Sumário: 1 Introdução 2 Nuances Legislativas 3 Breve conceituação das políticas antiproibicionistas 3.1 A descriminalização das drogas 3.2 A polêmica da legalização 3.2.1 Circuitos de antendimento 4 A redução de riscos e minimização de danos 4.1 Os Princípios norteadores 4.2Estratégias de implementação 5 Considerações finais
1 Introdução
A escalada do uso e abuso de drogas no Brasil é, atualmente, um dos fenômenos sociais mais preocupantes em função da multidimensionalidade que apresenta.
A droga gera intranqüilidade ao desenvolvimento em todos os níveis, principalmente na área da saúde e da segurança pública, tornando-se um impeditivo na busca da paz social.
No que tange à saúde, várias espécies de tratamento terapêutico têm sido implementadas, com o propósito de minimizar os efeitos que a droga causa no organismo.
Na área da segurança observa-se um agravamento da situação. O binômio droga-criminalidade movimenta a máquina da violência, através do crime organizado, da vulgarização do homicídio, da indústria do seqüestro, do crescimento sem paralelo da corrupção, do estelionato e de muitas outras condutas anti-sociais.
Inobstante esse conjunto de esforços permanentes na busca de mecanismos resolutivos, o balanço da política repressiva de combate às drogas, empregadas até o momento, traduz a frustração de não se ter refreado o consumo de entorpecentes, apresentando resultados escassos no tocante à reeducação.
Diante desse quadro contraproducente, os modelos político-jurídicos nacionais voltaram-se para a administração de tratamentos anti-proibicionistas de prevenção, reabilitação e reintegração social.
No âmbito das políticas públicas aplicam-se estratégias visando a redução da mortalidade, a diminuição dos riscos e danos, e o fim do estigma social, que paira sobre o usuário de drogas.
Em nível jurídico, passaram a ser desenvolvidos novos procedimentos, procurando evitar a reincidência delitiva e o regresso ao consumo de drogas, através de um distinção consciente entre dependente e infrator.
A abordagem dos envolvidos com drogas tende a ser feita de forma a direcionar o consumidor, que tenha praticado uma infração penal, aos serviços de prevenção e tratamento. Para tanto, as autoridades judiciárias possuem ao alcance uma série de medidas substitutivas.
2 Nuances Legislativas
O consumo de drogas remonta aos primórdios da humanidade. Tem-se registro de que o ópio e a cannabis, por exemplo, já eram usados no ano 3000 A.C. [1]
O uso tornou-se, de certa forma, punível criminalmente com a evolução das sociedades e a sua criminalização cresceu cercada de aspectos médicos, culturais, políticos e econômicos.
No Brasil, a primeira norma que puniu o uso de substâncias tóxicas vinha contemplada nas Ordenações Filipinas, a qual enunciava que o indivíduo que guardasse em casa substâncias como o ópio, poderia perder a fazenda e ser enviado a África. [2]
Sucederam essa legislação o Código Penal de 1890, a Consolidação das Leis Penais de 1932, o Decreto 780, até a promulgação do Código de 1940.
Porém, somente a partir na década de 70 se verificou a introdução, no Brasil, de um discurso, predominantemente, sanitário e jurídico, no qual o uso indevido de drogas, além de atingir o usuário-enfermo, representava um perigo para toda a comunidade.
Instituía-se um sistema proibicionista coroado pela política criminal antidrogas brasileira.
O movimento repressivo advogava que a harmonização da sociedade adviria da lei penal opressora, pois somente através dela seria alcançado o grau desejado de controle social. [3]
A visão dominante era a de que a proposição de incriminações severas repassava à sociedade a sensação de que a sanção penal resolveria o problema do uso de drogas. Enquanto a sociedade sentia-se mais segura em seu cotidiano. [4]
A ideologia preconizada resultou na elaboração e promulgação de uma quantidade considerável de textos legais repressores atinentes à problemática, que, competindo entre si, dificultaram ainda mais o tratamento penal da matéria.
Nessa mesma ordem, com notável visão Marcão & Marcon descrevem a realidade nacional:
A denominada inflação legislativa no âmbito do direito penal, desproporcional à realidade que a recebe, e desacompanhada de qualquer estruturação administrativa para a aplicação efetiva das normas, gerou o caos normativo e a desordem prática, de maneira que não se pode afirmar, com segurança, qual o pensamento do legislador penal brasileiro; qual a finalidade do direito penal brasileiro, e de conseqüência, qual a finalidade da pena no direito brasileiro. [5]
A legislação antitóxicos de 1976, a Lei de Crimes Hediondos e a Lei do Crime Organizado, contribuíram para o fenômeno da inflação legislativa penal.
A Lei 6.368, de 21 de outubro 1976, solidificou o esteriótipo do dependente e criminoso. Ao estabelecer condições para tratamento e recuperação a que o drogadito ficaria sujeito, tendo ele cometido ou não o delito, deixava transparecer o discurso oficial de que a dependência deveria ser considerada perigo social. [6]
Em verdade, para o sistema proibicionista tornava-se mais importante as drogas do que o motivo e as causas do seu consumo e dependência.
Ao longo dos vinte e seis anos de vigência da lei acompanhou-se a modificação da visão proibicionista para uma política abolicionista, impulsionada pelo falência da pena privativa de liberdade [7], relativamente aos delitos relacionados com o uso de entorpecentes.
Ante um contexto social fortificado por estereótipos, rodeados de imagens e crenças que influenciam no modo de sentir o problema, a criminalidade aumentava de modo alarmante. [8]
Em resposta ao insucesso do modelo adotado resultava indispensável modificar a cultura predominante, alicerçada na idéia de que o cárcere seria a única e verdadeira punição.
A Lei 10.409, de 11 de janeiro de 2002, foi elaborada no intuito de substituir a anterior. A nova lei buscava uma harmonia, até então inexistente, com a legislação internacional.
A moderna ordem mundial preconizava a diferenciação do tratamento dispensado ao usuário-vítima, demonstrando a tendência patente à descriminalização.
A novatio legis dispensou ao usuário medidas profiláticas e educativas, além de um tratamento mais benigno ao portador de substância tóxica para uso próprio, recomendando a desprisionalização. [9]
O artigo 20 do texto legal previa a despenalização de determinadas condutas relativas ao consumo pessoal de droga ilícita causadora de dependência física ou psíquica.
Além disso, o parágrafo 3º do mesmo artigo possibilitava a isenção de pena para usuário que, ao tempo da ação ou omissão, fosse inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em razão da dependência grave.
A tendência da lei resta, insofismavelmente, delineada nas palavras de Habib: a nova lei buscou despenalizar e desprisionalizar o uso e o consumo de drogas, desde que o portador ou usuário fosse encontrado com pequena quantidade de substância tóxica, o que não vingou em face do veto total a esse capítulo pelo Presidente da República. [10]
Diversos dispositivos da lei foram vetados, entre eles o capítulo III, Dos crimes e das pena. Assim, permaneceu vigente, quanto a essa parte da matéria, a Lei nº6368/76. Sobre a vigência da antiga lei, o crime de uso continuou recebendo tratamento penal rígido, através da imposição de pena privativa de liberdade ao usuário de drogas.
Deste modo, com a promulgação da Lei n.º 10.409/02, desestimulou-se um corajoso avanço no caminho da diminuição dos prejuízos causados pelas drogas. Perdeu-se a oportunidade, ainda, de consolidar a idéia de que qualquer legislação sobre o tema deve ter como ponto de partida o combate à estigmatização do usuário, renunciando à utilização do direito penal como solução de problemas para os quais ele não encontrou solução. [11]
3 Breve conceituação das políticas antiproibicionistas
As Convenções das Nações Unidas sobre estupefacientes e drogas psicotrópicas, ratificadas pela maioria dos países do mundo, formam a base da legislação internacional sobre drogas.
Determinou-se, através delas, que os países signatários deveriam tipificar como infração penal a posse e a compra de estupefacientes para consumo, permanecendo o enquadramento legal sujeito, entretanto, aos princípios constitucionais e aos sistemas jurídicos nacionais. [12]
Em conseqüência, as posturas dos países, atinente à matéria, têm se mostrado bastante diversificadas, com tendência a convergir para a aplicação de medidas mais leves ao consumo pessoal de drogas.
A falta de uniformidade das políticas nacionais pode ser vislumbrada com mais facilidade na Europa. Portugal prevê sanções administrativas em tais casos. Nos Países Baixos a posse de pequena quantidade de cannabis é proibida por lei, mas tolerada em certas circunstâncias. Na Irlanda, a posse é punida com pena de multa e, no caso de reincidência da conduta pela terceira vez, aplica-se a pena privativa de liberdade. Na Noruega e na Grécia a legislação proíbe o consumo e é empregada rigidamente. [13]
Descriminalização, legalização, liberalização e despenalização não são sinônimos, mas são usadas indistintamente, aplicando-se os termos de maneira unívoca, o que pode ocasionar distorções na cooperação entre os países dedicados a enfrentar o problema mundial das drogas.
Talvez por isso nas Nações Unidas se principie tratar de regulation debate em vez de legalization debate, porquanto a questão não será tanto de escolha entre proibição e legalização, mas antes relacionada ao grau de regulação das drogas. [14]
A relevância deve ser dispensada para firmar as novas tendências deslegitimadoras da aplicação do Direito Penal em torno da drogadição, que impõem críticas severas ao modelo puramente repressivo e tornam transparente o fracasso do mesmo.
3.1 A descriminalização das drogas
Os autores enumeraram algumas formas de descriminalização, enfatizando a descriminalização legal, a substitutiva e a judicial.
A descriminalização legal ocorre através da ab-rogação da lei anterior que tratava a conduta como fato ilícito. A descriminalização substitutiva se dá pela transferência da infração penal para outro ramo do Direito ou alteração da penalidade. E a descriminalização judicial é decorrente da interpretação do juiz ao caso concreto. [15]
A evolução das políticas e das ofensivas legais contra drogas ilícitas patenteia a tendência da descriminalização através da alteração legislativa ou mudança de políticas criminais, voltadas para penas educativas.
Modernamente, alguns países adotaram como política nacional de luta contra as drogas a descriminalização substitutiva ou setorial.
É o caso de Portugal e Espanha, que instituíram uma política orientada para a classificação do consumo de droga como ilícito de mera ordenação social, respondendo, adequadamente, às instituições ético-sociais dominantes, as quais se manifestam contra a licitude do consumo, mas não clamam pela aplicação de sanções privativas da liberdade. [16]
Na Itália, desde 1990, a detenção e a aquisição de droga para uso pessoal é também passível de sanção administrativa, que em certos casos pode ser de mera advertência. O regime inclui incentivos ao tratamento, cuja recusa injustificada pode dar lugar a sanções adicionais. [17]
O movimento de descriminlaização encontra seus aliçerces nomeadamente nos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade criminal.
Com isso, não se tem a pretensão de ignorar que as próprias sanções pecuniárias são ineficazes quanto a usuários de drogas.
Porém, a adoção desse modelo em nada deve restar desmerecida por tais circunstâncias e muito menos erguer novos questionamentos sobre a vantagem de um sistema repressivo.
A total falta de adequação da pena privativa de liberdade nos ilícitos de consumo de drogas é muito mais grave e prejudicial, em que pese as considerações já expostas.
Ademais, não tem se mostrado decisiva a criminalização do consumo de drogas ilícitas no combate ao tráfico ilícito de entorpecentes. Através do regime sancionador de multa é possível manter certo controle através da identificação dos agentes, apreensão da droga em poder do usuário e posterior investigação criminal sem que necessariamente o adquirente da droga sofra sanção penal..
O desenvolvimento de uma abordagem jurídica alternativa traduz o primeiro passo a caminho da reeducação e reinserção do consumidor de drogas, que não mais sofrerá com a estigmatização social ocasionada pelo sistema de encarceramento.
3.2 A polêmica da legalização
Entre os modelos introduzidos através do pensamento crítico a respeito do sistema penal criminalizador apresenta-se o da legalização.
A tese antiproibicionista encontrou aceitação frente ao fracasso da repressão em diminuir a dependência e a criminalidade relacionada a ela.
Em relatório lançado pelo Instituto Português de Toxicodependência sobre drogas e prisões enumeram-se vários pontos negativos do sistema repressivo.
Foram definidos três diferentes perfis aos reclusos. Cerca de 25% deles cometeram delitos sem relação com as drogas. Menos de 25% praticaram delitos relacionados com as drogas mas sem terem relação de dependência com essas substâncias. E um número muito mais expressivo de 56% dos apenados estão entre aqueles que cometeram o ilícito relacionado com drogas e são também viciados [18].
Tal avaliação permitiu que fossem erguidas algumas conclusões acerca do tema.
Os dependentes de drogas, em meio prisional, continuarão necessitando da substância. Essa procura impulsiona o comércio daqueles que já o exerciam fora do estabelecimento penitenciário. E o grupo que ingressou sem ligação com as drogas, fatalmente, passaria a integrar o grupo de dependentes ou o grupo que realiza a venda, como nova forma de obter recursos econômicos. [19]
As conclusões da investigação, apesar das especificidades dos estabelecimentos prisionais portugueses, são verificadas nos demais países com modelo semelhante: medidas repressivas não diminuem a quantidade de dependentes porque só apresentam efeito punitivo.
A ideologia pró-descriminalização já é a realidade enfrentada no contexto internacional, onde o usuário de drogas ilícitas está deixando de ser tratado como criminoso.
A Holanda permite o uso de drogas. Na Austrália, o governo criou salas especiais para consumo de heroína, onde os usuários ganham equipamento esterilizado e são acompanhados por enfermeiras enquanto injetam a droga. Programa semelhante existe em países como a Suíça.
Atualmente, existem algumas alternativas para a adoção do modelo ora analisado: a mera legalização do consumo ou a regulação do consumo e da venda das substâncias entorpecentes.
A mera legalização do consumo é solução mais moderada. Através dela ficaria estabelecida a licitude do consumo, bem como da detenção e da aquisição de drogas com essa finalidade.
Tal acepção encontra fundamentação na liberdade individual, ou apenas na idéia de que o usuário é um doente que não deve ser punido pela sua doença, não tendo a finalidade de elevar o uso a direito subjetivo do interessado. [20]
3.2.1 Circuitos de antendimento
No caso de ser aplicada a tese antiproibicionista da legalização, dois modelos são preconizados. Um deles seria o monopólio estatal na distribuição, e o outro a criação, pelo governo, de uma série de medidas norteadoras da compra e venda das drogas.
Na primeira hipótese o Estado seria obrigado a adquirir, a baixo preço, as drogas, na origem, para fornecê-las, gratuitamente, a determinado grupo de dependentes químicos, os quais teriam de ser identificados através de uma listagem ou técnica semelhante.
Essa estratégia levanta uma série de pré-questionamentos acerca da distribuição da droga.
O toxicodependente que participasse do programa deveria receber doses diárias, conforme a necessidade individual.
Entretanto, a determinação dessa dosagem é, praticamente, impossível de ser controlada, porque determinadas drogas caracterizam-se pela insaciabilidade. Ou seja, o dependente químico, em função da tolerância ao produto, precisaria receber doses maiores ou doses iguais em intervalos de tempo menores.
A heroína, por exemplo, apresenta uma grande potencialidade de criar dependência intensa, com tendência à escalada, e, consequentemente, gerando o risco da overdose. [21]
Ademais, para atender a demanda seria necessário que Estado organizasse um sistema de saúde impecável, com grande número de profissionais capacitados. Somente dessa forma o controle desejado seria atingido.
Em países como a Holanda, onde as drogas são comercializadas em lojas, bares e ruas, o sistema de saúde é muito bem estruturado. Os dependentes químicos tem direito a tratamentos públicos para a sua recuperação, pelo tempo que for necessário. Aliado a essa estrutura existe um competente trabalho de informação e prevenção. [22]
Outra estratégia de atendimento aos dependentes químicos seria o estabelecimento de regras de manipulação e venda pelo Estado, a fim de que a iniciativa privada assumisse a comercialização das drogas. Assim, a atividade se tornaria fonte lucrativa para o comerciante e para o governo, através da arrecadação de impostos.
Seriam estipuladas condições de acesso à atividade, licenciamento, localização, horários de funcionamento, proibição de venda de menores, bem como de marcas, insígnias e publicidade, fiscalização, controle de origem e qualidade.
A esse conjunto de regras restritivas da atividade de venda de entorpecentes dispensou-se a denominação "comércio passivo".
O conceito foi desenvolvido por Francis Caballero e visa combater o incitamento à produção, venda e consumo de drogas, nomeadamente através do estabelecimento de um monopólio nacional e da fixação de uma regulamentação da atividade, complementada por uma política de preços, taxação proporcional à periculosidade social da droga comercializada, e com um programa eficiente de informação ao consumidor. [23]
Os defensores desse sistema alegam a seu favor que um dos pontos positivos da sua implantação seria o fim do tráfico de entorpecentes. A distribuição controlada diminuiria o lucro dos traficantes, tornando o negócio menos atrativo.
Seguindo essa orientação preleciona Carvalho:
A respeito do sistema econômico, a manutenção da ilicitude das drogas determina excessivo aumento nos preços dos produtos. A variante mercadológica da ilegalidade cria mercado extremamente lucrativo em que o maior prejudicado é o consumidor (...). Igualmente podemos perceber o interesse na manutenção da incriminação nas contravenções de jogos clandestinos (v.g. jogo do bicho). Nestes casos, a descriminalização não só diminuiria com os efeitos da criminalização secundária e estigmatização, como também romperia com práticas ilegais no seio das instituições da Administração Pública (v.g. corrupção, tráfico de influências, extorsões et coetera). [24]
A respeito de tal acepção, convém lembrar o magistério de Dupont, sobre o abuso de drogas. Ressalta que o crime organizado tem a função de dar ao povo o que a sociedade procura proibir de acordo com seus próprios interesses. A única maneira de livrar-se do crime organizado é legalizar tudo. [25]
Partindo dessa premissa se chegaria a hipótese de legalizar o furto e o roubo, que, não poucas vezes, têm relação íntima com o uso de entorpecentes, como já bem salientado.
Carlini mantém posição contrária a tais argumentos:
Não podemos lidar com o problema dos entorpecentes unicamente sob o ponto de vista econômico. Há dois outros aspectos fundamentais: a visão médica e o sofrimento do ser humano. E esses devem prevalecer. É importante abordar com cautela a legalização e a descriminalização. Sou contra a legalização, acredito que seria imoral tornar legal o uso de heroína porque um determinado país deixa de arrecadar milhares de dólares com a sua venda. O governo dá o aval e é como se dissesse: "legaliza essa droga porque a questão da saúde não importa". [26]
Friedman defende a tese de que as drogas deveriam ser vendidas como os remédios, através da indústria farmacêutica, o que traria o benefício da procura de um médico por parte dos usuários. [27]
Inobstante o benefício apresentado pelo autor, a realidade brasileira mostra que o controle exercido sobre a venda de medicamentos está longe de um padrão razoavelmente satisfatório.
Por outro lado, a ilegalidade da venda de substâncias entorpecentes é vista como um dos fatores que contribuem para a prática de delitos associados com o tráfico e com o consumo.
O exemplo do que passou os EUA nos anos 30, com a instituição da Lei Seca, proibindo a venda de álcool, é ressaltado quando se procura traçar uma crítica à tese proibicionista. Durante esse período foi noticiado o aumento dos índices de criminalidade, estabelecendo-se uma relação entre eles e o comércio ilícito da substância. [28]
Peterson critica, duramente, a política de legalização, ressaltando que no afã de resolver a questão das drogas, as pessoas propõem sua legalização. Se a legalidade fosse solução, há muito tempo estaria resolvido o problema do alcoolismo. [29]
Quanto aos resultados práticos da legislação permissiva holandesa, os índices apresentados não são nada satisfatórios. A recente análise realizada pela ONU, tomando por base os vinte e cinco anos de descriminalização das drogas nesse país, foi descrita pelo pesquisador Teixeira:
Nenhum dos objetivos pretendidos foram alcançados. Nem a redução da criminalidade, nem a segurança da sociedade, nem a prevenção. Em conseqüência de sua Lei do Ópio, a Holanda se encontra, atualmente, em primeiríssimo lugar entre as nações mais desenvolvidas em matéria de criminalidade. Eis a marca holandesa: 15 assassinatos por 100 mil habitantes. Um recorde de brutalidade. [30]
A primeira vista, não é nada alarmante um diagnóstico nessas proporções frente à quantidade de suicídios, chacinas e homicídios com os quais se convive diariamente no Brasil e que guardam estreita relação com o consumo e tráfico de entorpecentes.
Porém, a importação de um modelo de política criminal requer, prefacialmente, o estudo das características políticas, sociais e econômicas de ambos os países.
O aumento no consumo de drogas é a imediata desvantagem que a legalização produz.
A acessibilidade às substâncias entorpecentes seria mais fácil porque o preço da compra diminuiria significativamente, assim como o estigma que até então recai sobre o usuário.
Esse argumento conduz a uma reflexão maior sobre os reais objetivos que se visa alcançar com as políticas de combate às drogas.
A toxicodependência é antes de tudo uma questão de saúde pública e o Estado, assim, tem o dever de tratar o dependente, garantindo o acesso igualitário a políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e de outros agravos. [31]
Afirma Filipe a prioridade com que deve ser tratada a dependência pelo Estado:
O papel do Estado relativamente aos toxicodependentes deve ser o de tudo fazer para assegurar o respectivo tratamento, não deve ser o de lhes alimentar a doença, condenando-os à toxicomania perpétua, gratuita e de "qualidade", tendo como contrapartida social alguma diminuição das estatísticas da pequena criminalidade. [32]