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Os direitos da personalidade

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17/11/2003 às 00:00

Resumo:


  • A teoria dos direitos da personalidade evoluiu com a valorização da pessoa humana, tendo suas raízes na antiguidade, mas ganhando contornos jurídicos no século XIX com Otto Von Gierke; a proteção destes direitos foi reforçada por movimentos filosóficos e políticos, como o Cristianismo, o Humanismo, o Iluminismo e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

  • Os direitos da personalidade referem-se a aspectos fundamentais da pessoa, como a vida, a integridade física, a honra e a privacidade, sendo inerentes à condição humana; são intransmissíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, e sua proteção é assegurada por diversos mecanismos legais, incluindo a Constituição Federal de 1988 no Brasil.

  • Caracterizam-se por serem absolutos, oponíveis a todos (erga omnes), extrapatrimoniais, vitalícios e inatos, refletindo a dignidade da pessoa humana e sendo protegidos mesmo após a morte do titular; sua tutela jurídica estabelece-se em nível constitucional, civil e penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1.1 Breve histórico

A idéia, doutrina ou teoria dos direitos da personalidade, surgiu a partir do século XIX, sendo atribuída a Otto Von Gierke, a paternidade da construção e denominação jurídica (1). Porém, já nas civilizações antigas começou a se delinear a proteção à pessoa. Em Roma, a proteção jurídica era dada à pessoa, no que concerne a aspectos fundamentais da personalidade, como a actio iniuriarium, que era dada à vítima de delitos de iniuria, que poderia ser qualquer agressão física como também, a difamação, a injúria e a violação de domicílio (DIGESTO apud AMARAL, 2002).

Neste sentido, é de ser observado que já havia, em Roma, a tutela de diversas manifestações da personalidade, apenas não apresentando a mesma intensidade e o mesmo aspecto que hoje, principalmente devido à diferente organização social daquele povo, distante e desprendidos da visão individualista que possuímos de nossa pessoa, e da inexistência de tecnologia e aparelhos que viessem a atacar e violar as diversas manifestações da personalidade humana (DIGESTO apud AMARAL, 2002, p. 249).

Não é demais relembrar, de outra parte, a marcante contribuição do pensamento filosófico grego para teoria dos direitos da personalidade, em vista do dualismo entre o direito natural (ordem superior criada pela natureza) e o positivo (leis estabelecidas pelos homens), sendo o homem a origem e razão de ser da lei e do direito. Nos dizeres Capelo de Souza, analisando a experiência grega, "o homem passou a ser tido como origem e finalidade da lei e do direito, ganhando, por isso, novo sentido os problemas da personalidade e da capacidade jurídica de todo e cada homem e dos seus inerentes direitos da personalidade" (1995, p. 47).

Mais tarde, o Cristianismo criou e desenvolveu a idéia da dignidade humana, reconhecendo a existência de um vinculo entre o homem e Deus, que estava acima das circunstâncias políticas que determinavam em Roma o conceito de pessoa - status libertatis, civitatis e familia (AMARAL, 2000, p. 249). Não obstante, se a hybris grega e a actio injuriarum podem ser consideradas a origem remota da teoria dos direitos da personalidade (GODOY, 2001), em verdade, foi particularmente, na Idade Média que se lançaram as sementes de um conceito moderno de pessoa humana, baseado na dignidade e na valorização do indivíduo como pessoa" (SZANIAWSKI, 1993, p. 22). Seguiram-se, o Renascimento e o Humanismo, no século XVI.

Nesta mesma esteira, veio depois, o Iluminismo nos séculos XVII e XVIII, quando se desenvolveu a teoria dos direitos subjetivos que consagra a tutela dos direitos fundamentais e próprios da pessoa humana (ius in se ipsum). Finalmente, a proteção da pessoa humana, veio consagrada nos textos fundamentais que se seguiram, como o Bill of Rights, em 1689, a Declaração de Independência das Colônias inglesas, em 1776, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789, com a Revolução Francesa, culminando na mais famosa, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada em 1948, pela Assembléia geral da ONU, que se constituem em verdadeiros marcos históricos da construção dos direitos da personalidade. "Os direitos da personalidade surgiram nos citados textos fundamentais como direitos naturais ou direitos inatos, que denominavam inicialmente de direitos humanos assim compreendido os direitos inerentes ao homem" (AMARAL, 2002, p. 251).

Mais recentemente, o Código Civil Italiano de 1942, deu-lhes uma parcial disciplina, já de forma sistemática, embora esteja muito longe de apresentar especificação e classificação acabadas. O seu livro I dedica um título autônomo, o primeiro, às ‘pessoas físicas’, e os artigos 5 a 10, contidos nesse mesmo título, respeitam precisamente aos direitos da personalidade (DE CUPIS, 1961), mais especificamente nos arts. 6, 7, 8 e 9, sobre a tutela do nome e no art. 10, sobre o direito à imagem. Nestes dispositivos, consoante conclui Silvio Rodrigues, "se encontram as duas medidas básicas de proteção aos direitos da personalidade, ou seja, a possibilidade de se obter judicialmente, de um lado, a cessação da perturbação e, de outro, o ressarcimento do prejuízo experimentado pela vítima" (2002, p. 63).

Em verdade, a teoria dos direitos da personalidade ganhou relevo, quando levada ao texto expresso, na Constituição alemã de 1949, na Constituição portuguesa de 2 de abril de 1976 e ainda, mais tarde, pela Constituição espanhola de 31 de outubro de 1978, que no art. 10, estabelece que "La dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeto a la ley a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de la paz social".

Entre nós, já na Constituição Imperial se vislumbrava a presença de alguns "precedentes" acerca dos direitos da personalidade, como a inviolabilidade da liberdade, igualdade e o sigilo de correspondência, aos que a primeira Constituição Republicana de 1891, acrescentaria a tutela dos direitos à propriedade industrial e o direito autoral, ampliando-se o seu regime nas de 1934 e 1946. Contudo, estes direitos não se fizeram presentes no Código Civil de 1916.

Foi precisamente com o advento da Constituição Federal de 1988, que os direitos da personalidade foram acolhidos, tutelados e sancionados, tendo em vista a adoção da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental da República Federativa do Brasil, o que justifica e admite a especificação dos demais direitos e garantias, em especial dos direitos da personalidade, expressos no art. 5.º, X, que diz:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

No entanto, apenas a título de informação, vale dizer que, já bem antes do advento da Constituição Federal de 1988, os doutrinadores e legisladores tentaram disciplinar a matéria entre nós, tendo sido inserida no anteprojeto do Código Civil, em 1962, por Orlando Gomes, cuja proteção era até então reconhecida somente pela jurisprudência. "Essa proteção consistia em propiciar a vítima meios de fazer cessar a ameaça, ou a lesão, bem como de dar-lhe o direito de exigir reparação do prejuízo experimentado, se o ato lesivo já houvesse causado dano" (RODRIGUES, 2002, p. 65).

O Projeto do Código Civil de 1962, não saiu do papel, sendo que posteriormente em 1975, um novo projeto foi delineado (projeto de Lei n.o 635), desta vez tendo a frente o ilustre jurista Miguel Reale, o qual, após inúmeras alterações, permanecendo esquecido, até que finalmente, foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio da Lei 10.406/2002, que instituiu o Novo Código civil Brasileiro, entrando em vigor em 11 de janeiro do corrente ano.

O novo Código Civil Brasileiro, por sua vez, em consonância com o já prescrito de longa data pela Lei Maior e com as novas relações sociais que reclamam a necessidade da tutela dos valores essenciais da pessoa, dedicou capítulo especial (Capítulo II, artigos do 11 ao 21) sobre os direitos da personalidade. Afora os princípios gerais mencionados nos artigos 12 e 21 - que cuidam-se "de normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas" (TEPEDINO, 2003, p. 29) - refere-se especificamente, ao direito de proteção a inviolabilidade da pessoa natural, à integridade do seu corpo, nome e imagem.

Considera-se, entretanto, que tal enumeração não deve ser tida como exaustiva, uma vez que "a ofensa a qualquer modalidade de direito da personalidade, dentro da variedade que a matéria propõe, pode ser coibida, segundo o caso concreto" (VENOSA, 2002, p. 153), com base no que prescreve a Carta Magna Brasileira, que proclama a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental. Dessarte, como se posiciona Tepedino,

a partir daí, deverá o intérprete romper com a óptica tipificadora seguida pelo Código Civil, ampliando a tutela da pessoa humana não apenas no sentido de admitir um ampliação de hipóteses de ressarcimento, mas de maneira muito mais ampla, no intuito de promover a tutela da personalidade mesmo fora do rol de direitos subjetivos previstos pelo legislador codificado (2003, p. 27)

Assim, assentes na legislação atual, os direitos da personalidade são disciplinados e protegidos, pela Constituição Federal, pelo Novo Código Civil, bem como pelo Código Penal e ainda, em legislação especial, como a Lei de Imprensa, a Lei dos Transplantes, dos Direitos Autorais, etc, o que nos leva a concluir, inevitavelmente, em face dos princípios, normas e conceitos que formam o sistema brasileiro dos direitos da personalidade, que a tutela jurídica dessa matéria se estabelece em nível constitucional, civil e penal (AMARAL, 2002).

Em apertada síntese, é possível aduzir-se que a teoria dos direitos da personalidade, assim como suas formas de tutela, evoluíram progressivamente à exata medida que se desenvolveram as idéias de valorização da pessoa humana, sendo que os direitos da personalidade adquiriram tanto mais revelo quanto se distinguiu, na pessoa humana, o elemento incorpóreo da dignidade (GODOY, 2001).


1.2 Conceito e natureza jurídica dos Direitos da Personalidade

Desde que vive e enquanto vive o homem é dotado de personalidade, que, consoante preconiza Clóvis Beviláqua, "é a aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrarie obrigações" (1949, p. 180), ou, ainda, em outros termos, como ensina, Silvio Venosa, "é o conjunto de poderes conferidos ao homem para figurar nas relações jurídicas" (2002, p. 148). Todavia vale dizer, que a personalidade não é um direito, mas sim, um conceito sobre o qual se apoiam os direitos a ela inerentes (2).

Nos dizeres de Caio Mario, "não constitui esta ‘um direito’, de sorte que seria erro dizer-se que o homem tem direito à personalidade. Dela porém, irradiam-se direitos sendo certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações"

(2002, p. 154). Na mesma direção pontifica Diniz, citando Goffredo Telles Júnior:

A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens. ( 2003, p. 119)

Pontes de Miranda, no entanto, ao definir aos direitos da personalidade como todos os direitos necessários a realização da personalidade e à sua iserção nas relações jurídicas, afirma, que o primeiro desses direitos é o da personalidade em si mesma, explicando que,  não se trata de direito sobre a pessoa. O direito de personalidade como tal não é direito sobre a própria pessoa: é o direito que se irradia do fato jurídico da personalidade (= entrada, no mundo jurídico, do fato do nascimento do ser humano com vida). Há direitos da personalidade que recaem in corpus suum; não está entre eles, o direito de personalidade como tal (2000, p. 39).

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O nosso direito assenta a regra do direito romano, pelo qual a personalidade coincide com o nascimento, antes do qual não há se falar em sujeito de direito, contudo a legislação assegura proteção especial, resguardando os interesses do nascituro, desde sua concepção. Partindo-se desta premissa, vale dizer, por conseguinte, que somente com a morte, real ou presumida, cessa a personalidade da pessoa natural e, em regra, os direitos inerentes a ela.

Na doutrina alienígena não é diferente, consoante informa o espanhol Del Rio, "sólo el ser humano es persona física. Hoy, todo hombre es persona. De esta doble afirmación se deduce, a s vez, una doble consecuencia: primera, que las cosas inanimadas y los animales no pueden ser sujetos (activos o pasivos) de derechos; segunda, que la personalidad únicamente puede reconocerse con la vida (con el nacimiento)" (2000, p. 50).

Para conceituação dos Direitos da Personalidade, importa dizer, em primeiro lugar, que a forma como surgiu a noção do que seriam os direitos da personalidade, permitiu o afloramento de inúmeras divergências conceituais, que perduram até hoje, persistindo as incertezas e obscuridades mencionadas pelo professor Milton Fernandes (1980), décadas atrás.

Consideram-se, pois, direitos da personalidade, segundo Carlos Alberto Bittar, "os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos" (1995, 01).

Na imagem de Orlando Gomes (2001), são direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, no corpo do Código Civil, como direitos absolutos. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte de outros indivíduos. Ou, por fim, como define Francisco Amaral, "direitos da personalidade são direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual" (2001, p. 243).

Como já delineado, a doutrina, tem apresentado, ao longo dos anos, diferentes conceitos para o que sejam os direitos da personalidade. Vale dizer, que de início, a contrario sensu, já se negou à existência dos direitos da personalidade, do que aliás, Savigny foi expoente, sob a argumentação de que não podia haver direito do homem sobre a própria pessoa, porque isso justificaria, em última análise, o cometimento de suicídio (BITTAR, 1995). Entretanto, prospera atualmente, o reconhecimento concreto desses direitos que pelo entendimento doutrinário dominante (2), pertencem à categoria dos direitos subjetivos.

De Cupis, autor italiano, de um dos mais consagrados trabalhos sobre o tema, também assim os considera, afirmando, que as entidades das quais a ‘ossatura (4)’ da personalidade é destinada a revestir-se, são, precisamente, direitos subjetivos, "cuja a função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o minimum necessário e imprescindível ao seu conteúdo" (1961, p. 17). São, o que o autor denomina de direitos essenciais, que constituem a medula da personalidade, sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo seu valor concreto. Todavia, o mesmo autor, considera que os direitos da personalidade constituem no sistema dos direitos subjetivos, uma categoria autônoma, que deriva do caráter de essencialidade que lhes é próprio.

Em verdade, podemos afirmar que ainda hoje, não existe, um conceito completo e preciso do que sejam os direitos da Personalidade, o que decorre das divergências entre os doutrinadores com respeito à sua própria existência, à sua natureza, à sua extensão e à sua especificação; do caráter relativamente novo de sua construção teórica; da ausência de uma conceituação global e definitiva; de seu enfoque, sob ângulos diferentes, pelo direito positivo (público, de um lado, como liberdades públicas; privado, de outro, como direitos da personalidade), o que lhe imprime feições e disciplinações distintas (BITTAR, 1995).

No entanto, é relevante destacar ainda, o conceito atribuído por Simon Carrejo, que assevera:

En el lenguaje jurídico actual la expresión ‘derechos de la personalidad’ tiene significado particular, referido a algunos derechos cuya función se relaciona de modo más directo con la persona humana, pues se dirigen a la preservación de sus más íntimos e imprescindibles intereses. En efecto, esos derechos constituyen un mínimo para asegurar los valores fundamentales del sujeto de derecho: sin ellos, la personalidad quedaría incompleta e inperfecta, y el indivíduo, sometido a la incertidumbre en cuanto a sus bienes jurídicos fundamentales. (172, p. 299)

Por assim dizer, a doutrina e a jurisprudência buscam, constantemente, baseando-se nos vários Direitos da Personalidade existentes e nos que surgem diariamente, encontrar um conceito que defina, de uma forma clara, objetiva e completa, do que sejam os direitos da personalidade, que poderíamos afirmar, em poucas palavras, sem a intenção de adotar uma definição precisa, se constituem em direitos essenciais ao exercício da dignidade da pessoa humana.

A discussão doutrinária resiste também, quanto à natureza dos direitos da personalidade, de serem ou não direitos inatos (direitos da própria pessoa), o que decorre, principalmente, do emprego de diversos termos, para designar esses direitos, que variam conforme o autor e a tese por ele adotada.

Para De Cupis e outros positivistas, "não é possível denominar os direitos da personalidade como ‘direitos inatos’, entendidos no sentido de direitos respeitantes, por natureza à pessoa" (1961, p. 18), até porque como afirma ainda o autor italiano, com as modificações sociais, modifica-se também o âmbito e os valores dos chamados direitos essenciais à personalidade. Obviamente, defendem pois, os positivistas devem ser incluídos, como direitos da personalidade, apenas àqueles reconhecidos pelo Estado, que lhes reveste de obrigatoriedade e cogência.

Já os naturalistas, como Limongi França, por sua vez, sustentam a impossibilidade de limita-los positivamente, na medida em que constituem faculdades inerentes à condição humana, porquanto, na definição, não raro repetida, deste doutrinador "direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior" (1994, p. 1033).

No mesmo diapasão afirma, Bittar, a seu turno, que os direitos da personalidade constituem direitos inatos, correspondentes às faculdades normalmente exercidas pelo homem, relacionados a atributos inerentes à condição humana, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo – a nível constitucional ou a nível de legislação ordinária – e dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou às incursões de particulares (1995, p. 07).

Szaniawsaki (1993), por sua vez, também prefere enquadrar os direitos da personalidade dentro do conceito de um direito natural, justamente por apoiarem-se na natureza das coisas.

Posicionamo-nos neste sentido, de que os direitos da personalidade transcendem ao direito positivado, porquanto são direitos inerentes à condição humana e como tal não podem ser taxados ou enumerados de forma limitativa, pois a sociedade evolui e a tecnologia progride, a passos largos, no que não lhe acompanha o direito positivado, com descobertas que fazem surgir novas formas de agressão a personalidade humana, que reclama igualmente novas formas de proteção e de fazer cessar essas ameaças.

Desse modo, poderíamos dizer que os direitos da personalidade não constituem um rol limitativo de direitos, um depende do outro e não existem em separados, sendo inesgotáveis, na medida em que inerentes a condição humana que esta atrelada as mudanças sociais e tecnológicas introduzidas com o passar dos tempos. Consoante afirma Jabur, em recente trabalho sobre o tema, "os direitos da personalidade são, diante de sua especial natureza, carentes de taxação exauriente e indefectível. São todos indispensáveis ao desenrolar saudável e pleno das virtudes psicofísicas que ornamentam a pessoa" (2000, p. 28).

Não pode-se por isso, permanecer a espera de que o legislador outorgue outras formas de proteção além das já previstas, não é o caso concreto que deve moldar-se a lei, e sim esta, por sua interpretação hermenêutica, ao fato colocado sobre apreciação, e isto cabe a jurisprudência, que com vistas aos princípios gerais do direito, deve criar formas de amplamente proteger e repelir as agressões aos direitos da personalidade, uma vez que o objetivo maior, é sem dúvida, o respeito e o cumprimento da dignidade da pessoa humana em todos os seus aspetos e plenitude.

Na verdade, o fato é, que reconhecidos como direitos inatos ou não, os direitos da personalidade se constituem em direitos mínimos que asseguram e resguardam a dignidade da pessoa humana e como tais devem ser previstos e sancionados pelo ordenamento jurídico, não de forma estanque e limitativa, mas levando-se em consideração o reconhecimento de um direito geral de personalidade (5), a que se remeteriam todos os outros tipos previstos ou não no sistema jurídico. Por certo, "a tipificação dos direitos da personalidade deve ser entendida e operacionalizada em conjunto com a proteção de um direito geral de personalidade (um e outro se completam). Onde não houver previsão tipificada, o operador do direito leva em consideração a proteção genérica" (CORTINO JUNIOR, 1998, p. 47).

Segundo leciona Netto Lôbo, a Constituição brasileira, "prevê a cláusula geral de tutela da personalidade, que pode ser encontrada no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III)" (2001, p. 08). Dignidade, na sábia formulação de Immanuel Kant, é tudo aquilo que não tem preço. "No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade" (1986, p. 77).

A existência de um direito geral de personalidade nada mais é que o reconhecimento de que os direitos da personalidade constituem uma categoria dirigida para a defesa e promoção da pessoa humana, "a rigor, a lógica fundante dos direitos da personalidade é a tutela da dignidade da pessoa humana" (TEPEDINO, 2003, p. 37), tal qual abordaremos neste trabalho. Enfim, a iserção da dignidade como princípio constitucional fundamental, contida em preceito introdutório do capítulo dos direitos fundamentais, significa, afinal, adoção mesmo de um dever geral de personalidade, cujo conteúdo é justamente a prerrogativa do ser humano de desenvolver a integralidade de sua personalidade, todos os seus desdobramentos e projeções, nada mais senão a garantia dessa sua própria dignidade (GODOY, 2001, p. 30).

Reconhece-se, pois, a existência de um direito geral de personalidade, que a considera um objeto da tutela jurídica geral, e defende a inviolabilidade da pessoa humana, em todos os seus aspectos, físico, moral e intelectual, e temos, ainda direitos especiais e específicos, correspondentes a esses aspectos parciais da personalidade (AMARAL, 2002). Trata-se de um direito mãe, como se vem cognominando (SZANIAWSKI, 1993), fonte de outros direitos que são, especificamente, os direitos da personalidade.

Por derradeiro, resumidamente pode-se afirmar, que os direitos da personalidade são direitos subjetivos, que tem por objeto os elementos que constituem a personalidade do seu titular, considerada em seus aspectos físico, moral e intelectual. São direitos inatos e permanentes, nascem com a pessoa e a acompanham durante toda sua existência, tendo como finalidade primordial à proteção das qualidades e dos atributos essenciais da pessoa humana, de forma a salvaguardar sua dignidade e a impedir apropriações e agressões de particulares ou mesmo do poder público.

Ao final, apenas, para não passar em branco, merece destaque, em rápidas pinceladas, pelo já exposto anteriormente, que o objeto dos direitos da personalidade é o bem jurídico da própria personalidade, como conjunto unitário, dinâmico e evolutivo dos bens e valores essenciais da pessoa no seu aspecto físico, moral e intelectual, destinados fundamentalmente ao exercício da tutela da dignidade da pessoa humana, que é a titular dos direitos da personalidade, como decorrência da garantia maior do direito à vida. Consoante acentua De Cupis, o modo de qualificação próprio dos direitos da personalidade, pelo qual eles revestem o carácter de proeminência relativamente aos outros direitos subjetivos e de essencialidade para a pessoa, deriva do seu ponto de referência objectivo, isto é, do seu objecto. Este objecto apresenta, de facto, uma dupla característica: 1) encontra-se em um nexo estritíssimo com a pessoa, a ponto de poder dizer-se orgânico; 2) identifica-se com os bens de maior valor susceptíveis de domínio jurídico (1961, p. 22).

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Sobre a autora
Márcia Nicolodi

advogada, especializanda em Direito Privado pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICOLODI, Márcia. Os direitos da personalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 134, 17 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4493. Acesso em: 22 dez. 2024.

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