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Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito

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23/04/2004 às 00:00
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CAPÍTULO II

1.LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

1.1.Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429, de 02.06.92)

A fim de atender à ordem constitucional, foi editada em 02.06.1992 a Lei n. 8.429, que "dispõe sobre sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função da Administração Pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências", e passou a ser conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA) ou Lei Anticorrupção.

Com um total de vinte e cinco artigos, distribuídos em sete capítulos, a LIA representa hoje o mais moderno instrumento de defesa da moralidade e do patrimônio públicos. Primeiramente, no capítulo intitulado "Disposições Gerais" (artigos 1 a 8), trata de definir os sujeitos ativo e passivo dos atos de improbidade, estabelecer o conceito de agente público, e fixar as bases para a recomposição do patrimônio lesado, como o ressarcimento do dano, o perdimento e a indisponibilidade de bens, e a responsabilização dos sucessores do agente ímprobo. No segundo capítulo, a lei cuida das espécies de atos e arrola condutas que se subsumem à definição de improbidade (artigos 9 a 11), para posteriormente, no terceiro capítulo, estabelecer as penas cominadas a cada espécie de ilícito (artigo 12). No Capítulo IV, cuida da "Declaração de Bens" (artigo 13) e no Capítulo V, trata "Do Procedimento Administrativo e do Processo Judicial" (artigos 14 a 18), onde fixa os parâmetros processuais para o desenvolvimento da ação judicial por ato de improbidade. No Capítulo VI, intitulado "Das Disposições Penais", define as condutas compreendidas como crime e fixa critérios para aplicação das penalidades a estes cominadas, além de tratar da prescrição da respectiva ação penal (artigos 19 a 23). Por derradeiro, sob a rubrica "Das Disposições Finais", trata o Capítulo VII tão somente da entrada em vigor da lei e da revogação das Leis n. 3.164, de 1.06.1957 e Lei n. 3.502, de 21.12.1958, além das demais disposições em contrário.

Contemplando hipóteses de comportamentos e definindo-os como atos de improbidade administrativa, o novo diploma representa grande avanço no combate ao crime público organizado, prevendo penalizações aos agentes públicos, bem como aos terceiros participantes e/ou beneficiados, de ordem penal, civil e administrativa, aplicáveis independente e cumulativamente.

De forma inovadora, a LIA ampliou o rol de comportamentos lesivos à probidade administrativa, que antes versavam somente sobre o enriquecimento ilícito. Assim, dependendo da enquadração legal e dos efeitos resultantes, os atos de improbidade podem ser classificados em três categorias distintas: os que importam enriquecimento ilícito do agente público (LIA, artigo 9º), os que causam prejuízo ao erário (LIA, artigo10) e os que atentam contra princípios da Administração Pública (LIA, artigo11).

As sanções previstas pela lei são as seguintes: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, o ressarcimento integral do dano, a perda dos bens obtidos irregularmente, multa civil e proibição de contratar com a Administração Pública e dela receber benefícios (LIA, artigo12).

A responsabilização do agente ímprobo, como já frisado, tem concepção ampla, e visa primordialmente a recuperação do status quo ante da Administração Pública, dispondo, para tanto, de instrumentos eficazes como a responsabilização do terceiro envolvido e dos sucessores do agente ímprobo, o perdimento de bens de origem ilícita e a indisponibilidade destes como garantia da reparação do dano, os quais serão analisados individualmente na seqüência deste trabalho.

1.2.Atos de improbidade administrativa

A Lei n. 8.429/92, ao definir as condutas tidas como contrárias à probidade administrativa, concentrou-as em três espécies distintas: atos que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º), atos que causam prejuízo ao erário (artigo 10) e atos que atentam contra os princípios da administração pública (artigo 11).

Com efeito, os atos de improbidade se desenvolvem com base em três espécies de ilícitos, os quais possuem uma origem comum: a violação aos princípios que regem a atividade pública.

Na concepção de Emerson Garcia [23], todos os atos de improbidade são fruto da inobservância dos princípios básicos da administração pública, verbis:

Para a subsunção de determinada conduta à tipologia do artigo 9º da Lei de Improbidade, é necessário que tenha ocorrido o enriquecimento ilícito do agente ou, em alguns casos, que este tenha agido visando ao enriquecimento de terceiros. O enriquecimento ilícito, por sua vez, será necessariamente precedido de violação aos referidos princípios, já que a conduta do agente certamente estará eivada de forte carga de ilegalidade e imoralidade.

Tratando-se de ato que cause lesão ao patrimônio público, consoante a tipologia do artigo 10 da Lei n. 8.429/92, ter-se-á sempre a prévia violação aos princípios regentes da atividade estatal, pois, como visto, a lesão haverá de ser causada por um ato ilícito, e este sempre redundará em inobservância dos princípios.

Por derradeiro, o artigo 11 da Lei n. 8.429/92, considerado pela doutrina como norma de reserva, tipificou como ato de improbidade a mera inobservância dos princípios.

No mais das vezes, a conduta ímproba será enquadrável nas três categorias de atos, sendo difícil conceber, por exemplo, que um agente público tenha enriquecido ilicitamente sem causar prejuízo ao erário e sem atentar contra os princípios da administração pública.

Do mesmo modo, ao "incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio, bens, rendas, ou valores integrantes do acervo patrimonial" de entidades públicas, conduta tipificada no artigo 9º, XI, da Lei n. 8.429/92, como ato de improbidade que importa enriquecimento ilícito, certamente haverá também a adequação ao caput do artigo 10, posto que a conduta enseja "perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens" e, conseqüentemente, lesão ao erário.

Assim, fica claro que a intenção do legislador foi dar à lei o maior alcance possível, de modo a atingir, de uma forma ou de outra, todas as espécies de condutas nocivas à administração pública.

O legislador, ao estatuir as penas aplicáveis aos casos de improbidade, valeu-se da classificação estabelecida nos artigos 9º, 10 e 11, sendo que para cada modalidade de ato de improbidade fixou-se no artigo 12 uma cominação distinta.

Assim, estabelece o inciso I do artigo 12, que nas hipóteses do artigo 9º (atos que importam enriquecimento ilícito), o responsável estará sujeito às seguintes penalidades:

[...] perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos, pagamento de multa civil de até 3 vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 anos;

Por sua vez, o inciso II estabelece para as hipóteses do artigo 10 (atos que causam prejuízo ao erário) as seguintes sanções:

[...] ressarcimento integral do dano, perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 anos;

Por derradeiro, para a infração ao artigo 11 (atos que atentam contra os princípios da administração pública), a LIA estabelece as seguintes sanções:

[...] ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos, pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos.

Abordadas as diversas cominações estabelecidas pelo artigo 12 da LIA, constata-se que o legislador deu especial atenção aos casos de enriquecimento ilícito, concorrentemente ou não com lesão ao erário, impondo ao agente responsável, nestes casos, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ao passo que nos casos em que houver lesão ao erário, concorrentemente ou não com enriquecimento ilícito, dever-se-á exigir do responsável o ressarcimento integral do dano.

Tais imposições, por sinal, já são trazidas pelos artigos 5º, que prevê para os casos de lesão ao patrimônio público o integral ressarcimento do dano, e 6º, que estabelece a perda dos bens e valores acrescidos em face do enriquecimento ilícito.

1.3.Sujeitos do ato de improbidade

Violado preceito proibitivo previsto na norma, ter-se-á uma lesão ao bem jurídico tutelado e, em conseqüência, ao direito de outrem. Nesses casos, o titular do bem jurídico violado chama-se sujeito passivo, e o agente violador, sujeito ativo.

Nos casos de improbidade administrativa, o artigo 1º, da Lei n. 8.429/92 elenca os possíveis sujeitos passivos, verbis:

Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daqueles para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Da análise do dispositivo supra, depreende-se que a identificação do sujeito passivo depende exclusivamente da sua condição de ente público, pois somente serão considerados atos de improbidade aqueles praticados contra: a) a administração direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal; b) de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário participe com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; c) o patrimônio de entidade para cuja criação ou manutenção o erário concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, ou que receba subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício, de órgão público.

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No que tange aos entes referidos no parágrafo anterior, itens a e b, ainda que o ato de improbidade administrativa seja praticado em detrimento do seu patrimônio, havendo somente o enriquecimento ilícito do agente ou a violação aos princípios da administração, serão inteiramente aplicáveis as sanções previstas no artigo 12 da Lei n. 8.429/92. O mesmo não ocorre, entretanto, com relação aos entes relacionados no item c, que somente permitem o enquadramento na Lei de Improbidade quando a prática do ato se der em desfavor do patrimônio das entidades públicas mencionadas, exigindo, assim, a ocorrência de dano. Eis o motivo para o legislador subdividir o artigo 1º em duas partes distintas (caput e parágrafo único).

Da análise do artigo citado, conclui-se que serão consideradas sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa todas as pessoas jurídicas de direito público e, ainda, as de direito privado, desde que tenham usufruído de verbas públicas para sua criação ou custeio de suas atividades.

Na sistemática da Lei n. 8.429/92, os atos de improbidade administrativa somente poderão ser praticados por agentes públicos, auxiliados ou não por terceiros. Assim estabelece o artigo 2º da aludida norma:

Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas do artigo anterior.

Além das pessoas que desempenham alguma atividade junto à administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, também estão sujeitos a cometer atos de improbidade os agentes que detenham algum vínculo com as entidades que recebem contribuições públicas, a exemplo do que ocorre na definição dos sujeitos passivos.

Assim, para os fins da lei, tanto será agente público o Governador do Estado como o proprietário de uma pequena empresa que tenha recebido, do Poder Público, incentivos fiscais ou creditícios. O que prevalece é o contato com o dinheiro público, que pode se dar tanto dentro como fora da administração.

Importante frisar que a Lei n. 8.429/92 desconsiderou, para fins de responsabilização do agente público ímprobo, o tempo de exercício na atividade (o vínculo pode ser transitório ou duradouro), a existência ou não de retribuição material pelas atividades (remunerada ou gratuita), a origem do vínculo (eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra espécie) e a natureza da relação (mandato, cargo, emprego ou função).

Outrossim, a condição de agente público deverá ser aferida por ocasião da prática do ato de improbidade, ainda que posteriormente o agente deixe de ostentar a posição que detinha. Aplica-se, neste aspecto, a regra do tempus regit actum, sendo irrelevante a dissolução posterior do vínculo entre os sujeitos ativo e passivo do ato de improbidade.

A par da responsabilização do agente público, a LIA estendeu seus efeitos ao terceiro que concorrer ou se beneficiar da prática ilícita, o qual estará sujeito às mesmas penalidades cominadas ao agente ímprobo. Assim dispõe o artigo 3º, da Lei n. 8.429/92, verbis:

As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Como se observa, o particular somente estará sujeito às penalidades "no que couber", de modo que as sanções serão somente aquelas compatíveis com a sua condição de terceiro, afastando-se, por exemplo, a perda da função pública. No entanto, tratando-se de agente público que auxilia outro agente público no ato de improbidade, as sanções serão aplicadas integralmente, pois tanto um quanto o outro devem obediência aos princípios basilares da probidade e da moralidade administrativas.

As possibilidades de responsabilização do terceiro estão centradas em três condutas: a) o terceiro induz o agente a praticar o ato de improbidade; b) o terceiro concorre para a prática do ato de improbidade, prestando auxílio material ou dividindo tarefas com o agente; c) ele não concorre para o ato, nem exerce influência sobre o ânimo do agente público, porém beneficia-se de forma direta ou indireta do resultado do ilícito.

1.4.Responsabilidade dos sucessores

Como visto, as hipóteses de penalização preconizadas pela Lei de Improbidade Administrativa são bastante amplas, alcançando, num primeiro momento, o agente ímprobo e o terceiro participante ou beneficiado com o ato.

No entanto, a lei vai mais além e prevê a responsabilização do sucessor do ímprobo pelos danos por este causados ao patrimônio público, na medida de sua herança.

A respeito, estatui o artigo 8º da Lei n. 8.429/92, verbis: "O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta Lei até o limite do valor da herança".

A primeira vista, exurge uma incompatibilidade entre o dispositivo supracitado e a Constituição Federal de 1988, que no artigo 5º, inciso XLV prevê que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido".

A interpretação literal do dispositivo da LIA culminaria em sujeitar o sucessor do ímprobo a todas as cominações previstas na lei, tendo como único limite o valor da herança para as penalidades de cunho patrimonial.

Nesse caso, ao artigo 8º da LIA deve ser dispensada interpretação conforme a Constituição, já que as sanções que acarretem restrições aos direitos diretamente relacionados à pessoa do agente ativo não poderão ser transmitidas aos seus herdeiros, ficando restrita a aplicabilidade do dispositivo infra-constitucional às sanções de natureza patrimonial.

Assim, ainda que o agente corrupto tenha falecido, será plenamente possível a instauração de relação processual para a apuração dos ilícitos praticados por aquele em vida, como também a aplicação de sanções de natureza pecuniária, figurando no pólo passivo o espólio e os sucessores do de cujos.

1.5.Perdimento de bens resultantes de enriquecimento ilícito

Com o escopo de recuperar o patrimônio atacado e recompor o status quo da Administração Pública, a LIA estabeleceu, no artigo 12 incisos I e II, o perdimento dos bens oriundos de atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito ou causam dano ao erário.

Inobstante figurar no rol das penalidades aplicáveis ao agente ímprobo, o perdimento de bens não possui caráter sancionatório, pois visa única e exclusivamente recompor o status quo ante, e reconduzir o agente corrupto à situação anterior à prática do ilícito, mantendo inatacado o seu patrimônio legítimo. Pressupõe a incompatibilidade da remuneração do agente público com a sua evolução patrimonial, abrangendo tanto os bens ou valores desviados do patrimônio público como aqueles recebidos de terceiros em razão da atividade exercida.

A medida alcança tanto os bens e valores, como os seus frutos e produtos. No caso de bens infungíveis [24], deverão ser restituídos in natura, da mesma forma que foram acrescidos ao patrimônio do ímprobo. Caso não seja mais possível a restituição, responderá o patrimônio do agente pelo montante equivalente ao bem desviado. Em se tratando de bens fungíveis [25], o perdimento haverá de incidir sobre o montante equivalente do patrimônio do agente, sempre que forem consumidos ou deteriorados.

Ainda que a vantagem ilícita tenha sido auferida mediante uma prestação negativa (deixar de fazer algo), em que o agente não tenha tido nenhum dispêndio financeiro, porém tenha obtido alguma vantagem, deve o proveito auferido ser estimado, de modo a proporcionar a verificação do numerário que o ímprobo efetivamente economizou, viabilizando a condenação na restituição dos respectivos valores.

Quanto ao perdimento, importante observar que somente o aumento patrimonial posterior ao exercício da função pública poderá ser atingido por eventual provimento cautelar de indisponibilidade de bens, já que os adquiridos antes da investidura não têm vínculo com a atividade pública, estando ausente o nexo de causalidade necessário à configuração do enriquecimento ilícito.

1.6.Representação para indisponibilidade de bens

Providência salutar no sentido de garantir a recomposição do patrimônio público lesado, a indisponibilidade dos bens do agente infrator vem disciplinada no artigo 7º da Lei n. 8.429/92, in verbis:

Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

A decretação da indisponibilidade dos bens é corolário da regra geral de que todo dano deve ser reparado, respondendo o acervo patrimonial do agente, presente e futuro, pela lesão causada ao erário.

Para Rogério Pacheco Alves [26]:

O desiderato de ‘integral ressarcimento do dano’ será alcançado, assim, por intermédio da decretação de indisponibilidade de tantos bens de expressão econômica (dinheiro, móveis, imóveis, veículos, ações, créditos de um modo geral etc.) quantos bastem ao restabelecimento do status quo ante.

A indisponibilidade significa a impossibilidade do ímprobo alienar os seus bens, o que pode concretizar-se de diversas formas, dependendo da espécie de bens. Assim, quanto aos imóveis, a principal medida é a inscrição do ato judicial no Registro de Imóveis, o que faculta ao ímprobo continuar no exercício da posse do bem indisponibilizado, desde que não haja indícios de dilapidação do mesmo. Já no tocante aos bens móveis, o que pode ocorrer é o depósito do bem em mãos do proprietário, ficando este sujeito às penalidades legais em caso de alienação ou perda do bem.

A indisponibilidade visa, assim, garantir futura execução por quantia certa, de modo a proporcionar o integral ressarcimento do dano causado ao ente público. Nessa ótica, por assemelhar-se às medidas cautelares do arresto e do seqüestro, e também pela gravidade dos seus efeitos, sua decretação exige a presença do fumus boni juris e do periculum in mora. O fumus boni juris não exige prova incontestável, exauriente, mas tão somente a probabilidade de sucesso do autor na demanda. Já quanto ao periculum in mora, parcela da doutrina defende que está implícito na dicção do artigo 7º da Lei de Improbidade, dispensando o autor de demonstrar o propósito do ímprobo de frustrar a reparação do dano.

Neste norte, salienta Fábio Medina Osório [27] que "O periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário". Com base nessa premissa, sustenta o autor que "a indisponibilidade patrimonial é medida obrigatória, pois traduz conseqüência jurídica do processamento da ação, forte no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal".

No mesmo sentido, assevera Rogério Pacheco Alves [28]:

[...] exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente de furtar-se à efetividade da condenação representaria, do ponto de vista prático, o irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal. Como muito bem percebido por José Roberto dos Santos Badaque, a indisponibilidade prevista na Lei de Improbidade é uma daquelas hipóteses nas quais o próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano. Deste modo, em vista da redação imperativa adotada pela Constituição Federal (artigo 37, § 4º) e pela própria Lei de Improbidade (artigo 7º), cremos acertada tal orientação, que se vê confirmada pela melhor jurisprudência.

A indisponibilidade deverá incidir apenas sobre o montante dos bens do agente necessário à integral reparação do dano, não sobre todo o patrimônio do requerido. Daí a importância de se ter uma estimativa do montante a ser reparado, de modo a viabilizar uma adequada disponibilidade dos bens.

A medida de indisponibilidade também não poderá alcançar os bens considerados impenhoráveis pela lei, com exceção às hipóteses em que a conduta danosa configure crime, e quando haja sentença penal condenatória definitiva, casos em que não será oponível a impenhorabilidade do bem de família, nos termos do artigo 3º, VI, da Lei n. 8.009, de 29.03.1990.

No caso da decretação da indisponibilidade recair sobre bens de pessoa casada pelo regime de comunhão universal, reiteradas decisões [29] vêm admitindo a possibilidade de oposição de embargos de terceiro pelo cônjuge inocente, uma vez que sua parcela do patrimônio não responde pelo dano causado pela outra parte.

Por fim, há de se salientar que a indisponibilidade dos bens pode ser decretada pelo magistrado ex officio, poder que lhe é conferido pelo artigo 797 do Código de Processo Civil, mas que somente deve ser utilizado em casos extremos, com vistas a não ferir a imparcialidade característica da função judicante.

1.7. Prescrição:

Fenômeno concebido como imperativo de ordem pública, a prescrição é fator imprescindível à harmonia das relações sociais, atuando como elemento impeditivo de uma situação de instabilidade generalizada.

Com seus efeitos, a prescrição faz com que a inércia e o decurso do prazo sirvam de punição ao detentor de um direito que, por negligência ou descaso, deixe de exercê-lo em tempo hábil.

Como é cediço, o emprego do instituto da prescrição é estendido aos mais diversos ramos do direito. No que concerne ao presente estudo, dois dispositivos legais merecem especial atenção: o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal e o artigo 23 da Lei n. 8.429/92.

Visando a proteção do patrimônio público, o artigo 37, § 5º, da Constituição [30] dispõe sobre o caráter imprescritível das ações a serem ajuizadas em face de qualquer agente, servidor ou não, objetivando o ressarcimento dos prejuízos causados ao erário. Como conseqüência, somente as demais sanções previstas no artigo 12 da LIA serão atingidas pela prescrição, restando excluído, assim, o ressarcimento do dano (material ou moral), o qual poderá ser perseguido a qualquer momento.

Em decorrência do dispositivo constitucional supra referido, torna-se inaplicável o artigo 23 da Lei de Improbidade às hipóteses de ressarcimento do dano. O dispositivo encontra-se assim redigido:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta Lei podem ser propostas:

I – até cinco anos após o término do exercício do mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

Como se pode constatar, a disciplina do lapso prescricional variará conforme o vínculo com o Poder Público seja, ou não, temporário. Tratando-se relação de caráter temporário, a prescrição somente iniciará seus efeitos a contar da dissolução do vínculo, ensejando assim a possibilidade de ampla apuração dos ilícitos praticados, pois, durante todo o período em que o agente permanecer vinculado à Administração a prescrição permanecerá estagnada.

Tratando-se de vínculo originado de mandato eletivo, nos casos em que o agente é reeleito, a prescrição somente começará a fluir a partir do término do exercício do último mandato, ainda que o ilícito tenha sido praticado no decorrer do mandato anterior [31].

Nos casos em que o vínculo não seja de caráter temporário, o lapso prescricional será idêntico àquele previsto em lei específica para os casos de demissão a bem do serviço público, conforme o artigo 23, II, da LIA. A lei específica referida no dispositivo será aquela que institui o regime jurídico da categoria a que pertença o agente ímprobo. Nada impede, porém, que haja previsão diversa em legislação esparsa.

Inexistindo na lei referência à demissão a bem do serviço público [32], deve ser aplicado o lapso prescricional relativo à demissão em geral.

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Sobre o autor
Cleiton Hillesheim

oficial de justiça na cidade de Xaxim/SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HILLESHEIM, Cleiton. Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 290, 23 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5120. Acesso em: 26 dez. 2024.

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