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A defesa do consumidor em juízo

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Sumário: Introdução; Capítulo I – 1. Considerações Iniciais; 2. Como se Defender ou Proteger; 3. Órgãos de Proteção ou Defesa ao Consumidor: Quais São, como se Constituem e o que Fazem?; 4. Competência; 5. Legitimação Ativa; 6. Litisconsórcio e Assistência; 7. Legitimação Passiva; 8. Coisa Julgada; 9. Sucumbência; 10. Jurisprudência; 11. Poderes do Juiz; 12. Oportunidade para o Juiz Declarar invertido o Ônus da Prova; 13. A Antecipação dos Efeitos da Tutela Jurisdicional; 14. Do Provimento Mandamental; 15. Do Provimento Executivo Lato Sensu; 16. Adoção de Medidas de Sub-rogação Objetiva e Subjetiva; 17. O Emprego de Meios Sub-Rogatórios em Relação a Obrigações Fungíveis; 18. Medidas Sub-Rogatórias para Reforçar a Exequibilidade In Natura; 19. Outros Meios Sub-Rogatórios ou de Apoio; 20. Onde Requerer a Antecipação Executiva?; 21. Limites à Antecipação no Processo Executivo; 22. A Vedação de Denunciação da Lide e um Novo Tipo de Chamamento ao Processo; 23. A Fixação da Competência de Foro pelo Domicílio do Consumidor-Autor. Capítulo II – 1. Ações Coletivas; 2. Aspectos Histórico-Evolutivo do Conceito de Interesses: Coletivo & Individual; 3. Ação: Conceitos e Condições (Requisitos); 4. Os Interesses e suas Características; 5. Características dos Interesses Coletivos e Difusos; 6. Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos; 7. O Problema da Insuficiência de uma Tutela Essencialmente Repressiva e Monetária; 8. Tutela Individual; 9. Tutela Coletiva; 10. A Tutela Específica da Obrigação de Fazer ou Não Fazer (art. 461 do CPC); 11. Natureza da Ação de Obrigação de Fazer ou Não Fazer Não Cumprida. Capítulo III – 1. Interesses Metaindividuais; 2. Interesses Difusos; 3. Interesses Coletivos; 4. Interesses Individuais Homogêneos; 5. Do Ministério Público; 6. O Princípio da Efetividade como Direito Fundamental; 7. O Desenvolvimento da Litigiosidade e a Busca da Efetividade do Processo; 8. A Experiência de outros Países; 9. A Busca pela Efetividade do Processo no Brasil; 10. Tutelas Diferenciais; 11. No Direito Brasileiro. Capítulo IV – 1. Significante Denotativo de "Homogêneo" e a Natureza Coletiva do Interesse Individual Homogêneo; 2. Fundamentos Jurídico-Normativos para a Caracterização do Interesse Individual Homogêneo como Interesse Coletivo; 3. A Tutela Jurisdicional do Consumidor (Justificativa e Salvaguardas); 4. Tutela Preventiva; 5. Dispensa do Pagamento de Custas, Emolumentos ou outras Despesas Judicias; 6. Competência e Intervenção de Terceiros. Procedimento.; 7. O Processo de Liquidação, de Execução e os Embargos do Devedor; 8. A FLUID RECOVERY no Direito Brasileiro; 9. Valor da Causa na Ação de Reparação de Dano Moral; 10. Pedido de Dano Moral e sua Condenação em Sentença; 11. Nexo de Causalidade e Ônus da Prova; 12. Dano Moral e Ônus da Prova; 13. Formas de Reparação do Dano Moral; 14. Fixação do Quantum Indenizatório. Bibliografia.


INTRODUÇÃO

"A atuação do Estado, vem conferir efetividade aos princípios e objetivos traçados pelo legislador consumeiro, no que está juridicamente amparado, nos termos do artigo 4.º, inciso II, da Lei n.º 8.078/90, que prevê entre os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo a "ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor".

Ademais disso, nunca é exaustivo lembrar que o Código de Defesa do Consumidor é integrado por normas jurídicas de ordem pública e interesse social."

Prof. Juiz TJ/RJ Werson Rêgo

"O drama da justiça estatal é o de atuar de maneira a corresponder à confiança que nela deposita aquele que se considera vítima de lesão jurídica. A prestação jurisdicional, para ele, é quase sempre a última esperança.

A tutela específica e as medidas antecipatórias e sub-rogatórias que a completam não podem falhar, seja por omissão do órgão judicial, seja por uso injustificado e, portanto, abusivo. Em qualquer caso o que se desmerecerá, perante o jurisdicionado e ainda no consenso social, será a própria justiça a quem a ordem constitucional confiou a manutenção da ordem jurídica e a realização da tutela a todos os direitos subjetivos violados ou ameaçados dos consumidores. Perder-se a confiança na justiça é o último e pior mal que pode assolar o Estado Democrático de Direito."

Dr. Antônio Carlos Tadeu Borges dos Reis


CAPÍTULO I:

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Trata-se do momento em que o consumidor por si ou por suas entidades precisa recorrer à Justiça.

Para entender o tipo de processo ou caminho que a sua reclamação vai tomar perante os tribunais, é importante que, diante de uma lesão aos seus direitos, você saiba se se trata de uma lesão individual ou de uma lesão coletiva. Há situações específicas que caracterizam uma e outra.

O Código de Defesa do Consumidor inseriu no ordenamento jurídico brasileiro disposições acerca dos direitos transindividuais que ainda não tiveram sua aplicabilidade bem definida. Uma das questões polêmicas diz respeito à tutela dos interesses individuais homogêneos, que até então não figuravam explicitamente no sistema normativo brasileiro, e a legitimidade do Ministério Público para tanto.

Apesar de alguns entendimentos contrários a esta possibilidade, que, conforme passaremos a demonstrar, não se sustentam, a doutrina e a jurisprudência majoritárias, interpretando sistemática e teleologicamente a Constituição Federal, tendem a aceitá-la.

2.COMO SE DEFENDER OU PROTEGER

Os instrumentos de que dispõe o consumidor para fazer valer seus direitos básicos, normas tais que se complementam indissociavelmente, sem se esquecer de sua inspiração, ou seja, sempre tendo em vista a preservação de uma política das relações de consumo, definida pelo artigo 4.º do Código de Defesa do Consumidor.

O consumidor há de ser encarado de duas maneiras fundamentais, ou seja individualmente, ou isoladamente, com vistas à resolução de um impasse bem definido surgido de uma relação de consumo, já que ora nos propomos a cuidar dos aspectos práticos da defesa ou proteção jurídica do consumidor, e coletivamente, ou seja, na forma como se analisou a problemática dos chamados interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneos de origem comum, mas sempre enquanto coletividade de consumidores de algum produto ou serviço.

Desta forma, os instrumentos de defesa a que já chamamos de institucionais, com vistas ainda à resolução de uma reclamação individual acerca de um caso típico do que hoje ainda se chama no Código Civil e no Código Comercial de vício redibitório, a saber: órgão de proteção ao consumidor (i.e., Procons, Cedecons, Sedecons etc.), Promotorias Especializadas de Proteção e Defesa do Consumidor, Juizados de Pequenas Causas ou Juizados Informais de Conciliação as futuras Defensorias Públicas, Delegacias de Política em pequenos Municípios, Entidades Privadas que se dediquem a esse tipo de atendimento etc.

Vejamos, pois, cada um desses instrumentos, o que fazem e como funcionam, no atendimento a reclamos individuais dos consumidores, asseverando, desde logo, que qualquer um dos mesmos órgãos ou entidades, um podendo excluir o outro, resolveria a questão dada à guisa de exemplo. E isto guardadas as devidas estruturas e atribuições, já que a maioria deles chega apenas até a conciliação, inclusive no que toca aos chamados "Juizados Informais de Conciliação", que não se confundem com os "Juizados Especiais de Pequenas Causas", hoje "Juizados Especiais Cíveis’, conforme nomenclatura da Lei n.º 9.099/95", estes sim, dotados de efetiva função jurisdicional na acepção técnica da expressão (dizer efetivamente do direito, aplicando-o a cada caso concreto e ação em forma conciliatória), não se descartando, como último recurso, a demanda judicial efetiva em nível individual.

3 ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO OU DEFESA AO CONSUMIDOR: QUAIS SÃO, COMO SE CONSTITUEM E O QUE FAZEM ?

a) QUAIS SÃO

Geralmente têm referidos órgãos a denominação de Procon ou ainda Sedecon (Serviço de Defesa do Consumidor) ou Cedecon (Central de Defesa do Consumidor), IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), sendo o pioneiro deles, o Procon de São Paulo, Capital, outrora integrante da estrutura da Secretaria de Economia e Planejamento, depois Secretária de Defesa do Consumidor" com a denominação, no primeiro caso, de "Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor" "Departamento de Proteção ao Consumidor".

Atualmente o Procon integra a Secretária de Justiça e defesa da Cidadania, mas como Fundação de Direito Público, por força da Lei n.º 9.192/95, na capital e no interior de São Paulo.

No Rio de Janeiro, temos a ANACONT (Associação Nacional de Assistência do Consumidor e Trabalhador), Procon do Rio de janeiro, Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa (Alerj) e, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), com profissionais devidamente treinados, outrora no próprio Procon, quando ainda pertence à Secretaria de Economia e Planejamento, e hoje pela Secretaria de Justiça da Cidadania, para o devido desempenho das atribuições envolvidas e, Delegacias especializadas.

Outros Estados da República, quase todos contam com órgãos semelhantes.

b) COMO SE CONSTITUEM

Sua criação se faz mediante uma lei municipal, seguida de outra autorizando convênio com a Secretaria de Defesa do Consumidor não apenas para o mencionado treinamento como também para o fornecimento de know how.

c) O QUE FAZEM?

Abstraindo-se a possibilidade de fiscalização de estabelecimentos comerciais em matéria de comercialização e outros aspectos de comercialização e outros aspectos relativos à polícia administrativa (vide o Decreto n.º 2.181/97), ou então as atribuições outrora fixadas pela Lei Delegada n.º 4, de 1962, notadamente no que dispõe seu artigo 10, diríamos que os Procons, na defesa dos interesses individuais do consumidor são a grande caixa de ressonância desses interesses, cumprindo-lhes a triagem das reclamações efetivadas, sobretudo no encaminhamento aos órgãos competentes, quando o caso, ou então orientação do consumidor e sobretudo têm papel relevante na tentativa de solução conciliatória dos conflitos individuais surgidos das relações de consumo.

Sendo as queixas pessoais, ou seja, com o comparecimento do reclamante aos postos de atendimento, ou então por carta/representações/petições etc. ou mesmo telefonemas, de qualquer forma é preenchido o chamado C.A.(Controle de Atendimento), ou ficha de atendimento, onde são anotados os dados dos interessados (reclamante e reclamado), o teor da reclamação e seu andamento, finalizando com a resolução ou parecer técnico. Passo importante desse controle de atendimento, além certamente do parecer técnico ou resolução, desde logo, é sua classificação da matéria, exatamente porque se canaliza cada reclamação ao setor especializado, que pode mais facilmente "trabalhá-la", conforme jargão empregado no âmbito dos Procons, formando ainda uma espécie de "procedimento padrão" de encaminhamento, ou ainda uma certa "jurisprudência na tratativa de cada reclamação".

4 COMPETÊNCIA

Segundo a regra geral do artigo 93 do CDC, "ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente".

Faz-se, como adverte Ada Pellegrini Grinover, "alternativamente pelo foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal" (inc. II do artigo 93).

Tanto num como noutro caso, a competência é da Justiça local, nos termos do disposto no caput do dispositivo. Os casos de competência concorrente serão solucionados pelos critérios do CPC, inclusive quanto à prevenção".

O "poder-dever de julgar" comum é dividido em duas órbitas: federal e estadual. À Justiça Federal cabe o julgamento das causas em que a União participa ou, de algum modo, intervém no processo. Com exceção dessa situação, em que matéria de consumidor é excepcional, todas as causas caberão à Justiça Estadual (local).

Com efeito, embora em regra a competência para as ações civis públicas e coletivas seja absoluta, e venha determinada pelo local do dano, em algumas hipóteses o CDC admite critérios de competência territorial ou relativa, para fixar a competência nas ações coletivas, qual seja o domicílio do autor.

Assim, como regra geral, poder-se-á concluir que sendo o fato gerador do direito subjetivo de âmbito local é competente o foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano (artigo 93 do CDC).

No mesmo sentido, é também competente para a execução, nos termos do parágrafo 2.º do artigo 98 do CDC: a) o juízo "da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual" (inc. I); b) o juízo "da ação condenatória, quando coletiva a execução" (inc.II).

A Justiça Estadual tem fórum em quase todas as cidades. Por isso, se a lesão ao consumidor tiver caráter regional, envolvendo mais de uma cidade (denominadas, em âmbito judiciário, de comarca), a causa caberá ao fórum da capital. Se o caráter da lesão for local, caberá ao fórum mais próximo.

5 LEGITIMAÇÃO ATIVA

Tem o consumidor prejudicado, legitimidade ativa para as ações individuais comum, objetivando o ressarcimento de danos decorrentes de produtos ou serviços (legitimidade direta).

Também confere o Código do Consumidor, de forma indireta, ao Ministério Público, a União, aos Estados, Municípios e Distrito Federal, assim como a certas entidades e órgãos da Administração Pública direta ou indireta, associações civis, sindicatos e comunidades indígenas legitimidade ativa para a defesa coletiva.

Trata-se, aqui, de legitimidade concorrente, já que os consumidores lesados podem, individualmente, demandar em nome próprio, ou, de acordo com a conveniência de cada um, se beneficiar com a decisão coletiva que lhe for favorável (artigos 5.º, LXX, "b", 8.º, III, 232 da CF, e 82 do CDC). Refere-se Hugo Nigro Mazzilli aos requisitos de "representatividade adequada" e de "pertinência temática" para o ajuizamento de ação coletiva. Exige-se, para as ações coletivas, a pré-constituição há mais de um ano da associação legitimada (artigo 82, IV, do CDC).

Embora limitado às associações, o requisito da pré-constituição, ressalta Mazzilli, poderá ser dispensado pelo juiz "quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido" (artigo 82, parágrafo 1.º, do CDC).

O segundo requisito, como também conclui, "significa que: a) as entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, devem estar especificamente destinados à defesa dos interesses metaindividuais, objetivados na ação coletiva que, como legitimados ativos, pretendam propor; b) as associações civis devem incluir entre seus fins institucionais a defesa dos interesses objetivados na ação coletiva por elas propostas, dispensada, embora, a autorização de assembléia".

Na verdade, os interesses de grupos tuteláveis através de ações coletivas são os previstos no artigo 81 e seus incisos I (difusos, assim entendidos os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, II (coletivos, que compreendem os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas legadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base), e III (individuais homogêneos, aqueles divisíveis que decorrem de uma origem comum).

Aliás, tanto os direitos difusos quanto os direitos coletivos se caracterizam – ao rigor da lei consumerista – como transindividuais de natureza indivisível.

Os primeiros, como anteriormente assentado, referem-se a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato, e os segundos a um grupo de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, através de uma única relação jurídica.

Já os direitos individuais homogêneos, que têm a mesma origem no tocante aos fatos geradores, recomendam, exatamente por essa identidade, a defesa de todos a um só tempo.

Em síntese, "difusos são, pois, interesses de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe de interesses individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos".

Em sentido inverso, os interesses coletivos "compreendem uma categoria determinada ou pelo menos determinável, de pessoas.

Embora o Código do Consumidor faça uma distinção, na verdade, e em sentido lato, os interesses coletivos compreendam tanto grupos de pessoas unidas pela mesma relação jurídica básica, como grupos unidos por uma relação fática comum. Com efeito, em ambas as hipóteses temos grupos determinados ou indetermináveis de pessoas, unidas por um interesse compartilhado por todos os integrantes de cada grupo".

Em sentido lato, portanto, "os interesses coletivos englobam não só os interesses transindividuais indivisíveis (que o Código do Consumidor chama de interesses coletivos em sentido estrito, artigo 81, parágrafo único, II), como também aqueles que o Código do Consumidor chama de interesses individuais homogêneos (artigo 81, parágrafo único, III). Esses últimos caracterizam-se pela extensão divisível ou individualmente variável, do dano ou da responsabilidade".

Na verdade, conclui o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, se assim fosse, "a ação coletiva que se constitui em útil inovação do nosso sistema processual, destinada a evitar desgastante repetição de demandas sobre direitos individuais homogêneos e que não tem sido utilizada nos limites de sua virtualidade – em poucos casos poderia servir de meio eficaz à defesa do consumidor, dando-se à lei interpretação oposta ao enunciado legal: são direitos básicos do consumidor à facilitação de defesa de seus direitos (artigo 6.º, VII)".

Por fim, esse tipo de interesse, que não é coletivo em sua essência, nem no modo é exercido, "apenas apresentam certa uniformidade pela circunstância de que seus titulares encontram-se em certas situações ou enquadrados em certos segmentos sociais, que lhes confere coesão ou aglutinação suficiente para destacá-los da massa de indivíduos isoladamente considerados. Como exemplo, é pensável a hipótese de um grupo de alunos de certa escola que, em virtude de disposição legal, se beneficia de certo desconto em suas mensalidades; negado o benefício, poderia sobrevir uma ação de tipo coletivo, tendo por destinatários não apenas o grupo prejudicado, mas, tantos quantos se encontram em igual situação (homogeneidade decorrente de origem comum dos fatos e de análoga base jurídica)".

Finalmente, por se tratar de legitimidade concorrente, além dos legitimados para as ações coletivas, podem os consumidores lesados, individualmente, demandar em nome próprio, ou, de acordo com a conveniência de cada um, se beneficiarem com as decisões que lhes forem favoráveis.

Impossível, portanto, restringir da lei, sob o argumento, totalmente equivocado, de que os titulares do direito, uma vez passíveis de identificação, têm ação própria.

6 LISTICONSÓRCIO E ASSISTÊNCIA

Em face de legitimação concorrente e disjuntiva, admite o CDC o litisconsórcio ativo nas ações coletivas em defesa de interesses metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

Assim, ao habilitar-se, deverá o consumidor comprovar que é parte legítima para propor a ação individual com pedido idêntico. Não comprovando a sua letimidade, ordinária ou extraordinária, para propor ação individual com pedido conexo ao formulado na ação coletiva, não poderá habilitar-se como litisconsorte.

Faculta o Código do Consumidor ao co-legitimado, quando admitido a figurar no pólo ativo da ação coletiva como litisconsorte, a possibilidade de alterar ou aditar o pedido inicial.

Refere-se a doutrina, ainda, ao litisconsorte ulterior, ou seja, aquele que ingressando no processo – sem alterar ou aditar a inicial – assume a condição de "assistente litisconsorcial".

Pode o Ministério Público, intervindo como fiscal da lei (artigo 92 do CDC), aditar a inicial, desde que sejam observados os critérios estabelecidos na lei processual civil (artig0 264 e parágrafo único).

Admitir-se, por fim, a assistência qualificada ou litisconsorcial do consumidor na ação coletiva, "toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido" e o consumidor não for co-legitimado para a ação civil coletiva (artigo 54 do CDC).

Em resumo, são legitimados, concorrentemente, todos aqueles que se encontram indicados no artigo 82 e seus incisos, que poderão propor, em nome do próprio e no interesse das vítimas ou de seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos (artigo 91 do CDC).

Trata-se, como arremata Ada Pellegrini Grinover, "de legitimação extraordinária, a título de substituição processual", posto que "os legitimados à ação não vão a juízo em defesa de seus interesses institucionais, como pode ocorrer nas ações em defesa de interesses difusos ou coletivos, mas sim exatamente para a proteção de direitos pessoais, individualizados nas vítimas dos danos".

7 LEGITIMAÇÃO PASSIVA

Em tese, qualquer pessoa física ou jurídica pode ser parte passiva nas ações coletivas.

A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, quando autores do ato lesivo, por ação ou omissão, são também legitimados passivos.

Admiti-se, expõe Hugo Mazzilli, "a solidariedade passiva em matéria de danos ambientes ou aos consumidores porque: a) há solidariedade nas obrigações resultantes de ato ilícito; b) os co-responsáveis, por via de regresso, poderão discutir posteriormente, entre si, distribuição mais eqüitativa da responsabilidade; c) nas obrigações indivisíveis de vários devedores, cada um deles tem responsabilidade pela dívida toda. Havendo solidariedade entre os obrigados à indenização, pode o autor da ação movê-la apenas contra um, alguns ou todos os co-responsáveis".

Domicílio do autor: quando se trata de dano provocado ao consumidor pelo fornecedor, o pedido judicial de reparação pode ser feito no fórum da região do domicílio do consumidor. É uma prerrogativa estipulada em favor do consumidor que, se quiser, poderá abrir mão dela, ingressando com a ação no foro pretendido pelo fornecedor. Isso não significa que possa haver disposição contratual estipulando determinado foro.

8 COISA JULGADA

Como sabemos, a Coisa Julgada é o estado processual final, que qualifica uma sentença como definitiva, quando há o trânsito em julgado da sentença, habilitando-a à liquidação e execução. Uma vez que a sentença faça coisa julgada, não poderão mais as partes discutir a mesma questão em Juízo, pois já o fizeram.

Diz o artigo 103 do CDC que, nas ações coletivas, e de acordo com a natureza do interesse objetivado, a sentença fará coisa julgada; a) erga omnes, cuidando-se de interesses difusos, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que outra ação poderá ser proposta, com idêntico fundamento, com nova prova (inciso I); b) ultra partes, tratando-se de interesses coletivos, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo se a improcedência ocorrer por falta de provas, nos termos do inciso I do artigo 103 (inciso II); c) erga omnes, na hipótese de interesses individuais homogêneos, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores (inciso III).

Os lesados que não intervieram no processo coletivo como assistentes litisconsorciais, na hipótese prevista no inciso III, do artigo 103, do CDC, poderão propor ações individuais (parágrafo 1.º).

No mesmo sentido, os efeitos da coisa julgada erga omnes e ultra partes, segundo a norma do parágrafo 2.º do artigo em comento, não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

Para fins do parágrafo 2.º do artigo 103, no caso da sentença julgar improcedente o pedido, poderão outros consumidores ingressar em juízo com o mesmo pedido e mesmo fundamento, desde que não tenham sido litisconsortes na ação coletiva julgada, visto que a sentença só surtirá efeito entre as partes litigantes, não tendo portanto, efeito "erga omnes".

O parágrafo 3.º do artigo 103 reserva a incolumidade das ações de indenização pôr danos sofridos, propostas individualmente pelos consumidores, perante os efeitos da sentença proferida em Ação Civil Pública, no tocante aos artigos 13 e 16 da referida Lei. O consumidor terá o direito a ambos os ressarcimentos.

O parágrafo 4.º do artigo 103 garante a liquidação e execução de sentença penal condenatória, nos termos dos artigos 96 a 99 do CDC.

Erga omnes: quer dizer que a sentença judicial abrange não só as partes do processo, mas também todas as pessoas. Ou seja, tem validade para todos. Porém, se a ação for julgada improcedente por deficiência das provas, esse julgamento não impedirá que seja ajuizada outra ação.

Ultra partes: a sentença vale não só para as partes (por exemplo, uma associação de consumidores contra uma empresa), mas também para todos os membros do grupo, categoria ou classe que estejam sendo defendidos pela associação ou pelo Ministério Público.

Cabe aqui sublinhar, ainda, que os efeitos da coisa julgada, uma vez que a ação coletiva não induz litispendência em relação a ações individuais, não prejudicarão as ações de indenização, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente, salvo se versar sobre interesses individuais homogêneos, quanto aos lesados que intervieram na ação.

A sentença fará coisa julgada: nesse caso, a sentença do juiz não pode mais ser modificada, ou seja, não cabe mais recurso. Também se costuma dizer que a sentença transitou em julgado.

Por outro lado, a sentença que julga procedente o pedido beneficia as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder a liquidação e a execução com fundamento nos artigos 97 e seguintes do CDC.

Proceder a liquidação: quando o fornecedor for condenado pela prática de um crime contra o consumidor, este, ou os entes legitimados na hipótese tratada no artigo 98, poderá servir-se da sentença condenatória penal também para efeitos civis, caso em que não caberá discussão judicial quanto ao dever de pagar, mas só com relação ao valor que o fornecedor terá de pagar.

Execução: depois de apurado o valor que cada consumidor lesado vai receber, o juiz ordena que o réu faça o pagamento no prazo de 24 horas. Se o réu não cumprir a ordem, o juiz mandará vender os bens do réu em leilão para que a conta seja paga. Esta é a última fase do processo: a execução.

Já o artigo 104 alerta o consumidor para o fato de que caso haja ação individual referente a mesmo pedido e fundamento de ação coletiva, previstas nos incisos I e II do artigo 81, parágrafo único, do CDC, a mesma não ficará sob litispendência sendo que os efeitos "erga omnes" e "ultra partes", referentes aos incisos II e III do artigo 103 só poderão ser aproveitados pelo consumidor caso este requeira a suspensão da ação individual até 30 (trinta) dias a contar da data da ciência nos autos pelo consumidor da existência da ação coletiva.

9 SUCUMBÊNCIA

Nas ações coletivas não há adiantamentos de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas pelos co-legitimados ativos (artigo 87 do CDC).

Tenha-se presente, contudo, que o CDC apenas dispensa o autor da ação coletiva do adiantamento de custas processuais, emolumentos, honorários periciais e demais despesas com o processo. O vencido, assim declarado na sentença, não se exime de tais pagamentos.

Já a associação autora só os pagará caso tenha agido com comprovada má-fé (artigo 17 e incisos do CPC).

Assim, uma vez comprovada a má-fé da associação autora e dos diretores responsáveis pela propositura da ação serão estes solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos (artigos 87, parágrafo único, e 88, ambos do CDC).

Despesas com o processo: normalmente, quando ingressa com uma ação, a pessoa, de início, precisa arcar com o pagamento das taxas administrativas, denominadas custas judiciais. Além disso, alguns processos pressupõem conhecimento técnico de áreas alheias ao direito (químico, biologia etc.), o que torna necessária a intervenção de técnicos especializados para auxiliar o juiz: são denominados peritos, remunerados, assim como os advogados, por honorários.

O Ministério Público, o município e demais órgãos estão isentos desses pagamentos por integrarem o Estado.

Vedada a denunciação da lide: no caso do artigo 13 do CDC, se o comerciante é obrigado a pagar uma indenização porque o fabricante, o produtor, o importador ou o construtor não puderam ser identificados, ele poderá entrar com uma ação de regresso contra essas pessoas. Com a ação de regresso, o comerciante pleiteará que o fornecedor responsável pelo acidente de consumo lhe devolva a soma que ele pagou às vítimas.

Porém, esse pedido de ressarcimento não pode ser feito no mesmo processo; por isso é que se fala que está "vedada a denunciação da lide".

Isso ocorre, dentre outras coisas, porque o processo entre o comerciante e o consumidor será decidido com base na responsabilidade objetiva, como estabelece o CDC, enquanto a relação entre o comerciante e o outro fornecedor não está prevista pelo Código de Defesa do Consumidor, e assim terá que ser julgada com base nos critérios normais da responsabilidade subjetiva.

O objetivo deste artigo também é evitar que a intervenção de outros interessados no processo possa torná-lo mais moroso, retardando a obtenção do direito do consumidor.

No mesmo sentido, os demais legitimados (artigo 82), nos termos do que dispõem os artigos 16 e seguintes do CPC, respondem também pela litigância de má-fé.

Litigância de má-fé: ocorre quando a associação ingressa com uma ação em juízo, tendo, pelas circunstâncias peculiares ao fato, certeza absoluta do engano, do vício ou da impropriedade do seu pedido judicial, elaborado com a finalidade exclusiva de causar um mal, um prejuízo ao fornecedor.

Sobrevindo a importância em ação coletiva proposta pelo Ministério Público, responsabiliza-se a pessoa jurídica a que pertence. O próprio Ministério Público, revela Hugo Mazzilli, "não se responsabiliza porque não tem personalidade jurídica; e seus membros, quando ajam no exercício regular de suas funções, mesmo que provoquem danos, não se responsabilizam pessoalmente, mas sim na qualidade de agentes políticos originários, responsabilizam o próprio Estado".

10 JURISPRUDÊNCIA

"RECURSO ESPECIAL. DEFESA DO CONSUMIDOR. FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUE NÃO IMPLICAM VIOLAÇÃO AO SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. A defesa dos direitos do consumidor insere-se nas funções instituicionais do Ministro Público. Os serviços e produtos oferecidos pelas instituições financeiras são considerados do gênero consumo, ex vi do art. 3.º, parágrafo 2.º, do CDC. Logo, quando na defesa dos direitos dos usuários de tais produtos e serviços, lícito é ao Ministério Público requisitar documentos, tais como cópias de contratos de adesão utilizados pela instituição e informações sobre os encargos financeiros cobrados, dados esses que não se enquadram entre os protegidos pelo sigilo bancários, porque acessíveis a todos os clientes. Recurso conhecido e provido".(STJ, Resp. 209259, 5.ª Turma, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Dj 05.03.2001 - p. 199).

"PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. DEPÓSITO EM CADERNETA DE POUPANÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. A caderneta de poupança é um produto oferecido pelas instituições financeiras, cada qual dotando-o de características próprias, v.g., restituição da CPMF, descontos nas tarifas dos serviços bancários, juros privilegiados no cheque especial, sorteio de prêmios, etc.; tratando-se de relação protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, as associações a que alude o artigo 82, IV, da Lei n.º 8.078, de 1990, estão legitimados a propor a ação civil pública. Recurso especial conhecido e provido em parte". (STJ, Resp. 138540/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. WALDEMAR ZVEIITER, Dj 17.09.2001 - p. 160).

"PROCESSO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART.101, I. AÇÃO AFORADA EM COMARCA DE MAIOR PORTE VIZINHA À DA RESIDÊNCIA DO AUTOR. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A RÉ. Não ofende o artigo 101, I, do Código de Defesa do Consumidor o autor que ajuíza ação de responsabilidade civil contra fornecedor de produtos ou serviços, com base em referido Código, em Comarca próxima à que reside, sobretudo quando nesta é que contraída a obrigação veiculada no feito, sendo essa escolha até mais favorável à ré, por ser essa Comarca de maior porte e nela dispondo a ré de corpo técnico para onde foram dirigidas as anteriores reclamações decorrentes dos vícios apontados. Essa é a interpretação que mais se compadecem com o espírito norteador contido no CDC, que alberga normas de caráter nitidamente protecionista ao consumidor, em razão de sua presumida hipossuficiência econômica. Recurso conhecido e provido". (STJ, Resp. 156002/MG/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, Dj 21.09.1998 – p. 187).

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENTIDADES DE SAÚDE. AUMENTO DAS PRESTAÇÕES. LEGITIMIDADE ATIVA. 1. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em defesa dos consumidores de planos de saúde. 2. Antes mesmo do Código de Defesa do Consumidor, o país sempre buscou instrumentos de defesa coletiva dos direitos, ganhando força seja com a Lei n.º 7.347/87, seja alcançado dimensão especial com a disciplina constitucional de 1988. Sedimentados os conceitos centrais, não há razão que afaste o presente feito do caminho da ação civil pública. O instituto autor é entidade regularmente constituída e tem legitimidade ativa para ajuizar a ação civil pública de responsabilidade por danos patrimoniais causados ao consumidor. 3. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, Resp. 72994/SP, 3.ª Turma, Rel. p/acórdão Min. NÍLSON NAVES, Dj 17.09.2001 – p. 159).

DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PROPOSITURA POR RÉU EQUIPARADO A COMERCIANTE. AÇÃO PRINCIPAL DE CARÁTER CONDENATÓRIO PROPOSTA POR CONSUMIDOR. É proibido a quem se equipare a comerciante, na ação condenatória que lhe mova o consumidor, denunciar a lide ao fornecedor ou a terceiro. (TJSP, Ac. unân. da 2.ª Câm. De Direito Privado, de 15.09.1998, Ap. Cív. 34.052-4/5-00, Rel. Des. CEZAR PELUSO, Centro Cultural e Recreativo Cristóvão Colombo x Maria Regina Stolf Briganti).

TUTELA ANTECIPATÓRIA. CONTRACEPTIVO SEM O PRINCÍPIO ATIVO. DECISÃO QUE CONCEDEU TUTELA ANTECIPADA CONSISTENTE EM PAGAMENTO DE PLANO DE SAÚDE PARA MÃE E FILHO ATÉ O NASCIMENTO DESTE, E ENXOVAL. CPC, ART. 273. Gravidez indesejada decorrente do uso de Microvlar, contraceptivo produzido pela agravante, em relação ao qual ocorreu recentemente a colocação no mercado de determinado lote no comércio sem o necessário princípio ativo. Valor ínfimo do desembolso imposto à agravante, multinacional de grande porte. Provimento parcial do recurso para limitar os efeitos da condenação à concessão de plano de saúde à gestante e ao nascituro eis que a verba referente ao enxoval não tem o necessário requisito de indispensabilidade, não podendo ser cominada ao réu antes do devido trâmite processual. (TJRJ, Ag. de Inst. 9.888-0/98, RJ, Rel. Des, LEILA NARIANO, julg. em 08.06.1999).

TUTELA ANTECIPADA. RELAÇÕES DE CONSUMO. INTERPRETAÇÃO DA PROVA, SEM RIGOR. A prova inequívoca, para o efeito de antecipação de tutela, quando se trata de relação de consumo, é de ser interpretada sem rigorismo, pois nessa matéria, mesmo em sede de cognição plena, dispensa-se juízo de certeza, bastando a probabilidade extraída de provas artificiais da razão. No conflito entre direitos fundamentais, a regra da irreversibilidade deve ser interpretada com atenuação, atendendo ao interesse preponderante. (TJRS, Ac. unân. da 9.ª Câm. Cív., de 25.08.1999, Al. 599.374.303, Rel. Des. MARA LARSEN, Schering do Brasil Química e Farmacêutica x Jane Zuleica Andrade de Vargas).

CONSUMIDOR. TUTELA ESPECÍFICA. PACOTE TURÍSTICO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. LEI N.º 8.078/90. A tutela específica da obrigação deve ser de modo a que se realize na ordem prática o que foi contratado. Assim é que, descumprida a avença quanto à parte terrestre da excursão, impõe-se o fornecimento da passagem aérea, para o correto adimplemento do contrato. Inteligência do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor. Recurso conhecido e parcialmente provido. (STJ, Rec. Esp. 43.650-8-SP, Rel. Min. COSTA LEITE, julg. em 30.08.1994, Dj, 26.09.1994).

CUSTAS. AÇÃO COLETIVA PROPOSTA PELO IDEC – INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Nos termos do disposto do artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), a associação autora acha-se isenta do pagamento das custas e honorários de advogado, salvo comprovada má-fé. (STJ, Embs. de Decl. No Rec. Esp. 73.146-SP, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, Julg. em 12.03.1996).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. CONSUMIDOR. CDC, ART. 93, II, EXEGESE. Interpretando o artigo 93, II, do CDC, já se manifestou o STJ no sentido de que não há exclusividade do foro do Distrito Federal para o julgamento de ação civil pública de âmbito nacional. Isto porque o referido artigo ao se referir à Capital do Estado e ao Distrito Federal invoca competências territoriais concorrentes, devendo ser analisada a questão estando a Capital do Estado e o Distrito Federal em planos iguais, sem conotação específica para o Distrito federal. (STJ, Confl. de Comp. 17.533-DF, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, julg. em 13.09.2000, Dj, 30.10.2000).

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CONSUMIDOR. AÇÕES FUNDADAS NO CDC. FACULDADE DO AUTOR DE PROMOVÊ-LAS NO FORO DE SEU DOMICÍLIO. IRRELEVÂNCIA DE, NA HIPÓTESE, DEPENDER A RESPONSABILIDADE CIVIL DE VERIFICAÇÃO DE CULPA DO PRESTADOR DO SERVIÇO. O artigo 101 do CDC - Lei n.º 8.078/90 - autoriza a propositura da ação no domicílio do autor, sendo indiferente, para aplicação dessa regra, que se trate o réu do fornecedor ou prestador de serviço em geral ou de profissional liberal, em relação ao qual o parágrafo 4.º do artigo 14 condiciona a responsabilidade à verificação de culpa. A ressalva do parágrafo 4.º do artigo 14 do CDC excepciona apenas a regra geral da responsabilidade objetiva consagrada no Código, sem afetar o disposto no artigo 101, Lei n.º 8.078/90, que derroga, em relação às ações de que trata, os preceitos gerais dos artigos 94 e 100, IV, a do CPC, que definem o foro do domicílio do réu para as ações fundadas em direito pessoal ou o de sua sede nas ações em que ré a pessoa jurídica. Agravo provido para dar-se como competente o foro do domicílio do autor. (TJSC, Ag. de Inst. 11.422-2, Florianópolis, Rel. Des. JOÃO JOSÉ SCHAEFER, Dj, 27.05.1998).

CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA. CPC. ART. 101, IV, B. CDC, ART. 101, INCISO I. A ação de responsabilidade pode ser proposta no domicílio do autor (artigo 101,inciso I). (STJ, Ag. Reg. 191.676/98, SP, Rel. Min. NILSON NEVES, julg. em 18.02.1999, Dj. 26.04.1999).

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA. EFEITOS DA SENTENÇA. A sentença proferida em ação coletiva interposta com fulcro no Código de Defesa do Consumidor tem natureza ultra partes, beneficiando mesmo aquele que não foi parte no processo originário da execução, mas é integrante do grupo ao qual representa a associação autora, embora não a ela filiado. (TJRJ, Ac. unân. da 6.ª Câm. Cív., publ. em 18.05.2000, Ap. 12.397/99, Rel. Des. LUIZ ZVEITER, Município de Niterói x Fernando Nunes Costa).

CONSÓRCIO. CONSORCIADOS DESISTENTES. DEVOLUÇÃO ATUALIZADA DAS PRESTAÇÕES PAGAS. AÇÃO COLETIVA. A espécie versa sobre ação coletiva proposta por uma associação em defesa de direito individual homogêneo de consosrciados desistentes para obter a devolução atualizada das prestações pagas. Decidindo que "a legitimidade da associação civil não pode efetivamente ser entendida de modo a que seu campo de ação reste indefinido", o tribunal a quo neutralizou inteiramente a participação de Cidadania – Associação de Defesa dos Direitos do Cidadão no processo. Com efeito, o julgado atendeu apenas aos interesses dos litisconsortes, que não precisavam da aludida associação para propor a ação individualmente, este foi o efeito prático do acórdão, o de tratar a causa como se proposta exclusivamente pelos litisconsortes. Ao contrário, a legitimidade das associações a que se refere o art. 82, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor, para o ajuizamento de ação coletiva supõe direito a uma sentença de mérito que alcance as pessoas que ela substitui. Essa legitimidade tem sido reconhecida pela Turma. No caso da procedência de ação coletiva proposta em defesa de interesses ou direitos coletivos individuais homogêneos, a sentença terá efeito erga omnes para "beneficiar todas as vítimas e seus sucessores", tenham ou não intervindo como litisconsortes - art. 94, do Código de Defesa do Consumidor. Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento para declarar que a sentença terá efeitos sobre todos os ex-participantes do grupo de consórcio. (STJ, Ac. unân. da 3.ª Turma, publ. em 19.02.2001, Rec. Esp. 132.724-RS, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Cidadania Associação de defesa dos Direitos do Cidadão x Rodobens Administração e Promoções Ltda.).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FALTA DE INDICAÇÃO EXPRESSA DO DISPOSITVO LEGAL. APONTADO COMO VIOLADO, INDENIZAÇÃO POR CONTAMINAÇÃO PELO VÍRUS HIV EM TRANSFUSÕES SANGÜÍNEAS, RELAÇÃO JURÍDICA ESTABELECIDA ENTRE A UNIÃO E O CIDADÃO. Não-aplicabilidade, no caso da Lei n.º 7.347/85, posto que a referida ação presta-se à proteção dos interesses e direitos individuais homegêneos, quando seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores. Ilegitimidade ativa do Ministério Público reconhecida. Precendentes do STJ. O recurso, para ter acesso à sua apreciação neste tribunal, deve indicar quando da sua interposição, expressamente, o dispositivo e alínea que autorizam sua admissão. Da mesma forma, cabe ao recorrente, ainda, mencionar, com clareza, as normas que tenham sido contrariadas ou cuja vigência tenha sido negada. (AG 4.719-SP, Rel. Min. NILSON NAVES, DJU, 20.09.1990, p. 9.762; Rec. Esp. 4.485-MG, Rel. Min. NILSON NAVES, DJU, 15.10.1990, p. 11.190; Rec. Esp. 6.702-RS, Rel. Min. FONRTES DE ALENCAR, DJU, 11.03.1991, p. 2.399). Em assim não ocorrendo, ou se dê de modo deficiente, o recurso torna-se inadmissível. Nos exatos termos da Lei n.º 7.347/85, a ação civil pública é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, dessa forma, os interesses difusos da sociedade. A jurisprudência do STJ vem se firmando no sentido de não ser cabível o uso da ação civil pública para fins de amparar direitos individuais, nem se prestar à reparação de prejuízos causados por particulares pela conduta comissiva ou omissiva da parte ré, não revestindo o caso em apreço no conceito constante da Lei n.º 7.347/85. A ação civil pública não se presta como meio adequado a indenizar cidadãos que tenham sido contaminado pelo vírus HIV em transfusões sangüíneas realizadas em quaisquer estabelecimentos do País. Os interesses e direitos individuais homogêneos, de que trata o art. 21, da Lei n.º 7.347/85, somente poderão ser tutelados, pela via da ação coletiva, quando os seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores. Ilegitimidade ativa do MP reconhecida. Precedentes desta Casa Julgadora. (STJ, Rec. Esp. 22.256-SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, julg. em 14.09.1999).

11 PODERES DO JUIZ

Os poderes do juiz foram reforçados. A ele se conferiu, por exemplo, embora timidamente, se comparado ao sistema norte-americano, a faculdade de dispensar o requisito da pré-constituição das associações em certas hipóteses, tocando-lhe assim a atribuição de aferir, no caso concreto, a sua representatividade adequada, que é bem caracterizada no artigo 82, parágrafo 1.º do CDC.

No plano do provimento jurisdicional, ao juiz foi conferido o poder de adotar todas as providências adequadas e legítimas à tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer, sendo-lhe dado desde: a) impor multa diária independentemente de pedido do autor (sem prejuízo, evidentemente, do efetivo cumprimento da prestação), se a peculiaridade do caso indicar que a multa é suficiente ou compatível com a obrigação (artigo 84, parágrafo 4.º), até b) determinar medidas que sejam adequadas à obtenção do resultado prático equivalente ao do inadimplemento da obrigação se não for possível o atingimento de sua tutela específica.

Como será discorrido nos comentários aos artigos 83 e 84 e parágrafos, o provimento do juiz na tutela das obrigações de fazer ou não fazer não se restringirá à mera condenação (provimento condenatório na concepção tradicional), mas abrangerá também a expedição de mandamentos ou ordens (ação mandamental) que, sendo descumpridos, à semelhança das injuctions do sistema anglo-saxão ou da "ação inibitória" do sistema italiano, poderão configurar o crime de desobediência, como ato de afronta à justiça, e não apenas como ofensa ao direito da parte contrária, e ainda ensejará a adoção de técnicas de sub-rogação objetiva de obrigações que permitam a obtenção do resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação.

As considerações acima desenvolvidas a respeito do provimento mandamental e do provimento executivo lato sensu são de superlativa relevância para a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer.

Valeu-se o legislador, no art. 461, da conjugação de vários tipos de provimento, especialmente do mandamental e do executivo lato sensu, para conferir a maior efetividade possível à tutela das obrigações de fazer ou não fazer.

Ao admitir a sub-rogação da obrigação de fazer ou não fazer, por opção do titular do direito ou por ser impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático-jurídico equivalente ao do adimplemento (parágrafo 1.º do art. 461), valeu-se o legislador do provimento condenatório, que dá nascimento a título executivo judicial e permite o acesso à execução forçada através da ação autônoma de execução.

12.OPORTUNIDADE PARA O JUIZ DECLARAR INVERTIDO O ÔNUS DA PROVA

Consiste como objetivo fundamental do estudo analisar o artigo 6.º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, extraindo da sua definição a melhor oportunidade pela qual o magistrado deverá, observar, declarando, quando atendidos os requisitos legais, a inversão das regras do ônus da prova, sem prejudicar os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

a)JUSTIFICAVA DA TUTELA DO CONSUMIDOR:

Diante dos problemas sociais surgidos pela complexidade da sociedade moderna, o legislador pátrio buscando minimizar os reclamos de grupos e de indivíduos, instituiu o Código de Defesa do Consumidor; poderoso instrumento capaz de reduzir os anseios da população que, devido ao "fenômeno de massa", sob o ponto de vista econômico, ficava nas mãos dos fornecedores de serviços e de produtos.

Com efeito, o consumidor para satisfazer suas necessidades de consumo, comparecia ao mercado, e, nessa circunstância, precisando de determinado produto ou serviço, submetia-se as condições que lhe eram impostas, não possuindo forças para contestar sobre eventuais prejuízos; devido, destarte, a sua vulnerabilidade e/ou hipossuficiência.

Anterior a este rumo a Organização das Nações Unidas já vinha se posicionando no sentido de afirmar, de acordo com a resolução n.º 29/248, de 10 de abril de 1985, que "os consumidores se deparam com desequilíbrios em termos econômicos, nível educacional e poder aquisitivo, refletidos em sua vulnerabilidade e hipossuficiência".

Destarte, tendo em vista esta hipossuficiência, alguns consumidores desprovidos de recursos financeiros ficavam impossibilitados de contratem advogados para a defesa de seus direitos, bem como de pagarem as despesas processuais. Aliás, naquele, destaca-se com nitidez a franca superioridade dos fornecedores, os quais geralmente possuem, em seus estabelecimentos comerciais, departamentes jurídicos organizados e de bom nível técnico, o que influenciam na disparidade da situação de inferioridade do consumidor.

A propósito, esta mesma situação fática foi vivida há cinqüenta anos, quando surgiu a tutela do empregado nas relações de trabalho, o que se tornou combatível, quando se reconheceu a situação de fragilidade e dependência econômica, agora reconhecida entre fornecedor e consumidor.

b)REQUISITOS: VEROSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO OU HIPOSSUFICIÊNCIA:

Em verdade, a verosimilhança da alegação diz respeito ao convencimento do magistrado a ser elaborado em conformidade com a causa pretendi invocada pelo consumidor, que pretende a inversão do ônus da prova. Não se destina apenas a verificação do direito subjetivo material, mas também e, principalmente, ao perigo de não conseguir, em decorrência da sua fragilidade já relatada, provar o fato constitutivo de seu direito, acarretando, sobretudo, a inviabilidade do acesso ao judiciário; pois ingressar em juízo sem ter a oportunidade de provar o fato constitutivo, não pela falta de provas, mas pelo abuso de defesa do réu, é o mesmo que não entrar.

Na lição de Carreira Alvim, a verosimilhança somente se configurará quando a prova apontar para "uma probabilidade muito grande" de que sejam verdadeiras as alegações do litigante.

Em que pese o requisito da verosimilhança, o legislador ao editar referida norma ressaltou a importância do princípio da hipossuficiência consagrado no direito do trabalho, pois acrescentou ao texto legal a partícula; destarte, mesmo que as alegações do consumidor não possuírem a certeza da verosimilhança, poderá ser beneficiado pela inversão do ônus da prova probante, desde que prove a condição de hipossuficiente.

Nesse rumo, ensina o Prof. José Roberto Bedaque, com apoio em Ada Pellegrini Grinover, que "os princípios inerentes ao processo liberal não garantem um processo "justo" que só se certifica se, além da igualdade jurídica, houver também igualdade técnica e econômica", pois, "vãs seriam as liberdades do indivíduo se não pudessem ser reivindicadas em juízo. Mas é necessário que o processo possibilite à parte a defesa de seus direitos, a sustentação de seus limites, a produção de suas provas".

c)INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E OPORTUNIDADE PARA DECLARÁ-LO:

Inicialmente, antes de adentrarmos no objeto principal do estudo, indispensável é identificar a razão da existência das normas de distribuição do ônus da prova.

Partindo deste ponto, a parte deve ter o conhecimento prévio dos critérios de distribuição que serão utilizados pelo magistrado para direcionar sua sentença, sob pena de não ter a oportunidade de provar suas alegações no momento ideal, bem como, por conseqüência, ser ao final surpreendido pôr um provimento favorável ao seu adversário.

Nesse sentido, admitir que as partes somente possam ter conhecimento das regras de distribuição do ônus da prova no momento em que o juiz prolatar sua sentença, ou seja, após toda a instrução probatória Ter sido precluída, consideramos como um afronto ao princípio da ampla defesa, pois, a parte já não poderá mais, na sistemática processual vigente, produzir novas provas, salvo nos termos do artigo 303 do Código de Processo Civil.

Em que pesem os respeitáveis posicionamentos contrários, ousamos divergir, sustentando que no momento em que o consumidor ingressa em juízo com sua pretensão, o magistrado diante das alegações carreadas, dispõe, desde já, com a possibilidade de aplicar a inversão, quando preenchidos os requisitos legais, ou seja, verosimilhança da alegação, que exerce através de um juízo de probabilidade, ou a hipossuficiência, facilmente constatada, pelas condições educacionais, sociais e econômicas.

Destarte, permitir que seja aplicada a inversão somente na fase decisória, constitui um verdadeiro atentado ao princípio da ampla defesa, já que as partes, enquanto não se dispuser do contrário, competirá produzir as provas que lhes interessam, dentro da sistemática processual da regra prevista no artigo 333 do Código Processual Civil. Assim, desenvolvendo-se toda instrução probatória sobre a regra geral, não poderá o juiz, agora na fase decisória, alterar as "regras do jogo" pois, não obstante, será indiscutivelmente pego de surpresa o fornecedor o qual mobilizou toda a sua defensiva com base nas provas trazidas pelo consumidor.

Ciente agora que o magistrado não poderá declarar invertido o ônus da prova na sentença, sob pena de violar o princípio da ampla defesa, causando cerceamento de defesa, mister se faz identificar o momento adequado para declará-lo.

É duvidoso que a inversão do ônus da prova aqui tratada seja de grande utilidade para o consumidor, libertando-o de provar, pôr exemplo, a colocação de produto e serviço no mercado e o nexo causal entre o defeito e o dano, encargos que passam aos ombros do fornecedor.

Com efeito, tratando-se de direito básico do consumidor, não há necessidade de ser requerido a inversão no pedido inicial, pois é matéria de ordem pública a qual compete ao juiz declarar de ofício, quando atendidos os pressupostos legais.

Ao receber a inicial, e esta estando em termos, o magistrado determina a citação do réu, oportunidade em que pôr intermédio de uma decisão interlocutória, concede a inversão sobre o ônus da prova. Assim, quando o réu é citado para defender-se, é também intimado da decisão que inverteu o ônus probante, iniciando-se, pôr conseguinte, o prazo de dez dias para apresentar agravo, na forma de instrumento ou retido, o qual ficará prejudicado caso não haja defesa em tempo hábil (revelia).

Busca-se com esta exigência inabalável o princípio da concentração da defesa ou da eventualidade, visto que o fornecedor poderá elidir a sua culpa através da prova documental, caso que se declarada a inversão em outra oportunidade, não poderá utilizar deste poderoso meio de prova, cerceando, em conseqüência, sua defesa.

Portanto, conclui-se que o melhor momento pelo qual o magistrado deverá declarar invertido o ônus da prova é na ocasião da determinação da citação, à luz dos requisitos de verosimilhança da alegação ou hipossuficiente.

13 A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL

A ordinarização do processo de conhecimento, repelindo-se, via de regra, as tutelas sumárias que se baseavam em juízos de verossimilhança, prestigiando a certeza jurídica e fundamentando-se no binômio processo de conhecimento-execução forçada, trouxe como conseqüência mais grave a demora no desfecho dos processos.

Em um Estado de feição Liberal-iluminista isto não só não era um problema grave, como mesmo era desejado. Sim, porque a segurança jurídica é um dos fundamentos do modelo liberal. Ocorre, no entanto, que a sociedade evoluiu vertiginosamente nas últimas décadas e o Estado Democrático Social, que adotamos por modelo, tem um compromisso com a efetividade da tutela jurisdicional, pondo em questão o consagrado modelo de rigorosa separação entre conhecimento e execução, só excetuado em poucos casos.

Mas mesmo sendo um diploma de vanguarda, não logrou inovar o CPC de 1973 em qualquer forma de tutela sumária genérica e inexpecífica, papel este que ficou reservado para as cautelares satisfativas.

As pressões da doutrina jurídica e da sociedade como um todo seguiram aumentando, principalmente após o advento da Constituição Federal de 1988, que adotou insofismavelmente um modelo de Estado Democrático Social, reconhecendo explicitamente uma nova gama de direitos de cunho coletivo e firmando solene compromisso de efetividade da tutela jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV). Daí que se tenha iniciado um processo de reformas do CPC que ainda está em andamento.

Dentre as grandes inovações da reforma processual capiteneada por Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro, encontra-se a inserção do novo texto do artigo 273 e do artigo 461 do CPC, permitindo-se a antecipação dos efeitos da tutela pretendida. Tal medida representa uma ruptura com ancestrais compromissos com a ordinariedade do procedimento, concebendo a possibilidade de inclusão de providências executivas no bojo de qualquer ação de conhecimento, o que só era possível em alguns raros casos, como ocorria na possessórias e no mandado de segurança.

Ao contrário do processo cautelar, que pressupõe segurança para a execução, a antecipação de tutela é execução para a segurança. Começa a diferenciar-se do processo cautelar na medida em que o que se adiantam no tempo e no inter procedimental são efeitos de uma provável sentença de mérito do próprio processo dentro do qual a antecipação foi proferida.

As cautelares, de seu turno, salvante raras exceções que discrepam da sistemática ortodoxa, consistem em providências que não possuem o mesmo conteúdo de uma eventual sentença do processo acautelado. Somente a liminar cautelar, prevista no artigo 804 do CPC, é que representa uma antecipação de tutela, mas da tutela cautelar, não do processo dito principal, que é acautelado.

A liminar cautelar, no entanto, está condicionada a pressupostos diferentes do antecipação de tutela, pois a liminar cautelar atrela-se à possibilidade de que a citação possa tornar ineficaz o provimento cautelar.

Neste sentido, a liminar cautelar está para o processo cautelar assim como a antecipação de tutela do artigo 273 do CPC está para o processo de conhecimento. Para Ovídio Baptista da Silva, as cautelares estão mais voltadas ao perigo de "damnum irreparabile" do que para o verdadeiro "periculum in mora", este último presente dá margem a antecipações da tutela.

O primeiro, ao contrário, na visão do processualista gaúcho, que reconhece um direito material de cautela, é que seria a mola mestra da cautelaridade, pois historicamente o periculum in mora estaria ligado à execução provisória desde as fontes do direito comum italiano.

Logo, na medida em que a liminar cautelar visa antecipar efeitos do processo cautelar, cumpre função assemelhada à antecipação de efeitos da tutela, mas sem a natureza satisfativa desta pois é segurança dentro da segurança.

Da mesma forma, diferenciam-se as espécies em questão pelo fato de que a tutela cautelar pode ser prestada de officio, ex artigo 798 do CPC ao passo que a antecipação de efeitos da tutela requer pedido da parte, conforme preconiza o artigo 273, caput, do CPC.

Tendo em linha de conta a doutrina de Calamandrei, que concebe o processo cautelar como um resguardo da eficácia do processo e não do direito da parte, ou seja, como uma tutela antes da relação de direito público do que da res in juditio deducta diretamente, não é de se espantar que as medidas cautelares estejam amplamente franqueadas ao juiz, enquanto as medias antecipatórias sejam carecedoras de expresso pedido.

O artigo 798 do CPC, ao consagrar o poder geral de cautela, permite ao juiz valer-se de amplos poderes para decretar medidas provisórias que julgar adequadas, como diz o próprio dispositivo. Surge então uma questão: Como fica o poder geral de cautela dentro das funções jurisdicionais e, em relação ao processo de conhecimento, frente a antecipação de tutela?

Primeiramente, se nos parece que o dispositivo sub examine "minus dixit quam voluit". A seguir-se o que consta do artigo 798 ao pé da letra, teríamos que as medidas provisionais seriam exclusividade do processo de conhecimento, pois ali se fala que a medida será tomada quando " houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação". (grifo nosso). Ora, a referência a " antes do julgamento da lide" implica excluir o processo de execução, e seria possível sustentar, como se sustenta, que a lide referida é somente uma lide diversa do próprio processo de cautelar, ou seja, tratar-se-ia de um processo de conhecimento.

Não nos parece, contudo, seja esta a melhor exegese do dispositivo. É bem verdade que uma norma que prevê atuação oficiosa do magistrado é, frente à sistemática de nosso direito e à tradição privatista que a marca, uma exceção. Para tanto, basta verificarmos o disposto no artigo 2º do CPC, emblemático na questão ao consagrar o princípio da demanda, escudado na parêmia " nemo iudex sine actore". Segundo a verba do artigo 2º, "nenhum juiz prestará tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais".

As exceções a este princípio são raríssimas em nosso direito, exemplificando-se o artigo 989 do CPC, referente à abertura determinada ex officio pelo magistrado de inventário. Como norma de exceção, o artigo 798 necessitaria de uma interpretação restrita, como preconizam, de resto, as mais comezinhas regras da hermenêutica.

Porém, hodiernamente sabemos que a lei deve sempre cumprir uma finalidade, ganhando corpo a interpretação teleológica como o método superior de exegese. Há que considerar, ainda a interpretação sistemática, fazendo-se analisar a norma sempre à luz do contexto jurídico e, em especial, frente ao conjunto de princípios em voga.

Nesta ordem de idéias, atentos para o fato de que o princípio basilar da atividade jurisdicional é hoje a efetividade, não podemos concordar em render aplausos a uma interpretação restritiva do dispositivo em apreço, que só está a demonstrar quão grande foi o desleixo do legislador com a tutela executiva e com a própria tutela cautelar.

Diríamos nós que há até uma certa contradição na doutrina do CPC. Destarte, a partir do ponto em que se concebe a tutela cautelar sob as bases do pensamento de Calamandrei, ou seja, como proteção à eficácia do processo, negar a possibilidade de atuação do poder geral de cautela no processo de execução e mesmo no próprio processo cautelar implica dizer ou que estes processo não tem eficácia processual a ser resguardada ou, no mínimo, dizer que a eficácia de que disponham é de "segunda classe", não merecendo guarida do Direito.

Mas ninguém em sã consciência dirá que os processos executivos e cautelares não disponham de uma eficácia tão importante e jurídica quanto as vislumbráveis no processo de conhecimento, e, portanto, carecedoras do mesmo prestígio e proteção.

A conclusão diferente não chegaremos se tivermos em mente um direito material de cautela, segundo o qual o processo cautelar prestar-se-ia a proteção de direitos e não só da eficácia de uma ação principal. Neste caso, ao negarmos aplicação do poder geral de cautela no processo de execução e no próprio processo cautelar, estaríamos afirmando que a espécie de direto veiculada nestes processos seria igualmente menos prestigiosa, e em alguns casos chegaríamos a valorizar menos o direito acertado após cognição exauriente do que em sua feição potencial, já que a medida provisional poderia ser deferida no processo de conhecimento, inclusive initio litis, e não no processo de execução.

Nem se diga que existem medidas específicas na execução (v.g.), arresto, seqüestro) e que na cautela seria inviável uma proteção oficiosa por já ser ela uma cautela. Medidas específicas de cunho cautelar existem igualmente para a proteção do processo de conhecimento e nem por isto se nega a possibilidade de medidas provisórias no seu transcurso. Por outro lado, o fato de o processo cautelar veicular uma pretensão de segurança de outro processo não atinge a jurisdicionalidade das atividades operadas sem eu bojo, requerendo o mesmo zelo por parte do Estado Juiz.

Ademais, seguindo-se o escólio de que a cautela visa à proteção do processo e não do direito subjacente, não poderíamos confundir a proteção à eficácia do processo cautelar, prestada através da medida provisória do artigo 798 do CPC, com a proteção que o processo cautelar em questão presta ao processo dito principal.

Logo, acreditamos que é possível, inobstante a dicção do artigo 798 a utilização do poder geral de cautela no bojo dos processo de execução e mesmo no cautelar.

Quanto ao cotejo entre o poder geral de cautela e a antecipação de efeitos da tutela, se nos parece que se antes se permitia a utilização do poder geral de cautela para decretar medias até mesmo de cunho satisfativo, hoje isto não mais é lícito, pena de tornar letra morta o artigo 273, caput, do CPC, que condiciona o deferimento de tais medidas a pedido expresso da parte.

A antecipação de tutela requer também como requisitos uma prova inequívoca e o perigo de danos irreparável ou de difícil reparação através de " fundado receio", além de abuso do direito de defesa. Há certos reparos de menor monta a serem feitos na redação do artigo 273.

Com efeito, o caput do dispositivo diz que o juiz poderá conceder a antecipação dos efeitos da tutela se presente prova inequívoca se convença da verossimilhança "da alegação" e haja fundado receio de dano (inciso I) ou manifesto propósito protelatório na defesa a ser apresnetada (inciso II). Deveria ter especificado a qual alegação se refere o caput, pois alegação também é feita nos casos do inciso I e II.

Fala-se em prova inequívoca e verossimilhança. Não haveria uma incongruência entre prova inequívoca e verossimilhança eis que de prova inequívoca resultaria, em tese, juízo de certeza e não de mera verossimilhança? Realmente a existência de prova inequívoca induz certeza e não mera plausibilidade que é própria dos juízos sumários.

Mas há uma forma de compatibilizarmos estes elementos. Conforme já tratamos em outro oportunidade, o juízo permanece de verossimilhança, porque ou não foi concedido o contraditório prévio, ou se o foi, a cognição não foi aprofundada a ponto de dar ensanchas a um juízo de certeza.

Como se vê, existem situações em que o direito alegado é verificável primu ictu oculi, o que daria margem a que, ainda que em sede de sumaria cognitio, se pudesse dizer desde já existente o direito pleiteado. No entanto, o juízo de certeza jurídica em nosso ordenamento processual, fiel às premissas romano-canônicas, só é admissível após uma cognição exauriente. A alegação a que se refere o dispositivo em questão só pode ser a alegação referente ao direito afirmado, ou seja, a prova inequívoca refere-se ao direito de que se diz titular e do qual alguns efeitos se pretende adiantar.

Portanto o juízo de verossimilhança referido no artigo 273 é, na prática, um juízo de certeza. No entanto, sua configuração jurídica não possibilita que se o trate como um juízo apto a ensejar uma sentença meritória final, exatamente pela extensão reduzida do contraditório. Esta, a nosso ver, a única possibilidade de conciliarmos as noções de prova inequívoca e de verossimilhança, que, a rigor se repelem, porque prova inequívoca, em regra permite um juízo mais substancial do que a mera verossimilhança.

Mas não basta a prova inequívoca a materializar o juízo de verossimilhança. É necessária presença de dano irreparável ou de difícil reparação ou ainda o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório. A presença de dano irreparável ou de difícil reparação é uma situação extra-processo e a permissibilidade de invocação de antecipação de efeitos da tutela visa, em tal caso, resguardar o próprio direito.

Na noção de difícil reparação devemos ter em mente o custo de restabelecimento do status quo anterior, ou mesmo a secundariedade da transformação em perdas e danos da prestação devida ou do direito violado. A esta conclusão chegamos tendo em vista que no moderno processo se busca a tutela específica, dentro dos postulados de Chiovenda, segundo o qual o processo deve dar ao litigante tudo aquilo a que teria direito se não houvesse necessidade de valer-se do processo, o que aliás é óbvio, porque se o processo sempre representar uma redução do direito que por ele se busca, então o processo seria estímulo ao inadimplemento, traindo a sua função primordial.

Outro requisito que pode ser invocado é o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório. Trata-se de um requisito alternativo, porquanto não é necessário que esteja presente concomitantemente com o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Cuida-se, portanto, de desestimular comportamentos protelatórios e infundados do réu que, valendo-se do procedimento, busca simplesmente dilargar a instância, reduzindo o ganho do autor (o tempo sempre é um fator importantíssimo), por mero espírito de emulação. É sabido como esta prática tem sido correntia, especialmente com o uso do recurso que possibilita aumentar a duração do processo geralmente em muitos meses.

Nosso processo, como estava estruturado anteriormente à introdução do artigo 273, permitia que um advogado com bons conhecimentos técnicos transforma-se a vida da parte contrária em um verdadeiro inferno processual, ainda que estivesse a defender uma causa sem fundamento algum. Para tanto bastaria valer-se de aspectos processuais e de sucessivas provocações recursais, durante o transcurso do processo em primeiro grau através de agravos, e, após, atacando a sentença e os sucessivos acórdãos, em uma infindável marcha.

Quando inexistia correção monetária, tal expediente esvaziava por completo o direito do autor vencedor e este aspecto continuou válido para as obrigações de fazer até a introdução da tutela específica a teor dos artigos 461 e 644 e 645, também pela reforma de 1994. Nestes casos, ainda que pudéssemos alvitrar a transformação em perdas e danos, o fato é que a prestação in natura acabava demorando um lapso temporal que significava verdadeira vitória prática do derrotado processual.

Na nova sistemática, uma vez verificada a inconsistência notória da defesa, pode o magistrado, obviamente à instâncias da parte interessada, deferir a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, evitando que o tempo opere contra o autor que tem razão. O tempo, como dizia Carnelutti, é um inimigo a quem o magistrado deve dar renhido e permanente combate.

Mas verificada a presença deste requisito, há que se verificar a presença de um outro pressuposto que podemos denominar de pressuposto ou requisito negativo. Tal é o que consta do parágrafo segundo do artigo 273, segundo o qual não se concederá a antecipação dos efeitos da tutela quando não houver possibilidade de reversão do provimento antecipatório, ou em outras palavras, não se antecipará efeitos que posam tomar uma feição de irreversibilidade.

Esta seria a inteligência fria da letra da lei, que não é, contudo, um dogma absoluto. Realmente, é possível concebermos um sem fim de situações em que a liminar antecipatória tomará um caráter de definitividade e nos quais, no entanto, não se pode negar a antecipação.

Em casos extremados, em que se verifica estar em jogo um direito de maior envergadura, inegável que entre permitir o seu perecimento prematuro, tornando inútil um provimento favorável, ou adiantar os efeitos da tutela, ainda que contra legem, preferível, frente ao Direito de um Estado Social e aos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, conceder-se antecipação dos efeitos da tutela pretendida.

A letra da lei, nos ensina a boa hermenêutica, não tem valor absoluto, cabendo ao aplicador tornar o texto legal maleável e moldável à realidade de modo a permitir a consecução dos objetivos maiores do sistema. Claro que isto é uma situação excepcional, pois admitir-se que o juiz desborde da aplicação legal em qualquer caso seria o mesmo que torná-lo legislador, trazendo o risco do governo dos juizes, tão nefasto quanto o governo dos tiranos, pois subverte a separação de poderes, mecanismo base da garantia de um Estado de Direito.

Há um critério objetivo para aferirmos a aplicabilidade ou não da limitação de irreversibilidade do provimento (rectius = dos efeitos do provimento). Para tanto, cremos de fundamental importância uma aferição da espécie de direito em jogo.

Verificado que o direito periclitante cuja antecipação se pede antecipação, e que poderá tomar um caráter de irreversibilidade, é daqueles direitos fundamentais, cujo rol encontra-se, sobretudo, no artigo 5º da CF de 1988, em rol não exaustivo, emende-se, então cede passo a norma processual para permitir a antecipação, sem que isto signifique extinguir o processo prematuramente, pois que a antecipação não afasta o prosseguimento do feito até o final.

Aqui abre-se ensejo para a invocação e análise do parágrafo § 5º do artigo 273 do CPC, que determina a seqüência do processo até o final termo quando concedida a antecipação. Em tal ordem de idéias, prossegue o processo até que se ultime em caráter final a tutela visada.

No caso tratado no parágrafo anterior, quando ocorre de a antecipação exaurir o objeto do processo, como sejam naqueles casos em que os efeitos antecipados coincidem com os efeitos pretendidos de uma prestação instantânea e irreversível, o prosseguimento do processo até o final tem por escopo estabelecer a necessidade ou não de pagamento de perdas e danos que poderão advir em caso de não confirmação da liminar.

Nestes casos não terá aplicação prática o previsto no artigo 588, inciso III, do CPC, que preconiza o retorno ao prístino status quo e aplicável por força do parágrafo 3º do artigo 273.

Os efeitos antecipados tornam-se irreversíveis e inatingível o status quo ante, permanecendo a necessidade de verificar se a tutela final corresponde ao conteúdo da liminar ou não. O termo do processo é indispensável para esta verificação. Logo, inaplicável à espécie a extinção do processo por perda do objeto, ainda que tornados irreversíveis os efeitos antecipados.

A execução das medidas antecipatórias, ou melhor dos efeitos antecipados seguirá, segundo a dicção do artigo 273, § 3º, o disposto no artigo 588, inciso II e III. Deixou-se de fora o inciso I do retromencionado dispositivo, que prevê que a execução corre por conta e risco do exeqüente, devendo este prestar caução obrigando-se a reparar os danos causados ao executado.

Por outro lado a aplicação dos incisos II e III, que determina limitações ao alcance da medida, que não poderá importar atos de alienação de bens, retornando ao status quo anterior caso não confirmada em sentença a liminar concedida.

O inciso II, como visto, não pode ter aplicação rígida pois são comuns os caos em que a antecipação de tutela só tem efeito prático se os atos antecipadores tiverem um conteúdo realmente satisfativo, podendo-se alvitrar alienação de bens e mesmo o levantamento de quantias em caução idônea, presente que esteja um valor da maior envergadura a requerer uma interpretação abrandada do dispositivo.

As medidas antecipatórias poderão ser revogadas a qualquer tempo em decisão fundamentada, nos diz o artigo 273, § 4º, do CPC. Mas devemos repelir uma interpretação literal do dispositivo. Destarte, a possibilidade de revogação a qualquer tempo não significa conceder ao magistrado discricionariedade, não podendo ele ad nutum realizar mutações no que concerne a decisão concessiva ou denegatória anterior. A tanto o impede o princípio da segurança jurídica, que deve estar presente, sob pena de uma verdadeira balbúrdia processual.

Significa dizer que quando se concede o direito ao magistrado de mudar sua decisão, não se está simplesmente lhe conferindo a possibilidade de, invocando somente sua vontade, alterar decisões judiciais. Há que estar presente uma mutação no quadro fático ou jurídico, mesmo porque o dispositivo condiciona a mudança a prolação de um nova decisão fundamentada.

A questão que pode surgir, então, concerne à necessidade de fatos novos ou se poderia a nova decisão fundamentar-se em uma nova análise dos mesmo fatos aduzidos. A nosso ver somente com fatos novos poderá o magistrado proferir nova decisão. Mas note-se, a seqüência da instrução, com a ouvida de testemunhas pode significar fatos novos, pois o que se requer é mudança no quadro fático, incluindo-se o quadro probatório.

Logo, poderá o magistrado se convencer no transcurso da demanda do equivoco de sua anterior decisão ante o fato de (v.g.) ter o réu juntado documentos que infirmem a versão do autor.

O que não se pode admitir é que o juiz, analisando o mesmo quadro que antes tinha descortinado frente a si profira, sic e simpliciter, nova decisão, tornando, processo um jugo cujo grau de incertezas vai além do tolerável. Não podemos no esquecer que a antecipação de efeitos da tutela, como de resto qualquer decisão interlocutória, sempre trás conseqüências no mundo fático, podendo até atingir terceiros.

A mudança desordenada de orientação processual conspira contra a certeza jurídica que, se não é um valor absoluto, ao menos ainda é um cânone respeitável de nosso sistema processual o qual não podemos ignorar.

Mas o que é de suma importância é percebermos que há uma abismal diferença entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar, sendo hoje inadmissível utilização da cautela para fazer as vezes da antecipação dos efeitos da tutela, o que, sobre ser uma grave cinca, causadora de inadequação do rito e portanto da extinção do feito sem julgamento do mérito, ainda representa uma grave violação do devido processo legal e da ampla defesa, princípio retores do sistema e insculpidos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, na medida em que se reduz drásticamente o prazo de defesa, sem falar no fato de se tornar letra morta o artigo 273 do CPC que exige algo mais do que mera verossimilhança para a antecipação de efeitos do próprio pedido, providência esta que, queiramos ou não, ainda é um exceção dentro do nosso processo civil.

14 DO PROVIMENTO MANDAMENTAL

A chamada ação mandamental, de que é exemplo a ação de mandado de segurança, constitui um exemplo dessa evolução. Não se confunde ela, embora as inegáveis semelhanças, com a ação condenatória. Esta dá origem ao título executivo que, em não sendo cumprida a condenação espontaneamente pelo demandado, possibilitará o acesso a uma outra ação, de execução ex intervallo.

Já na ação mandamental é o próprio juiz que, através de expedição de ordens, que se descumpridas farão configurar o crime de desobediência, e de realização por ele de atos materiais (como o fechamento de um estabelecimento comercial ou industrial, ou a cessação efetiva da publicidade enganosa, se necessário, com impedimento da circulação do veículo de publicidade, da interrupção da veiculação de um anúncio pela televisão etc., ou ainda a retirada do mercado, com uso de força policial se necessário, de produtos e serviços danosos à vida, saúde e segurança dos consumidores), é o próprio magistrado – repita-se – que praticará todos os atos necessários para que o comando da sentença seja cumprido de modo específico.

É nesse sentido que deve ser interpretado o artigo 83, quando nele se afirma que, em defesa dos direitos e interesses dos consumidores, são "admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela".

15 DO PROVIMENTO EXECUTIVO LATO SENSU

A execução específica ou a obtenção do resultado prático correspondente à obrigação pode ser alcançada através do provimento mandamental ou do provimento executivo lato sensu, ou da conjugação de ambos.

Através do provimento mandamental é imposta uma ordem ao demandado, que deve ser cumprida sob pena de configuração do crime de desobediência, portanto mediante imposição de medida coercitiva indireta. Isto, evidentemente, sem prejuízo da execução específica, que pode ser alcançada através de meios de atuação que sejam adequados e juridicamente possível, e que não se limitam ao pobre elenco que tem sido admitido pela doutrina dominante. E aqui entra a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato sensu, permitindo este último que os atos de execução do comando judicial sejam postos em prática no próprio processo de conhecimento, sem necessidade de ação autônoma de execução.

16 ADOÇÃO DE MEDIDAS DE SUB-ROGAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA

Dentre os vários meios de execução possíveis, certamente as medidas de sub-rogação de uma obrigação em outra de tipo diferente são bastante eficazes. Bem se percebe que não estamos falando se sub-rogação comum, que é conversão da obrigação de fazer ou não fazer descumpridas em perdas e danos. E sim de sub-rogação propiciadora da execução específica da obrigação de fazer ou não fazer ou a obtenção do resultado prático-jurídico equivalente.

Pensemos, por exemplo, no dever legal de não poluir (obrigação de não fazer). Descumprida, poderá a obrigação de não fazer ser sub-rogada em obrigação de fazer, e não cumprida esta obrigação sub-rogada de fazer poderá ela ser novamente convertida, desta feita em outra de não fazer, como a de cessar a atividade nociva. A execução desta última obrigação pode ser alcançada coativamente, inclusive através de atos executivos determinados pelo juiz atuados por seus auxiliares, inclusive com a requisição, se necessário, de força policial (parágrafo 5.º do art. 461).

São meios sub-rogatórios que o juiz deverá adotar enquanto for possível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, em cumprimento ao mandamento contido no parágrafo 1.º do art. 461. Para isto, o juiz usará do poder discricionário que a lei lhe concede.

A discricionariedade deve ser bem entendida. Não se trata de adoção de qualquer medida, e apenas de medidas adequadas e necessárias à tutela específica da obrigação ou à obtenção do resultado equivalente.

O resultado prático equivalente poderá ser obtido, também, através de outros atos executivos praticados pelo próprio juízo, pôr meio de seus auxiliares, ou de terceiros, observados sempre os limites da adequação e da necessidade. Em nosso sistema jurídico não há explícita amortização para nomeação de terceiros, como o receiver ou master ou administrador ou committees do sistema norte-americano. O receiver americano, em matéria de proteção do meio ambiente, pode ter a atribuição de administrar uma propriedade para fazer cessar a atividade poluidora, de desenvolver obra de despoluição e de ressarcimento dos danos resultantes da poluição.

A Lei Antitruste (n.º 8.884/94), ao cuidar do cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, fala em ‘todos os meios, inclusive mediante de intervenção na empresa necessária’ (art. 63) e fala também em afastar de suas funções os responsáveis pela administração da empresa que, comprovadamente, obstarem o cumprimento de atos de competência do interventor’. O modelo desta última lei sugere a possibilidade de adoção de medidas assemelhados àquelas adotadas pelo sistema norte-americano, que prevê as figuras do receiver, master, administrador e commitees.

17 O EMPREGO DE MEIOS SUB-ROGATÓRIOS EM RELAÇÃO A OBRIGAÇÕES FUNGÍVEIS

Comprometido o processo moderno com a execução específica das obrigações de fazer e não fazer, a lei haverá de propiciar à parte meios imperativos para buscar o resultado prático a que corresponde o direito subjetivo do credor. Variados poderão ser esses expedientes, se a obrigação for fungível, isto é, realizável por ato de terceiro; ficarão, todavia, restritos à cominação de multa (astreinte) se, por ser infungível, apenas o devedor puder realizar, pessoalmente, a prestação a que se obrigou.

Na verdade, a nova postura legislativa é de valorização da execução específica, ainda quando a obrigação de fazer seja infungível. Por meio da cominação de multa diária por atraso no cumprimento da prestação devida, tenta-se compelir o devedor a realizá-la, antes de convertê-la em perdas e danos. A multa, porém, não chega, por si só, a realizar a prestação a que tem direito o credor. Em muitos casos, porém, essa prestação pode, perfeitamente, ser alcançada por obra do credor ou de terceiro, cabendo ao devedor suportar o respectivo custo.

Outras vezes, não se alcança exatamente a prestação devida, mas chega-se a resultado prático a ela equivalente. Fala-se, então em meios sub-rogatórios, que vêm a ser todo e qualquer expediente adotado pelo juiz para alcançar, como ou sem a cooperação do devedor, o resultado correspondente à prestação devida.

A mais enérgica medida para agir sobre o ânimo do devedor, é sem dúvida, a sanção pecuniária, a multa. Esta pode ser cominada tanto no caso das obrigações infungíveis como das obrigações fungíveis, com uma diferença, porém: a) se se tratar de obrigação infungível, não substituirá a prestação devida, porque a astreinte não tem caráter indenizatório. Não cumprida a obrigação personalíssima, mesmo com a imposição de multa diária, o devedor afinal ficará sujeito ao pagamento tanto da multa como das perdas e danos; b) se o caso for de obrigação fungível, a multa continuará mantendo seu caráter de medida coertiva, isto é, meio de forçar a realização da prestação pelo próprio devedor, mas não excluirá a aplicação dos atos executivos que, afinal, proporcionarão ao credor a exata prestação a que tem direito, com ou sem a colaboração pessoal do inadimplente.

Como meios sub-rogatórios entendem-se as medidas que, sem depender da colaboração do devedor, podem levar ao resultado prático desejado.

O primeiro expediente que se manifestou como meio sub-rogatório utilizável nas execuções de obrigações de fazer foi a substituição da declaração de vontade nos compromissos de contratar pela sentença judicial. Entendia-se a princípio que a promessa de declaração de vontade compreendia obrigação de fazer infungível, já que somente o devedor tinha condições para manifestar sua própria vontade. O direito evoluiu, no entanto para a fungibilidade, pois sem nenhum constrangimento direto e pessoal ao devedor, bastaria a lei conferir a outrem a função de declarar vontade em lugar do devedor. E foi o que se fez ao criar-se a ação de adjudicação compulsória em que o juiz, diante da recusa do promitente a outorgar o contrato definitivo, profere sentença que o substitui e produz em favor do promissário todos os efeitos jurídicos que deveriam ser gerados pela declaração sonegada pelo devedor inadimplente.

Com a sentença do procedimento previsto nos arts. 639 a 641 do CPC, o credor obtém, portanto, execução específica da obrigação de fazer contida na promessa de contratar. Por expediente diverso do contrato prometido chega-se a efeito jurídico e prático a ele equivalente.

O segundo meio de buscar o efeito visado pela obrigação de fazer, já antigo em nosso direito processual, é a multa diária (a astreinte) a que já nos referimos. Essa cominação, porém, não produz uma sub-rogação plena, porque sua força é apenas intimidativa: pela coação econômica procura-se demover o devedor de sua postura de resistência ao cumprimento da prestação devida. Não se chega, só por meio dela, à satisfação do direito do credor. Quando muito amedronta-se o devedor, fragilizando sua vontade de não cumprir a obrigação e criando clima de favorecimento prático ao adimplemento pelo próprio devedor. É meio indireto de execução, portanto.

Há, na nova sistemática do art. 461 algumas inovações importantes no emprego da multa na tutela judicial às obrigações de fazer e não fazer:

a) a aplicação da multa não se liga a poder discricionário do juiz; sempre que esta for "suficiente e compatível com a obrigação" (art. 461, § 4º), terá o juiz de aplicá-la". Só ficará descartado o emprego da multa quando esta revelar-se absolutamente inócua ou descabida, em virtude das circunstâncias". Imagine-se a situação em que após o inadimplemento a prestação se tornou impossível. Não teria sentido, obviamente, impor multa coercitiva a um devedor que não mais tem como cumprir a prestação. Só restaria ao credor, em semelhante situação, reclamar a compensação das perdas e danos, se a impossibilidade se dever à culpa do devedor. Pode-se pensar também na inadequação da multa quando o devedor estiver comprovadamente insolvente;

b) uma vez cabível a multa, o juiz não dependerá de requerimento da parte para aplicá-la; deverá fazê-lo de ofício, como prevê o art. 461, § 4º;

c) o juiz não pode simplesmente multar o devedor; deve, sempre que usar a astreinte, fixar "prazo razoável para cumprimento da obrigação" (art. 461, § 4º); somente depois de seu escoamento é que, persistindo o inadimplemento, o devedor estará sujeito à pena cominada;

d) não apresenta a lei parâmetros obrigatórios para a fixação da multa; cabe ao juiz agir com prudência a fim de arbitrar multa que seja, segundo o mandamento legal, "suficiente ou compatível" com a obrigação. Cabe-lhe procurar a "adequação", que vem a ser o juízo de possibilidade de a multa realmente servir para provocar o cumprimento da obrigação, segundo a visão que o juiz tenha da causa; não se multa só com o propósito de penalizar o inadimplente e muito menos com o direto e único intento de arruiná-lo economicamente; é necessário que a medida sancionatória seja de fato útil e adequada ao fim proposto. É de acolher-se a ponderação de Carreira Alvim, segundo a qual embora o valor da multa possa, em tese, ultrapassar o valor da obrigação, a sua fixação, deve, na prática, guardar certa proporção com o dano experimentado pelo autor, em função da obrigação inadimplida. Em outros termos, deve conter-se num valor razoável, consoante as condições econômico-financeiras do devedor, sob pena de tornar-se tão ineficaz quanto a condenação principal;

e) a multa tanto pode ser aplicada pela sentença final de mérito, como por medida de antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Naturalmente, para fazê-la incidir antes do julgamento definitivo da causa, o juiz haverá de apoiar-se em dados que justifiquem, in concreto, a tutela antecipada;

f) a multa uma vez fixada não se torna imutável, pois ao juiz da execução atribui-se poder de ampliá-la ou reduzi-la, para mantê-la dentro dos parâmetros variáveis, mas sempre necessários, da "suficiência" e da "compatibilidade"; mesmo quando a multa seja estabelecida na sentença final, o trânsito em julgado não impede ocorra sua revisão durante o processo de execução; ela não integra o mérito da sentença e como simples medida executiva indireta não se recobre do manto da res iudicata;

g) a multa vigora a partir do momento fixado pela decisão, o qual se dará quando expirar o prazo razoável assinado pelo juiz para o cumprimento voluntário da obrigação. Vigorá, outrossim, crescendo dia a dia, enquanto durar a inadimplência e enquanto for idônea para pressionar o devedor a realizar a prestação devida. Uma vez evidenciado que não há mais como exigir-se a prestação in natura, não terá como se prosseguir na imposição da pena diária. Não tem sentido, por exemplo, insistir na sua aplicação enquanto não forem pagas as perdas e danos. Se a obrigação se converter em perdas e danos, já não há mais razão para praticar um expediente sub-rogatório cuja existência pressupõe a exigibilidade in natura da obrigação de fazer. In casu, o devedor permanecerá responsável pelas astreintes vencidas até quando se constatou a inviabilidade do prosseguimento da execução específica.

18 MEDIDAS SUB-ROGATÓRIAS PARA REFORÇAR A EXEQUIBILIDADE IN NATURA

Por outro lado, enquanto for viável obter-se a prestação in natura, continuará cabível a multa, ainda que ultrapasse o valor da dívida, porque a astreinte não é meio de satisfação da obrigação, mas simples meio de pressão. Há, porém, quem não admita uma perpetuação da multa, principalmente depois que seu montante acumulado já tenha ultrapassado o valor total da obrigação.

O STJ já chegou a declarar que, na espécie, poderia ocorrer um enriquecimento sem causa [30]. Na doutrina, também, há vozes abalizadas recomendando, depois de passado algum tempo sem que a multa tenha produzido o esperado efeito, que o juiz faça cessar a incidência das astreintes. Para essa doutrina, a situação evidenciaria a impossibilidade de a multa conduzir ao resultado específico, ou pelo menos a inadequação da multa para tanto.

A meu ver, não se deve adotar nenhuma posição rígida a respeito do tema. O fato de prolongar-se muito a inadimplência, mesmo depois de cominada a multa diária, representará, sem dúvida, motivo para melhor avaliação da pena como medida executiva indireta e funcionará como indício de sua inadequação à espécie do processo. Mas daí a dizer, só por isso que, ela deverá cessar de incidir, vai uma distância muito grande e o argumento envolve um raciocínio nem sempre convincente.

O devedor pode justamente estar se prevalecendo de seu poderio econômico para prejudicar o credor, que depende substancialmente da prestação in natura para seus negócios. Parece-me correta a ponderação de Eduardo Talamini de que o juiz não pode singularmente "premiar a recalcitrância do réu". Em vez de se preocupar com o possível "enriquecimento sem causa" gerado pela indefinida protelação do cumprimento da sentença, deverá o juiz indagar se houve algum outro motivo para concluir que a multa se tornou inadequada ao seu objetivo institucional.

h) exigibilidade da multa: se a imposição se der na sentença, naturalmente sua exigência se dará na execução do referido julgado. Dependerá, todavia, de prévia liqüidação, em que se comprove o inadimplemento e a respectiva duração, para aperfeiçoamento do título executivo judicial.

O problema torna-se mais complexo e suscita a formação de divergências doutrinárias, quando se trata de cobrar a multa aplicada em antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Para Cândido Dinamarco, tal multa somente se tornaria exigível depois do trânsito em julgado da sentença definitiva. Assim pensa, também, Ada Pellegrine Grinover.

Para Talamini, todavia, o que se tem de indagar é a finalidade da multa. Se ela foi estipulada em antecipação de tutela, para assegurar desde logo o provimento antecipado, deve ser exigível de pronto. Muito embora, deva se atentar para o caráter provisório de tal execução (CPC, art. 588, c/c art. 273, § 3º). Parece-me que se o juiz usou a multa como expediente para forçar o cumprimento imediato da prestação de fazer, não se deve recusar sua exigibilidade também imediata. O mesmo, porém, não acontecerá se a fixação liminar da multa não se vinculou aos pressupostos do art. 273 e 461, § 1º, necessários a exigir do réu a submissão antecipada os efeitos da tutela de mérito. Limitando-se o juiz a estipular a astreinte antes da sentença, sua exigibilidade, então, dependerá do ulterior trânsito em julgado, muito embora o dies a quo de seu cálculo possa retroagir ao momento fixado pela decisão primitiva.

i) Forma de execução de multa: a multa, em qualquer situação deverá ser exigida sob o rito da execução por quantia certa.

Mesmo quando o devedor só esteja incurso na multa estipulada em antecipação de tutela, não há na cobrança urgência para o credor capaz de justificar o afastamento do rito normal da execução por quantia certa.

Não é possível executar-se multa judicial, qualquer que seja ela, sem previamente submetê-la ao procedimento liqüidatório. Só após tal procedimento é que se terá o título executivo judicial líqüido, certo e exigível. Essa liquidação compreenderá não só a comprovação de que a prestação não se cumpriu no prazo assinado, como também de quanto durou o retardamento. Se esses dados já estiverem certificados nos autos, a liqüidação se resumirá num simples cálculo aritmético; havendo necessidade de apuração de dados novos, o procedimento terá de ser o da liqüidação por artigos.

19 OUTROS MEIOS SUB-ROGATÓRIOS OU DE APOIO

Dispõe o § 5º do art. 461 do CPC, com evidente propósito de perseguir a efetividade da tutela jurisdicional, que, nas ações relativas às obrigações de fazer e não fazer, o juiz pode determinar medidas de sub-rogação e coerção como "busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além da requisição de força policial".

A enumeração legal é reconhecidamente exemplificativa, de sorte que a autorização contida no § 5º do art. 461 compreende qualquer outra medida que se torne necessária e compatível com o propósito de proporcionar ao credor a "tutela específica" ou o "resultado prático equivalente".

As medidas em questão são determinadas pelo próprio juiz do processo de conhecimento e podem referir-se tanto ao cumprimento da antecipação de tutela como à execução da sentença definitiva.

Com elas procura-se a satisfação do direito do credor, e não apenas a conservação de elementos úteis ao processo. O texto legal é de meridiana clareza ao dispor que as providências autorizadas são "para efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente".

Embora o rol das medidas sub-rogatórias ou de apoio contido no § 5º do art. 461 seja meramente exemplificativo, o juiz não tem um poder ilimitado na adoção de outras providências para atingir a execução específica. Expedientes condenados pela ordem jurídica, como a prisão civil por dívida, obviamente não se incluem nos meios de coerção utilizáveis na espécie.

Na escolha de providência extravagantes, preconiza-se a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, de sorte a guardar a relação de adequação com o fim perseguido, não podendo acarretar para o réu "sacrifício maior do que o necessário.

A busca e apreensão, in casu, é providência que pode se referir, no todo ou em parte, ao objeto criado pela execução da obrigação de fazer, bem como a alguma coisa necessária ou útil a tal execução (exemplos: materiais, projetos, ferramentas). As ordens desse tipo são tomadas incidentalmente, dentro do processo em curso, sem instauração de verdadeira execução para entrega de coisa.

A entrega de coisa para satisfazer o direito a "resultado prático equivalente" à prestação devida não é de ser descartado. As medidas sub-rogatórias do § 5º tanto são utilizáveis como preparação do julgamento do processo de conhecimento, como podem ser providências que a sentença utilize para determinar o conteúdo da condenação.

Nessa última hipótese, a busca e apreensão dar-se-ia, na fase de execução da sentença onde ficaria assegurado ao credor uma coisa determinada, cuja entrega lhe proporcionaria o "resultado prático equivalente". Imagine-se o fornecedor de um automóvel que não consegue realizar a contento a garantia de pleno funcionamento da máquina. O juiz pode transformar a obrigação de fazer (reparar o veículo) em obrigação de entregar outro automóvel em condições adequadas de operação.

A "remoção de pessoas e coisas", prevista no art. 461, § 5º, difere da busca e apreensão porque não se destina a proporcionar a entrega do objeto apreendido ao credor. Satisfaz a obrigação de deslocamento daquilo que obsta ao credor o exercício de seu direito (ex.: remoção de placa que viola marca ou nome comercial). Em relação a pessoas, pode-se pensar na remoção de grevistas que se recusam a deixar o recinto de trabalho, por exemplo, ou no empreiteiro que não retira seu pessoal da obra cuja continuidade foi adjudicada a outrem.

O "desfazimento de obras", também previsto no § 5º, do art. 461, não se restringe ao cumprimento da sentença que o tenha imposto como decorrência de obrigação de não fazer. O que se visa é permitir o expediente mesmo incidentalmente, até mesmo como antecipação de tutela, quando presentes os seus pressupostos legais. Em tais casos a demolição se dará em caráter de urgência, como cumprimento de simples mandado, sem se sujeitar ao processo de execução, como, aliás, ocorre com as medidas cautelares e demais provimentos de urgência.

O "impedimento de atividade nociva", igualmente autorizado pelo § 5º, do art. 461, pode ocorrer em caráter preventivo ou repressivo e segue o procedimento mandamental, para pronta efetivação. Pode ser coordenado com imposição de multa e outras medidas coercitivas como a remoção de bens e pessoas.

Para qualquer medida enquadrável nas diligências relacionadas a tutela específica ou seu equivalente prático, o juiz estará sempre autorizado a requisitar a força policial, na hipótese de ocorrer resistência injustificável à diligência. Trata-se de faculdade inerente à autoridade do órgão judicial.

20 ONDE REQUERER A ANTECIPAÇÃO EXECUTIVA?

Uma vez que tenhamos estabelecido a possibilidade de antecipação de tutela, ou de efeitos da tutela, resta indagarmos, no caso da execução, onde ela deverá ser requerida: no processo de execução ou nos embargos? Analisemos as duas hipóteses.

Tratemos primeiro da hipótese de antecipar-se a efetivação da tutela executiva com pedido na impugnação aos embargos. Para a configuração desta hipótese teremos de aceitar uma antecipação de efeitos da tutela de caráter declaratório e postulada pelo réu- embargado, o que contraria a doutrina que afirma inexistir possibilidade de antecipação de efeitos de declaração e também o que aparentemente dispõe o artigo 273, caput, do CPC, ao referir-se a pedido formulado "na inicial". Já tratamos destes aspectos, mas cumpre trazer à colação mais algumas observações.

Inicialmente calha observar que a antecipação de efeitos da tutela é uma medida de cunho procedimental, ou seja, implica um corte no iter procedimental, antecipando efeitos que só viriam com a sentença, note-se bem, com a sentença e não com o trânsito em julgado, porque é admissível a execução provisória enquanto pendente recurso sem efeito suspensivo ou concedida a antecipação de tutela em sentença para fim de subtrair o efeito suspensivo de recurso dele dotado. Desde que tenha algum proveito imediato para a parte postulante a antecipação é cabível, independentemente de serem estes efeitos executáveis ou não, porque não se antecipa necessariamente efeitos executivos, mas qualquer efeito que possa ter utilidade ao postulante. Antecipar nada mais é do que postergar o contraditório.

Claro que a antecipação tomará a forma de uma ordem, dando margem a que se diga que todos os casos de antecipação de efeito enquadram-se na mandamentalidade. Mas para que advenha uma ordem, necessariamente há que haver uma declaração do direito, ainda que provisória. Veja-se o exemplo de uma ação anulatória de multas de trânsito cujo não pagamento impede o licenciamento do veículo. Neste caso, verificando o magistrado que ocorre uma violação escatológica ao devido processo legal e a ampla defesa, o magistrado determina que o órgão gestor do trânsito licencie o veiculo.

Mas para proferir a tutela mandamental é necessário declarar a existência de violações ao devido processo legal aptas a dar sustentáculo ao mandamento judicial. O que se conclui é que na decisão interlocutória de antecipação de efeitos da tutela está presente um componente declaratório.

No que diz respeito à possibilidade de antecipação pedida pelo réu, cremos já ter deixado assente que reputamos uma possibilidade válida. Logo, seria viável o pedido em sede de impugnação aos embargos.

A outra hipótese é o pedido ser realizado na própria ação executiva. Neste caso, provando o ajuizamento dos embargos, analisando a sua fundamentação e demonstrando estarem presentes os requisitos da antecipação, o exeqüente pediria a antecipação da tutela executiva dentro da própria ação de execução. O óbice que se pode levantar contra esta alternativa é o de que se inseriria no processo de execução, infenso a discussões profundas, um debate que tem em vista o mérito dos embargos. Desta forma, o mérito dos embargos estaria sendo discutido duas vezes.

A priori, não haveria nenhum problema, porque a matéria seria analisada em sede de cognição sumária, não formando coisa julgada em relação aos embargos. Ocorre porem que a matéria renderia agravo de instrumento ao Tribunal, que apreciaria a matéria que também é objeto dos embargos podendo prejudicar o julgamento futuro do processo cognitivo incidental.

Acreditamos, contudo, que este não seria um obstáculo de monta, pois mesmo no processo de conhecimento esta possibilidade existe e nem por isto fica inviabilizada a antecipação e a recorribilidade da decisão que sobre ela versa.

Neste caso temos que o pedido seria manifestado por petição dentro do processo de execução, proferindo o magistrado decisão interlocutória suspendendo o efeito suspensivo dos embargos e antecipando a tutela executiva cujo desenlace estava obstado pelo efeito suspensivo dos embargos de terceiro ou de devedor. Mas qual será a melhor solução?

Embora nenhuma das duas seja prima facie afastável ou chancelável sumariamente, se nos parece que a sede própria para o pedido de antecipação de efeitos da tutela para suprimir o efeito suspensivo dos embargos seja o próprio processo de embargos, quer considerada como antecipação dos efeitos da tutela postulada pelo réu e em tal caso a tutela em questão é a tutela defensiva de cunho declaratório negativo ou desconstitutivo, quer seja considerada antecipação de efeitos da tutela executiva postulada na execução mas postulada, agora, em sua retomada, no processo de embargos. Este último caso tem a propriedade de afastar a argumentação de somente a tutela pretendida na inicial poder ser antecipada, pois, embora a matéria estivesse sendo postulada nos embargos de devedor ou de terceiro, na verdade estar-se-ia pretendendo a antecipação do pedido veiculado na inicial executiva, cuja possibilidade surge exatamente pela existência de um efeito suspensivo dos embargos.

Ainda que possa soar estranho um pedido que versa sobre tutela pretendida em um processo ser veiculado em outro, cremos que seja a melhor solução para evitar a balbúrdia procedimental. Cientes de que o processo é um instrumento, há que se optar pela solução que, sem comprometer os princípios magnos do processo e elencados não só na lei processual, mas principalmente na Constituição Federal, possibilite atingir-se a satisfação célere e rápida do direito pleiteado.

Assim, a natureza da atividade levada a cabo no processo de embargos, atividade proeminentemente cognitiva, mais se presta à veiculação da postulação de antecipação de tutela para efeito de cassar o efeito suspensivo dos embargos.

21 LIMITES À ANTECIPAÇÃO NO PROCESSO EXECUTIVO

Estabelecida a possibilidade de concebermos a antecipação da tutela executiva ou de efeitos da tutela desconstitutiva dos embargos, resta estabelecer um limite para o andamento do processo de execução.

Se preconizarmos que vigor absoluto o dogma da impossibilidade de que a antecipação implique irreversibilidade, não poderemos alvitrar que seja possível ir até os atos de alienação, uma vez suprimido o efeito suspensivo dos embargos.

Todavia, se não se admite que assim seja, a antecipação resultaria de pouco utilidade, na medida em que poderia ir somente até os atos de avaliação. Ora, a avaliação com o tempo iria perder seu valor de atualidade. Ademais, os atos de conservação, inclusive com a possibilidade de venda antecipada podem ser utilizados na feição que hoje temos da execução.

Somos levados a concluir que a antecipação da tutela executiva possa ir até atos de alienação, sob pena de inutilidade, já que de nada valeria a supressão do efeito suspensivo dos embargos.

Neste caso, como contraponto, poderá ser estabelecida a prestação de caução pelo exeqüente, mencionando-se no edital a situação na qual está sendo feita a alienação.

Acaso vencedor nos embargos, o que se afigura pouco provável ante a pouca plausibilidade da pretensão já verificada no juízo da sumaria cognitio, reverterá eventual prejuízo em perdas e danos. O reconhecimento da procedência pretensão de embargos e a situação da alienação levada a efeito, poderá até dar ensejo a uma continuidade da execução nos mesmo autos, agora em face do anterior exeqüente, mantendo-se, em qualquer caso, a alienação feita.

Assim, o executado embargante tornar-se-ia exeqüente, no mesmo ou em outro processo de execução, aplicando-se a responsabilidade objetiva do anterior exeqüente e embargado no que tange aos efeitos da alienação.

No caso da Fazenda Pública, ante a presunção iure et de iure de solvabilidade, poder-se-ia até mesmo dispensar a prestação de caução.

Assim, a aplicação da irreversibilidade preconizada como regra para as antecipações de tutela, teria de encontrar uma aplicação moderada, permitindo-se, de uma lado, a definitividade da alienação procedida, e de outro, a plena possibilidade de o executado reaver perdas e danos decorrentes da medida.

No caso das penhoras de renda, pode ser concebida a necessidade de depósito de parte do capital, usufruindo o credor, mediante caução de parcela da renda.

Desta forma tornaremos possível a medida antecipatória resguardando eventual direito do embargante.

22 A VEDAÇÃO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE E UM NOVO TIPO DE CHAMAMENTO AO PROCESSO

O nosso sistema processual permite que o direito de regresso, desde que decorra ele só do fato da sucumbência numa ação, sem, portanto, a necessidade de intromissão de um outro fundamento, de uma outra causa de pedir, seja postulado na própria ação originária, através da ação incidente de garantia, a que se dá o nome de denunciação da lide (art. 70, inciso III, CPC).

A denunciação da lide, todavia, foi vedada para o direito de regresso de que trata o artigo 13, parágrafo único, do Código, para evitar que a tutela jurídica processual dos consumidores pudesse ser retardada e também porque, por via de regra, a dedução dessa lide incidental será feita com a invocação de uma causa de pedir distinta. Com isso, entretanto, não ficará prejudicado o comerciante, que poderá, em seguida ao pagamento da indenização, propor ação autônoma de regresso nos mesmos autos da ação originária.

A ação autônoma de regresso nos mesmos autos da ação de indenização, diz o artigo 13, caput, do Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade do comerciante pelo fato do produto ou do serviço quando: "I – O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis."

O parágrafo único deste artigo assegura ao comerciante que vier a realizar o pagamento ao prejudicado o direito de voltar-se regressivamente contra os "demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso".

Porém, esse pedido de ressarcimento não pode ser feito no mesmo processo; por isso é que se fala que está " vedada a denunciação da lide."

Isso ocorre, dentre outras coisas, porque o processo entre o comerciante e o consumidor será decidido com base na responsabilidade objetiva, como estabelece o Código de Defesa do Consumidor, enquanto a relação entre o comerciante e o outro fornecedor não está prevista pelo Código, e assim terá que ser julgada com base nos critérios normais da responsabilidade subjetiva.

Como bem esclarece o artigo 88 do CDC, "Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide."

Por razões de economia processual, permite o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 88, que "a ação de regresso seja aforada no próprio juízo da ação de indenização e com o aproveitamento dos mesmos autos de processo." É a idêntica técnica utilizada pelo legislador pátrio para a cobrança da multa imposta ao locador, em favor do locatário, por desvio de uso do imóvel retomado (parágrafo único do artigo 39 da Lei n.º 6.649/79).

O objetivo deste artigo também é evitar que a intervenção de outros interessados no processo possa torná-lo mais moroso, retardando a obtenção do direito do consumidor.

O artigo 90, rege que: "Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições."

Na interação entre o CDC e a LACP, o Código de Processo Civil é o nosso ordenamento processual de caráter geral, de sorte que sua aplicação, nos aspectos em que o Código não tem qualquer disposição específica e nem contrarie seu espírito, é solução imperiosa.

Um novo tipo chamamento ao processo, como aponta o artigo 94 do CDC, "Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor."

Edital: é a publicação no Diário Oficial do resumo do processo: quem propôs, qual a razão, qual a finalidade e outros casos afim, com o objetivo de comunicar a existência da ação às eventuais pessoas envolvidas e cujo interesse se defende. Assim, se quiserem, elas poderão integrar o processo como litisconsortes.

A divulgação da propositura da ação para conhecimento dos interessados, é a índole das ações de classe sua ampla divulgação entre os interessados, com a finalidade de possibilitar a intervenção destes no processo ou mesmo, em certos ordenamentos, para facultar-se-lhes o pedido de exclusão da futura coisa julgada. É aquilo que o ordenamento norte-americano chama de "the best notice practicable under the circumstances", recomendando, ainda, "individual notice to all members who can be identified through reasonable effort".

O legislador brasileiro, deixando de lado as intimações pessoais – não só impraticáveis mas até impossíveis na hipótese da ação coletiva sub examine, dada a inderterminação das vítimas e de seus sucessores no mento do ajuizamento do processo de conhecimento -, escolheu o caminho da intimação por edital, para a qual se aplicarão, analogicamente, as regras do art. 232 do CPC, no que couberem.

O Código do Consumidor dispensa a publicação em jornal local, por ser dispendiosa e pouco acrescentar à notícia do órgão oficial, enquadrando-se ambas na categoria da scientia ficta.

Em contrapartida, o art. 94 do CDC orienta no sentido da ampla divulgação da propositura da ação pelos meios de comunicação social – rádio e televisão -, de que encarrega os órgãos de defesa do consumidor, quais sejam, os órgãos federais, estaduais e municipais, bem como as entidades privadas de defesa do consumidor, integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (art. 105 do CDC).

A intervenção dos interessados como litisconsortes: a ampla divulgação prevista pelo art. 94, tem por finalidade a intervenção dos interessados no processo, a título de litisconsortes do autor coletivo. A espécie rege-se pelas disposições do CPC (arts. 46 usque 49), inclusive no que respeita à regra segundo a qual os atos e as omissões de um não prejudicarão os demais (art. 48 do CPC).

Trata-se, na espécie, de litisconsórcio unitário, uma vez que a lide será necessariamente decidida de modo uniforme com relação a todos, no que diz respeito ao dever de indenizar, fixado na sentença condenatória. Depois, nos processos individualizados de liquidação da sentença, o litisconsórcio que eventualmente se formar será comum.

Litisconsortes: geralmente no processo existem um autor e um réu. Todavia, é possível que em um ou em ambos os pólos dessa relação haja mais de uma pessoa ou litígio. As pessoas que, em comunhão de interesses, integram o mesmo pólo da relação processual são chamadas de litisconsortes.

Cumpre observar, no entanto, que o interveniente do art. 94, embora litisconsorte, não poderá apresentar novas demandas, ampliando o objeto litigioso da ação coletiva à consideração de seus direitos pessoais, o que contraria todo o espírito de "molecularização" da causa. Assim, aqui também há uma inovação nas tradicionais regras processuais, tanto assim que alguns autores preferem considerar a intervenção do art. 94 como assistência processuais, transportados do processo individual para o coletivo, está sempre a mudanças e a novas figuras.

A intervenção, a título de litisconsórcio, acarreta importantes conseqüências quanto aos limites subjetivos da coisa julgada: com efeito, tenham os interessados intervindo, ou não, no processo a título de litisconsortes, serão beneficiados pelos efeitos da sentença favorável. Se, todavia, a sentença rejeitar a demanda pelo mérito, somente os que tiverem intervindo no processo poderão propor suas ações reparatórias individuais. É o que determina o art. 103, III; c/c seu parágrafo 2.º do CDC.

Existem, portanto, duas possibilidades:

A)o interessado não intervém no processo coletivo. Sendo a sentença procedente, será igualmente beneficiado pela coisa julgada, mas se a demanda for rejeitada, pelo mérito, ainda poderá ingressar em juízo com sua ação individual de responsabilidade civil;

b)o interessado intervém no processo a título de litisconsorte: será normalmente colhido pela coisa julgada, favorável, não podendo, neste último caso, renovar a ação a título individual.

23 A FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA DE FORO PELO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR-AUTOR

Segundo a regra geral do artigo 93 do CDC, "ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente".

Faz-se, como adverte Ada Pellegrini Grinover, "alternativamente pelo foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal" (inciso II do artigo 93).

Tanto num como noutro caso, a competência é da Justiça local, nos termos do disposto no caput do dispositivo. Os casos de competência concorrente serão solucionados pelos critérios do CPC, inclusive quanto à prevenção".

O "poder-dever de julgar" comum é dividido em duas órbitas: federal e estadual. À Justiça Federal cabe o julgamento das causas em que a União participa ou, de algum modo, intervém no processo. Com exceção dessa situação, em que matéria de consumidor é excepcional, todas as causas caberão à Justiça Estadual (local).

Com efeito, embora em regra a competência para as ações civis públicas e coletivas seja absoluta, e venha determinada pelo local do dano, em algumas hipóteses o CDC admite critérios de competência territorial ou relativa, para fixar a competência nas ações coletivas, qual seja o domicílio do autor.

Assim, como regra geral, poder-se-á concluir que sendo o fato gerador do direito subjetivo de âmbito local é competente o foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano (artigo 93 do CDC).

No mesmo sentido, é também competente para a execução, nos termos do parágrafo 2.º do artigo 98 do CDC: a) o juízo "da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual" (inciso I); b) o juízo "da ação condenatória, quando coletiva a execução" (inciso II).

A Justiça Estadual tem fórum em quase todas as cidades. Por isso, se a lesão ao consumidor tiver caráter regional, envolvendo mais de uma cidade (denominadas, em âmbito judiciário, de comarca), a causa caberá ao fórum da capital. Se o caráter da lesão for local, caberá ao fórum mais próximo.

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Sobre o autor
Antônio Carlos Tadeu Borges dos Reis

advogado processualista, pós-graduado em Direito do Consumidor pela EMERJ/UNESA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Antônio Carlos Tadeu Borges. A defesa do consumidor em juízo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 134, 17 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4489. Acesso em: 19 abr. 2024.

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