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A Constituição e os requisitos para a investidura do chefe do Ministério Público nos Estados

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Cumpre considerar o processo bifásico para a eleição e nomeação do Procurador-Geral de Justiça e as críticas que sobre ele se colocam, especialmente em face da inevitável participação do Chefe do Executivo.

Sumário: 1. Introdução. 2. Procedimento de escolha do chefe do Ministério Público. 3. Sistema de freios e contrapesos. 4. Forma de escolha da chefia do Ministério Público e independência funcional. 5. O papel do Chefe do Executivo. 6. Defesa da Constituição e devida composição da lista tríplice. 7. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O especial cuidado dedicado ao Ministério Público na atual Constituição Federal trouxe renovada configuração ao processo de escolha do chefe da instituição. Cumpre, neste breve texto, considerar o processo bifásico ora vigente para a eleição e nomeação do Procurador-Geral de Justiça e as críticas que sobre ele se colocam, especialmente em face da inevitável participação do Chefe do Executivo no modelo de investidura adotado pelo Constituinte.


2. PROCEDIMENTO DE ESCOLHA DO CHEFE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição Federal de 1988 disciplina, a partir do artigo 127, o procedimento de nomeação do Procurador-Geral para o Ministério Público conforme se trate do âmbito da União ou dos Estados, Distrito Federal e Territórios.

Tratando da nomeação do Procurador-Geral de Justiça, dispõe no artigo 128:

"§ 3º Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre os integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução."

Da normativa constitucional decorre a necessária elaboração de lista composta por nomes de três integrantes do Ministério Público a ser encaminhada ao Governador do Estado para que este escolha, nos limites da lista elaborada pela instituição, aquele a ser nomeado para o cargo de Procurador-Geral de Justiça.

O procedimento de elaboração da lista tríplice é, ademais, matéria disciplinada pela Lei n.º 8.625 de 1993 que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Nesta, observa-se que deverá ser realizada eleição com voto plurinominal de todos os integrantes da carreira, donde, os três mais votados comporão a lista. [1] Manifesta-se, portanto, um procedimento interno no âmbito do qual a própria instituição escolhe aqueles integrantes da carreira que haverão de disputar a preferência do Chefe do Executivo para o exercício da chefia.

Após a formação da lista tríplice, segue-se um segundo momento em que o Governador acolhe um nome, sendo sua liberdade de escolha circunscrita ao universo delimitado pelos três nomes residentes na lista encaminhada pelo Ministério Público. Há aí, portanto, um processo bifásico para a nomeação do Procurador-Geral de Justiça no qual o exercício da competência do Chefe do Executivo é precedido de processo eleitoral manifestado no seio da própria instituição ministerial. [2]

Como em outra oportunidade tive ocasião de manifestar, tem-se que, diante da nova Constituição,

"... a forma de investidura dos Procuradores Gerais (da União) ou de Justiça (nos Estados) representou significativo avanço. Antes da Constituição de 1988, os respectivos Procuradores Gerais (do MPU ou dos MPEs) constituíam cargos de provimento em comissão, razão pela qual podiam os Chefes do Poder Executivo (Federal ou Estaduais) livremente nomeá-los e demiti-los. A nova Constituição alterou radicalmente a sistemática. Por isso que, agora, o Procurador Geral da República (Chefe do Ministério Público da União) é nomeado, dentre os integrantes da carreira, pelo Presidente da República, após a aprovação de seu nome pela expressiva manifestação da maioria absoluta do Senado Federal (art. 128, parágrafo 1º, da C.F.). A nomeação implica o exercício de um mandato (rectius: exercício de cargo a prazo certo) de dois anos. Quanto aos Procuradores Gerais de Justiça (Chefes dos Ministérios Públicos locais), estes serão nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, dentre os integrantes de listas tríplices formadas pelos próprios Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, e composta unicamente por integrantes da carreira." [3]

Não se discute o fato de constituir uma indiscutível conquista o procedimento para a escolha daqueles que exercerão os cargos de chefia do Ministério Público previsto na atual Constituição. A previsão anterior redundava na angustiante subordinação da instituição ministerial aos direcionamentos de um Poder Executivo autoritário. A dissonância com os anseios democráticos que rondavam a Constituinte tornou indispensável uma nova estruturação do Parquet, que veio a ser formulada a partir de várias contribuições oferecidas pela comunidade jurídica.

Vale mencionar a realização do Congresso Pontes de Miranda em 1981 para formulação da "Proposta de Constituição Democrática para o Brasil". [4] Já aí aparecia a participação da instituição ministerial na escolha de sua chefia, conforme dispunha o artigo 234.1 da proposta:

"A chefia do Ministério Público será exercida pelo Procurador-Geral da Justiça, nomeado pelo Presidente e pelos Governadores dos Estados, entre os 3 membros mais votados em eleição de toda a classe, à qual só concorrerão aqueles com mais de 10 anos de carreira." [5]

Curiosamente, na mesma época em que se multiplicavam as críticas à forma de investidura e demissão dos Procuradores Gerais, manteve-se, em proposta advinda de um Congresso de "iniciativa pública e pioneira da sociedade civil pela modificação institucional do Ministério Público na futura reconstitucionalização do país" [6], a nomeação, embora limitada pela prévia manifestação dos membros da instituição ministerial, pelo Chefe do Poder Executivo. Isso revela que as críticas se direcionavam mais à precariedade do cargo ligada à discricionariedade do governante ocasional do que, propriamente, a uma participação de outro órgão constitucional no processo de investidura.

É nítida a diretiva constitucional no sentido de exigir estreita colaboração entre os poderes para a composição dos cargos de chefia de determinadas instituições, dentre elas, o Ministério Público. Neste caso, participa o Poder Legislativo com a produção das regras disciplinadoras do processo seletivo, a instituição ministerial com a eleição de três membros da carreira igualmente aptos a exercer a chefia, e o Poder Executivo através da decisão voltada à escolha de um entre os candidatos para a devida nomeação. Em alguns casos a participação do Poder Legislativo no processo emerge com maior destaque. É o caso das Constituições Estaduais que subordinam a nomeação à aprovação da Assembléia Legislativa, nos moldes do modelo adotado no plano federal.. [7] Em que pese tal procedimento, em princípio, não desafiar maiores críticas, vem o STF entendendo ser inconstitucional o agravamento do sistema bifásico previsto na norma originária [8] por inobservância da normativa paramétrica federal.

A configuração vigente do procedimento analisado, seja com a participação direta do Ministério Público, do Executivo e do Legislativo, seja contando somente com os dois primeiros, constitui, por certo, manifestação do sistema de freios e contrapesos decorrente da experiência brasileira do princípio da separação dos poderes. Neste sentido, ensina HUGO NIGRO MAZZILLI:

"... como sua investidura [do Procurador-Geral de Justiça] supõe um ato composto, o procedimento administrativo não dispensa o concurso de vontades, muito útil num sistema de freios e contrapesos, o que configura mecanismo muito mais seguro para a coletividade." [9]


3. SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS

O conteúdo do princípio da separação de poderes manifesta-se a partir de um dinâmico processo de interpretação indissociável do momento histórico que desafia sua concretização. Assim, na atual configuração, não só comporta como demanda certas interferências consideradas legítimas e necessárias.

Pode-se afirmar, com Carlos Roberto Siqueira Castro que:

"a despeito da leitura histórica original que radicalizava a tese separatista, que a convivência política e institucional entre os três Poderes terminou por acatar as práticas mais diversas de mútua colaboração e, especialmente, de recíproco controle entre os órgãos e agentes estatais, isso como exigência incontornável do regime democrático, que, de ordinário, não tolera o absolutismo ou a incontrastabilidade do exercício da autoridade. Nessa ordem de idéias, o sistema de freios e contrapesos ou de controles recíprocos, consoante cunhado pelo constitucionalismo norte-americano na Convenção de Filadélfia em 1787, traduz a pioneira adoção da fórmula de Montesquieu na primeira Constituição formal da era moderna, mas tornando-a permeável, sob o influxo do discurso de inspiração democrática contra o abuso de autoridade, a multiformes mecanismos de controles interórganos, pelos quais cada um dos Poderes do Estado desempenha variados tipos de papel de fiscalizador em face do exercício das competências exercitáveis por parte dos demais Poderes associados. A traduzir essa nova percepção colaboracionista e de interação entre os três poderes, a Constituição brasileira de 1988 não mais consente a ortodoxia separatista, a ponto de haver suprimido a tradicional vedação de indelegabilidade das funções próprias de cada Departamento especializado da soberania, cingindo-se a estatuir, no art. 2º, que ‘são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário’.

Ninguém discutirá que o princípio da separação de Poderes segue sendo entre nós, um postulado vetor de nossa organização política, eis que incluído no § 4º do art. 60 da Constituição dentre as matérias, importando tendência voltada à abolição, insuscetíveis de deliberação por emenda constitucional, designadas de cláusulas pétreas." [10]

Não é o caso, aqui, de aprofundar a idéia segundo a qual, na realidade, não se trata de separação de "poderes" mas sim de "funções" do Estado, muito menos a questão de ser ou não o Ministério Público integrante de um dos Poderes ou um outro distinto. Desde que se entenda ser possível a aplicação do sistema de freios e contrapesos a qualquer das atividades estatais manifestadas por órgãos constitucionais, sejam elas típicas ou não de um Poder, qualquer posicionamento que se adote neste particular permitirá, ainda que por analogia, aplicá-lo na investigação do presente tema. Aceite-se, além do mais que, se o Ministério Público não constitui Poder, ele se manifesta, também, como órgão constitucional dotado de status constitucional, condição singular que o autoriza a participar, com os Poderes e demais órgãos constitucionais, da dinâmica dos freios e contrapesos delineada na Constituição da República.

A administração da máquina estatal se realiza com a consagração da independência entre os poderes, mas também com a harmonia possível dentro de um sistema de controles recíprocos. Esta realidade requer renovadas medidas conducentes ao equilíbrio almejado, medidas essas nem sempre de fácil aceitação. Na doutrina já se afirmou:

"... o grande problema da prática dos regimes são as formas de efetivação da contenção dos poderes estatais entre si, de maneira a conseguir o equilíbrio do Poder. A tendência, na realidade, é de sobrepujança, de liderança de um poder sobre os demais. E a própria aplicação dos freios e contrapesos importa na ingerência de um poder na atividade dos outros, gerando uma colaboração, que é realmente, contrária à sua separação. Por sinal, na prática, é impossível essa separação no sentido de que cada poder trabalhe desvinculado dos demais, posto que, se isso fosse possível, quebrar-se-ia a unidade estatal.

São os poderes do Estado, com efeito, um sistema de vasos comunicantes, e quanto mais houver essa comunicação e essa ajuda mútua, de forma compreensiva e harmônica, melhormente [sic] funcionará o mecanismo estatal, com conseqüências positivas na vida da Nação." [11]

Excluídas as "intromissões" (verdadeiras invasões a campos competenciais reservados), as interferências de um poder sobre outro através de instrumentos constitucionalmente previstos consagra forma de controle que serve para equilibrar a distribuição e exercício de funções. Afirma ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ que

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"quando essa intervenção se debruça sobre a formação de outro Poder (composição do Supremo Tribunal Federal, por exemplo) ou de órgãos que se situam fora do âmbito estrito da atuação da Administração Pública [...], configura-se ela como instrumento próprio de controle político ou ínsito do sistema de freios e contrapesos, propício a conduzir ao equilíbrio e à harmonia entre os Poderes que participam do ato." [12]


4. FORMA DE ESCOLHA DA CHEFIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL

Não há motivo para argumentar com o prejuízo para a autonomia do Ministério Público em virtude da participação de órgão do Executivo na escolha do chefe da instituição local, uma vez que tal participação depende de prévia seleção interna corporis entre os membros da carreira, não maculando a independência funcional [13] que lhe é garantida. É preciso ter claro que o exercício do poder-dever de nomeação do Procurador-Geral pelo Chefe do Executivo não tem o condão de por si só transmudar os rumos de toda a instituição ministerial para que de "defensora da ordem jurídica" passe a "defensora dos interesses do Governador". Ainda que o oposto fosse verossímil, recaindo sobre o responsável pela chefia da instituição total convergência com os interesses políticos imediatos, suas ações precisariam ultrapassar a inexistência de hierarquia (salvo sob a ótica administrativa) entre os membros do parquet, que "exercem suas atribuições sempre de acordo com a consciência do justo que guardam." [14]

"Deve ser tomada em consideração que as garantias funcionais reconhecidas aos membros do Ministério Público, pela Constituição e pela lei, o foram exatamente para que pudessem servir aos interesses da Lei e não aos dos governos ou governantes. Entretanto, é evidente que, no tocante a medidas administrativas, devem os membros da Instituição acatar as decisões dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público, tais como a imposição de medidas disciplinares, a solução dos conflitos de atribuições e até mesmo as que optam pela revisão de uma promoção de arquivamento de inquérito, tanto civil como criminal, que, embora não se contenha na esfera administrativa da Instituição, é atribuição específica de sua Administração Superior. O que não se pode, contudo, admitir é a imposição a um membro do Ministério Público, no exercício de suas funções, por órgão da Administração Superior ou qualquer outra autoridade estatal, de um comportamento em relação à determinada matéria cuja solução dependa de sua convicção." [15]

Reputa-se a independência funcional como sendo um dos maiores trunfos dos membros do Ministério Público para o exercício de suas funções com imunidade de pressões políticas, porém, pouco se fala das limitações a este postulado. De fato, tal conquista foi positivada de modo inquestionável pelo Constituinte de 1988 para compor o sistema constitucional e não para sustentar uma interpretação isolada, eventualmente corporativa. Neste sentido, bem ensina HUGO NIGRO MAZZILI que:

"Se fosse absolutamente ilimitada a independência funcional, também seria ilimitada a possibilidade de abuso. Em si mesma a liberdade, um dos postulados básicos da democracia, sujeita-se também a limites previstos em lei. Não fosse assim, sob o manto da liberdade e da independência funcional, o Promotor ou o Juiz poderiam arbitrariamente negar cumprimento à própria Constituição Federal, que é o fundamento não só da ordem jurídica como até mesmo de suas investiduras; ou então poderiam sustentar, sem a menor razoabilidade, apenas fundados em abstrações ou especulações genéricas, qualquer quebra da ordem jurídica." [16]

Lembre-se ainda o seguinte:

"... o Chefe do Executivo (e, portanto, todos os seus subordinados) não pode atentar contra o ‘livre exercício do Ministério Público’, sob pena de incidir em crime de responsabilidade (art. 85, II). Tanto é assim que ele detém autonomia administrativa, autogoverno, e, portanto, não sujeito ao autogoverno do Executivo e à sua ‘direção superior’ prevista no art. 84, II.

Poder-se-ia dizer, neste passo, que a situação não é bem assim porque ao Chefe do Executivo cabe nomear o Procurador-Geral da República, na União, ou o Procurador-Geral de Justiça, nos Estados e no Distrito Federal. A objeção seria descabida, uma vez que a ele também cabe nomear os Ministros do Supremo Federal e dos Tribunais Superiores, sem que isso quebre a independência da função jurisdicional.

Ademais, se a ele cabe nomear, com aprovação do Senado federal, o Procurador-Geral da República, por outro lado, não pode exonerá-lo livremente antes do término do mandato de dois anos previsto no art. 128, § 1º, uma vez que só poderá fazê-lo previamente autorizado pelo Senado Federal (art. 128, § 3º), e nos Estados e Distrito Federal nem mesmo essa competência tem o Chefe do Executivo, pois o Procurador-Geral de Justiça só pode ser destituído, antes do término do mandato, ‘por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo’ (art. 128, § 4º).

Como se vê, a nomeação do Procurador-Geral pelo Executivo, ao lado da autorização para a sua destituição ou a própria destituição pelo Legislativo, nada mais representa daquilo já existente entre as funções independentes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo: a fórmula de ‘freios e contrapesos’, de todos conhecida." [17]

A investidura do Procurador-Geral de Justiça advinda de ato composto, ainda que sujeita a críticas dos que entendem haver aí ingerência política, presta-se também para prevenir eventual cegueira institucional muitas vezes decorrente de um olhar corporativo sobre o mundo, situação em que a lógica política interna corporis da instituição (democracia interna) poderia desencadear práticas em desacordo com a democracia externa que deve prevalecer. [18] A democracia republicana não é a democracia das corporações, como se sabe. O cargo de Procurador-Geral de Justiça importa para toda a república, para toda a coletividade federada, e não apenas para aqueles que exercem a função ministerial.

Vale, neste ponto, transcrever o alerta de RICARDO SAMPAIO:

"...os membros do Ministério Público não podem prescindir da obediência aos princípios constitucionais, legais e morais, sob pena de estragarem a instituição com o corporativismo e o fisiologismo, tão condenáveis em outras instituições brasileiras.

Os homens e mulheres de bem, que são a vasta maioria deste excepcional órgão em que se transformou o Ministério Público, e principalmente os que não incorporam quaisquer vantagens sem causa, têm o dever de atuar. Têm o dever de zelar pelo prestígio da instituição que não é sua, é do povo brasileiro." [19]

Não se pode ignorar que, enquanto seres humanos dotados de personalidade própria, pode haver (e certamente haverá) dentre os eleitos pela instituição ministerial, aqueles que comungam de certos posicionamentos políticos (no melhor sentido da expressão) adotados por este ou aquele governo. Talvez fosse crível forçar os candidatos a Procurador-Geral a se despirem de toda carga valorativa pessoal antes da participação no pleito; porém, um ensaio deste naipe não representaria mais do que esforço inútil, à semelhança daquele necessário para justificar o compromisso impossível com o requisito da neutralidade axiológica para o exercício da jurisdição.

Entretanto,

"O Ministério Público, num contexto democrático social atual, não pode mais ser concebido como simples órgão de colaboração do governo, com a finalidade de coadjuvá-lo enquanto organização política – como ocorria nos Estados fundados na hipertrofia inspiradora dos regimes fascistas da primeira metade do atual século -, ou mecanismo de defesa de seus interesses, mas se define cada vez mais como instrumento de tutela de direitos e interesses sociais e legítimas liberdades, para a realização dos ideais democráticos nos justos limites dos princípios consagrados nas modernas democracias sociais contemporâneas.

A eficiência da instituição na realização desses valores e os benefícios prestados ao cidadão na busca da realização de seus ideais em sociedade, como membro do corpo cívico da nação, constituem-se não só a finalidade precípua da instituição, enquanto mecanismo de defesa da sociedade, como ainda a sua razão de ser e condição de permanência no universo de órgãos públicos.

Ora, para atingir tais metas, uma instituição terá que dispor de quadros adequadamente preparados para o desempenho das funções que lhe forem confiadas." [20]

É pertinente transcrever importante manifestação de HUGO NIGRO MAZZILI:

"O sistema atualmente em vigor para escolha de chefe do Ministério Público contempla uma forma de democracia indireta porque a legitimação decorre da eleição democrática do titular da escolha (escolha do Procurador-Geral pelo Chefe do Executivo); ao mesmo tempo, na esfera estadual, assegura-se a participação da classe (corporação) na elaboração da lista tríplice, enquanto, na esfera federal, assegura-se a participação de uma assembléia de origem eletiva, que tem o direito de veto à escolha do Procurador-Geral da República. Assim, no sistema vigente, o eventual corporativismo é mitigado pela interferência externa na escolha; e, reciprocamente, ao menos no tocante à investidura dos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados, as eventuais influências externas em sua escolha podem ser mitigadas pela classe, que tem o poder de formar livremente a lista tríplice que limita o rol entre os quais o governador pode escolher seu preferido." [21]

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Sobre os autores
Clèmerson Merlin Clève

Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Professor Visitante dos Programas Máster Universitario en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e Doctorado en Ciencias Jurídicas y Políticas da Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha, Espanha. Pós-graduado em Direito Público pela Université Catholique de Louvain – Bélgica. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Líder do NINC – Núcleo de Investigações Constitucionais em Teorias da Justiça, Democracia e Intervenção da UFPR. Autor de diversas obras, entre as quais se destacam: Doutrinas Essenciais - Direito Constitucional, Vols. VII - XI, RT (2015); Doutrina, Processos e Procedimentos: Direito Constitucional, RT (Coord., 2015); Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional, RT (Co-coord., 2014) - Finalista do Prêmio Jabuti 2015; Direito Constitucional Brasileiro, RT (Coord., 3 volumes, 2014); Temas de Direito Constitucional, Fórum (2.ed., 2014); Fidelidade partidária, Juruá (2012); Para uma dogmática constitucional emancipatória, Fórum (2012); Atividade legislativa do poder executivo, RT (3. ed. 2011); Doutrinas essenciais – Direito Constitucional, RT (2011, com Luís Roberto Barroso, Coords.); O direito e os direitos, Fórum (3. ed. 2011); Medidas provisórias, RT (3. ed. 2010); A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT (2. ed. 2000). Foi Procurador do Estado do Paraná e Procurador da República. Advogado e Consultor na área de Direito Público.

Alessandra Ferreira Martins

advogada, pesquisadora do escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados, Mestranda em Direito do Estado pela UFPR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLÈVE, Clèmerson Merlin ; MARTINS, Alessandra Ferreira. A Constituição e os requisitos para a investidura do chefe do Ministério Público nos Estados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 454, 4 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5762. Acesso em: 16 abr. 2024.

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