1 INTRODUÇÃO
Já há alguns anos tem se verificado o crescimento da realização de atos de concentração empresarial, especialmente fusões e incorporações. Tal fato, que algumas vezes atinge repercussão nacional pelo porte das sociedades envolvidas, pode visar vários objetivos, como por exemplo, a recuperação econômica de duas empresas deficitárias, o fortalecimento da cadeia produtiva de ambas ou de uma delas, o mercado distribuidor, acesso a insumos, dentre tantas outras motivações.
É certo que a fusão e incorporação trazem efeitos benéficos, tanto na esfera das partes envolvidas quanto frente à terceiros e à coletividade, ao mesmo tempo em que, quanto a estes dois últimos, pode também se verificar efeitos maléficos que por vezes se sobrepõem ao efeito benéfico. Surge então o interesse do Estado em tutelar estas operações, bem como os efeitos decorrentes em relação a terceiros e à coletividade.
Quando se fala em truste, palavra de origem anglo-saxônica, remete-se a um conceito econômico, de natureza capitalista, que consiste numa concentração de empresas visando a dominação do mercado através da eliminação de concorrência, e conseqüente imposição de preços arbitrários. E neste contexto, conseqüência óbvia do capitalismo, temos que não é interesse de uma dada coletividade a ocorrência destes monopólios que geram um grave custo socio-econômico, uma vez que prejudica-se o próprio desenvolvimento de novas tecnologias, a prática do preço justo, a geração de empregos, dentre outras tantas conseqüências negativas. Enfim, o mercado não se situa diante do desejável equilíbrio natural da justa composição entre a oferta e a procura, e ao livre comportamento dos agentes econômicos.
Destarte, como bem acentua Fonseca (2001, p.13):
O poder econômico privado se corporifica na capacidade que têm as empresas de influir nas condições e nos resultados econômicos do mercado, de tal forma a dele reitrar vantagens que as coloque em posição de superioridade perante as demais e em posição de domínio sobre os trabalhadores e consumidores
O fenômeno da concentração de mercado está umbilicalmente relacionado com o fenômeno das operações societárias, e mais especificamente o da fusão e incorporação, que, no nosso ordenamento, vem previsto no texto legislação das S/A [1].
Esta relação é oriunda da própria essência de tais institutos, que, apesar de amparados pelo princípio da livre iniciativa, são o caminho natural da ocorrência da concentração de mercado. E, muito embora, seja vigente em nosso ordenamento o princípio da livre iniciativa, este não é absoluto, há que se atentar ao princípio da livre concorrência, que visa o equilíbrio do mercado competitivo, de modo a evitar o efeitos nocivos da concentração indevida dos mercados.
Diante desta aparente antinomia entre os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, é que se torna relevante o conhecimento da legislação protetiva da concorrência, a atuação dos órgãos governamentais, suas competências e o poder controlador de tais atos de concentração, de modo a encontrar o ponto ideal de equilíbrio, propiciando a devida análise de eventual fusão ou incorporação de sociedades. Coelho (2000, p.184) oportunamente diz que "as motivações e os efeitos da concorrência leal e da desleal são idênticos, a diferença entre leal se encontra no meio empregado para conquistar a preferência dos consumidores."
Portanto, é indispensável a análise das origens dos institutos como a Fusão e Incorporação de empresas, e sua evolução histórica em paralelo com a evolução dos órgãos governamentais antitruste. Assim é que se faz necessário conhecer a atuação preventiva e repressiva do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, órgão ao qual são submetidos à apreciação atos que possam importar em concentração de mercado no Brasil, além de seus julgamentos e a respectiva executividade das decisões.
Neste sentido, é que se busca situar conceitualmente o que é, para o direito da concorrência, o mercado relevante, o exercício de forma abusiva de posição dominante, dentre outras previsões legais, que são pontos nevrálgicos ao entendimento e busca do equilíbrio econômico e jurídico entre a livre iniciativa e disciplina da concorrência.
E, para que haja a devida análise da concentração de mercado, é inarredável que se atente a critérios circunstanciais da operação em análise com por exemplo, o temporal, material e espacial, que são de suma relevância para a determinação de uma possível concentração, na medida em que deve haver uma identidade de elementos entre os agentes econômicos investigados para se supor eventual infração à ordem econômica. Isto, atentando ao fato de que existem exceções delimitadas pela lei que possibilitam a concentração de mercado, havendo que se considerar o mercado relevante, tecnologias envolvidas, especificidade do mercado, dentre outros fatores característicos de determinados ramos naturalmente segmentados e tecnologicamente restritos no mercado, sendo por se só um limitador natural.
Assim, considerando apriorísticamente que o ato de fusão ou incorporação, que tem respaldo no próprio princípio da livre iniciativa, e que não é ilícito em si, mas sim as suas conseqüências é que podem ser indesejadas pelo ordenamento, é que surgem dúvidas freqüentes acerca da perfeita adequação e da eficácia destes atos perante as disposições limitadoras da legislação antitruste, capitaneada pela Constituição Federal, no Título VII, que trata da Ordem Econômica e Financeira, e pela Lei 8.884/94, a Lei Antitruste.
Considerando que o direito tutelado pela Lei 8.884/94, conforme reza o artigo 1º, parágrafo único, é de titularidade da coletividade, sempre impende ressaltar que a licitude destas operações é fator de grande interesse social e governamental, pois a capacidade e qualidade produtiva em consonância com a observância da livre concorrência reverte em benefícios ao consumidor, ao Estado e às próprias empresas em termos de competitividade e solidez, seja no mercado interno ou externo.
Muito embora o direito concorrencial (ou antitruste), assim como a concorrência desleal, estejam vinculados ao direito econômico, um não se confunde o outro. Ao contrário do que se dá na concorrência desleal, nas infrações à ordem econômica verifica-se um grau muito mais acentuado, e juridicamente muito mais relevante, de interferência no equilíbrio das estruturas da economia de mercado. Isto, na proporção em que a concorrência desleal traz efeitos mais diretamente entre os empresários, enquanto nas infrações à ordem econômica, além de repercutir entre os empresários, diretamente também se atinge a coletividade como um todo.
Há, assim, a necessidade do Estado harmonizar o interesse geral insculpido nos Títulos I e II da Lei Maior, mas em suma, refletidos nos dois princípios constitucionais já referidos supra, o primeiro previsto nos artigos 1º, inciso IV, e 170 caput, e o outro com previsão no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal, cuja eficácia harmônica é um dos grandes alvos de estudo do direito da concorrência. Isto sem menosprezar a importância, e a preocupação do direito antitruste, em relação aos princípios e garantias atinentes à defesa do consumidor, à busca do pleno emprego, meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, dentre outros.
Destarte, é inexorável por parte do Estado o devido controle dos atos, e aí se incluem os contratos, sendo este um dos pontos cruciais da tutela do direito antitruste.
2 A EVOLUÇÃO DO FENÔMENO CONCENTRACIONISTA
A concentração de empresas é um evento que empiricamente atinge as mais diversas variantes, e cuja importância se revela no âmbito tanto das ciências econômicas, quanto no das ciências jurídicas. Neste sentido vale ressaltar as palavras de Bulgarelli (2000, p.197):
Não seria demasia advertir, ainda, que o fenômeno do ponto de vista econômico é muito mais amplo do que sob o aspecto jurídico, de vez que se afunila, em face da regulamentação jurídica na qual deve enquadrar-se.
Sem prejuízo, portanto, de outras figuras concentracionistas, como por exemplo as join ventures, consórcios, grupos, coligadas, subsidiária, controladora e controlada, holdings, conhecidas como ligações societárias, a concentração de empresas se exterioriza, classicamente, por meio da fusão e incorporação de sociedades, que estritamente são conhecidas, junto com a cisão e a transformação, como operações societárias. São todas, na realidade, alternativas encontradas para fortalecer a atividade empresarial no panorama mercadológico, seja circunstancialmente com objetivos específicos, delimitados no tempo e que se esgotam em si mesmos, ou com propósito com indeterminação de prazo, ou irreversíveis.
A justificativa histórica da crescente evolução, e variantes, dos modos como as sociedades empresárias se utilizam para unir forças, ou tão somente expandir a qualidade/quantidade de sua atividade, tem como fonte principal o período pós Revolução Industrial, mormente no início do Século XIX. Com a crescente massificação do capitalismo, inclusive na seara cultural, houve por conseqüência, um maior despertar do empreendedor para às possibilidades concentracionistas, não somente pela própria autofagia verificada no seio do próprio mercado, mas também em razão de um mútuo interesse das sociedades empresárias, que em determinadas circunstâncias econômicas, se voltam a unir forças objetivando simplesmente melhoria no resultados, ou mais diretamente a própria dominação do mercado.
Mais recentemente o fenômeno da globalização, principalmente com a formação de blocos econômicos multinacionais, tem favorecido em muito o interesse das companhias em efetivar atos de concentração. Exemplos como a União Européia e o Mercosul, dentre outros, tem gerado inúmeras operações societárias de fusão e incorporação de modo a maximizar os lucros e reduzir custos de produção e logística.
Como não poderia deixar de ser, em razão das relevantes repercussões econômicas e sociais que este fenômeno crescentemente vinha ocasionando, houve o despertar do interesse estatal em regulamentar tais operações. E a tendência desta atividade legiferante do Estado se exteriorizou em duas frentes: por um lado, a de incentivador do fortalecimento das empresas permitindo que elas atingissem um crescimento e a grandiosidade necessária a alimentar a economia; e de outro lado, a de agente coibidor dos excessos, intervindo no âmbito econômico, de modo a assegurar um mercado vivo, que não fosse estático.
Essa repercussão jurídica se revela principalmente no que concerne à legislação societária, em especial quanto às sociedades anônimas (e suas equivalentes no estrangeiro), tendo tais diplomas legais dedicando a devida atenção ao fenômeno das operações societárias, em especial as de fusão e incorporação de empresas.
Paripasso, o Estado intervencionista emerge diante da necessidade de se evitar e reprimir abusos que afrontem à livre concorrência, eis que a crescente crescimento econômico-industrial, aliado também ao próprio desenvolvimento dos meios de comunicação e mídia em geral (não só como meios de informação, mas também como veículos de propaganda) verificado após a primeira metade do século XX, foram propiciando a concentração do mercado em monopólios e/ou oligopólios.
Muito embora lacunoso, e gerando a aplicação em conjunto com normas obrigacionais, o Decreto 434 de 1891 já dispunha acerca da fusão de sociedades por ações. Posteriormente o Decreto Lei 2.627/1940, já começa a assentar idéias básicas acerca das operações de fusão e incorporação.
Conforme acentuado por Bulgarelli (2000, p.26), tal intervenção estatal foi se dando na medida em que se observava que a fusão e incorporação adquiriram um novo sentido, não em si mesmos, como simples integração societária, mas principalmente pelos objetivos e efeitos visados, que gradativamente foram se alterando, em compasso com a já citada alteração da realidade dos mercados.
Neste sentido é que se verifica na década de 70, sob efeito do histórico ufanismo daquela época no Brasil, a elaboração pelo Governo Federal do Plano Nacional de Desenvolvimento, editado em duas etapas: o PND I e o PND II, que dentre outros objetivos, visavam colocar o Brasil entre as nações desenvolvidas e elevá-la de posto entre as maiores economias mundiais.
O PND I criou um modelo econômico de mercado, instrumentalizado pela Lei 5.727/71, que estabeleceu diretrizes e programas de desenvolvimento da economia nacional, seja em seu aspecto interno e regional, quanto no aspecto externo, onde se verifica expressamente no decorrer de todo o seu texto, em especial no inciso III do Capítulo II da parte I, referência expressa ao incentivo à vitalidade do setor privado, inclusive por meio de fusões. Prevê ainda a criação do Programa de Grandes Empreendimentos Nacionais, como forma de criar a grande empresa nacional e levá-la a empreendimentos de grande dimensão.
Já o PND II, editado pela Lei 6.151/74, renovou a índole programática do primeiro plano de 1971, ratificando a política implementada de incentivo à concentração de empresas, teve escopo em objetivos delimitados pelo próprio PND II, que expressamente estabelece:
uma política de fusão de empresas nacionais – e o que se tem estimulado é exatamente isso, para adquirir escala econômica significa: elevar a eficiência do setor, fortalecer o empresariado do país e aumentar o grau de competição daquele mercado. Sim, porquea existência de algumas empresas médias e eficientes, ao lado das grandes, vitaliza a competição no setor, ao invés de enfraquecê-la.
Com isto foram editadas normas que buscavam incentivar as fusões e incorporações, por meio de isenções tributárias relativamente a diversos fatos e atos jurídicos como por exemplo, relativamente ao acréscimo do valor resultante da reavaliação de bens do ativo imobilizado, que repercutiam diretamente às fusões e incorporações na medida em que se aplicavam aos casos de transferência do controle do capital de sociedades (art. 1º,§1º do Dec. Lei1.182/71).
Cita-se como exemplos normativos que vieram a implementar o programa de desenvolvimento: Decretos Lei 1182/71, 1186/71, 1253/72, 1300/73, 1346/74, 1391/75, dentre outras normas.
Diante deste panorama incrementador, houve a superveniência de um nova disciplina jurídica das sociedades anônimas, o que veio a ocorrer em 1976, com a promulgação da lei 6404/76, que em suas disposições, mormente os artigos 220 ao 234, traz a regulamentação das operações que envolvam sociedades anônimas.
Relativamente aos demais tipos societários se aplica o disposto nos artigos 1113 ao 1122 do novel Código Civil, de 2002.
Na atualidade, os mercados comuns multinacionais e o sedimentado mercado globalizado elevaram a importância econômica, jurídica e social de operações de fusão e incorporação de empresas, sendo inegável o crescimento, na mesma proporção, do interesse quanto às implicações destes atos no âmbito concorrencial.
3 EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL E SEU PANORAMA ATUAL
No período do Brasil Império, com a Constituição de 1824 se adotava um princípio plenamente liberalista exaltando o pleno direito de propriedade, sob a ótica na qual o mercado com a atuação natural entre os seus participantes, livre de qualquer interferência ou intervenção estatal, seria o modelo ideal cujo equilíbrio seria inerente à esta liberdade. Tal crença, inclusive quanto á livre iniciativa aplicada sem restrições ao mercado, se manteve com a Constituição de 1891.
Este panorama de ausência de regulamentação, e que revela a própria auto regulamentação do mercado e seus agentes econômicos, se exprimia pelo disposto no artigos 179 e 72, das Constituições de 1824 e 1891 respectivamente, nos quais o Estado apenas assegurava a garantia do exercício das liberdades individuais.
Com a Constituição de 1934, ratificada pela de 1937, é que veio a surgir as primeiras linhas desta preocupação do Estado brasileiro em regulamentar a concorrência, acompanhando uma tendência ideológica mundial advinda do período pós primeira guerra mundial. Estabelecia-se que a ordem econômica deveria ser organizada pelo Estado, cabendo a garantia da liberdade econômica de atuação no mercado, atendendo aos princípios da Justiça e segundo os a necessidade nacional. Na carta de 37, constou, ainda, que caberia ao Estado coordenar os fatores de produção de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses do País.
Com supedâneo neste dispositivo constitucional vigente, foi promulgado o primeiro texto infra legal, o Decreto-Lei 869 de 1938, que tratava de maneira específica a questão da concorrência, tipificando como crimes condutas tendentes a afrontar a economia popular, equiparando-os a crimes contra o Estado. Foram tipificadas condutas como: promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim de dificultar ou impedir a concorrência em matéria de produção, transporte e comércio, com finalidade de aumento arbitrário de lucros. Ou ainda, gerenciar, dirigir ou administrar mais de uma empresa do mesmo ramo, com finalidade de tolher a concorrência.
Inobstante tais disposições, a referida lei não produziu a eficácia esperada, agindo mais na regulamentação de preços e fraudes no comércio. Certamente a falta de um órgão específico de controle e julgamento administrativo de casos, cooperou para esta reduzida aplicabilidade do Decreto-Lei 869/38.
Tal falha legislativa foi suprida com o advento do Decreto-Lei 7.666 de 1945, no qual foi criado o CADE (na época, significando Comissão Administrativa de Defesa Econômica), com as atribuição de viabilizar acordos em casos potencialmente aviltadores da concorrência, conforme disposto no artigo 11, do referido Decreto Lei.
Muito embora tenha significado importante avanço legislativo e administrativo no Brasil no que tange à defesa da concorrência, o Decreto Lei 7.666/45, vigeu somente por três meses, em conseqüência da queda de Getúlio Vargas, e revogação pelo posterior Presidente provisório.
Em 1946, foi promulgada a Constituição Federal de 1946, e muito embora estivesse consagrado o princípio da livre iniciativa no artigo 146, logo adiante no artigo 148 passa a dispor que a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamento de empresas individuais ou sociais, que tenham por finalidade dominar o mercado e eliminar a concorrência, aumentando arbitrariamente os lucros. E sob a égide desta Carta Constitucional, de forma a regulamentar o artigo 148, é que se editou a Lei 4.137/62, que conceitua as formas de abuso, ressuscita o CADE, trata de seu processo administrativo, o processo judicial, e ainda estabelece a possibilidade de intervenção judicial na empresa, com fulcro no artigo 146, CF/42.
No entanto, apesar da válida vigência da lei supra citada, é que o panorama econômico brasileiro, num prisma macroeconômico, carecia de um fortalecimento da empresa nacional, sendo então editados os PND’s, já referidos no tópico anterior, e que a princípio mitigava o intuito limitador da Lei 4.137/62.
Com o advento da atual Constituição Federal, em 1988, houve a sedimentação, em capítulo próprio, dos princípios da atividade econômica, assim dispondo no artigo 170:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
Parágrafo único. È assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
O texto da atual Carta tem conteúdo de predominância neoliberal, na medida em que, a um só tempo, exalta a livre iniciativa e propriedade privada, e estabelece princípios como os do caput e dos incisos III ao IX do artigo supra transcrito, resultando em contra pesos fundamentais que tornam ilegítima a instituição de uma empresa com exclusivo objetivo de obtenção de lucro, ainda que em detrimento de fatores externos que não podem estar em desarmonia.
Em 1990, por meio do Decreto 99.2444 foi criada a Secretaria Nacional de Direito Econômico a qual compete zelar pela pelos direitos do consumidor, apurar, prevenir e reprimir abusos do poder econômico por meio do CADE, dentre outras. Ainda em 1990, novamente foram criminalmente tipificadas condutas contrárias à ordem econômica, por meio da Lei 8.137/90. Logo a seguir a Lei 8.158/91 que instituiu normas para a defesa da concorrência, que revigorou expressamente a Lei 4.137/62, gerando grande controvérsia na aplicação de tais normas, nem sempre harmônicas.
Finalmente, em 1994, foi promulgada a atual legislação antitruste nacional, a Lei 8.884/94, que dentre outras disposições, vem delimitando conceitos, atos que afrontam a livre concorrência, remodelando e estabelecendo competências administrativas ao CADE [2], bem como a SDE e a SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Justiça), órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, muito embora sob um certo conflito de competências entre si, possuem papel ativo de extrema importância na análise e defesa da ordem econômica nacional. Vale salientar ainda, o importante papel que outros órgãos da estrutura administrativa estatal brasileira vem desempenhando no cenário da concorrência, como as agências reguladoras, como por exemplo a ANATEL, que tem atuação direta em casos relativos à concentração de mercado no ramo específico da telefonia.
Diante do panorama legislativo atual no Brasil, temos que a proteção da concorrência, em cotejo com a livre iniciativa, atinge a dois espectros diversos, quais sejam: a concorrência desleal; e o abuso de poder econômico (infração à ordem econômica). A primeira se dá, em âmbito civil e penal, envolvendo, senão somente, preponderantemente o interesse do empresário. Já na segunda hipótese, que além do âmbito civil e penal envolve a seara administrativa, há o interesse da sociedade em geral, extrapolando o interesse específico do empresário. A própria lei 8.884/94, já no parágrafo único do artigo 1º, já acentua que os bens jurídicos protegidos naquele texto são de titularidade de toda a coletividade.
Assim, ao contrário do que se dá na concorrência desleal, nas infrações à ordem econômica verifica-se um grau muito mais acentuado, e juridicamente muito mais relevante, de interferência no equilíbrio das estruturas da economia de mercado. De um mercado nocivamente concentrado resultam graves reflexos nas mais diversas relações, seja no âmbito do nível de emprego, da qualidade dos produtos e serviços postos à disposição do consumidor, ou ainda na própria geração de divisas para o Estado, e nos números da economia interna.
3.1 A QUESTÃO NO MERCOSUL, UNIÃO EUROPÉIA E ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
No período pós-guerra, mais especificamente em 1963, foi editada na Europa, alavancada pelo Plano Marshall, uma legislação repressora a práticas anticoncorrenciais, e muito embora a Europa juntamente com os Estados Unidos tenham as maiores experiências políticas na seara da concorrência, a eficácia se restringiu a poucos países, por razões locais, mas também pela situação heterogênea vivida pela Europa naquela época, de economias monopolistas com grande intervenção, como por exemplo, na Espanha.
No entanto, mais recentemente, com a efetivação da União Européia, enfatizada na quebra de barreiras comerciais, diversas normas antitruste foram editadas de forma a harmonizar o tratamento da matéria neste mercado. A política européia no que tange às fusões, por exemplo, para se determinar se tal operação resulta em abuso de posição dominante, a interpretação dos órgãos competentes tem se situado no campo da eficiência.
Como complemento a esta idéia, podemos citar Vaz (1998, p.32), que afirma o seguinte:
O Direito comunitário europeu resulta de uma zona de solidariedade estreita de um ponto de vista ao mesmo tempo político e econômico.
Trata-se, assim, de um Direito em que se nota uma indissolúvel vinculação entre o político, devido à opção exercida pelos fundadores da Comunidade; o econômico, porque o objetivo visado, como o próprio nome indica, foi criar uma comunidade essencialmente econômica; e o jurídico, porque a organização da Comunidade Econômica Européia — hoje União Européia — encontra seus fundamentos e sua normatividade nos instrumentos jurídicos multilaterais que constituem o arcabouço legal da entidade.
Em termos práticos, isso significa que o Direito da Concorrência no âmbito da União Européia não segue estritamente as regras típicas de uma economia de mercado, nem obedece os pressupostos teóricos da livre concorrência.
Quanto ao Mercosul, verifica-se que desde o tratado de Montevidéu em 1960, já se realizava o conceito de mercado comum latino americano, tratando no artigo 15 questões atinentes a este objetivo atentando-se para a proteção da concorrência. Em 1980, o sucessor Tratado de Montevidéu, que criou a ALADI, também enfatiza esta mesma proteção em seu artigo 11.
Assim como ocorre na União Européia, compete exclusivamente a cada Estado Membro a disciplina da concorrência e dos atos praticados no respectivo território, desde que os efeitos destes atos repercutam somente em seu âmbito interno. Neste sentido, é o que determina o art. 3º do "Protocolo de Defesa da Concorrência no MERCOSUL". Isto é, a competência para a aplicação das normas comunitárias por parte da "Comissão de Comércio do MERCOSUL" e do "Comitê de Defesa da Concorrência" (art.s 8º e 9º do Tratado) só será cabível se os efeitos do ato investigado tiver repercussão além das fronteiras de um Estado Membro. Nos demais casos, cada Estado os atos se subsumirão aos diplomas internos.
Sem qualquer sombra de dúvida, poderíamos dizer que os Estados Unidos, são a maior referência para o direito antitruste. Os primeiros casos de relevante repercussão se deu na América, de modo que lá esta ciência jurídica se encontra em estágio bem avançado, a ponto de ser a principal referência neste ramo.