela Contabilidade. A autoridade é a base fundamental da delegação e a responsabilidade corresponde ao compromisso e obrigação de a pessoa escolhida desempenhá-lo eficiente e eficazmente."

Verifica-se que a palavra accountability significa a obrigação de prestar contas dos resultados conseguidos em função da posição que o indivíduo assume e do poder que detém.

A accountability vertical é, principalmente, embora de forma não exclusiva, a dimensão eleitoral, o que significa premiar ou punir um governante nas eleições. Essa dimensão requer a existência de liberdade de opinião, de associação e de imprensa, assim como de diversos mecanismos que permitam tanto reivindicar demandas diversas como denunciar certos atos das autoridades públicas. Já a accountability horizontal implica a existência de agências e instituições estatais possuidoras de poder legal e de fato para realizar ações que vão desde a supervisão de rotina até sanções legais contra atos delituosos de seus congêneres do Estado.

Tratamos apenas dos mecanismos de controle horizontais, pois são considerados mecanismos essenciais de transparência e promoção da ética na gestão pública. Podem ser classificados em quatro tipos principais: a) os controles administrativos, que são um autocontrole, pois exercidos pelos próprios poderes sobre seus atos e agentes; b) os controles legislativos, que são representados pelo apoio ou rejeição às iniciativas do poder executivo nos legislativos (trata-se aqui de um controle político); c) os controles de contas, que são essencialmente técnicos, pois têm a função de controlar as contas públicas, subsidiando os legislativos; e d) os controles judiciários, que objetivam coibir abusos do patrimônio público e do exercício do poder por parte das autoridades.

Os "controles administrativos" são denominados genericamente de controles internos. Fazem parte da estrutura administrativa de cada poder, tendo por função acompanhar a execução dos seus atos, indicando, em caráter opinativo, preventivo ou corretivo, ações a serem desempenhadas com vistas ao atendimento da legislação. Já em relação ao poder executivo, os poderes que o controlam são os controles legislativos e de contas, denominados controles externos, ou seja, são órgãos independentes da administração, não participando, portanto, dos atos por ela praticados, pois cabe a eles exercer a fiscalização. Esse conjunto de controles horizontais, internos e externos, é formalmente institucionalizado por uma rede de órgãos autônomos.


Transparência e Accountability

Ao percorrer todos os setores administrativos de uma entidade, a controladoria, além de conhecer o funcionamento, o custo-benefício e a performance de cada setor e seus aspectos legais, poderá oferecer alternativas de melhoria de desempenho do setor e da Administração Pública como um todo.

A controladoria propicia elementos para a busca da modernidade, da qualidade, da transparência e da probidade administrativa.

O sistema de accountability não se detém somente na preocupação com a probidade dos gestores públicos. Um sistema de accountability, na visão de Peixe apud Behn [6]"... que estabeleça e reforce a confiança pública no desempenho governamental", além de outras formas para envolver os cidadãos, uma vez que são estes que necessitam de um melhor desempenho de seu governo.

A visão de Administração Pública, em accountability, está diretamente ligada à descentralização de responsabilidades, atribuindo poder à base da administração, à sociedade organizada em empresas sem fins lucrativos, tais como associações, cooperativas, organizações não-governamentais, enfim a sociedade civil organizada em busca da cidadania.

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Para Peixe [7] ao citar Trosa,

"...essa mudança só pode ocorrer por meio da obrigação muito reforçada de prestar contas dos resultados, a não ser que se lance mão da entropia, ou explosão, ou da corrupção no serviço público. A obrigação de prestar contas é para o serviço público uma espécie de substituto do mercado. Ela é também o corolário normal de um sistema democrático em que os funcionários devem dar conta de suas ações às autoridades."

A transparência se impõe como fundamental para substituir controles burocráticos por controles sociais. Se a Administração Pública se torna acessível, faz-se necessário dar maior publicidade às suas ações para poder controlar o bom uso dos recursos utilizados, além de estimular a concorrência entre os fornecedores e a participação da sociedade no processo decisório, dando mais legitimidade à ação estatal.

A accountability requer o acesso do cidadão à informação e à documentação relativas aos atos públicos, as formas pelas quais seus governantes estão decidindo em seu nome ou gastando o dinheiro que lhes foi entregue sob forma de tributos, portanto, a qualidade da democracia praticada na sociedade depende o grau de transparência das ações governamentais.


Conclusão

Os gestores públicos devem ter em mente a responsabilidade de se preocupar constantemente com os produtos, bens e serviços, que oferecem para os cidadãos aos quais devem prestar contas permanentemente, ou seja, praticar o conceito de accountability. Para atender a essa premissa devem estar estruturados de maneira que possam demonstrar contabilmente a origem e a aplicação dos recursos públicos.

O sistema de controle interno deverá estar consolidado no compromisso do trinômio da moralidade, cidadania e justiça social ao atingir o processo de democratização do Poder ao verdadeiro cliente (cidadão) que já não suporta ver tanto desperdício e malversação de recursos públicos.

A idéia de um sistema de controle interno, pautado nos fundamentos da accountability, reflete integridade, representando um passo importante no estabelecimento de uma política consistente de controle da corrupção, mas é somente o início do caminho para uma política de reformas que garantam o controle sustentável da corrupção.


Notas

01. GOMES, Josir Simeone; SALAS, Joan M. Amat. Controle de gestão: uma abordagem contextual e organizacional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

02. DROMI. Roberto Derecho Administrativo, 5. ed., Ediciones Ciudad Argentina, p. 673 citado por PESSOA, Robertônio. Curso de direito administrativo moderno. 1ª ed. Brasília: Consulex, 2000.

03. MOTTA, Carlos Coelho Pinto. Gestão fiscal: e resolutividade nas licitações. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

04. PEIXE, Blênio César Severo. Finanças Públicas: controladoria governamental. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2002.

05. TINOCO. João Eduardo Prudêncio. In Balanço social: balanço da transparência corporativa e da concentração social. Revista Brasileira de Contabilidade n. 135 – maio/junho 2002. p. 62

06. PEIXE, 2002, p.149

07. PEIXE, loc. cit.


Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em http://www.interlegis.gov.br

_______. Lei federal n 4.320, de 17 de março de 1964. Disponível em http://www.interlegis.gov.br

_______. Decreto-Lei n 200, de 25 de fevereiro de 1967. Disponível em http://www.interlegis.gov.br

_______. Lei Complementar n 101, de 04 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal, Disponível em http://www.interlegis.gov.br

CHIAVENATO, Idalberto. Introdução a teoria geral da administração. 6. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE (CFC). Lei de Responsabilidade Fiscal LRFácil:guia contábil da lei de responsabilidade fiscal. Brasília: CFC, 2000.

CRUZ, Flávio da. Comentários à lei 4.320. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

GOMES, Josir Simeone; SALAS, Joan M. Amat. Controle de gestão: uma abordagem contextual e organizacional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

MACHADO Jr., José Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A lei 4.320 comentada. 22. ed. Rio de Janeiro: IBAM, 1990.

MOTTA, Carlos Coelho Pinto. Gestão fiscal: e resolutividade nas licitações. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

PEIXE, Blênio César Severo. Finanças Públicas: controladoria governamental. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2002.

PESSOA, Robertônio. Curso de direito administrativo moderno. 1ª ed. Brasília: Consulex, 2000.

Revista Brasileira de Contabilidade n. 135 – maio/junho 2002. p. 62

Revista L&C Direito e Administração Pública n. 53 – novembro de 2002, Brasília: Consulex. p.40-41

SILVEIRA, Roberto Zanon da. Tributo, educação e cidadania. 1. ed. Vitória: IHGES, 2002.

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Sobre o autor
Carlos Henrique Fêu

assessor técnico no Município de São Roque do Canaã (ES), consultor da Lex Consultoria Planejamento e Tecnologia Ltda.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FÊU, Carlos Henrique. Controle interno na Administração Pública:: um eficaz instrumento de accountability. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 119, 31 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4370. Acesso em: 15 nov. 2024.

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