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Justiça gratuita aos necessitados, à luz da Lei nº 1.060/50 e suas alterações

25/12/2003 às 00:00

Resumo:


  • A Lei 1060/50 estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, definindo quem são considerados necessitados e pobres.

  • Os requisitos para a concessão da assistência judiciária incluem a simples afirmação do necessitado de não poder arcar com as despesas do processo sem prejuízo próprio ou da família.

  • A lei dispensa a comprovação do estado de pobreza do necessitado e garante o direito de ser assistido por advogado da escolha do beneficiário da assistência judiciária.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1.Introdução

A lei 1060/50, ao instituir normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, pontificou, nos preceitos editados pelos "caput" dos artigos 1º e 2º, enunciados, que estão vazados nos seguintes termos:

Art. 1º - Os poderes públicos federal e estadual, independentemente da colaboração que possam receber do município e da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos desta lei.

Art. 2º - Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.

Antes de examinar alguns pontos do Diploma Legal, em foco, que, pelas suas proeminências, não poderiam passar "in albis", tais como: requisitos para a concessão da assistência judiciária, dispensa de comprovação de estado de pobreza do necessitado, direito de assistência por advogado da escolha do necessitado, cumpre dizer que não abordarei outros aspectos da indigitada Lei, v.g. honorários de advogado e de peritos, prescrição e recurso, dentre outros, por entender que este estudo não comporta a análise de tais pontos, visto que tem por desiderato trazer à colação, prioritariamente, o alcance e, sobretudo, a exegese dos vocábulos "necessitado" e "pobre", que, amiúde, tem levado alguns aplicadores da lei a indeferirem postulações de assistência judiciária, quando o assistido evidencia que percebe certo valor de renda mensal.

Destarte, para que se dê figura jurídica ao instituto da Justiça Gratuita, cumpre, em primeiro lugar, definir os multicitados vocábulos, que, a meu juízo, são os nós górdios da questão, que ora se aborda. Se não, vejamos:

1.1.Definições dos vocábulos necessitado e pobre

1.1.1À luz da Lei 1060/50

O parágrafo único do artigo 1º, da indigitada Lei, por si só, define o que é necessitado, ao estabelecer que, "considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família".

1.1.2.À Luz do Código de Processo Penal e da Jurisprudência

Por outro lado, o § 1º, do artigo 32, do Código de Processo Penal, define o beneficiário da assistência judiciária gratuita como sendo pobre a pessoa que não puder prover às despesas do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso de "Habeas Corpus", sob o nº 56.325, publicado às páginas 6179, do DJU, de 25.8.78, declara que "pobre é qualquer pessoa, desde que, para as despesas processuais, tenha que privar dos recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família"

1.1.3.À luz do Aurélio

O NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA [1] registra, no verbete NECESSITADO, dentre outros sentidos, os de privação, indigente, pobre, miserável, que quer dizer faminto sedento. Já no verbete POBRE, que é mais abrangente, dentre outros sentidos, assinala os de quem não tem o necessário à vida, que revela pobreza.

1.1.3.À luz do entendimento jurídico

Por sua vez, PEDRO NUNES [2] dá conotação jurídica ao vocábulo POBRE e o define como sendo, "todo indivíduo cujos recursos pecuniários não lhe permitem suportar as despesas de um pleito judicial, para fazer valer um direito seu ou de pessoa sob a sua responsabilidade, sem que se prive de algum dos elementos indispensáveis de que ordinariamente dispõe para a subsistência própria, ou da família". Pobre é aquele a quem não basta o que é seu

Veja-se que, embora o legislador processual civil tenha usado, para caracterizar o assistido, o termo necessitado e o legislador processual penal utilizado o termo pobre, ambos se convergem para o mesmo ponto. Conforme, acima evidenciado, os termos usados nos dispositivos sob análises não foram empregados no sentido denotado, do AURÉLIO, ou seja, de "miserabilidade", que quer dizer, estado ou condição de miserável, faminto, sedento. Mas, sim, no sentido de quem não tem recursos pecuniários que lhe permitam suportar as despesas de um pleito judicial, para fazer valer um direito seu ou de pessoa sob a sua responsabilidade, sem prejuízo próprio ou da família, de quem sente ou tem carência de, precisa de, de quem não está em condições de arcar com as despesas do processo sem privar-se do sustento próprio ou da família. A NECESSIDADE OU A POBREZA, "in casu", é a JURÍDICA. Esta é, a meu ver, a exegese mas adequada dos vocábulos sob comento.


2Requisitos para a concessão da assistência judiciária

Ressalte-se, ainda, que o dispositivo sob exame, estabeleceu, alternativamente, para a concessão do benefício da assistência, duas circunstâncias, a saber: SUSTENTO PRÓPRIO OU DA FAMÍLIA, o que significa que a assistência judiciária gratuita pode ser concedida cumulada ou não de tais circunstâncias.

Para que a parte goze dos benefícios da assistência judiciária gratuita, basta que se manifeste, mediante simples afirmação, na própria inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família, é o que edita o artigo 4º, da mencionada Lei.

Como se vê, na dicção do mencionado dispositivo, para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, basta que a parte se manifeste, mediante mera afirmação, na exordial, de que não está em condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou da família. Isto significa que tal postulação deverá ser feita, por intermédio do seu advogado. Tal postulação, através do seu procurador, se justifica, porque a procuração geral para o foro, e mais os poderes especiais referidos na parte final do artigo 38, do CPC, conferida por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, não sendo, portanto, necessário que o assistido apresente declaração que ateste esta condição.

Mesmo porque, cabe a parte contrária, em qualquer fase do processo, requerer a revogação dos benefícios da assistência judiciária, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão. Vejamos, neste sentido, ementa de acórdão do STJ, anotada por NEGRÂO [3], que pela sua similitude, servirá de paradigma, a este enfoque, Ipsis verbis:

Para que a parte obtenha o benefício da assistência judiciária, basta a simples afirmação da sua pobreza, até prova em contrário (TSTJ 7/414; neste sentido: Bol. AASP 1.622//19, o que a dispensa, desde logo, de efetuar o preparo da inicial (TRF - 1ª Turma. AC 123.196-SP, rel. Min. Dias Trindade, j. 25.8.87, dera, provimento, v;.u., DJU 17.9.87, p. 19.560, 2ª col., em.)


3Dispensa de comprovação do estado de pobreza

do necessitado

O Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, no Acórdão nº 426437/5, decidiu sobre a dispensabilidade de documento comprobatório do estado de pobreza, "in verbis":

JUSTIÇA GRATUITA - DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DO ESTADO DE POBREZA - DISPENSABILIDADE

O texto legal é claro, no sentido de dispensa a apresentação de documento comprobatório da condição de pobre, no sentido jurídico do termo, daquele que requer os benefícios da justiça gratuita.

Escusa a transcrever a regra jurídica estabelecida pela Lei 7510, de 4 de julho de 1986, que deu nova redação ao art. 4º, da Lei 1060, de 5 de fevereiro de 1950. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. Anota-se que mesmo antes do advento da Lei 7510/86, que deixou claro, como se expôs, prescindiu de documento comprobatório do estado de pobreza o requerimento dos benefícios da assistência jurídica gratuita, já admitira a presunção "juris tantum" de veracidade da declaração da parte ou de seu procurador para dispensa do estado de pobreza, face as regras jurídicas estabelecidas pela Lei 6707/79 e 7115/83. Neste sentido, julgado da 8ª Câmara deste Tribunal, relatado pelo eminente juiz Jorge Rodrigues de Carvalho (in julgados do Tribunal de Alçada Cível de São Paulo) (4).


4.Direito de Assistência por Advogado da Escolha do Necessitado

Outro ponto importante, que merece ser destacado, que está contemplado, "expressis verbis", no § 4º, do art. 5º, desta Lei, é o que diz respeito ao direito que é assegurado ao necessitado de ser assistido, em juízo, por advogado da sua escolha.

Neste sentido, é o entendimento da jurisprudência remansosa dos tribunais pátrios, segundo se depreende da ementa de acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que perfilha esta interpretação, "ipsis verbis":

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Se a parte indicou advogado, nem por isso deixa de ter direito à assistência judiciária, não sendo obrigada, para gozar dos benefícios, desta a recorrer aos serviços da Defensoria Pública [5]

Agora, expendidas estas considerações, torna-se curial que se traga à colação um exemplo, que dará mais força e clareza às explicações. Assim, afigura-se-nos a hipótese de que numa relação jurídica, o Exequente, visando receber o crédito de um título extrajudicial, cuja causa debendi fora a venda de um imóvel comercial, único bem que possuía, no valor de R$ 150.000,00, e dispondo dito Exequente, ora pretendente aos benefícios da assistência judiciária, de uma renda mensal de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), para fazer face às despesas de aluguel de um apartamento, no valor de R$ 800,00, com quota de condomínio de R$ 100,00, telefone, R$ 150,00, água R$ 100,00, luz R$ 150,00, despesas escolares com filhos, em estabelecimento de ensino particular, no valor de R$ 500,00, prestação de veículo no valor de R$ 500,00 e mais despesas de alimentação, de R$ 800,00, perfazendo um total de despesas fixas de R$ 3.600,00. E para que o feito tenha andamento, terá que pagar custas processuais, no valor de R$ 1.529,73, conforme tabela do IPRAJ - BA, o que lhe daria um déficit no seu orçamento de (R$ 5.129,73 - R$ 4.000,00) R$ 1.129,73. Este demandante, na definição do parágrafo único do art. 1º, da indigitada lei, é necessitado processual, bastando para fazer jus à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, simples afirmação, na petição inicial, de que não tem condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Vê-se, de logo, que sob o ponto de visto do direito, o conceito de necessitado não está vinculado a determinado limite de valor de renda mensal percebida pelo beneficiário da assistência judiciária gratuita e, sim, a impossibilidade de pagamento das despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou da família


Conclusão

Da análise do texto, depreende-se que, à luz da legislação processual civil, o preceito do parágrafo único, do artigo 1º, da mencionada Lei, por si só, define o que é necessitado, ao estabelecer que, considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família". Infere-se, ainda, que à luz da legislação processual penal, pobre é a pessoa que não puder prover as despesas do processo sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família. E na acepção jurídica do termo, pobre é todo indivíduo cujos recursos pecuniários não lhe permitem suportar as despesas de um pleito judicial, para fazer valer um direito seu ou de pessoa sob a sua responsabilidade, sem que se prive de algum dos elementos indispensáveis de que ordinariamente dispõe para a subsistência própria, ou da família. Portanto, tais definições, em sede de assistência judiciária gratuita, afastam, definitivamente, o sentido denotado, dado pelo AURÉLIO aos termos: necessitado, isto é, o de miserável ou de pobre, que quer dizer, "quem não tem o necessário à vida". In casu, a necessidade ou a pobreza é a jurídica. Isto porque, como dito acima, sob o ponto de vista do direito, o conceito de necessitado não está vinculado a determinado limite de valor de renda mensal percebida pelo beneficiário da assistência judiciária gratuita e, sim, à impossibilidade de pagamento das despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou da família.

Destarte, para que a parte goze dos benefícios da assistência judiciária gratuita, bastará uma simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de arcar com as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família. Tal afirmação deverá ser formulada, através de procurador, visto que a procuração geral para o foro e mais os poderes especiais constantes da parte final do artigo 38, do CPC, conferida por instrumento público ou particular, devidamente assinada pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, não sendo, portanto, necessário que o assistido apresente declaração que ateste a condição de necessitado, conforme se depreende dos preceitos elencados no Diploma legal, sob comentário, e da jurisprudência remansosa dos nossos tribunais, que perfilha esta interpretação.

Esta, a meu juízo, é a mais adequada exegese, para a concessão da assistência judiciária gratuita aos necessitados.


Notas

01. HOLANDA, Aurélio Buarque de. 2ª ed. Rio de Janeiro : Editora Nova Fronteira, 1986

02. DICIONÁRIO DE TECNOLOGIA JURÍDICA. 10ª. Ed., Rio de Janeiro : Editora Freitas Bastos, 1979

03. NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 33ª ed. São Paulo : Editora Saraiva, 2002.

04. Rel. Juiz Amauri Alonso Lelo - j. 02.10.90 - Aptes.: Anésio de Seara Campos Jr. e outros; Apdos.: Osório Augusto Dias e s/m - ementa IOB, 2ª quinzena FEV/91, nº 4/91, pág. 75.

05. Bol. AASP 1.703/205, "in THEOTÔNIO NEGRÃO, p. 790, op. cit.

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Sobre o autor
Adenor José da Cruz

advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil, vice-diretor da Escola Superior de Advocacia Prof. Amilton de Castro (ESAD), em Ilhéus (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Adenor José. Justiça gratuita aos necessitados, à luz da Lei nº 1.060/50 e suas alterações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 172, 25 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4675. Acesso em: 22 dez. 2024.

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