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O difícil caminho da democracia:

crítica da legislação eleitoral e partidária do Pós-85

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01/01/2005 às 00:00
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DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO16

As planilhas do TSE16, referentes à distribuição dos recursos do Fundo Partidário dão a exata dimensão que o assunto encerra: somente em 1999, por exemplo, o Tesouro Nacional, via do TSE, destinou mais de 51 milhões de reais ao funcionamento dos partidos políticos. Não se questiona seja aplicado dinheiro público em prol do funcionamento da democracia, mas sim a péssima distribuição que lhe é dada, privilegiando alguns poucos, em detrimento da grande maioria dos partidos.

Visualizada a gritante injustiça do rateio, em que a um único partido são destinados até 20% do total, é de perguntar-se como, de 1995 para 1996, operou-se tanto a milagrosa multiplicação de recursos como a concentração de somas milionárias nos cofres de alguns poucos partidos? Como o PMDB, que recebeu em 1995 a quantia de R$ 490 mil, deu espetacular salto, para receber no ano seguinte a incrível soma de R$ 10,5 milhões? Simples. Bastou às grandes bancadas aprovarem uma lei no Congresso, a atual lei partidária. Ali se inscreveu que a União fará, a cada ano, dotação orçamentária correspondente a R$ 0,35 por eleitor.17 E assim, com o advento da Lei 9.096/95, sepultou-se o que restava do entulho autoritário, a Lei Orgânica dos Partidos, que sobreviveu por precisos dez anos após o fim da ditadura. Inegável que a atual lei representou avanços consideráveis em relação ao ordenamento legal anterior. Mas é indubitável, igualmente, que a mesma encerra contradições gravíssimas, eivada que está de disposições de caráter antidemocrático, que lançam nódoas na presente experiência de democracia liberal burguesa.

Em breve resumo, a distribuição dos recursos do Fundo Partidário é feita pela seguinte regra: do total, 1% é dividido entre todos os partidos que tenham estatuto registrado no TSE; 29% são divididos entre os partidos que obtiveram mais de 1% da votação nacional; e 71% são divididos apenas entre os partidos que obtiveram no mínimo 5% da votação nacional. Essas são as disposições do art. 41, incisos I e II , da LPP. Há que se ressaltar que apenas parcela ínfima, correspondente a 1% do Fundo Partidário é dividida por igual entre todos os partidos. As outras duas parcelas são destinadas a cada um na proporção dos votos obtidos pelos partidos na eleição imediatamente anterior para a Câmara dos Deputados. Além do mais, apenas os sete partidos que ultrapassaram a barreira dos 5% (PFL, PSDB, PMDB, PPB, PT, PTB E PDT) participam do rateio em todas as faixas, o que faz avultar a desigualdade.

Não há como negar: a atual Lei dos Partidos não prima pelo respeito aos princípios da igualdade e da democracia. Como se vê na tabela apresentada, no exercício de 1999, os sete maiores partidos abocanharam 97,19% do total de recursos do Fundo Partidário. No entanto, no pleito de 1998 elegeram, juntos, apenas 90,05% dos deputados federais, o que comprova a tese de que os chamados grandes partidos dão a si próprios direitos maiores que o resultado eleitoral que auferem.

É de se refletir: afinal, quem são os pilares da democracia? Os partidos políticos, que devem ser permanentes, ou as suas representações parlamentares, que são transitórias? E pior: isso ainda não é tudo. Há mais maldades no texto da lei, mais e mais regras discriminatórias, sempre ancoradas nas magnitudes das bancadas parlamentares, como se prossegue a analisar.


DISTRIBUIÇÃO DO HORÁRIO GRATUITO

Com disciplinamento dado pelos artigos 45 a 49 da LPP, e ainda por Resoluções do TSE18, temos que os sete partidos que se enquadram no art. 13, ou seja, ultrapassaram a barreira de 5% dos votos para a Câmara dos Deputados, dispõem de 20 minutos por semestre para transmissão em cadeia nacional, e de igual tempo para a cadeia estadual. Têm direito ainda a 40 minutos por semestre para inserções nas redes nacionais de rádio e tv, e mais 40 minutos para inserções nas emissoras estaduais (art. 49, incisos I e II), sempre para a divulgação de plataforma programática, sendo nele vedada qualquer propaganda de cunho eleitoral. A propaganda eleitoral gratuita dispõe de espaço específico nos meios de radiodifusão, e é disciplinada, também de forma arbitrária, pela lei eleitoral.

Já os partidos tratados pela lei como de "segunda categoria", aqueles que se encaixam na norma provisória do art. 57, que ultrapassaram apenas a "barreirinha" de 1%, só podem utilizar 10 minutos por semestre para a cadeia nacional e 20 minutos para as inserções nas redes nacionais. Para esses, não há cadeias estaduais. As inserções nas emissoras estaduais, de 20 minutos por semestre, somente são autorizadas para os partidos que elegerem pelo menos um Deputado Estadual e obtiverem no mínimo 1% dos votos do Estado para a Assembléia Legislativa.

Existem ainda os partidos tratados pela LPP como de "terceira categoria": são aqueles que não conseguiram nem mesmo atingir 1% dos votos para a Câmara dos Deputados. Para esses, o art. 48 da lei supra reservou apenas uma cadeia nacional de 2 minutos de duração, para a divulgação da plataforma programática.

O quadro abaixo, relacionando todos os partidos com registro no TSE em 1998, resume a desigualdade:

PARTIDO

DEPUTADOS FEDERAIS ELEITOS (1998)

% VOTAÇÃO NACIONAL (1998)

TEMPO P/ CADEIA NACIONAL TV e RADIO (MIN/ SEMESTRE.)

TEMPO P/ CADEIA ESTADUAL TV e RÁDIO (MIN/ SEMESTRE.)

TEMPO P/ INSERÇÕES NACIONAIS TV e RÁDIO (MIN/ SEMESTRE)

 

TEMPO P/INSERÇÕES ESTADUAIS TV e RÁDIO (MIN./ SEMESTRE)

1. Partido da Frente Liberal – PFL

105

18,59%

20

20

40

40

2. Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB

99

18,85%

20

20

40

40

3. Partido do Movimento Democrático Brasileiro- PMDB

83

16,30%

20

20

40

40

4. Partido Progressista Brasileiro – PPB

60

12,19%

20

20

40

40

5. Partido dos Trabalhadores - PT

59

14,18%

20

20

40

40

6. Partido Trabalhista Brasileiro – PTB

31

6,08%

20

20

40

40

7. Partido Democrático Trabalhista – PDT

25

6,09%

20

20

40

40

8. Partido Socialista Brasileiro – PSB

18

3,67%

10

20

20*

9. Partido Liberal – PL

12

2,65%

10

20

20*

10. Partido Comunista do Brasil – PCdo B

7

1,40%

10

20

20*

11. Partido Popular Socialista - PPS***

3

 

2

     

12. Partido Social Democrático – PSD

3

 

2

     

13. Partido da Mobilização Nacional – PMN

2

 

2

     

14. Partido Social Cristão – PSC

2

 

2

     

15. Partido Verde – PV

1

 

2

     

16. Partido Social Liberal – PSL

1

 

2

     

17. Partido da Reedificação da Ordem Nacional – PRONA

1

 

2

     

18. Partido Social Trabalhista - PST

   

2

     

19. Partido Republicano Progressista – PRP

   

2

     

20. Partido da Reconstrução Nacional – PRN

           

21. Partido Trabalhista do Brasil – PT do B

   

2

     

22. Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados – PSTU

   

2

     

23. Partido Comunista Brasileiro – PCB

   

2

     

24. Partido Renovador Trabalhista Brasileiro - PRTB

   

2

     

25. Partido da Solidadariedade Nacional – PSN

   

2

     

26. Partido Social Democrata Cristão – PSDC

   

2

     

27. Partido da Causa Operária – PCO

   

2

     

28. Partido Trabalhista Nacional – PTN

   

2

     

29. Partido dos Aposentados da Nação – PAN

   

2

     

30. Partido Geral dos Trabalhadores - PGT **

   

2

     
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* somente para os que elegeram pelo menos um Deputado Estadual e obtiveram no mínimo 1% dos votos do Estado para a Assembléia Legislativa.
** à época, com registro definitivo "ad referedum".
*** de 11 a 30, partidos que não atingiram a votação mínima de 1%.

Não se poderia deixar de registrar nessas linhas que é bem verdade que existem aqueles partidos ditos de aluguel, que funcionam como meros apêndices de outros; que são agremiações criadas por espertalhões que os reduzem a verdadeiro balcão de negócios, mormente por ocasião dos pleitos. Mas tal fato, em hipótese alguma, pode justificar as agudas distinções contidas na lei. Aliás, que espertezas poderão ser maiores que as concessões de rádio e tv que viabilizaram os votos necessários à prorrogação do mandato de Sarney em 1988 ? Ou a desbragada compra de votos denunciada em fita gravada por deputados acreanos, quando da votação da Emenda Constitucional nº 16, de 04/06/1997, que permitiu fosse reeleito o Presidente Fernando Henrique Cardoso?

Definitivamente, o discrímem, a restrição antidemocrática não é o caminho. Há medidas outras, que adiante se vão apresentar, de natureza democrática, que podem e devem ser tomadas para impedir o oportunismo e o mercantilismo partidário. Ademais, é evidentemente excessiva a preocupação manifestada pelas elites políticas, imediatamente a partir de 1985, de se controlar o número de partidos no Brasil. Observe-se que na Espanha, durante a abertura controlada do primeiro ministro Adolfo Soares, após a morte de Franco, quando não havia propriamente um modelo liberal, existiram nada menos que 160 partidos19. Enquanto isso, no Brasil, que possui um universo de mais de 100 milhões de eleitores, somam 30 os partidos com registro definitivo no TSE.20

A permanecer inalterada a legislação vigente, resta concluir que, a partir da proclamação dos resultados da eleição de 2.006, com o fim da regra de transição, os partidos que não alcançarem o percentual mínimo de 5% da votação nacional, sofrerão rebaixamento para aquela faixa que aqui denominamos de "terceira categoria". Vale dizer: só participarão do rateio de 1% do Fundo Partidário e terão apenas 2 minutos em cadeia nacional por semestre. A partir daí é que se terá que dar conteúdo preciso ao dispositivo inserto no artigo 13 da LPP, que afirma só ter direito ao funcionamento parlamentar os partidos que atingirem a votação mínima de 5% dos votos para a Câmara dos Deputados.

Note-se ainda que esse horário gratuito destina-se à difusão do programa do partido e de sua execução, das atividades congressuais, ou à divulgação do posicionamento partidário frente a temas político-comunitários21. Consagra a lei, dessa forma, uma premissa falsa: a de que alguns partidos têm mais a dizer que outros.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Orro de Freitas

advogado, servidor público em Goiânia (GO), delegado Nacional do PCdoB junto ao TSE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Luiz Carlos Orro. O difícil caminho da democracia:: crítica da legislação eleitoral e partidária do Pós-85. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 543, 1 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6142. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho acadêmico apresentado para obtenção do título de especialista em Políticas Públicas pela UFG (Departamento de Ciências Sociais), em agosto de 2000.

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