INTRODUÇÃO
Em um novo ambiente de trabalho, forjado pela globalização e a modernização, indústrias e empresas vêm cada vez mais forçando o seu ritmo de trabalho na luta pelo lucro. A organização do trabalho com a sua estruturação hierárquica, divisão de tarefas, jornadas de trabalho em turnos, ritmos, intensidade, monotonia, repetitividade e responsabilidade excessiva são fatores que contribuem para desencadear uma série de distúrbios ao trabalhador, sejam elas físicas ou psíquicas.
Atualmente, as altas taxas de desemprego que assolam praticamente a maioria dos países do globo refletem a instabilidade econômica atual. A competição da sociedade capitalista em que vivemos torna as pessoas cada dia mais inseguras quanto à instabilidade no emprego. Em consonância a isso, a busca desenfreada pelo poder influencia o âmago de algumas pessoas e as fazem tornar o ambiente de trabalho um lugar de conflitos sem escrúpulos. As diferenças, sejam elas sociais, étnicas, psicológicas, políticas tornam o ambiente de trabalho lugar de discriminação e marginalização.
Para piorar, o contexto econômico atual propicia a busca desenfreada pelo lucro sem precedentes na história: leis de mercado que geram competitividade exacerbada, a busca incessante do aperfeiçoamento profissional, a disciplina interna voltada para conseguir o máximo de produtividade com o mínimo de dispêndio. Tudo isso tem contribuído para gerar um certo distanciamento entre as pessoas dentro da empresa, um grau tamanho de impessoalidade com a conseqüente adoção de procedimentos moralmente reprováveis.
E ainda, como assevera Sebastião Geraldo de Oliveira, "no ambiente do trabalho, mais especificamente, no posto de trabalho, ocorre a confluência de diversos riscos e agressões que afetam a saúde e a integridade física do trabalhador." 1 Ou por melhor dizer, o ambiente do trabalho em nada progride para atender as expectativas do trabalhador. A máxima individualização do trabalho olvidando-se do indivíduo como pessoa, vendo o outro como objeto ou coisa de serventia permite refletirmos sobre um novo ideal de sociedade. Para tanto, faz-se necessário o estudo dos aspectos que permeiam o assédio moral no ambiente de trabalho, visto ser tal conduta depreciativa do caráter humano é mais grave, por vezes, que a própria lesão física, pois o espírito tem mais valia que o corpo. A autora francesa psiquiatra, psicanalista, e psicoterapeuta de família, formada em vitimologia Marie-France Hirigoyen comenta:
Ao longo da vida há encontros estimulantes, que nos incitam a dar o melhor de nós mesmos, mas há igualmente encontros que nos minam e podem terminar nos aniquilando. Um indivíduo pode conseguir destruir outro por um processo de contínuo e atormentante assédio moral. Pode mesmo acontecer que o ardor furioso desta luta acabe em verdadeiro assassinato psíquico. Todos nós já fomos testemunhas de ataques perversos em um nível ou outro, seja entre um casal, dentro das famílias, dentro das empresas, ou mesmo na vida política e social. No entanto, nossa sociedade mostra-se cega diante dessa forma de violência indireta. A pretexto de tolerância, tornamo-nos complacentes. 2
Em se tratando de assédio moral, conduta imoral imposta por um sujeito a outro sujeito influenciado por diversos fatores os quais serão analisados, notamos que há um hiato perante a sociedade em definir e explicar determinada conduta, bem como que conseqüências traz ao trabalhador que sofre com tal agressão. Assim, procuramos desvendar quais as conseqüências ao trabalhador assediado e seus aspectos, sejam eles relevantes ao mundo jurídico ou ao mundo organizacional.
A relevância de tal estudo reside na constatação de que só nas últimas décadas é que o assédio moral veio a ser identificado como um fenômeno capaz de atormentar e depreciar as relações humanas no ambiente de trabalho. O sociólogo italiano Domenico De Masi assim comenta sobre as condições de trabalho nas empresas:
[...] em muitas empresas reina um clima de indiferença ou suspeita recíprocas, quando não de medo. Mas, mesmo quando as direções se esforçam para criar uma atmosfera colaborativa, quase sempre o convívio tem um ar artificial, forçado, as festas de trabalho e as reuniões são sempre um pouco tristes e patéticas. As panelinhas, as alianças, o bando de puxa-sacos são sempre grupos minados pela desconfiança, pela transitoriedade e pelo carreirismo. Muitas passam a vida inteira como unha e carne com os chefes e colegas de trabalho, sem abdicar do tratamento formal só por uma questão de compostura, exigida pela hierarquia e pelo clima de impessoalidade impostos pela empresa. E não são raros os casos quando alguém se torna alvo de perseguições, bodes-expiatórios, objeto de mobbing. 3
Atualmente a incidência de danos ao trabalhador, cada vez mais volumosa, tem sido motivo de reflexão perante a sociedade. Não basta o montante de leis, decretos e demais remédios legislativos para se afastar tamanho mal que acomete diariamente trabalhadores de nosso país. O assédio moral, também conhecido como mobbing ou terror psicológico, é uma das espécies de dano pessoal advinda de um sujeito perverso e tem implicações no que concerne à responsabilidade das organizações e dos trabalhadores para com os direitos fundamentais do trabalhador.
O avanço desenfreado da atividade industrial e as constantes violações dos direitos fundamentais do trabalhador em face do emprego de técnicas e procedimentos anti-éticos que importam risco à saúde do trabalhador bem como ao ambiente do trabalho são os focos do tema abordado. O novo Código Civil e a nova abordagem que deu à responsabilização civil, aos direitos fundamentais já imersos na Carta Magna, à infra legislação brasileira e estrangeira, a posição jurisprudencial dos Tribunais brasileiros e estrangeiros são algumas fontes que entram em consonância com o presente estudo para proteger e repelir as atuações danosas destes sujeitos perversos face os direitos do trabalhador.
Em compasso a isso, o Direito do Trabalho atual mostra que o simples trabalho com a garantia de retribuição ao empregado é incapaz de preservar a dignidade nas relações de trabalho. Como disse acertadamente Irany Ferrari:
O trabalho há de ser analisado tendo em vista o homem, em razão de sua capacidade criadora, já que definido, com acerto, como o ‘animal que produz’. A par de ser, para o homem, uma necessidade vital, é também, e aí sua importância maior, o seu libertador, tanto individual como socialmente. 4
Assim, cabe-nos questionar: como é possível reconhecer, prevenir e combater a incidência do assédio moral no ambiente do trabalho para se melhorar a qualidade de vida e o conseqüente aumento na produtividade no ambiente das organizações?
O reconhecimento do assédio moral faz-se a partir da análise da vítima no ambiente da organização. É importante frisar que o assédio moral é sempre uma conduta imoral, repetida e freqüente que um sujeito perverso aplica à pessoa a quem ele quer vitimar. À luz dos direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal, há como atacar o assédio moral por força de seus princípios. Sendo um direito do trabalhador o princípio à saúde e à dignidade, devemos ampliar essa conotação para confortar aí os que sofrem por esse dano.
Conjunto a isso, um remédio legislativo específico para tais casos seria bastante capaz, senão para liquidar, mas para frear a incidência do dano. Haja vista já existir cidades que aprovaram leis específicas nesse sentido. Vejamos ainda no Estado Democrático de Direito imposto pela Constituição e suas garantias fundamentais alicerce para socorrer os que sofrem por tal fenômeno.
Corroborando, não seria demais apresentar aqui, como já vem sendo feito em países da Europa, a iniciativa de algumas empresas imprimirem um código de ética para seus trabalhadores, visto estar a matéria na esfera do contrato de trabalho. Uma conduta ética para os trabalhadores faz com que haja cooperação e o conseqüente aumento na produtividade de cada meta.
Em derradeiro, os sindicatos passariam a ter papel fundamental na assistência às vítimas, por ser este ainda aliado na luta do trabalhador. Junto a este, a Comissão de Prevenção de Acidentes das organizações exercerem influência no sentido de se prevenir e informar o trabalhador quanto aos métodos maléficos utilizados para se agredir moralmente os trabalhadores.
Por tudo isso, fica que ainda é a Carta Magna e seus Direitos Fundamentais, fonte maior do direito e a sua conseqüente aplicação tornar-se-á abrigo para se acolher os que sofrem por tais agressões. Sendo assim, acredita-se que a evolução das relações laborais, e por que não dizer da humanidade, tende a caminhar para uma redução das desigualdades e para a busca de soluções concretas para os conflitos gerados. Isso, para alcançarmos não só uma revolução de ordem econômica, política ou social, mas também uma revolução de ordem espiritual.
1. NOÇÕES GERAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DO TRABALHO
1.1 Panorama Histórico
O assédio moral nos últimos anos vem revelando-se um fenômeno social, cuja importância no meio acadêmico e no meio profissional, toma proporções jamais vista antes. Casos divulgados pela mídia no âmbito das organizações, debates entre profissionais da área médica e jurídica, a criação de associações, seminários para a discussão do tema, e enfim, projetos de lei sendo encaminhados por municípios, são apenas alguns exemplos do porque o assédio moral está na pauta das discussões atuais.
O termo mobbing, segundo a autora francesa Marie-France Hirigoyen:
[...] foi presumivelmente utilizado pela primeira vez pelo etnólogo Konrad Lorenz, a propósito do comportamento agressivo de animais que querem expulsar um animal intruso, e reproduzido nos anos 60 pelo médico sueco, Peter Heinemann, para descrever o comportamento hostil de determinadas crianças em relação a outras, dentro das escolas." Em 1972, ele publicou o primeiro livro sobre mobbing, o qual trata da violência de um grupo de crianças. 5
Segundo o dicionário, o termo mobbing vem do verbo inglês to mob, cuja tradução é maltratar, atacar, perseguir, sitiar. As primeiras pesquisas sobre o assédio moral no trabalho iniciaram no campo da Medicina e da Psicologia do Trabalho. Segundo a autora Márcia Novaes Guedes, ao relatar os estudos do mobbing:
[...] foi no começo de 1984 Heinz Leymann publica, num pequeno ensaio científico contendo uma longa pesquisa feita pelo National Board of Occupational Safety and Health in Stokolm, no qual demonstra as conseqüências do mobbing, sobretudo na esfera neuropsíquica, sobre a pessoa que é exposta a um comportamento humilhante no trabalho durante certo lapso de tempo, seja por parte dos superiores, seja por parte dos colegas. 6
Os estudos de Leymann se desenvolveram, sobretudo na Suécia, para onde se transferira em meados dos anos cinqüenta, e verificou que em um ano 3,5% dos trabalhadores, de uma população economicamente ativa de 4,4 milhões de pessoas, sofreram perseguição moral por um período superior a 15 meses. Leymann estabeleceu que, para caracterizar a ação como de mobbing, era necessário que as humilhações se repetissem pelo menos uma vez na semana e tivessem a duração mínima de seis meses.
Após a difusão de seu estudo em 1995, Leymann acabou por difundir o resultado de suas pesquisas por toda Europa. Após isso, a Alemanha adotou medidas de atendimento médico específico para amenizar o sofrimento das vítimas, e introduziu aspectos que envolvem o assédio moral em disciplina de estudo universitário, como parte da cadeira de Psicologia do Trabalho. Na França, a vitimologia passou a ser especialidade na área médica e consiste em analisar as razões que levam um indivíduo a tornar-se vítima, os processos de vitimação, as conseqüências a que induzem e os direitos que podem pretender.
Foi a partir da divulgação dos estudos de Leymann que apareceram as primeiras estatísticas sobre a violência psicológica na Europa. Pesquisa demonstrada em 1998 mostrou que 8,1% dos trabalhadores europeus empregados sofrem violência psicológica de vários tipos no ambiente do trabalho.
Dentre os países pesquisados, destaca-se a Grã-Bretanha em primeiro lugar, com 16,3% dos trabalhadores violentados. Em segundo, a Suécia com 10,2%. A França com 9,9% e a Alemanha com 7,3%. A Itália contou com 4,2%; todavia os estudiosos afirmam que estes números não retratam a realidade, visto que o fenômeno poderia estar mascarado em face de aspectos culturais. 7 Os dados revelam que a Europa possui 12 milhões de indivíduos que sofrem de assédio moral.
1.2 Assédio Moral e Mobbing
O assédio moral, uma espécie de dano à pessoa, está presente em todo o mundo, e por essa razão seu conceito e características variam de acordo com a cultura e o contexto de cada país. O fenômeno é conhecido na Itália, Alemanha e países escandinavos como mobbing; na Inglaterra e Estados Unidos como bullying; no Japão como ijime, nos países de língua espanhola como acoso moral ou acoso psicológico; e simplesmente assédio moral aqui no Brasil.
Cada terminologia possui implicitamente diferenças culturais e organizacionais advindas dos países, assim, procura-se analisar os mais utilizados. O mobbing , segundo Marie-France Hirigoyen citando Heinz Leymann, consiste em "manobras freqüentes e repetidas no local de trabalho, visando sistematicamente a mesma pessoa e provém de um conflito que degenera, sendo uma forma particularmente grave de estresse psicossocial". 8 O bullying é mais amplo que o termo mobbing, segundo a mesma autora:
O termo bullying nos parece de acepção mais ampla do que o termo mobbing. Vai de chacotas e isolamento até condutas abusivas com conotações sexuais ou agressões físicas. Refere-se mais às ofensas individuais do que à violência organizacional. Em estudo comparativo entre mobbing e o bullying, Dieter Zapf considera que o bullying é originário majoritariamente de superiores hierárquicos, enquanto o mobbing é muito mais um fenômeno de grupo. 9
Para sintetizar, os termos mobbing e bulling não tem o mesmo significado entre si, pois possuem características e acepções antagônicas. A diferença proposta pela autora é bastante esclarecedora nesse sentido:
o termo mobbing relaciona-se mais a perseguições coletivas ou à violência ligada à organização, incluindo desvios que podem acabar em violência física;
o termo bullying é mais amplo que o termo mobbing [...];
o assédio moral diz respeito a agressões mais sutis e, portanto, mais difíceis de caracterizar e provar, qualquer que seja sua procedência. 10
No decorrer do presente trabalho utilizar-se-á tanto o termo assédio moral como o termo mobbing, em virtude de ambos os fenômenos estarem diretamente ligados à violência moral dentro das organizações empresariais.
1.3 Definições
Antes de se discutir o que é assédio moral deve-se buscar entender como se originou tal nomenclatura, pois segundo a autora francesa:
[...] a expressão, ao passar à linguagem corrente, terminou por englobar outros problemas que talvez não decorram, no sentido clínico do termo, do assédio moral, mas que expressam um mal-estar mais geral das empresas, que é importante analisar. 11
Em outra análise sobre a dúvida do termo, a mesma autora conclui:
Desde que o termo assédio passou para a linguagem corrente, tem sido freqüentemente utilizado de forma abusiva e, algumas vezes mesmo, de forma perversa, ou seja, deturpado do seu sentido original. Parece-nos absolutamente essencial estarmos atentos a esses deploráveis desvios. 12
Assim, assediar, segundo o dicionário Aurélio, é "perseguir com insistência, importunar, molestar, com perguntas ou pretensões insistentes". Ou seja, assediar é um ato que só adquire significado pela insistência.
Por vezes, fala-se em assédio quando o trabalhador é pressionado pelo tempo a realizar alguma tarefa ou meta, associando-se tal termo conjunto com o estresse. Neste caso não se configura assédio por não haver uma característica fundamental: a freqüência do ato.
O segundo termo - moral - diz respeito ao conjunto de costumes e opiniões que um indivíduo ou um grupo de indivíduos possuem relativamente ao comportamento humano ou o conjunto de regras de comportamento consideradas como universalmente válidas. A escolha do termo moral implica a tomada de decisão de que aquele assédio é repugnado em nossa sociedade, e de que é a finalidade do assédio atentar contra o mal.
Para Leymann, citado por Guedes "a base do assédio moral no local de trabalho é uma situação conflitiva mal resolvida". 13 Ou seja, o assédio moral inicia com um mal entendido das partes, que como uma "bola de neve" se transforma em um conflito. Até o momento, os estudiosos do tema não chegaram a uma exata definição do tema, pois esse fenômeno pode der abordado sob diversos ângulos (medicina, sociologia, jurídico...), porém toma-se emprestado o conceito de Marie-France Hirigoyen:
O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva [gesto, palavra, comportamento, atitude...] que atente, por sua repetição, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. 14
Em tal fenômeno, constata-se que a violência isolada não é verdadeiramente grave, o efeito destrutivo está nos microtraumatismos freqüentes, repetidos e incessantes sob a vítima em um certo lapso de tempo. O deputado Georges Hage, defensor da proposta de lei da bancada comunista francesa, enviada à Assembléia Nacional em 14 de dezembro de 1999, baseou-se na intencionalidade da ação para conceituar o assédio moral e o citou como "qualquer degradação deliberada das condições de trabalho". 15
Com efeito, identifica-se por qualquer ato que viole a dignidade do trabalhador, atitudes humilhantes que vão desde o isolamento, passa pela desqualificação profissional e acaba no terrorismo visando a destruição psicológica da vítima. As razões de natureza pessoal podem ser a inveja que um colega desperta em outro, ou o modo como um chefe esconde sua limitação intelectual ou profissional, ou aquela em que a empresa desencadeia e acredita nesse tipo de perversão como modo de aumentar a produtividade, ou mesmo para se livrar de empregados incômodos. A Associação contra o Estresse Psicossocial e contra o mobbing, fundada na Alemanha em 1993, define-o como sendo:
Comunicação conflitual no local de trabalho entre colegas ou entre superior e subordinados, na qual a pessoa atacada é colocada numa posição de debilidade e agredida direta ou indiretamente por uma ou mais pessoas de modo sistemático, freqüentemente por largo tempo, com o objetivo e/ou conseqüência da sua demissão do mundo do trabalho. 16
Segundo a visão jurídica de Márcia Novaes Guedes, autora e estudiosa do assunto, Juíza do Trabalho Substituta da 5ª Região, assim conceitua assédio moral:
Mobbing significa todos aqueles atos e comportamentos provindos do patrão, gerente ou superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e extensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas e morais da vítima. 17
Do conceito acima, nota-se que os termos já são empregados de forma a identificar os sujeitos e buscar uma aproximação jurídica com o fenômeno. Segundo Maria Barreto em dissertação de Mestrado em Psicologia Social na PUC de São Paulo em 2002, assim determinou:
É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego. 18
Dos conceitos citados, depreende-se que o assédio moral no ambiente do trabalho é uma violência contínua, que também mais tarde veremos que pode ser pontual, de um sujeito perverso direcionado a uma pessoa-vítima, qual seja colega, chefe ou subordinado, que tem como finalidade atacá-la e anulá-la moralmente, provocando a sua instabilidade física, emocional e moral, com conseqüências que escapam a esfera profissional.
1.4 Caracterização
A caracterização do assédio moral no trabalho faz-se necessária em virtude da dificuldade dos estudiosos do tema em identificar o que seja realmente tal fenômeno. Segundo a vitimóloga Marie:
o assédio moral não se confunde com estresse, conflito profissional, excesso de trabalho, exigências no cumprimento de metas, falta de segurança, trabalho em situação de risco ou ergonomicamente desfavorável. Tudo isso não é assédio moral. 19
Alguns exemplos do que seja o assédio moral no ambiente do trabalho são, segundo a mesma autora a recusa da comunicação direta, a desqualificação, o descrédito, o isolamento, a obrigatoriedade ao ócio, o vexame, o induzir ao erro, a mentira, o desprezo, o abuso de poder, a rivalidade, a omissão da empresa em resolver o problema, ou a ação da empresa em estimular métodos perversos. 20 Estes exemplos não têm correlação com qualquer um dos problemas apontados anteriormente, pois aqui, tratam-se de problemas que ferem o âmago da pessoa, a sua dignidade, e que pode gerar a perda da confiança que se tinha depositado na empresa, na hierarquia ou nos colegas.
A autora Márcia Novaes Guedes chega a comparar o assédio moral com o nazismo:
O mobbing visa dominar e destruir psicologicamente a vítima, afastando-a do mundo do trabalho. Nesse sentido é um projeto individual de destruição microscópica, mas que guarda profunda semelhança com o genocídio. Quando um sujeito perverso está decidido a destruir a vítima, retira-lhe o direito de conviver com os demais colegas. A vítima é afastada do local onde normalmente desempenhava suas funções, colocada para trabalha em local em condição inferior e obrigada a desempenhar tarefas sem importância, incompatíveis com sua qualificação técnica profissional, ou é condenada ã mais humilhante ociosidade. À semelhança do nazismo, o mobbing ataca a espontaneidade. 21
O sujeito perverso emprega inúmeras formas de atacar a vítima, quais sejam hostilidades, dar de ombros, olhar de desprezo, recusa da comunicação, recusa de uma explicação sobre aquele comportamento, críticas à performance profissional, ataque à vida privada, insinuações, constrangimentos, calúnias, mentiras, fofocas, isolamento da vítima do convívio com colegas, tudo para ver a vítima imobilizada, corrompida moralmente no seu próprio ambiente do trabalho. 22
Segundo Maria Barreto, a caracterização do assédio moral se dá pela seguinte forma:
Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ´pacto da tolerância e do silêncio´ no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ´perdendo´ sua auto-estima. 23
Abaixo está uma lista de atitudes hostis empregada pelos assediadores:
1. Deterioração proposital das condições de trabalho.
Retirar da vítima autonomia.
Não lhe transmitir mais as informações úteis para a realização de tarefas.
Contestar sistematicamente todas as suas decisões.
Criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada.
Privá-la do acesso aos instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador...
Retirar o trabalho que normalmente lhe compete.
Dar-lhe permanentemente novas tarefas.
Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas inferiores às suas competências.
Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas superiores às suas competências.
Pressioná-la para que não faça valer seus direitos (férias, horários, prêmios).
Agir de modo a impedir que obtenha promoção.
Atribuir à vítima, contra a vontade dela, trabalhos perigosos.
Atribuir à vítima tarefas incompatíveis com sua saúde.
Causar danos em seu local de trabalho.
Dar-lhe deliberadamente instruções impossíveis de executar.
Não levar em conta recomendações de ordem médica indicada pelo médico do trabalho.
Induzir a vítima ao erro.
2. Isolamento e recusa de comunicação.
A vítima é interrompida constantemente.
Superiores hierárquicos ou colegas não dialogam com a vítima.
A comunicação com ele é unicamente por escrito.
Recusam todo o contato com ela, mesmo o visual.
É posta separada dos outros.
Ignoram sua presença, dirigindo-se apenas aos outros.
Proíbem os colegas de lhe falar.
Já não a deixam falar com ninguém.
A direção recusa qualquer pedido de entrevista.
3. Atentado contra a dignidade.
Utilizam insinuações desdenhosas para qualificá-la.
Fazem gestos de desprezo diante dela (suspiros, olhares desdenhosos, levantar de ombros...).
É desacreditada diante dos colegas, superiores ou subordinados.
Espalham rumores a seu respeito.
Atribuem-lhe problemas psicológicos (dizem que é doente mental).
Zombam de suas deficiências físicas ou de seu aspecto físico; é imitada ou caricaturada;
Criticam sua vida privada.
Zombam de suas origens ou nacionalidade.
Implicam com suas crenças religiosas ou convicções políticas.
Atribuem-lhe tarefas humilhantes.
É injuriada com termos obscenos ou degradantes.
4. Violência verbal, física ou sexual
Ameaças de violência física.
Agridem-na fisicamente, mesmo que de leve, é empurrada, fecham-lhe a porta na cara.
Falam com ela aos gritos.
Invadem sua vida privada com ligações telefônicas ou cartas.
Seguem-na na rua, é espionada diante do domicílio.
Fazem estragos em seu automóvel.
É assediada ou agredida sexualmente (gestos ou propostas).
Não levam em conta seus problemas de saúde. 24
Segundo Marie-France Hirigoyen, a duração da agressão pode variar entre seis meses a três anos, porém não vislumbramos motivos que possam elevar ou até diminuir o lapso temporal da agressão, pois quanto antes identificado, menor serão as conseqüências. Quanto ao ambientes que o assédio perpetua-se com mais freqüências são o setor terciário, o setor de medicina social e o do ensino. Entre o setor público e o privado nota-se algumas particularidades, pois no privado a duração do assédio é menor e termina em geral com a saída da vítima, enquanto no público pode durar anos.
No setor privado, o assédio acontece tanto em grandes, como pequenas e médias empresas:
[...] nas pequenas estruturas, uma vez que existem poucas instâncias de regulação, a nomeação de um novo chefe pode transformar radicalmente, para melhor ou pior, as condições de trabalho dos assalariados. 25
Márcia Novaes Guedes defende que o assédio moral pode ser regular, sistemático e pode ser tanto de longa duração, quanto pode ser pontual quando adotado como prática regular de uma empresa ou de seus prepostos no processo de seleção:
Nesse caso, duração da violência deve ser observada pelo lado do agressor. O fato de a vítima sofrer a violência em um único momento não diminui em absoluto o dano psicológico, especialmente quando se trata de jovens que vão em busca de um estágio profissional ou do primeiro emprego. 26
Segundo a autora, a conduta de constranger os candidatos ao emprego no processo de seleção, não configura assédio moral, dada a exigüidade do tempo. Porém, sob o ponto de vista jurídico e segundo a mesma autora, o conceito de assédio moral deverá alargar-se para punir os que se aproveitam dessas situações para maltratar e ofender a dignidade da pessoa humana.
1.5 Sujeitos e Tipos de Assédio
O assédio moral tem sujeitos que agridem e sujeitos que são vítimas. Tanto a chefia como os subordinados podem ocupar o lugar da vítima como o do agressor, como veremos a seguir. É importante analisar os sujeitos para poder buscar a identificação e o nível de responsabilização do agressor.
1.5.1 Assédio Horizontal
Este tipo de assédio é freqüente quando dois empregados disputam a obtenção de um mesmo cargo ou uma promoção. Há também a agravante de que os grupos tendem a nivelar seus indivíduos e têm dificuldade de conviver com diferenças. Por exemplo, a mulher em grupo de homens, homem em grupo de mulheres, homossexualidade, diferença racial, religiosa, entre outras.
Aqui, o conflito é horizontal, e acontece quando um colega agride moralmente o outro e a chefia não intervém, recusando-se a tomar partido do problema, só reagindo quando uma das partes interfere na cadeia produtiva da empresa (quando falta seguidamente ao trabalho). O conflito tende a recrudescer pela omissão da empresa em não intervir. Márcia Novaes Guedes conceitua e caracteriza esse tipo de assédio da seguinte forma:
[...] a ação discriminatória é desencadeada pelos próprios colegas de idêntico grau na escala hierárquica. Os fatores responsáveis por esse tipo de perversão moral são a competição, a preferência pessoal do chefe porventura gozada pela vítima, a inveja, o racismo, a xenofobia e motivos políticos. [...] a vítima pode ser golpeada tanto individual como coletivo. 27
Aqui, interessante ressaltar a colocação da autora que afirma que o assédio pode partir tanto de um colega como de vários. A inveja e inimizades pessoais aparecem também como causadores do conflito. Nestes casos, a empresa deve intervir de maneira justa, ou seja, agir de maneira educativa, aplicando sanções a ambos os empregados, pois do contrário, havendo o apoio de um superior a um dos colegas, isto poderia reforçar o processo de assédio moral.
1.5.2 Assédio Vertical Ascendente
Acontece raríssimas vezes quando por exemplo um superior recém contratado não alcança um nível de empatia e de adaptação, ou possui métodos que são reprovados por seus subordinados, e também quando não dispende nenhum esforço no sentido de impor-se perante o grupo. Isso pode levar a um nível de descrédito que tende a desencadear o assédio moral. Segundo Márcia Novaes Guedes:
A violência de baixo para cima geralmente ocorre quando um colega é promovido sem a consulta dos demais, ou quando a promoção implica um cargo de chefia cujas funções os subordinados supõem que o promovido não possui méritos para desempenhar[...] tudo isso é extremamente agravado quando a comunicação interna inexiste entre superiores e subordinados.28
Cabe referir aqui que, por ser um tipo de assédio mais raro que os demais, não deixa de ser menos repugnante para as relações laborais. Marie-France relata que pode haver diversas formas deste tipo de assédio moral, dentre as quais a falsa alegação de assédio sexual com o objetivo de atentar contra a integridade e reputação moral do superior, e reações coletivas de grupo, onde acontece freqüentemente em fusões ou compra de empresa por outra, as quais utilizam somente critérios estratégicos sem prévias consultas aos subordinados. 29
1.5.3 Assédio Vertical Descendente
Este conflito já é mais comum no contexto atual, e ocorre quando os subordinados são agredidos pelos empregadores ou superiores hierárquicos, e levados a crer de que tem que aceitar tudo o que é imposto se quiserem manter seu emprego. Importante referir aqui, a comparação de Marie-France Hirigoyen:
A experiência mostra que o assédio moral vindo de um superior hierárquico tem conseqüências muito mais graves sobre a saúde do que o assédio horizontal, pois a vítima se sente ainda mais isolada e tem mais dificuldade para achar a solução do problema. 30
As razões que levam a tal perseguição são, por vezes, o medo que um superior tem de perder o controle, ou quando este tem a necessidade de rebaixar os outros para engrandecer-se. Em alguns casos, a empresa está consciente de que o superior dirige seus subordinados de forma tirânica e consente com tal medida. Márcia Novaes Guedes entende o mobbing descendente de forma a conceituá-lo como vertical e o define como:
A violência psicológica é perpetrada por um superior hierárquico [...] pode este contar com a cumplicidade dos colegas de trabalho da vítima e através destes a violência pode ser desencadeada. [...] o grupo tende a se alinhar com o perverso, creditando à vítima a responsabilidade pelos maus-tratos.31
É, assim, o tipo de assédio mais preocupante de todos, pois a vítima fica mais desamparada e desprotegida, tendo piores conseqüências psicológicas ou físicas.
1.5.4 Assédio Misto
Para este caso também difícil de acontecer, ocorre quando a vítima é atacada tanto pelos colegas de mesma linha hierárquica, como pelo superior hierárquico ou empregador. Acontece, geralmente, em empregos onde há alta competitividade interna e má gerenciamento de recursos humanos, bem como em locais de trabalho onde impera a gestão por estresse, onde o chefe ou o patrão imprime um nível elevadíssimo de exigência. Aqui, Marie-France Hirigoyen se posiciona da seguinte maneira:
Mesmo se trate de uma história muito particular, é raro um assédio horizontal duradouro não ser vivido, depois de algum tempo, como assédio vertical descendente, em virtude da omissão da chefia ou do superior hierárquico. [...] Quando uma pessoa se acha em posição de bode expiatório, por causa de um superior hierárquico ou de colegas, a designação se estende rapidamente a todo o grupo de trabalho. A pessoa passa a ser considerada responsável por tudo que dê errado. 32
Márcia Novaes Guedes esclarece sobre esse tipo de assédio moral como uma espécie de mobbing vertical e estratégico:
Verifica-se o assédio moral do tipo vertical quando a violência psicológica é perpetrada por um superior hierárquico. Neste caso, a ação necessariamente não precisa ser deflagrada e realizada pelo superior, mas pode este contar com a cumplicidade dos colegas de trabalho da vítima e através destes a violência pode ser desencadeada. 33
Como referido, o início da agressão pode partir do próprio superior ou chefe, e daí, as agressões se alastrarem e partirem dos próprios colegas da vítima, por medo de represálias futuras do chefe assediador. Há a uma tomada de posição dos colegas da vítima coadunada com o comportamento tirânico do superior.
1.6 Conseqüências às vítimas
As conseqüências às vítimas de assédio moral estão diretamente ligadas com fatores que se relacionam com a intensidade e a duração da agressão. As conseqüências específicas em curto prazo pelas vítimas do assédio moral são o estresse e a ansiedade combinado com um sentimento de impotência e humilhação. Destes prejuízos decorrem perturbações físicas: cansaço, nervosismo, distúrbios do sono, enxaqueca, distúrbios digestivos, dores na coluna, etc. Diga-se que tais perturbações seriam uma autodefesa do organismo a uma hiperestimulação e a tentativa de a pessoa adaptar-se para enfrentar a situação. 34
Em longo prazo, as conseqüências tornam-se agravadas, e a confusão, agora dá lugar ao choque, à ansiedade, a perturbações psicossomáticas, ou a um estado depressivo. Segundo a vitimóloga Marie-France Hirigoyen:
Esses estados depressivos estão ligados ao esgotamento, a um excesso de estresse. As vítimas sentem-se vazias, cansadas, sem energia. Nada mais lhe interessa. Não conseguem mais pensar ou concentrar-se, mesmo na atividade mais banais. Podem, então, sobrevir idéias de suicídio. O risco é ainda maior no momento em que elas tomam consciência de que foram lesadas e que nada lhes dará a possibilidade de verem reconhecidas suas razões. Quando há um suicídio, ou tentativa de suicídio, isso conforta os perversos em sua certeza de que o outro era fraco, perturbado, louco, e que as agressões que lhe eram infligidas eram justificadas. 35
Alguns distúrbios também são diagnosticados nas vítimas do assédio moral em estágio mais avançado com conseqüências fisiológicas ocasionando problemas digestivos (gastrites, colites, úlceras de estômago), ganho ou perda de peso, doenças cardiovasculares, doenças de pele, etc.
Passa-se no próximo capítulo a análise da responsabilidade civil, onde serão abordados aspectos históricos, definições dos mais variados autores estrangeiros e brasileiros, as diferentes teorias da responsabilidade, e os pré-requisitos para sua existência efetiva.