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O menor infrator e a eficácia das medidas sócio-educativas

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2. MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS: APLICAÇÃO E EFICÁCIA

            Relutando-se ou não em nomeá-las como medidas sócio-educativas, as reprimendas impostas aos menores infratores não se furta do caráter punitivo-sancional, embora alguns doutrinadores as queiram colocar livre do enfoque penalista. O que se apura é a mesma coisa, ou seja, ato definido como crime ou contravenção penal.

            Orienta GUSMÃO apud PAULA (1989, p.469) na justificação de seu esboço:

            ... o Juiz fará a aplicação das medidas segundo a sua adaptação ao caso concreto, atendendo aos motivos e circunstâncias do fato, condições do menor e antecedentes. A liberdade, assim, do magistrado é a mais ampla possível, de sorte que se faça uma perfeita individualização do tratamento. O menor que revelar periculosidade será internado até que mediante parecer técnico do órgão administrativo competente e pronunciamento do Ministério Público, seja decretado pelo juiz a cessação da periculosidade, assim, é um traço marcante no tratamento de menores. Toda vez que o juiz verifique a existência da periculosidade, ela lhe impõe a defesa social e ele, está na obrigação de determinar a internação.

            Contudo, ao administrar as medidas sócio-educativas, o Juiz da Infância e da Juventude não se aterá apenas às circunstâncias e à gravidade do delito, mas sobretudo, às condições pessoais do adolescente, sua personalidade, suas referências familiares e sociais, bem como a sua capacidade de cumpri-la.

            2.1.Da Advertência

            Talvez seja a medida de maior tradição no Direito do Menor, tendo constado tanto no primeiro Código de Menores pátrio, o Código Mello Mattos, de 1927, no art. 175, como também no Código de Menores de 1979, no art. 14, I, figurando entre as chamadas "Medidas de Assistência e Proteção".

            Disciplinada no art. 115 do Estatuto vigente, é a primeira das medidas aplicável ao menor infrator que pratica infrações de pequena gravidade: pequenos furtos, vadiagem, agressões leves. Diz o lacônico comando legal supra que "a Advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada, sendo, logo após, o menor entregue aos pais ou responsável". Importa ressaltar que, para a sua aplicação basta a prova de materialidade e indícios de autoria, acompanhando a regra do art. 114, parágrafo único do ECA.

            O fato é que nem sempre a advertência é a medida mais adequada, de sorte que o juiz deve examinar cautelosamente os fatos no sentido de apurar a sua gravidade. Por outro lado, a redução a termo da advertência se faz necessária para que se dê credibilidade à medida, ou seja, para demonstrar ao infrator o seu caráter de reprimenda, a fim de se obter o objetivo final, qual seja, a reeducação.

            Trata-se, pois, de uma medida singela, que busca principalmente repreender àqueles que, pelos impulsos próprios da juventude, cometem algum ato infracional.

            2.2.Da Obrigação de Reparar o Dano

            No caso da prática infracional com reflexos patrimoniais, o juiz pode utilizar-se da medida sócio-educativa disposta no art. 116 do Estatuto, determinando que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou por outra forma compense o prejuízo da vítima. Havendo, contudo, manifesta impossibilidade, a medida pode ser substituída por outra adequada. Assim, a obrigação de reparar o dano imposta ao infrator não tem somente o escopo literal da medida, mas visa inserir no menor as conseqüências do ato ilícito que praticou, atendendo mais uma vez a finalidade da medida, qual seja, a sua ressocialização.

            Questão relevante é a que diz respeito à pessoa que irá suportar a responsabilidade pela reparação do dano causado pela prática de ato infracional, Consoante o art. 928 do Código Civil atual, o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. No art. 5º do Diploma supracitado, está definido que a menoridade cessa aos 18 anos completos. Extrai-se, pois, que quando um adolescente com menos de 16 anos for considerado culpado e obrigado a reparar o dano causado, em virtude de sentença definitiva, a responsabilidade dessa compensação caberá, exclusivamente aos pais ou responsável, a não ser que o adolescente tenha patrimônio que possa suportar essa responsabilidade. Acima de 16 anos e abaixo de 18 anos, o adolescente será solidário com os pais ou responsável quanto à obrigações dos atos ilícitos por ele praticados. Isso conclui-se da interpretação do art. 932, I do Código Civil atual.

            É de ressaltar-se, por fim, que a condição financeira dos infratores que os impedem até mesmo de construir um patrono, não raras vezes, inviabilizam a aplicação dessa medida, quando a mesma deverá ser substituída por outra de mesma adequação, de modo que a medida tem tido alguma aplicação na Justiça da Infância e da Juventude especialmente aos adolescentes de classe alta, bem como àqueles pichadores do patrimônio público e privado. Em ambos os casos, notadamente neste último, a reparação dos prédios danificados tem sido efetuada com cautelas para não submeter o adolescente à humilhação pública.

            2.3.Da Prestação de Serviço à Comunidade

            Cuida-se de uma das inovações do estatuto, que veio acolher a medida introduzida na área penal, em 1984, pelas Leis nº 7.209 e 7.210, como alternativa à privação de liberdade.

            Esta é uma das medidas mais aplicadas aos adolescentes infratores dado o seu caráter dúbio, ou seja, ao mesmo tempo que contribui com assistência a instituições de serviços comunitários e de interesse geral, desperta neles o prazer da ajuda humanitária. Assim, a finalidade primária que é a ressocialização passa a ser apenas urna conseqüência do trabalho realizado. Cumpre salientar que a aplicação dessa medida a menores infratores da classe média alcança excelentes resultados, pois os põe de frente com a realidade fria e palpitante das instituições públicas de assistência, fazendo-os repensar de maneira mais intensa o ato infracional por eles cometido, afastando a reincidência. A ressocialização é nesses casos é visível e freqüente. Afinal, a segregação raramente recupera e o trabalho comunitário é salutar tanto para os adolescentes como para a sociedade. Institui naqueles o instinto da responsabilidade e o estimula a interessar-se pelo trabalho, além do impulso extra imposto pela autoridade judiciária no sentido da retomada aos estudos por aqueles que o abandonaram. A medida sócio-educativa, prevista no art. 112, III, e disciplinada no art. 117 e seu parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente, consiste na prestação de serviços comunitários, por período não excedente a seis meses, junto a entidade assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais.

            A grande importância dessa medida reside no fato de constituir-se uma alternativa à internação, que só deve ser aplicada em caráter excepcional.

            2.4.Da Liberdade Assistida

            De plano, convém ressaltar que essa medida sócio-educativa tanto restringe direitos como liberdade. Não é exatamente uma medida segregadora, mas assume um caráter semelhante.

            Entre as diversas fórmulas e soluções apresentadas pelo Estatuto, para o enfrentamento da criminalidade infanto-juvenil, a medida sócio-educativa da Liberdade Assistida se apresenta como a mais gratificante e importante de todas, conforme unanimemente apontado pelos especialistas na matéria. Isto porque possibilita ao adolescente o seu cumprimento em liberdade junto à família, porém sob o controle sistemático do Juizado e da comunidade.

            Através dessa medida, disciplinada no art. 118 do Estatuto, o infrator será encaminhado a uma pessoa capacitada que acompanhará o caso, além de auxiliá-lo e orientá-lo. Assim, durante o prazo fixado pelo magistrado, que será de no mínimo 6 meses, podendo a qualquer tempo ser revogada, prorrogada ou substituída por outra, ouvido o orientador, o Promotor e o defensor, o infrator deverá comparecer mensalmente perante o orientador para assinar sua freqüência. A medida destina-se, em princípio, aos infratores passíveis de recuperação em meio livre, que estão se iniciando no processo de marginalização.

            Ao fixar essa medida, o juiz também determinará o cumprimento de algumas regras compatíveis com o bom andamento social do jovem, tais como: não se envolver em novos atos infracionais, não andar armado, não andar em más companhias, não freqüentar certos locais, obedecer aos pais, recolher-se cedo à habitação, retornar aos estudos, assumir ocupação lícita, entre outros. Além disso, algumas regras de Beijing foram implantadas na aplicação da medida.

            A cada 3 meses é feito um relatório comportamental do infrator, remetendo-se ainda ao seu relacionamento familiar e social. Nota-se, pois, que a finalidade precípua da mediada é a de vigiar, orientar e tratar o mesmo, de forma a coibir a sua reincidência e obter a certeza da recuperação.

            2.5.Do Regime de Semiliberdade

            Na definição de LIBERATI (1), veja-se: "por semiliberdade, como regime e política de atendimento, entende-se aquela medida sócio-educativa destinada a adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia e à noite recolhem-se a uma entidade especializada".

            Na verdade, são dois os tipos de semiliberdade, a saber: tratamento tutelar determinado desde o inicio pela autoridade judicial, mediante aplicação do devido processo legal; progressão de medida, passando o adolescente internado para a semiliberdade, como beneficio.

            À guisa do próprio termo, a semiliberdade consiste num tratamento tutelar feito, na maioria das vezes, no meio aberto, o que sugere, necessariamente, a possibilidade de realização de atividades externas, tais como a freqüência à escola, relações de emprego, entre outras. Note-se que essas são finalidades precípuas da medida, que se não aparecerem, aquela perde a sua essência.

            A grande ocorrência dessa medida é verificada mesmo no processo de transição do meio fechado para o aberto. Assim como a Liberdade Assistida apresenta elevados índices de satisfação, notadamente em virtude a assistência prestada pelas equipes de psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e recreadores que supervisionam de perto todo o processo. É obrigatória a escolarização e profissionalização do menor, não comportando a medida, prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

            2.6.Da Internação

            Está disposta no art. 121 e parágrafos do Estatuto. Constitui-se de uma das mais complexas medidas sócio-educativas a serem aplicadas, pois embora o Diploma preveja objetivamente os casos para a sua utilização, o famigerado discernimento do juiz, aumenta-lhe o arbítrio.

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            Um dos maiores problemas enfrentados pelo direito menorista, trata-se, da eficácia da cadeia para os jovens infratores. Daí emerge outra discussão veemente: a redução da maioridade penal. Os punicistas defendem essa diminuição porque a marginalidade está crescendo a cada nova estatística, o que demonstra a ineficiência das reprimendas atuais. Em contrapartida, surge a opinião daquelas que entendem a justiça dos menores, operacionalizada adequadamente, emendando-se as falhas do estatuto, que fez ressurgir a onda pela redução da idade da responsabilidade penal, é a solução. O ideal é que o menor continue sempre sob os cuidados paternos, no seio de sua família legitima ou substituta, evitando-se ao máximo o seu possível internamento, que só deve ocorrer em última hipótese, em caso excepcional, tratando-se de menor abandonado ou infrator.

            É importante salientar que três princípios norteiam a aplicação da medida sócio-educativa de internação, a saber: da brevidade; da excepcionalidade; do respeito a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. Analisemos, pois, cada uma.

            Pelo princípio da brevidade entende-se que a internação deverá ter um tempo determinado para a sua duração, qual seja, o mínimo de seis meses (art. 121, §2º, ECA) e o máximo de 2 anos (§ 3). A exceção fica por conta do art. 122, § lº, III, que estabelece o período máximo de três meses de internação nas hipóteses de descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta; o mínimo, neste caso, fica a critério do juiz.

            Pelo principio do respeito ao adolescente, em condição peculiar de um ser em desenvolvimento, o estatuto reafirma que é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança (art. 125, ECA).

            O certo é que a medida sócio-educativa de internação tem que continuar no sistema penal juvenil. É impossível que a sociedade continue à mercê dos delitos cada vez mais graves dos adolescentes violentos e frios. Isso não quer dizer que a internação seja uma forma cruel de punir seres humanos em estado de desenvolvimento psicossocial. Afinal, a medida é até muito branda, já que tem prazo máximo de 3 anos, podendo a qualquer tempo ser revogada ou sofrer progressão, conforme os relatórios apresentados pelo centro de internação sejam favoráveis reinserção do menor na sociedade e na família. Além disso, a internação é a medida última, extrema, aplicável somente aos indivíduos que revelam perigo concreto à sociedade, costumazes delinqüentes. O que não se pode é fechar os olhos a esses criminosos, que já se apresentam perigosos, pelo simples fato de serem menores.

            A internação nem de longe lembra os calabouços sujos e sombrios dos presídios. São unidades especiais, dotadas de todos os serviços psicossociais, as mais variadas e modernas formas de terapias, sejam elas com fins exclusivamente terapêutico ou de ocupação, recreação, educação religiosa. O objetivo não se afasta da ressocializacão, repelindo totalmente a punição, que já se sabe, não recupera.

            Será sempre cumprida em local exclusivo para adolescentes, observados os critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

            Oart. 122 do Estatuto elenca as possibilidades de aplicação da medida, a saber: quando o ato infracional for cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Ressalte-se, que essa enumeração é taxativa, de modo que não será aplicada a medida em situações em que a lei não preveja.

            A internação provisória, determinada pelo Magistrado, dar-se-á nas seguintes hipóteses: prática de ato infracional com as características evidenciadas nos incisos I, II e III do art. 122; bem como se não for possível a imediata liberação do adolescente infrator a seus pais ou responsável; ou ainda, se as conseqüências e gravidade do ato praticado reclamarem a segurança e proteção do adolescente.

            Assente-se que, a medida de internação submete-se ao principio da excepcionalidade, não podendo ser aplicada se houver outra adequada que a substitua.

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Sobre o autor
Raimundo Luiz Queiroga de Oliveira

Advogado militante em Sousa – PB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Raimundo Luiz Queiroga. O menor infrator e a eficácia das medidas sócio-educativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4584. Acesso em: 28 mar. 2024.

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