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Os direitos da personalidade

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17/11/2003 às 00:00
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1.3 Caracteres essenciais dos Direitos da Personalidade

Os direitos da personalidade são dotados de caracteres especiais, na medida que destinados à proteção eficaz da pessoa humana em todos os seus atributos de forma a proteger e assegurar sua dignidade como valor fundamental. Constituem, segundo Bittar, "direitos inatos (originários), absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes" (1995, p. 11).

No mesmo sentido aponta Borba, que pela circunstância dos direitos da personalidade estarem intimamente ligados à pessoa humana, possuem as seguintes características:

a) São inatos ou originários porque se adquirem ao nascer, independendo de qualquer vontade; b) são vitalícios, perenes ou perpétuos, porque perduram por toda a vida. Alguns se refletem até mesmo após a morte da pessoa. Pela mesma razão são imprescindíveis porque perduram enquanto perdurar a personalidade, isto é, a vida humana. Na verdade, transcendem a própria vida, pois são protegidos também após o falecimento; são imprescritíveis; c) são inalienáveis, ou mais propriamente, relativamente indisponíveis, porque em princípio, estão fora do comércio e não possuem valor econômico imediato; d) são absolutos, no sentido de que podem ser opostos erga omnes (apud VENOSA, 2002,p. 150).

De acordo com Francisco Amaral,

caracterizam-se os direitos da personalidade por serem essenciais, inatos e permanentes, no sentido de que, sem eles, não se configura a personalidade, nascendo com a pessoa e acompanhando-a por toda a existência. São inerentes à pessoa, intransmissíveis, inseparáveis do titular, e por isso se chamam, também, personalíssimos, pelo que se extinguem com a morte do titular. Conseqüentemente, são absolutos, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e extrapatrimoniais (2002, p. 247).

O Novo Código Civil Brasileiro, em seu art. 11, refere à intransmissibilidade, à irrenunciabilidade e a impossibilidade de limitação voluntária pelo seu titular, que pode ser entendida, como indisponibilidade, pois a limitação apenas pode ocorrer por ato de disposição, que no entanto, não podem ser vistos como únicos caracteres essenciais, posto que assim, como o rol de direitos da personalidade juridicamente tutelados pelo Código, seus caracteres não se limitam aos previstos neste diploma legal, devendo ser levado em consideração a construção doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria.

Limitamo-nos a ratificar os caracteres já reproduzidos e consagrados pela doutrina dos direitos da personalidade, aduzindo que são inatos,ou seja, consoante Del Rio, "son derechos inherentes a la persona, en cuanto se encuentran necesariamente vinculados a la persona, razón por cual se lês denomina derechos personalísimos o de la personalidad" (2000, p. 244), indispensáveis e irrenunciáveis, posto que inerentes à condição humana, e necessários à existência da pessoa, bastando o nascimento com vida para que passem a existir, todavia, a legislação e doutrina consagram tais direitos aos nascituros, sob o argumento de que a proteção à personalidade inicia-se, em verdade, com a concepção e se perfectibiliza, com o nascimento com vida. Vale dizer ainda, que os direitos da personalidade não podem serem eliminados por vontade do seu titular.

Da mesma forma, são indisponíveis e intransmissíveis, na medida que não podem ser disponibilizados ou transmitidos aos demais. "Nem o ordenamento jurídico pode consentir que o indivíduo de despoje daqueles direitos que, por corresponderem aos bens mais elevados, tem caráter de essencialidade. Os direitos da personalidade estão subtraídos à disposição individual tanto como a própria personalidade", como frisa de Cupis (19961, p. 48)

Segundo Pontes de Miranda, "a intransmissibilidade deles é resultante da infungibilidade mesma da pessoa e da irradiação de efeitos próprios (...), nem os poderes contidos em cada direitos de personalidade, ou seu exercício, são suscetíveis de ser transmitidos ou por outra maneira outorgados" (2000, p. 32). Neste sentido, são singulares, ou seja, próprios de cada pessoa, em que pese alguns estudiosos os qualificarem como relativamente indisponíveis, como Jabur, para quem "a fruição e a exploração de algumas de suas faculdades encontra licitude, por não ofenderem a preservação do direito de que emanam" (2000, p. 55).

Todavia, o que efetivamente se pode dispor e transmitir é o aspecto patrimonial de cada um deles, como ocorre com a proteção outorgada ao patrimônio pessoal do morto, não é que se estenda a personalidade em seu aspecto jurídico após a morte, "mas porque é fundamental para a agregação social que seja resguardada a personalidade psíquica, enquanto patrimônio pessoal daquele que feneceu" (CASTRO, 2002, p. 72). Por assim dizer, são também, vitalícios (perduram por toda a vida) e imprescritíveis, podendo ser (suas ofensas) reclamados após a morte de seu titular, por quem a lei atribua tal legitimidade.

Ainda, pode-se afirmar que são, inalienáveis, impenhoráveis e extrapatrimoniais, vez que inadmitem qualquer apreciação pecuniária, não podendo, seu titular transmiti-los a outrem, e em regra, serem objeto de comercio, não se constituindo em patrimônio econômico, embora alguns possam ser objeto de negócio jurídico patrimonial, sendo que "as indenizações que ataques a eles podem motivar, de índole moral, são substitutivos de um desconforto, mas não se equiparam à remuneração. Apenas, no sentido metafórico e poético podemos afirmar que pertencem ao patrimônio moral de uma pessoa" (VENOSA, 2002, p. 151).

É necessário, portanto, desvincular a existência do direito como mero protetor de interesses patrimoniais, para posta-lo como protetor da pessoa humana. A proteção dos direitos da personalidade não pode assegurar somente a certeza da possibilidade de obtenção de ressarcimento patrimonial, uma vez configurada a lesão, mas precisamente a efetivação da dignidade da pessoa humana com vistas a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

E, finalmente, são absolutos e de tal maneira oponíveis erga omnes, implicando a todos abstratamente considerados um dever geral de abstenção ou omissão, que se caracteriza pela inércia de seu titular. A rigor, a natureza extrapatrimonial dos direitos da personalidade e a circunstância de serem inatos e essenciais à realização da pessoa resultam em características que os singularizam e os dotam de critérios que os tornam essenciais, na medida que sem os quais a dignidade humana não se concretiza. "A cada pessoa não é conferido poder de dispô-los, sob pena de reduzir sua condição humana; todas as demais pessoas devem abster-se de violá-los" (LÔBO, 2001, p. 10).

Deste modo, nas palavras de Venosa, "ninguém pode, por ato voluntário, dispor de sua privacidade, renunciar a liberdade, ceder seu nome de registro para utilização por outrem, renunciar ao direito de pedir alimentos" (2002, p. 151). Contudo, continua o mesmo autor, em critica ferrenha:

há, porém situações na sociedade atual que tangenciam a proibição. Na busca de audiência e sensacionalismo, já vimos exemplos de programas televisivos nos quais pessoas autorizam, que si vida seja cerceada e sua integralidade física seja colocada em situações de extremo limite de resistência, etc. Ora, não resta dúvida de que, nesses casos, os envolvidos renunciam negocialmente a direitos em tese irrenunciáveis. A sociedade e a tecnologia, mais uma vez, estão à frente da lei mais moderna (2002, p. 151).

Apesar disso, vale lembrar que todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos da personalidade, pode exigir que cesse a ameaça ou a lesão, assim como pode reclamar indenização pelos danos sofridos, diante do que prescreve o art. 12, do Código Civil Brasileiro, e especialmente pelo que lhe assegura a Lei Maior deste País, quando prevê a dignidade da pessoa humana como fundamendo do estado democrático de direito brasileiro.


NOTAS

(1) CARVALHO FERNANDES, afirma que, "a categoria dos direitos da personalidade é de formação relativamente recente e, embora tenha sido objeto de largos estudos nos últimos tempos, constitui ainda hoje matéria muito polêmica quanto ao seu conceito, quanto à sua natureza, quanto ao seu âmbito e até quanto a questões mais singelas como sua própria designação. Vários autores têm proposto outras designações, como direitos à personalidade, direitos essenciais ou direitos fundamentais, direitos sobre a própria pessoa, direitos individuais e direitos personalíssimos; contudo, a designação que se mostra com maior aceitação é a de direitos de personalidade ou da personalidade". (1995, p. 199)

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(2) San Tiago Dantas bem distingue essa outra acepção de personalidade, considerada a aptidão para possuir direitos e contrair obrigações, diferente daquela que a reputa como um conjunto de atributos inerentes à condição humana (Programa de Direito Civil. Rio de Janeiro: Rio, 1979, p. 192).

(3) "Nossos juristas, possuem uma unidade de pensamento no sentido de considerar os direitos da personalidade pertencentes à categoria dos direitos subjetivos".(SZANIAWSKI, 1993, p. 71);

(4) A personalidade seria uma ossatura destinada a ser revestida de direitos, assim como os direitos seriam destinados a revestir a ossatura (De CUPIS, 1961).

(5) Há uma tendência mundial de reconhecimento do direito geral de personalidade, que se justifica pela falência do sistema positivista como também pelas infinitas possibilidades de ofensas à personalidade humana. (CORTIANO JÚNIOR, 1998, p. 47)


REFERÊNCIAS

AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 4.ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

CARREJO, Simóm. Derecho Civil. Bogotá: Themis, 1972.

CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, Imagem, Vida Privada e Intimidade, em Colisão com outros Direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

DE CUPIS, Adriano. Os Direitos da Personalidade. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1961.

CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados Direitos da Personalidade. In: FACHIN, Edson Luiz (coord.). Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1: teoria geral do direito civil. 20.ª ed. rev. aum. São Paulo: Saraiva, 2003.

FERNANDES, Milton. Os direitos da personalidade e o Estado de Direito. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 50, janeiro, 1980.

FRANÇA, Limongi Rubens. Instituições de Direito Civil. 3.ª. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1994.

______. Institutos de proteção à personalidade. Revista dos Tribunais: São Paulo, ano 57, n. 391, maio/1968.

GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2001.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e o direito à vida privada, São Paulo: RT, 2000.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos Morais e Direitos da Personalidade. Revista Jurídica Notadez. Porto Alegre, ano 49, n. 284, p. 05-17, jun. 2001.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Campinas: Brookseller, 2000.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 19.ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

RÍO, José Manuel Lete Del. Derecho de la Persona. 4.ª ed. Madri: Tecnos, 2000.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SOUZA, Rabindranath V. A. Capelo de. O direito geral de personalidade. Coimbra: Ed. Coimbra, 1995.

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da Personalidade e sua Tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e os Direitos da Personalidade. Revista Jurídica Notadez. Porto Alegre, ano 51, n. 305, p. 24-39, mar. 2003.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 2.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

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Sobre a autora
Márcia Nicolodi

advogada, especializanda em Direito Privado pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICOLODI, Márcia. Os direitos da personalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 134, 17 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4493. Acesso em: 22 nov. 2024.

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