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A ordem de vocação hereditária e seus problemas no direito brasileiro, no direito comparado e no direito internacional privado

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25/09/2003 às 00:00
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O novo Código Civil, embora trazendo muitos pontos obscuros, fez algumas mudanças na ordem de vocação hereditária, merecendo destaque a inclusão do cônjuge supérstite como herdeiro necessário.

SUMÁRIO: Introdução; Item 1. Evolução histórica da ordem de vocação hereditária no direito brasileiro; Item 2. A ordem de vocação hereditária no Direito Comparado: Brasil e Argentina; Item 3. Regras disciplinadoras do direito sucessório e da ordem de vocação hereditária no Direito Internacional privado; Conclusão; Bibliografia.


Introdução

No primeiro item deste trabalho buscaremos abordar a ordem de vocação hereditária no direito brasileiro, desde as ordenações Filipinas até o Código Civil de 1916, tratando de como eram divididos os bens do de cujus e as principais curiosidades e diferenças que foram surgindo no decorrer dos anos em nosso país.

A ordem de vocação hereditária também será nosso tema de estudo no novo Código Civil (Lei n. 10.406 de 10.01.2002) e relataremos no item 2 as inovações trazidas por esta recente lei, comparando-a ao direito argentino, que embora não trate com muitas diferenças tal assunto, traz-nos algumas peculiaridades que merecem nossa atenção.

E, por último, no item 3, verificaremos o procedimento sucessório no direito internacional privado, pelo que dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil e nossa Constituição Federal de 1988, bem como outras regras que disciplinam o assunto em tela.


Item 1.

Evolução histórica da ordem de vocação hereditária no direito brasileiro

Desde o descobrimento do Brasil, ou melhor, no período colonial, nosso país esteve sob o mesmo regime jurídico de Portugal, que era o das Ordenações Afonsinas, que datam de 1446 e das leis que a esta seguiram, sendo logo substituídas pelas Ordenações Manuelinas. Até que se entrasse em vigor as Ordenações Filipinas, desde 1521 foram elaboradas Leis Extravagantes. Estas ordenações, embora deficientes em relação a distribuição das matérias, pela sistematização e pelo apego a tradição, eram amplíssimas e melhores que as legislações anteriores.

As Ordenações Filipinas, o mais duradouro código legal português, foram promulgadas em 1603 por Felipe I, rei de Portugal e vigoraram plenamente no Brasil até 1830, contendo cinco livros.

Em seu Título LXXXVIII, as Ordenações Filipinas estatuíam as causas de deserdação e exclusão dos filhos da herança paterna e materna, entre outras disposições. O título XCII do Livro IV das mesmas Ordenações dispunha relativamente aos filhos ilegítimos de nobres e peões, distinguindo os filhos naturais dos peões dos filhos de fidalgos, escudeiros e cavaleiros, em relação à sucessão causa mortis. Concorriam à herança os filhos dos fidalgos com outros legítimos, mas isto a lei não admitia em relação aos filhos de fidalgos e outros nobres, pois a estes somente era permitida a sucessão testamentária.

Essa controvérsia somente terminou em 1847, com o advento da Lei n. 463 de 2 de setembro daquele ano.

Assim, essas disposições foram complementadas pelo Título XCIII das Ordenações, que permitiam a esses filhos a sucessão, exceto na herança paterna.

As partilhas, a sucessão de bens em enfiteuse, bem como a sucessão dos descendentes eram reguladas pelo Título XCVI das Ordenações.

O Título XCII do Livro IV das Ordenações dispunha como o filho do peão sucedia a seu pai e, o Título XCIII, como os irmãos de danado coito sucediam uns aos outros. Neste último caso, morrendo algum filho de Clérigo ou fruto de algum outro tipo de relacionamento punível pelas Ordenações, sem deixar testamento, seu herdeiro seria seu irmão, filho de sua mãe.

As Ordenações Filipinas também tratavam da sucessão entre marido e mulher (Título XCIV), estabelecendo que se o marido ou a mulher falecessem sem testamento, não havendo parentes até o décimo grau que devessem herdar seus bens, um era herdeiro universal do outro.

Portanto, o chamamento hereditário, na época das ordenações Filipinas, assim era realizado, pelo que dispunha o Título XCVI:

"Quando algum homem casado, ou sua mulher se finar, deve o que ficar viúvo dar partilha aos filhos do morto, se os tiver, quer sejam filhos de ambos, quer da parte do que se finou, se forem legítimos, ou tais, que por nossas Ordenações ou Direito devam herdar seus bens.

E não havendo filhos, dará partição aos netos ou outros descendentes do defunto, ou aos ascendentes, se descendentes não tiver, quando os ascendentes estiverem em igual grau. E estando os ascendentes em desigual grau, herdará o ascendente mais chegado em grau, assim como se se finasse uma pessoa sem descendentes e tivesse sua mãe viva e seu avô ou avó, pai ou mãe de seu pai, em tal caso sua mãe sucederá e não o avô ou avó, pai ou mãe de seu pai e assim em semelhantes casos. E, não havendo herdeiros descendentes, ou ascendentes por linha direta, dará o que vivo ficar partição a quem o morto mandar em testamento.

E, falecendo sem testamento, a dará aos parentes mais chegados do defunto segundo disposição do Direito e partirá com os herdeiros do defunto todos os bens e coisas que ambos haviam, assim móveis, como raiz". [1]

Teixeira de Freitas consolidou outras leis, sendo a mais importante a Lei n. 463 de 1847, alterando a ordem de vocação hereditária acima citada onde, a partir de então, são incluídos na sucessão os descendentes na primeira classe dos sucessíveis, mencionados os filhos legítimos e os ilegítimos sucessíveis, excluindo os sacrílegos, adulterinos, incestuosos e outros descendentes, conforme as Ordenações do Reino e da Lei n. 463.

Em 1899, Carlos de Carvalho na elaboração do Projeto de Código Civil, reproduziu a maioria das disposições da Consolidação Teixeira de Freitas, incrementada por outras notas da 3ª edição, que data de 1875.

Essa nova Consolidação incluía os descendentes, na sucessão ab intestato, na primeira classe de herdeiros e dispunha sobre a sucessão dos filhos legítimos e ilegítimos, dos netos e outros descendentes, preferindo os de grau mis próximo, exceto o direito de representação (arts. 1731 "a", 1732, 1733, 1720 e 1721).

Em relação a Consolidação anterior, manteve a vocação à herança materna, mas impôs a igualdade entre os descendentes legítimos (mesmo que de casamentos diferentes) e bem assim em relação aos ilegítimos sucessíveis. Os filhos de casamento putativo eram admitidos à sucessão dos ascendentes como se legítimos fossem.

Salvo direito de deserdação expressa, era assegurado aos descendentes o direito de representação e era mantida a legítima (base de dois terços da herança).

Em razão da forma pouco precisa que as Ordenações tratavam determinados assuntos, nossos juristas foram obrigados a consolidar diferentes disposições referentes a enfiteuse, diante da possibilidade de nomeação de sucessores nos prazos vitalícios e familiares, os quais, em certas hipóteses, eram incomunicáveis.

Podemos citar algumas controversas que permaneceram pertinentes a descendência, tais como:

-Sucessão dos netos;

-Representação dos pais falecidos;

-Sucessão por estirpe;

-Filhos adotivos e

-Filhos espúrios.

Até a elaboração do Projeto de Clóvis Beviláqua, assim estava disposta nossa legislação sobre direito sucessório, vigorando os seguintes princípios, entre outros, como nos enumera Sady Cardoso de Gusmão:

1."o de transferência do domínio aos herdeiros, aberta a sucessão, aos quais a lei assegurava a posse civil com efeitos de natural, segundo a fórmula da Nova Consolidação, de Carlos de Carvalho, art. 1716, com base no Alvará de 9 de novembro de 1774, confirmado pelo assento de 1776;

2.o relativo à dupla forma de sucessão: ab intestato e testamentária, regulando as Ordenações a vocação hereditária, o conteúdo e forma dos testamentos e a execução testamentária, bem assim as instituições de substituições de herdeiros;

3.o da restrição à liberdade de testar, fixando na terça a parte disponível, assegurada a legítima dos filhos e dos pais, na qualidade de herdeiros necessários;

4.o de que a capacidade para suceder é a do tempo da abertura de sucessão, a qual se verifica no lugar do último domicílio do de cujus;

5.o de que ao cônjuge sobrevivente, no casamento celebrado sob o regime da comunhão de bens, cabe continuar, até a partilha, na posse da herança, com a qualidade de cabeça-do-casal;

6.o da aceitação da herança, passível de retratação em termos, e da qual resulta a responsabilidade do herdeiro pelos encargos da herança;

7.o da possibilidade da renúncia expressa e irretratável, salvo violência, erro ou dolo;

8.o do limite da responsabilidade do herdeiro às forças da herança;

9.o da jacência da herança não havendo testamento e nos mesmos termos constantes das Consolidações Teixeira de Freitas e Carlos de Carvalho;

10.o da exclusão do herdeiro indigno e possibilidade de deserdação com declaração de causa, sendo que o direito anterior compreendia numerosas causas, como a convolação de segundas núpcias pelo pai ou mãe, sem fazer inventário dos bens do primeiro casal; as relações ilícitas do descendente com a concubina do pai ou mancebo da mãe; a hipótese de casamento do filho menor, sem consentimento da pessoa sob cujo pátrio poder estivesse, etc.;

11.o da sucessão dos descendentes e ascendentes, na qualidade de herdeiros necessários, com particularidades a serem estudadas nos capítulos seguintes, em especial no refente à família ilegítima;

12.o de sucessão dos colaterais até o décimo grau por direito civil, preferindo ao cônjuge sobrevivente;

13.o da representação, quando chamados os parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivesse;

14.o de responsabilidade por sonegados;

15.o de obrigação de colacionar os bens havidos em doação do de cujus e para igualar as legítimas". [2]

Com a elaboração do Projeto Clóvis, a sucessão dos descendentes contava no art. 1771 e o artigo seguinte estabelecia que na linha dos descendentes os filhos sucediam por cabeça e os mais remotos, por estirpe, independentemente se estavam ou não no mesmo grau. O art. 1773, por sua vez, equiparava os filhos naturais reconhecidos e os adotivos aos legítimos.

Após a primeira revisão, o projeto dispunha sobre a sucessão pelos descendentes nos arts. 1938 e 1940, sendo que este último equiparava aos filhos legítimos os legitimados, naturais reconhecidos e adotivos.

O art. 1941, por sua vez, reservava ao cônjuge supérstite uma porção de bens igual a de um filho (exceto se divorciado), quando o regime de bens excluísse o da comunhão universal.

Após muitas modificações, a nossa legislação se via em torno de problemas relativos à colocação do cônjuge supérstite na ordem de vocação hereditária, sendo inserido em terceiro lugar, bem como a limitação da classe de colaterais no sexto grau, exclusão do princípio da soberania, redução da legítima dos herdeiros necessários (descendentes e ascendentes) de dois terços para a metade dos bens, cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade, entre outros.

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Posteriormente a muitas controversas, o Código Civil de 1916 instituiu, como expõe Sady Cardoso de Gusmão, as seguintes normas em relação aos descendentes na sucessão:

1."a da prevalência dos descendentes sobre o cônjuge e quaisquer outros parentes, equiparados aos legítimos, os legitimados e os naturais reconhecidos, salvo os reconhecidos na constância do matrimônio (arts. 1603,I e 1605), a estes últimos deu direito o Código apenas à metade do que couber aos legítimos;

2.Concessão de direito sucessório ao filho adotivo, nas mesmas condições supra, restrita a sucessão à metade da herança quando concorrer com legítimos, supervenientes à adoção (art. 1065, § 2º);

3.Da aplicação da lei brasileira de referência à sucessão de estrangeiro em sendo o mesmo casado com brasileira, ou em tendo deixado filhos brasileiros, nos termos do art. 14 da antiga Lei de Introdução ao Código Civil;

4.De divisão de herança, entre os filhos, por cabeça e entre os demais descendentes por cabeça e por estirpe, conforme se achem ou não, no mesmo grau (art. 1604);

5.De representação por parte dos descendentes do herdeiro falecido e até as forças do quinhão que caberia ao representando (arts. 1620,1621 e 1624);

6.Da restrição do direito de dispor em testamento, em havendo descendentes necessários, assegurado inclusive tal direito, ainda, pelas disposições que regulam a ruptura dos testamentos;

7.Da segurança da mesma legítima, através dos rigores da lei, de referência à deserdação, que somente pode ser feita, com declaração de alguma das causas previstas nos arts. 1595 e 1744 do Código e de exigência de colação, relativa aos descendentes em geral, sujeitos à mesma o descendente renunciante, quanto à parte inoficiosa da doação, e os netos, pelo que deveria ser conferido pelos pais, em relação à sucessão do avô". [3]

Essas normas vigoraram sem alterações até o advento da Constituição de 1934, mais de dez anos depois.

Uma das mais importantes modificações se refere a alteração parcial do disposto no art. 14 da LICC, que estabelecia a obediência a lei nacional do falecido, exceto se era casado com brasileira ou tivesse filhos brasileiros, caso em que os bens ficariam sujeitos à lei brasileira.

Após profundas discussões, determinou-se no art. 134 que seria regulada pela lei nacional a vocação para suceder em bens de estrangeiros existentes no Brasil em benefício do cônjuge brasileiro e dos seus filhos, desde que não lhes seja mais favorável a lei do de cujus.

Importante modificação nos trouxe também a Constituição de 1937, revogando o §1º do art. 1605 do Código Civil pelo seu art. 126, estabelecendo a igualdade dos filhos naturais e reconhecidos na sucessão, extinguindo a diferença entre os reconhecidos antes e depois do casamento.

Posteriormente a isso, várias leis ainda mudaram nosso direito sucessório, inclusive no que se refere à sucessão de descendentes, pois possibilitava o reconhecimento de filhos adulterinos após o desquite do progenitor ilegítimo, acarretando o recolhimento da herança por tais filhos.

As relações sucessórias, o direito de herança e a situação de bens de estrangeiros situados no Brasil, disciplinados e garantidos pela Constituição Federal de 1988 serão estudados no item 3 deste trabalho.


Item 2.

A ordem de vocação hereditária no Direito Comparado: Brasil e Argentina

Em prosseguimento ao item anterior, continuaremos tratando da ordem de vocação hereditária no Direito Brasileiro, mas agora analisando as principais modificações referentes a este tema trazidas pelo novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e comparando-as com a legislação em vigor na Argentina.

De 1916 a 2003, nosso Código Civil disciplinava a vocação hereditária em seu Livro IV, mais precisamente no art. 1603, dando a seguinte ordem, no caso da sucessão legítima:

I-Descendentes;

II-Ascendentes;

III-Cônjuge sobrevivente;

IV-Colaterais;

V-Municípios.

Dessa maneira, apenas uma classe era chamada na falta de representantes da classe precedente, sendo que se não houvesse descendentes, somente os ascendentes eram chamados para herdar.

Durante a vigência do Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente nunca herdava se houvesse representantes das classes precedentes à sua, não assumindo a sua qualidade de herdeiro, a não ser no que se referia a sua meação, que nada tem a ver com direito sucessório. O que lhe pertencia era apenas o direito de divisão do patrimônio adquirido durante a sociedade conjugal, nos regimes de comunhão total e comunhão parcial de bens.

Portanto, a sua condição de herdeiro somente era somada a de meeiro se não houvesse descendentes do de cujus. Conclui-se que o cônjuge não era herdeiro necessário na ordem de vocação hereditária, mas herdeiro facultativo, o que possibilitava ao de cujus, na ausência de herdeiros necessários (descendentes e ascendentes), deixar a totalidade de seus bens a qualquer pessoa, pois a lei não reservava a parte do cônjuge supérstite, como fazia em relação aos herdeiros necessários.

O novo Código, porém, modifica a situação do cônjuge sobrevivente, dando-lhe lugar de destaque com a qualidade de herdeiro necessário (art. 1845), com o provável intuito de beneficiar o supérstite, mas não altera a ordem de vocação hereditária.

Acreditamos que a inclusão do cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário seja a alteração mais polêmica que o novo Código Civil trouxe, no que tange a ordem de vocação hereditária, o que ainda traz muitos pontos discutíveis, não pacíficos em nossa doutrina. Vejamos alguns:

I-Concorrerá o cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido em sua herança, na mesma proporção, quando não tenha sido casado com o de cujus, pelos regimes de comunhão universal ou separação obrigatória de bens. Da mesma forma ocorrerá se o regime de casamento fosse o da comunhão parcial e o autor da herança possuísse patrimônio particular.

Analisando juntamente o art. 1832, constatamos que se o cônjuge sobrevivente concorrer com filhos exclusivos do falecido, receberá quinhão igual ao destes. Mas, se os descendentes com quem concorrer são também seus filhos, o supérstite não poderá herdar menos que a quarta parte da herança.

Mas, devemos ressaltar que a nova lei não se referiu ao caso de existirem filhos comuns e exclusivos do falecido, não se pronunciando a respeito da solução nesses casos.

II-Concorrendo o cônjuge sobrevivente com ascendentes do de cujus sobrevivos, não importará o regime de bens em que era casado, permanecendo em igualdade de condições. Assim, se o falecido deixou pai, mãe e cônjuge, os primeiros receberão dois terços do acervo e o cônjuge um terço. Se deixou pai ou mãe (ou avós), metade será dado para eles e a outra metade para o cônjuge supérstite.

III-O cônjuge sobrevivente receberá toda a herança na falta de descendentes ou ascendentes. Além disso, poderá ainda ser contemplado com o direito real de habitação, se for o único imóvel habitável da herança, sem prejuízo do restante, independentemente do regime de bens (o novo Código Civil é omisso no que se refere a um novo casamento do viúvo ou viúva).

Não há mais usufruto vidual, pois agora o cônjuge é herdeiro necessário privilegiado.

Agora, voltaremos nosso estudo para o Direito Comparado, analisando a ordem de vocação hereditária no Direito Argentino. Neste país, assim como no Brasil, a vocação hereditária é a ordem de chamamento que a lei determina para que se transmita herança do falecido, atribuindo a essas pessoas a titularidade da vocação hereditária, que pode partir da lei ou do testamento, nas condições que a lei determinar. Recebida essa titularidade, cabe ao herdeiro indicado, aceitar ou renunciar a herança.

Podemos definir a vocação hereditária como o chamamento de todos os possíveis herdeiros no momento da morte do de cujus, para a este suceder, seja ab intestato ou testamentariamente.

Quando, na Argentina, é feito o chamamento dos herdeiros ab intestato, a ordem de vocação hereditária é a seguinte:

I-Descendente em concorrência com o consorte;

II-Ascendente em concorrência com o consorte;

III-Consorte;

IV-Colaterais até o quarto grau;

V-Fisco.

No que tange os primeiros da ordem, sabe-se que são os descendentes legítimos que herdam juntamente com os filhos extramatrimoniais (arts. 3565, 3566 e 3579 do Código Civil Argentino). Os da ordem seguinte são os ascendentes legítimos, sozinhos ou em concorrência com os filhos extramatrimoniais (art. 3567). Mas, com ambas as classes, concorre o cônjuge supérstite.

No caso dos ascendentes, existindo pai ou mãe do falecido, estes herdam em partes iguais. Somente na falta de pai e mãe é que concorrem os ascendentes legítimos mais próximos em grau, a parte iguais, mesmo que sejam de linhas diferentes (art. 3569).

Percorrendo ainda ordem de chamamento, encontramos na quarta posição os parentes colaterais, que são chamados até o quarto grau (art. 3585). Assim, somente herdam os irmãos legítimos na falta de descendentes legítimos, ascendentes legítimos, cônjuge e filhos extramatrimoniais.

O meio irmão, por sua vez, na sucessão de irmão de pais em comum, recebe a metade do que corresponde ao irmão de duplo vínculo, em concorrência com este (art. 3557, Lei n. 17.711).

Tudo isso sem prejuízo do direito de representação, tanto na linha descendente como na colateral em favor de filhos e descendentes de irmãos (arts. 3549 e ss., 3557 e 3560).

Também no Direito Argentino, existe o princípio de que "o parente mais próximo exclui o mais remoto, salvo o direito de representação", sendo que cada ordem é excludente das anteriores.

No que tange o cônjuge, que ocupa o terceiro lugar na ordem de vocação, sabe-se que concorrendo cônjuge e descendentes, divide-se o monte hereditário em dois grupos. O primeiro diz respeito aos bens particulares do falecido que não se comunicaram pelo regime matrimonial, onde os filhos concorrem igualmente com o cônjuge supérstite. Mas, se em vida havia patrimônio comum do de cujus juntamente com o consorte sobrevivente, este retira sua meação, na qualidade de meeiro e não de herdeiro, sendo este o segundo grupo.

Relativamente ao filho adotivo na Argentina (art. 24 da Lei n. 19.134), quando da sua morte, o adotante fica com dois terços dos bens do de cujus, desde que não sejam provenientes de sua família legítima. Neste caso, os pais legítimos herdam a totalidade da herança.

Encontramos também no direito Argentino o direito real de habitação do cônjuge supérstite, introduzido pela lei argentina n. 20.798 de 27 de setembro de 1974 e encontrando incorporação no Código Civil, art. 3573 bis, no Capítulo III, Título IX da Seção I do Livro IV deste Código. Este artigo dispõe que, havendo como herança apenas um imóvel, sendo este o lar conjugal, mesmo que haja outras pessoas em concorrência na vocação hereditária, o cônjuge sobrevivente terá direito real de habitação neste imóvel de forma vitalícia e gratuita. Mas, este direito não permanecerá se o cônjuge supérstite contrair novas núpcias.

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Sobre a autora
Manuela Cibim Kallajian

advogada, mestranda em Direito Civil Comparado pela PUC/SP, bolsista do CNPq-Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KALLAJIAN, Manuela Cibim. A ordem de vocação hereditária e seus problemas no direito brasileiro, no direito comparado e no direito internacional privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 84, 25 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4385. Acesso em: 18 mar. 2024.

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