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Erro nos negócios jurídicos, vícios do consentimento

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19/11/1997 às 00:00

Resumo:


  • O ato jurídico é uma manifestação de vontade que, quando atende às condições impostas pelo direito positivo, gera efeitos jurídicos desejados pelo agente.

  • A vontade é o elemento central na formação do ato e do negócio jurídico, sendo essencial que seja expressa de forma livre e consciente para evitar vícios de consentimento.

  • O Código de Defesa do Consumidor possui mecanismos para corrigir vícios de consentimento, protegendo a vontade do consumidor em situações como publicidade enganosa e contratos que não foram devidamente esclarecidos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

INTRODUÇÃO

           No campo das ações humanas, interessa muito de perto para o direito, aquelas que se traduzem em atos jurídicos.

           Não obstante, como veremos, nem todas as ações correspondem a um ato jurídico, este último por sua vez só se estabelece mediante a vontade do agente, resguardando-se, obviamente os preceitos legais (ato jurídico stricto senso).

           Já o conceito de ato jurídico lato senso abrange todas as ações humanas, e não só as condiciona à vontade do agente.

           Dessa equação resulta o fato de que quando o agente declara sua vontade e objetiva um efeito jurídico, nasce o chamado negócio jurídico, que na conceituação da autonomia privada tem sua formação através de dois institutos centrais, o saber: a propriedade e o contrato.

           Veremos que os atos e os negócios jurídicos podem estar impregnados de erros (no sentido lato) , defeitos ou desvios jurídicos e serão objeto de nossa análise.

           Verbaliza o código civil no seu art. 147:

           É anulável o ato jurídico:

           I - Por incapacidade relativa do agente (art.6º)

           II-Por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude.

           O inciso II deste artigo, particularmente nos interessa.

           Inicialmente temos que a vontade é a mola propulsora dos negócios ou atos jurídicos, e assim sendo é de fundamental importância que essa vontade seja manifestada de forma livre e espontânea.

           Todas as vezes que essa vontade não se manifestar fiel aos objetivos intimamente perseguidos, diremos que houve vício, mais precisamente vício do consentimento. Estes por sua vez são produtos da influência dos erros (que são uma falsa noção, juízo ou representação da realidade.)

           Assim sendo, faz-se necessário o ordenamento jurídico dispor de mecanismos eficazes que visem corrigir essas distorções.

           Como veremos existem situações em que um negócio jurídico é efetuado, dentro da conformidade dos preceitos legais, positivamente falando, e apesar disso, o objetivo perseguido por uma das partes envolvidas era diverso daquele atingido, denotando-se dessa forma um negócio jurídico falho. Isso pode ocorrer por força de fatores subjetivos como a vontade.

           Quando isso ocorre é necessário que o jurista, à luz do ordenamento jurídico, tenha sensibilidade bastante para reconhecer tal desvirtuamento negocial, para salvaguardar os interesses do cidadão que pode estar sendo induzido a erro em um contrato, ou praticando um ato jurídico prejudicial a si próprio por intermédio fraudulento de outrem, sendo urgente a nulidade dessas atividades.

           No tocante aos contratos, o código de defesa do consumidor, virá pormenorizar as obrigações das partes e normatizar a proteção do consumidor sempre que se perceber algum vício na declaração da vontade dos contraentes. No intuito de socorrer a transparência nos negócios jurídicos.


1. -DO CONCEITO DE NEGÓCIO E ATO JURÍDICO

           É pertinente, antes de mais nada, conceituarmos criteriosamente ato e negócio jurídicos, assim como distingui-los.

           No campo dos atos humanos, há os que são voluntários e os que independem do querer individual. Os primeiros, caracterizando-se por serem ações resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos jurídicos, quando revestirem certas condições impostas pelo direito positivo. Não são todas as ações humanas que constituem atos jurídicos, porém apenas as que traduzem conformidades com a ordem jurídica, uma vez que as contravenientes às determinações legais vão integrar a categoria dos atos ilícitos, de que o direito toma conhecimento, tanto quanto dos atos lícitos, para regular-lhes os efeitos, que divergem, entretanto, dos destes, em que os atos jurídicos produzem resultados consoantes com a vontade do agente, e os atos ilícitos sujeitam a pessoa que os comete a consequências que a ordem legal lhes impõe (deveres ou penalidades). Na mesma valoração ontológica da lei, como dos atos jurisdicionais, a vontade individual tem o poder de instituir resultados ou gerar efeitos jurídicos, e, então, à manifestação volitiva do homem, com o nome genérico de ato jurídico, enquadra-se entre as fontes criadoras de direitos . É a noção do ato jurídico "lato sensu" que abrange as ações humanas, tanto aquelas que são meramente obedientes à ordem constituída, determinantes de consequências jurídicas ex lege, independentemente de serem ou não queridas (1) como aquelas outras declarações de vontade, polarizadas no sentido de uma finalidade, hábeis a produzir efeitos jurídicos queridos.

           A esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado, é que a doutrina tradicional denominava ato jurídico (stricto sensu), e a moderna denomina negócio jurídico.

           Observa-se, então, que se distinguem o "negócio jurídico" e o "ato jurídico". Aquele é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; No ato jurídico "stricto sensu" ocorre manifestação volitiva também, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente. Sobre esta distinção, lembram-se, entre outros, Windscheid, Stolfi, Trabucchi, Scognamilio, Santoro Passarelli; Serpa Lopes, Silvio Rodrigues, Vicente Ráo, Torquato Castro, Soriano Neto, Paulo Barbosa de Campos Filho, Alberto Muniz da Rocha Barros, Fabio de Matiá. Todos eles são fatos humanos voluntários. Os "negócios jurídicos" são, portanto, declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente; os atos jurídicos "stricto sensu" são manifestações de vontade, obedientes à lei, porém geradoras de efeitos que nascem da própria lei. Dentre os atos lícitos estão os atos que não são negócios jurídicos (Código Civil português, art. 295; Projeto de Código Civil brasileiro de 1975, art. 185), bem como os negócios jurídicos. Todos, porém, compreendidos na categoria mais ampla de "atos lícitos", que se distinguem, na sua etiologia e nos seus efeitos dos "atos ilícitos".

           Foi a doutrina alemã que elaborou o conceito do negócio jurídico (Rechtsgeschäft), encarecido pelos escritores tedescos como dos mais importantes da moderna ciência do direito, e imaginou-o como um pressuposto de fato, querido ou posto em jogo pela vontade, e reconhecido como base do efeito jurídico perseguido (3). O fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentam então na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal. E tão relevante é o papel da vontade na etiologia do negócio jurídico, que se procura identificar a sua própria ideia conceitual com a declaração de vontade, constituindo-se desta forma a sua definição.

           O ato jurídico, tal como entendido e estruturado na sistemática do Código Civil de 1916, art. 81, também conceitualmente se funda na declaração de vontade, uma vez que, analisado em seus elementos, acusa a existência de uma emissão volitiva, em conformidade com a ordem legal, e tendente à produção de efeitos jurídicos. E isto leva a admitir que o legislador brasileiro identificou as duas noções - ato jurídico e negócio jurídico - cujos extremos coincidem (3). Como, porém, a expressão ato jurídico é um valor semântico abrangente de um conceito jurídico mais amplo, compreensivo de qualquer declaração de vontade, individual ou coletiva, do particular ou do Estado, destinada à produção de efeitos, o negócio jurídico deve ser compreendido como uma espécie dentro do gênero ato jurídico.

           A aproximação das noções do ato jurídico, tal como extremado na sistemática brasileira, e do negócio jurídico, da concepção tedesca, facilmente ressalta do confronto da definição, calcada no art. 81 do Código Civil e a que se oferece do negócio jurídico. Pelo nosso Código, de 1916, ato jurídico seria

           todo ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar transferir, modificar ou extinguir direitos, em que todos os autores ressaltam a presença do fator vontade. O negócio jurídico, no dizer de Enneccerus, citado linhas acima, é um pressuposto de fato, que contém uma ou várias declarações de vontade, como base para a produção de efeitos jurídicos queridos. No dizer de Oertmann,(introducción, § 35) é o fato produzido dentro do ordenamento jurídico, que com relação à vontade dos interessados, nele manifestada deve provocar determinados efeitos jurídicos.

           Orlando Gomes também nos dá uma esclarecedora noção de negócio jurídico:

           " Para a aquisição, transferência, modificação ou extinção de um direito, não basta a manifestação da vontade do sujeito de direitos. É preciso que seja intencional e conforme a lei."

           O direito positivo reconhece às pessoas o poder de provocar efeitos jurídicos por meio de certos atos. Tal é o território da autonomia privada. O particular o exerce para concretizar a hipótese prevista na lei, especificando-a.

           Na conceituação da autonomia privada reúnem-se os dois institutos centrais do direito privado: a propriedade e o contrato ou o negócio jurídico que, sendo mais amplo, a este abrange.

           Ao se reunirem, aperta-se o interesse de perquirir os limites do poder de dispor dos bens que a lei assegura a toda pessoa, seja por ato inter vivos, seja mortis causa, seja a título oneroso, seja a título gratuito. Toda vez que se pratica um ato de disposição produz-se determinada modificação, querida pelos praticantes, na relação jurídica preexistente. A modificação deve ser aquela que quiseram os que realizaram o ato, valendo se merecer tutela da lei e se for processada pelo acordo de vontades, nas relações mais simples, a que se denomina contrato "lato sensu", mas podem ser igualmente provocadas pela manifestação de vontade de um só sujeito de direito. Afirma-se, na linha desse pensamento, que o negócio jurídico é o instrumento próprio da circulação dos direitos, isto é, da modificação intencional das relações jurídicas.

           A função mais característica do negócio jurídico é, porém, servir de meio de atuação das pessoas na esfera de sua autonomia. É através dos negócios jurídicos que os particulares auto-regulam seus interesses estatuindo as regras a que voluntariamente quiseram subordinar o próprio comportamento. Domina atualmente o pensamento de que o negócio jurídico exprime o poder de autodeterminação dos sujeitos de direito, notadamente no campo das relações patrimoniais. Encarado esse poder na sua Junção de auto-disciplina das próprias pessoas interessadas na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, apresenta-se como expressão da autonomia privada. Salienta-se a correlação entre negócio jurídico e autonomia privada, dizendo-se que se a autonomia privada é o poder de autodeterminação, o negócio jurídico é o instrumento através do qual o poder de autodeterminacão se concretiza" (4).

           Para Santoro Passarelli , "Negócio Jurídico é o ato de autonomia privada com o qual o particular regula por si os próprios interesses (5)."

           "O Negócio Jurídico típico é o contrato"

           HANS KELSEN

           (Teoria Pura do Direito)


2. -TEORIA DO ERRO

           Defendida por Achille Giovènne, esta teoria tem como fundamento o vício da vontade. Desenvolve a linha de raciocínio pela qual é possível a anulação do negócio jurídico, quando o agente havia representado uma situação de fato em desacordo com a realidade, pois que teria, assim, incidido em erro.

           Na hipótese de divergência entre a suposição ensejadora da determinação da vontade e a realidade contemporânea à época da realização do comportamento prometido, face à superveniência do evento imprevisto e imprevisível, haveria erro daquele que se obrigou, e o contrato poderia ser anulado por vício de consentimento.

           Segundo Nelson Borges, "existe um argumento definitivo, no sentido de rejeição da teoria de Giovènne, surge quando se atenta para a exata noção de erro. Ao se falar em vício do consentimento, ou erro, a primeira idéia que nos surge é o integral reconhecimento desse defeito do ato jurídico. Dito de outro modo: o que uma das partes contratantes supunha verdadeiro, no instante vinculativo, correspondia exatamente aquele que ela pensava que era. Como o acontecimento anormal, alterador das circunstâncias em que as partes manifestaram a decisão de se vincular, ocorrerá no futuro, de forma totalmente imprevista é imprevisível - uma vez que é um acontecimento anormal na vida do contrato - fica difícil, senão impossível, alicerçar a teoria da imprevisão no erro, como pretendeu Giovènne".(Nelson Borges, ob. Cit., pág.48) (6)


3. -A VONTADE

3.1 -A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE

           "Coordenação hierárquica de nossos desejos, é a vontade o primeiro elemento constitutivo do negócio jurídico ou do ato jurídico em sentido estrito. Fenômeno interno e ultra-sensível, penetra normalmente no mundo do direito ou na classe dos atos humanos jurisdicizáveis pela declaração. Mas para que possa modelar efeitos há de ser livre, séria, consciente e também consequente, isto é: emitida com desígnios que o direito reconhece e assegura, fornecendo às relações formadas o elemento da obrigatoriedade; endereçada a um escopo que o direito repute digno de tutela; ou com "animus contrahendi obbligationis", apto a produzir determinada alteração no estado de direito preexistente.

           Desse modo, a vontade psicológica só se converte em jurídica com o concurso de dois fatores que se engrenam numa unidade atual: a vontade real, dirigida a um fim protegido pelo direito; e a declaração seu prolongamento perceptível que é a manifestação externa realizada para aquele resultado juridicamente relevante (7).

           Essa exteriorização da vontade efetiva, receptícia ou não-receptícia, por sua vez se desdobra em dois outros elementos : A Vontade negocial, também chamada de efeito, de conteúdo ou de resultado, e a Vontade de declarar, que é a decisão de executar o ato mediante o qual a vontade negocial vai chegar ao conhecimento de uma pessoa ou de uma categoria indeterminada de pessoas.

           A ausência do elemento comunicativo desqualifica a declaração; não é declaração de vontade, no exemplo de DERNBURG, o solilóquio que alguém chegou a escutar.

           Mas a manifestação declarativa, também denominada "atuação de vontade" (8) é excepcionalmente equiparável na sua eficácia à genuína declaração quando o ato se cumpriu com a intenção de permanecer secreto: o testador que, em segredo, destruiu o testamento, ainda que dê a entender aos outros que não o revogou; o herdeiro que, sem declarar que aceitou a herança, põe-se a consumir ou doar os bens que a compõem; o consumo sigiloso de mercadoria enviada, a ocupação ou o abandono sub-reptícios, etc.

           A manifestação da vontade opera livremente por meios variados, materializados, permanentes ou efêmeros (limitados pelas necessidades ou sistema das provas) ou por instrumentos que a vida moderna vem multiplicando com a aparelhagem automática.

           Sob o ponto de vista jurídico, VIVANTI divide tais aparelhos em dois grupos : (a) aparelhos que concluem e executam o contrato como os que fornecem uma mercadoria ou serviço e (b) aparelhos que só concluem o contrato e fornecia a prova dele mas não o executam, porque esta execução se realiza em outro lugar, ou por outro meio e tais são os que fornecem bilhetes de admissão a espetáculos, os de seguro ou de transporte.

           A exteriorização se faz; ora de modo expresso e imediato quando o fato externo chega de modo direto, ordinariamente pela palavra oral ou escrita, ao conhecimento do destinatário, mediante contato pessoal (comunicação verbal, apresentação de texto original do escrito) ou mecânico (telefone automático, fonograma, televisão, rádio particular, introdução de moeda nos automáticos expostos ao público); ora de modo expresso e mediato por anúncio ou estabelecimentos públicos (correio, telégrafo, rádio).

           E também tacitamente (9) quando o ato não é instrumento da manifestação mas seu indício: por gestos, sinais mímicos inequívocos s (levantar ou sentar-se nas votações, alçar o braço ou dedo nos leilões, os sinais marítimos, os de trânsito, etc.); por atitude, comportamento, conduta, fatos concludentes e unívocos relacionados com circunstâncias pré-determinadas (o credor de dívida vencida, recebendo juros ulteriores ao seu vencimento, prorrogou o prazo) ou, na síntese de OROSIMBO NONATO :"onde haja ato material, comportamento ostensivo de que possa o destinatário, confiando na aparência da declaração, deduzir a intenção de concluir o ato jurídico" (10) - noção que se estenderá, à margem das especificações legais, até à negatividade, omissão ou silêncio, desde que seja este silêncio circunstanciado e qualificado, com as restrições divulgadas na doutrina alienígena e pátria, (11) pois o silêncio é, em si mesmo, de conteúdo neutro e equívoco e só em casos excepcionais, quando acompanhado de circunstâncias particulares (existência de usos integrativos, preexistência de relações, natureza do negócio) poderão ser interpretado como anuência. " (12) (Jaime Landim. Konfino.1960. pág. 18)

           Segundo Renata Mandelbaum "três são as formas de declaração através das quais pode ser manifestada a vontade para dar formação ao ato jurídico: manifestação expressa, tácita e a declaração presumida pela lei. Sendo fundamental a presença do elemento vontade, para a concretização dos atos jurídicos, e em especial dos negócios jurídicos, a manifestação desta adquire relevância.

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           Ao lado da expressa manifestação da vontade, encontramos a vontade tácita ou não expressa, que por sua vez também gera consequências no mundo jurídico, em especial quando a manifestação da vontade surge presumida em lei, uma ficção jurídica. Encontramos assim a possibilidade dos atos jurídicos serem formalizados, por ficção, pelo silêncio, este tido como manifestação positiva da vontade, capaz de produzir efeitos, gerando relações de direito.

           Não se pode, no entanto, confundir o silêncio com o simples ato de calar, abster-se de falar, omitir o uso de palavra verbal ou escrita ou de símbolos ou gestos adequados para expressar o pensamento, pois em sua acepção estrita o silêncio significa a ausência de um meio de expressão adequado para traduzir um estado de consciência. Disto decorre por que não devemos confundir a declaração tácita da vontade com o silêncio, este como definido em sua acepção jurídica por Demogue:" "Hay silêncio en sentido jurídico cuando una persona, em el curso de esta actividad permanente que es la vida, no ha manifestada su voluntad, respecto a un acto jurídico, ni por una acción especial a este efecto (voluntad expresa) ni por una acción de donde se puede deducir su voluntad (voluntad tácita)".(13)

3.2 -DEFEITOS DOS ATOS OU NEGÓCIOS JURÍDICOS SOB O VÉU DOS VÍCIOS DA VONTADE

          

GENERALIDADES:

           Os negócios jurídicos têm, na vontade individual, seu impulso criador. Para serem normais e regulares, é preciso que a vontade, ao se exteriorizar, não padeça de um dos vícios que a destorcem.

           Para bem compreender a disciplina legal dos vícios do consentimento, importa fixar o processo segundo o qual a vontade se forma. Toda vontade decorre de motivos, isto é, de razões pessoais, eminentemente subjetivos, que influem na mente do indivíduo para praticar esse ou aquele negócio jurídico, que o impelem, em suma, a agir. Em princípio, os móveis dos negócios jurídicos são irrelevantes à sua validade. Ao Direito não interessa que alguém adquira uma casa para morar, alugar ou dar, pois não cura de intenções. Mas, as razões que levam alguém a realizar determinado ato jurídico podem resultar de falsa representação, que suscite desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada, quer espontânea, quer em consequência da ação de outrem. O processo psíquico de formação da vontade não é indiferente ao Direito. Se alguém, por ignorância de certos fatos, realiza negócio jurídico, que não realizaria se os conhecesse, a ordem jurídica não poderia deixar de lhe proporcionar os meios de obter sua invalidação. Uma pessoa que consente em casar com outra, na suposição de ser terceiro, há de poder anular esse casamento. Não seria possível, desse modo, ignorar a relação de causa e efeito entre os motivos e a vontade. Por isso, as causas que podem perturbar a vontade são classificadas e reguladas juridicamente sob, a denominação de vícios da vontade.

           São irregularidades no processo de formação do consentimento, que viciam o negócio jurídico, unilateral ou bilateral, tornando-o suscetível de anulação.

           Exemplificadamente , veremos sob forma de jurisprudência o entendimento acerca desse tópico:

           "APELAÇÃO CÍVEL Nº 8.809, DA COMARCA DE ARARANGUÁ

           Relator: Des. Eduardo Luz.

           Ato jurídico - Silêncio - Vício de consentimento na formação do contrato.

           Vistos relatados e discutidos estes autos de apelação cível n.° 8.820, da comarca de Araranguá, em que são apelantes José Barbosa de Souza e Sebastião Flores Barbosa e apelados Manoel José Santana e Aci de Sousa Santana;

           ACORDAM, em Segunda Câmara Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

           Custas pelos apelantes.

           Não merece vingar o apelo. De fato, o mencionado contrato de venda da linha de ônibus não teria sido celebrado, se conhecido dos autores, homens rústicos e afastados do trato de negócios desta natureza, a circunstância de que a linha de ônibus não podia funcionar porque era irregular e que os réus notificados pela municipalidade para regularizar o serviço nada fizeram, deixando escoar o prazo para tanto. Não resta dúvida de que a ocultação deste fato constitui omissão dolosa, viciando o consentimento dos contratantes lesados com o negócio.(Art. 94 do Código Civil). Houve desprezo ao princípio da boa fé e silêncio sobre circunstância que a natureza do negócio exigia conhecida. Escreveu Josserand; "Sem dúvida, uma simples reticência, sem circunstância agravante, não basta para estabelecer uma manobra ilícita, constitutiva do dolo; porém não ocorre assim no caso de quem guardou o silêncio tinha a obrigação, o dever, de falar, hera em virtude do texto legal, bem por razão das circunstâncias da causa ou da natureza do contrato que supunha entre as partes relações de confiança recíproca (Direito Civil, ;vol. I, t. II, ed. Buenos Aires, pág. 72).

           Deste modo, impunha-se a procedência da ação, anulando-se o contrato de compra e venda e notas promissórias a ele vinculadas, como fez a respeitável sentença que é confirmada integralmente inclusive na parte relativa a perdas e danos.

           Florianópolis, 14 de setembro de 1973.

           Cerqueira Cintra, Presidente; Eduardo Luz, Relator; Nelson Konrad, Rid Silva." (14)

           Os vícios da vontade classificam-se conforme diversos critérios.

           Dividem-se em vícios psíquicos e sociais, constituindo os defeitos dos atos jurídicos. Os primeiros provocam uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada. São : o erro, o dolo e a coação. Os segundos não atingem a vontade na sua formação, na sua motivação, mas, do mesmo modo, tornam o ato defeituoso, porque, como ensina BEVILÁQUA, configuram uma insubordinação da vontade às exigências legais no que diz respeito ao resultado querido. São : a simulação e a fraude contra credores.

           Sob o ponto de vista da atuação, deformam a declaração ou a vontade propriamente dita, isto é; aquela "intenção do resultado" a que, se refere ZITTELMANN. São relativos à declaração: o erro, a ignorância, a transmissão inexata, o dolo e a coação ou intimidação Concernentes ao resultado do negócio são, dentre outros, a simulação, a reserva mental e a vontade declarada por gracejo (ludendi gratia).

           Nem todos esses defeitos são considerados vícios do negócio, alguns não autorizam sua anulação.

          

3.3-MANIFESTAÇÃO DA VONTADE DEFEITUOSA

           "O pressuposto do negócio jurídico é a declaração da vontade do agente em conformidade com a norma legal, e visando a uma produção de efeitos jurídicos. Elemento específico é, então, a emissão de vontade. Se falta, ele não se constitui. Ao revés, se existe, origina o negócio jurídico. Mas o direito não cogita de uma declaração de vontade qualquer. Cuida de sua realidade, de sua consonância com o verdadeiro e íntimo querer do agente, e de sua submissão ao ordenamento jurídico. Na verificação do negócio jurídico, cumpre de início apurar se houve uma declaração de vontade. E, depois, indagar se ela foi escorreita. Desde que tenha feito uma emissão de vontade, o agente desfechou com ela a criação de um negócio jurídico. Mas o resultado, ou seja, a produção de seus efeitos jurídicos, ainda se acha na dependência da verificação das circunstâncias que a envolveram. É que pode ter ocorrido uma declaração de vontade, mas em circunstâncias tais que não traduza a verdadeira atitude volitiva do agente, ou persiga um resultado em divórcio das prescrições legais.

           Nesses casos, não se nega a sua existência, pois que a vontade se manifestou e o ato jurídico chegou a constituir-se. Recusa-lhe, porém, efeitos o ordenamento jurídico. Pode-se dizer então que há negócio jurídico, porém defeituoso, e nisto difere de todo daquelas hipóteses em que há ausência de vontade relativamente ao resultado, casos nos quais o negócio jurídico inexiste como tal e deve ser tido por nulo, o que ocorre quando o agente apenas parece ter realizado uma emissão de vontade sem tê-la feito ou sem ter capacidade para fazê-la, e nesses casos há um ato aparente e não verdadeiro. Na doutrina francesa e belga, entretanto, medra certa confusão entre ausência de vontade e sua emissão defeituosa, cogitando os escritores de alguns casos em que está nítida a existência de uma declaração, porém divorciada da vontade real. Quando, por exemplo, o erro incide sobre a natureza do ato, entendem escritores que houve ausência de vontade. Veremos a seguir ,em termos práticos, como alguns tribunais decidem no sentindo da anulabilidade de atos jurídicos impregnados de vício:

           "INTIMAÇAO - Carta postal - Prazo -Contagem a partir da juntada do AR - Aplicação do art. 241, V, do CPC.

           DOAÇÃO - Anulação - Vício de consentimento da doadora - Liberalidade da amásia a amante muito mais moço - Decisão confirmada.

           Tratando-se de intimação por carta Postal, começa a correr o prazo da data da juntada aos altos do AR, como dispõe o art. 241, V, do CPC.

           A doação pode ser revogada por vício de consentimento da doadora.

           Ape1ação cível 51.127 - Cláudio - Apelante: João Costa Lima - Apelada: Uhrides da Conceição Prado.

ACÓRDÃO

           Vistos etc.: Acorda, em Turma, a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em desprezar a preliminar argüida e negar provimento ao recurso. (15)

           Belo Horizonte, 27 de agosto de 1979 - LINCOLN ROCHA, pres. - JAIR LEONARDO, relator - WALTER MACHADO - AMADO HENRIQUES.

           NOTAS TAQUIGRÁFICAS

           O Des. Jair Leonardo: Desprezo a preliminar de não conhecimento da apelação, levantada pela douta Procuradoria - Geral da Justiça (fls.). É que o douto Procurador - Dr. Cristovam Joaquim Fernandes Ramos - considerou o apelante intimado da sentença na data em que recebeu a carta (fls.), que foi de fato, o dia 4.ll.78, sábado. Mas, em se tratando de intimação por carta postal, começa a correr o prazo da data da juntada aos autos do AR, como dispõe o art. 241, V, do CPC. No caso o AR foi juntado em 10.ll.78, como consta de fls., e a apelação foi interposta no dia 21 do mesmo mês (fls.), pelo que tempestivamente. Assim sendo, conheço do recurso.

           Trata-se de ação de anulação de doação ajuizada por Uhrides da Conceição Prado, ora apelada, contra João Costa Lima, ora apelante.

           O MM. Juiz concluiu julgando a ação procedente, por vício de consentimento da doadora, "além de não ter ficado renda suficiente para a subsistência da doadora" (fls.).

           O segundo fundamento da decisão não foi causa de pedir, pois em nenhuma passagem da inicial houve alusão a que a autora ficara sem meios de subsistência; por isso, a inicial, pródiga na citação de artigos do Código Civil, nem mencionou o art. 1.175. Contudo, a procedência da ação, por vício do consentimento da doadora, "nos termos do art. 1,181, primeira parte, do CC", não se pode dizer que tenha discrepado dos fatos expostos na inicial.

           Como ensina J. J. Calmon de Passos, o "nomen juris" que se dê à categoria jurídica ou o dispositivo de lei que se invoque para caracterizá-la são irrelevantes, se acaso erradamente indicados. O juiz necessita do fato, pois que o Direito ele que o sabe. A subsunção do fato à norma é dever do juiz, vale dizer, a categoria jurídica do fato é tarefa do juiz" (in "Comentários ao Código de Processo Civil", vol. III/143).

           Em face desta doutrina, é lícito reconhecer que a narrativa da peça inaugural é de uma situação de induzimento da autora a erro, de modo a viciar-lhe o consentimento. Diz a inicial que, "após o falecimento de seu marido, a suplicante iniciou um namoro com o indivíduo João Costa Lima, seu primo, pessoa bem mais nova, o qual pouco a pouco foi impondo a sua confiança em sua namorada, sob a alegação de que com ela se casaria" (fls.).

           O referido João Costa Lima, contestando a alegação, foi além da própria autora, ao dizer: "Perdoe o honrado Juiz a expressão, mas é mesmo mentira, porque o réu, ora contestante, jamais foi seu namorado, e, sim, seu amante, primo da autora, logo depois que ela se enviuvou de Lucas Pereira de Vasconcelos, convidou-o a com ela morar. Jovem e inexperiente, o réu aceitou o convite, tomando-se seu amante" (fls.).

           Ora, se é possível a confiança entre namorados, muito maior é a possibilidade da confiança entre amantes. Aliás, o réu não nega, também, a alegação da autora de que ele captara-lhe a confiança. Nem seria possível tal negativa, diante dos termos da procuração de fls., outorgada pela autora ao réu, com os mais amplos e ilimitados poderes "para o fim especial de reger, gerir e administrar todos os bens, negócios, direitos e ações da outorgante", "podendo, para esses fins, vender, doar, permutar, hipotecar ou por qualquer forma alienar os bens da outorgante, outorgar, aceitar e assinar escrituras de compra, transmitir posse, "Jus", domínio e ação, receber e passar recibo e dar quitação, descrever os imóveis com suas características e confrontações responder pela evicção legal, fazer contratos de arrendamento, compromissa de penhor, com suas respectivas cláusulas e condições, aceitar, sacar, endossar e avalizar letras de câmbio, emitir e endossar cheques, assinar cartas de propostas, fiança e quaisquer outros títulos ou documentos, movimentar quaisquer depósitos que a outorgante tem ou venha a ter em bancos e Caixas Econômicas, fazendo depósitos, retiradas, requerer e assinar tudo mais, para o firme e bom desempenho deste mandato, substabelecer esta com ou sem reserva de poderes, o que dará por firme e valioso" (fls.).

           Alegou o réu que era Jovem e inexperiente, por isso teria aceito o convite para ser amante da autora mas há de convir-se em que, se, de fato, inexperiente , deve ter buscado o assessoramento de gente muito experiente, dados os poderes constantes do mandato obtido. Aliás consta dos autos que estava assistido por dois advogados pelo que, no particular dos negócios, sua inexperiência estava muito bem suprida.

           Por outro lado, é óbvio que, nas circunstâncias do fato, a qualidade de amante, que se atribuiu, não seria aceita sem outros interesses, pois, ao que dos autos consta, a autora, bem mais velha mulher desengonçada e de vestes exóticas, inclusive atoleimada, não constituiria atrativo sexual para ninguém.

           A intenção do autor, ao aceitar a alegada condição de amante da autora revelada pelos atos posteriormente praticados, só pode ter sido mesmo a de captar a confiança dela, para induzi-la a outorgar-lhe a procuração de fls "com a qual efetuara a venda de direito e ação da autora no espólio de seu marido"(fls.) a João Batista de Souza, do que resultara ter este transferido àquela a casa da R. Itaúna (escritura de fls.), a qual, por fim, o réu conseguira obter da autora por doação (escritura de fls.).

           O réu alega que fora leal, "só aceitaria a doação com o usufruto dela autora, enquanto fosse ela viva, o que realmente se fez" (sic) - fls. Ora, nisso não há nada de lealdade mas, apenas, a tentativa de evitar a nulidade prevista no art. 1.175 do CC. Ainda neste passo o réu agiu em função, exclusivamente, dos seus próprios interesses.

           Tenha-se presente - como argumentou o douto Procurador da Justiça - "que a doação pode ser revogada à maneira por que se revogam os casos comuns a todos os contratos (CC, art. 1.181). Logo, é anulável por vício de consentimento resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude (CC, art. 147,II). Não resta dúvida a respeito do consentimento viciado da doadora obtido por erro seu. Explica CIóvis: "O erro, para viciar a vontade, deve ser tal que, sem ele, o ato não se celebraria". "No caso em exame - prossegue o Dr. Procurador - não fosse o ardil usado pelo donatário, abusando da ingenuidade da velha viúva, em cujo espírito incutiu a idéia de namoro e casamento, não se celebraria, de forma alguma, o ato de liberalidade que deu origem ao presente processo" (fls.).

           De fato, Clóvis Beviláqua professa a lição de que as doações "anulam-se, quando viciadas por incapacidade relativa do doador, erro, dolo, coação ou simulação" (in "Código CiviI", Vol. IV/349).

           E não é outro o entendimento de Carvalho Santos, ao comentar o art. 1.165, "m verbis": "A doação é um contrato, dispõe expressamente o texto supra. Daí outra consequência de elevado alcance: como em qualquer contrato, em se verificando um erro essencial capaz de viciar o consentimento, resulta a nulidade da doação". E, mais adiante, acrescenta: "Aplicam-se à doação os princípios gerais estudados em comentários ao art. 92 e ss, do CC (cf. Aubry e Rau, ob. cit., § 654; Demolombe, ob. cit., n. 400)".

           "Apresenta interesse - observa Carvalho Santos - a questão de saber se uma doação pode ser anulada por captação ou sugestão. A sugestão pressupõe o emprego de meios aptos a persuadir o doador a fazer uma liberalidade em favor de alguém, em geral o que sugestiona. A captação, por sua vez, consiste no cativar-se a benevolência de uma pessoa, dela obtendo uma liberalidade, com a afeição e a confiança que se requer para inspirá-la. Em rigor, a captação e a sugestão não são senão formas especiais, por meio das quais se manifesta o dolo" (cf. Carvalho Santos, "Código Civil Brasileiro Interpretado", vol. XVI/318-319, 3ª ed., Freitas Bastos, 1945).

           Em face da doutrina e da prova dos autos, nego provimento à apelação para confirmar a conclusão da sentença, na parte em que julgou a ação procedente por vício de consentimento da doadora, pelas razões de decidir aqui expostas.

           Custas na forma da lei.

           O Des. Wálter Machado: Autos devidamente revistos.

           Trata-se de doação pura e simples de nua-propriedade de bem imóvel, por isso que a doadora, ora apelada, reservou para si o usufruto vitalício da casa residencial objeto da liberalidade.

           E sendo revogável, deveras, a doação, à maneira por que se revogam em geral todos os contratos (art. 1.181 do CC), e anulável é aqui o ato por vício resultante de fraude (art. 147, II, também do CC), de artifício enganoso, de que se utilizou o donatário, ora apelante, como bem demonstrado nos autos, para, captando a vontade sem firmeza da doadora, como constatado em exame médico-psiquiátrico a que ela foi submetida, levá-la à sua prática, com grave prejuízo para si própria, e para sem permissão legal mesmo à doadora para praticá-lo, por ser defeso doar de modo a importar ou a expressar efetivamente a liberalidade, como no caso em apreço, um despojamento quase completo de seu inexpressivo patrimônio.

           A sentença, proferida em processo instaurado quando ainda com capacidade civil para promovê-lo por si própria a autora da ação, se pôs a seu socorro, e, a meu ver, com inteira justiça.

           Nego provimento, portanto, ao apelo. Custas, as do recurso, como de lei.

           O Des. Amado Henriques: No detido exame a que procedi no processo, cheguei ao entendimento de que o réu, como hábil fotógrafo, tirou nítidas fotografias da autora e com elas conseguiu ludibriar a boa-fé da infeliz autora.

           De conseguinte, concluo, de acordo com o judicioso parecer da douta Procuradoria da Justiça e dos jurídicos fundamentos do laborioso voto do eminente Des. Relator, pela procedência da ação. Assim, nego provimento ao recurso."

           Muitos escritores tratam do assunto separando os casos de desconformidade entre a vontade declarada e a vontade real daqueles outros em que existe uma vontade efetiva, mas polarizada no rumo da obtenção de um resultado condenável. Preferimos orientação oposta, por se nos afigurar que o problema em jogo é o da própria declaração de vontade, geradora de negócio jurídico defeituoso.

           São, na verdade, de duas categorias os efeitos que podem inquinar o ato negocial. Uns atingem a própria manifestação da vontade, perturbando a sua elaboração, e atuam sobre o consentimento. Por motivos vários, perturbam a própria declaração volitiva, e influem no momento em que se exterioriza a deliberação do agente. Denominam-se vícios de consentimento, em razão de se caracterizarem por influências exógenas sobre a vontade exteriorizada ou declarada, e aquilo que é ou devia ser a vontade real, se não tivessem intervindo as circunstâncias que sobre ela atuaram, provocando a distorção. Outros afetam o ato negocial, salientando a desconformidade do resultado com o imperativo da lei, e, nesses casos, o negócio reflete a vontade real do agente, canalizada, entretanto, e desde a origem, em direção oposta ao mandamento legal. Nenhuma oposição se apresenta entre a vontade íntima e a vontade externada, porém entre a vontade do agente e a ordem legal. Há, portanto, um negócio jurídico, existe uma declaração de vontade, mas esta, por fatores endógenos, traduz uma volição que visa a resultados condenados ou condenáveis. Com razão, Clóvis Beviláqua os denomina vícios sociais, em oposição aos outros que são vícios do consentimento, por não estabelecerem, como estes, uma desarmonia entre o querer do agente e sua manifestação externa, mas uma insubordinação da vontade às exigências legais, no que diz respeito ao resultado querido.

           Todos, no entanto, sejam os vícios do consentimento, sejam os vícios sociais, formam um conjunto de defeitos dos atos jurídicos, que conduzem a consequências próximas ou análogas, e vão dar na invalidade do negócio realizado." (16)

           Os Vícios do consentimento são o erro, o dolo e a coação. Vícios sociais são a simulação e a fraude. Bem próximo dos vícios do consentimento está a lesão, que por isso encontra perfeita localização topográfica entre os defeitos do negócio jurídico.

           Vejamos mais um acórdão que vem oportunamente nos exemplificar o parágrafo acima:

           "APELAÇÃO CÍVEL N.° 346/75

Apelantes: Nelson Paese e sua mulher.

Apelados: João Granemann Drissen e Alícia Granemann de Souza.

Relator: Des. Ossian França.

           Promessa de venda de imóvel. Anulação. Vício de consentimento. Silêncio intencional.

           Há simulação de pagamento quando este é feito com ações de empresa que nunca operou, não tem responsável, nem sede, nem patrimônio e nem integralização de capital.

           Não ocorre prescrição, quando são promovidas no prazo prescricional medidas tendentes a rescindir o contrato, entre elas a de notificar o outro contratante, verificando-se, assim, causa interruptiva, como dispõe o art . 172, do Código Civil.

ACÓRDÃO N.° 10479

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.° 346/75, de Curitiba, em que são apelantes Nelson Paese e sua mulher, e apelados João Granemann Drissen e Alícia Granemann de Souza:

           1 - O agravo retido nos autos (fls. 80) diz respeito ao saneador, pretendendo os réus que se declare a prescrição do direito de ação dos agravados, nos termos do art. 178, § 9.°, inciso V, letra "b", do Código Civil. O outro agravo (fls. 121/123) refere-se ao inconformismo dos mesmos réus no tocante ao desentranhamento dos documentos que haviam juntado com seu memorial.

           Não merecem provimento tais recursos, entretanto.

           A prescrição não ocorreu, como bem argumenta o Dr. Juiz, porque os autores promoveram, no decorrer do mencionado prazo de quatro anos, medidas tendentes a rescindir o contrato, entre elas a de notificar os réus, terceiros interessados e o Oficial do Registro de Imóveis competente.

           Verificou-se, assim, causa interruptiva consoante dispõe o art. 172, do referido Código.

           Por outro lado, considera-se, com o Dr. Juiz a quo a impossibilidade processual de juntada de novos documentos com os memoriais. Já de si a juntada de memoriais, na vigência da lei processual anterior representava mera liberalidade porque as alegações finais deviam ser produzidas oralmente, na audiência, de modo que a apresentação de novas provas documentais na fase de julgamento, constituiria, sem dúvida, tumulto processual.

           2 - Entendem os réus, ora apelantes, em sua contestação, que teria ocorrido a prejudicial de coisa julgada, porque a mesma ação já fora intentada pelos autores contra Carlos Alberto Rubbo e Carlos Alberto Rubbo Filho, na comarca de Porto Alegre, tendo sido estes vitoriosos na demanda.

           Assevera o Dr. Juiz, todavia, com muita propriedade, que "aquela ação fora intentada contra seu sogro e cunhado, que são os outorgados da procuração de fls. 9 e depois que esta já havia sido revogada, conforme consta de fls. 146. Além disso, aquela ação era uma cominatória de prestação de contas, e esta, além de ser movida contra Nelson Paese, e não contra seus parentes, visa coisa diversa, ou seja, a anulação de um documento, que fora obtido dos autores, por meios dolosos".

           Está evidente, assim, não haver identidade de pessoas, coisa e causa de pedir de modo a caracterizar coisa julgada.

           3 - Quanto ao mérito, entende-se que a decisão recorrida não merece, também a pretendida reforma.

           Os autores, como consta dos autos, prometeram a venda de um imóvel ao réu varão, recebendo, deste, em pagamento 61.579 ações preferenciais nominativas da firma Cersul - Cerealista do sul S/A que, entretanto, nenhum valor econômico tem, porque essa firma "nunca operou, não tem responsável, nem sede, nem património e nem integralização de capital, conforme concluiu a perícia de fls. 68/74".

           Trata-se, com efeito, de ato anulável, caracterizando o vício de consentimento, com o artifício empregado, porque inexistindo a empresa que deu origem às ações, nenhum pagamento houve.

           Os autores incorreram em erro, porque houve simulação de pagamento por parte do réu varão.

           Estão configuradas as hipóteses dos arts. 147, II (anulável o ato por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude) e 92 (os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for a sua causa) do Código Civil.

           Houve, também, o silêncio intencional da parte da ré a respeito de fato ou qualidade que a outra parte ignorava (art. 94, do C. Civil) constituindo-se omissão dolosa e provando-se que sem ela se não teria celebrado o contrato.

           3 - Face ao exposto:

           Acordam em Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade, negar provimento ao agravo e à apelação, confirmando, assim, por seus fundamentos, a decisão recorrida.

           Custas ex vi legis.

           Curitiba, 7 de outubro de 1975.

           (aa) Anel Amaral

          Presidente

           Ossian França

           Relator

           Marino Braga" (17)

          

           Antes, porém, de entrarmos no estudo específico dos vícios do consentimento e dos sociais, cumpre-nos salientar o que existe de comum a todos, ou seja, o fundamento ontológico da teoria dos defeitos dos negócios jurídicos. Tal teoria irá deduzir-se como corolário natural do fundamento ético do negócio jurídico. Este, já vimos, e mal não há em repetir, é um fenômeno de dupla causação, pois que se origina da atuação conjunta da vontade e da lei. Quando falta a vontade, ou falta o preceito autorizador das conseqüências, o ato não chega a formar-se. Quando existe a vontade manifestada e o placet legal, constitui-se e produz seus efeitos regulares e queridos. Mas, quando é rompido o binômio vontade-norma legal, o ato se forma, porém maculado ou inquinado de um defeito. O traço de comunicação entre todos os vícios (do consentimento e sociais), que atingem o ato negocial, situa-se na ruptura do equilíbrio de seus elementos essenciais.

           Com efeito, é uma questão que atrai a atenção do jurista esta que se refere à valorização do elemento volitivo no negócio jurídico, e que se formula na indagação se deve prevalecer a teoria da vontade, ou a da declaração, questão tanto mais séria quanto diversas têm sido as respostas que no correr do tempo tem recebido. O direito romano primitivo, impressionado com materialização externa dos atos, e dominado pelo formalismo verdadeiramente sacramental ou ritual, atentou para a declaração, e cogitou da eficácia e produção de efeitos dos atos em razão da verificação objetiva da declaração. Valia, como fenômeno causador do ato, a exteriorização material da vontade e não propriamente a vontade interna do agente. Mas o mesmo direito romano, no período clássico, já quase se desvencilhou do fetichismo da forma e condicionou a validade e a produção de efeitos dos negócios jurídicos à verdadeira vontade do agente" (18).

3.4-IMPORTÂNCIA DA VONTADE NA FORMAÇÃO DO ATO E NEGÓCIO JURÍDICOS

           A rigor a vontade é a vertente principal do ato e do negócio jurídico.

           A vontade, como pedra fundamental do ato e do negócio jurídico deve merecer, portanto, a atenção do jurista. Mesmo sendo um fenômeno psicológico por excelência, deve ser dissecada dentro da ciência jurídica.

           O jurista ao deparar-se com a vontade deve ter condições de saber se ela, quando manifestada, o foi livremente, de forma consciente e com sentido sério.

           A vontade que atinge o mundo fático exterior, a vontade que é lançada contra o ordenamento jurídico para dela nascer, conservar ou extinguir um direito, nem sempre satisfaz as exigências deste mesmo ordenamento jurídico. O mundo do direito traça regras segundo as quais a vontade (mundo dos fatos) vai ou não ter algum significado, e se tiver de que forma o terá.

           Assim, a "vontade" que emana de um absolutamente incapaz, acarreta a nulidade para o ato que se vislumbrou fosse praticado. A vontade de um relativamente incapaz, sem a devida assistência, acarreta a anulabilidade do ato. Isto ocorre, porque estas são as regras do sistema jurídico. Aqui a vontade está ligada ao problema da capacidade. Temos entretanto, casos onde a vontade é manifestada por pessoas capazes, sem qualquer capitis deminutio, mas as regras jurídicas possibilitam que a validade destas manifestações seja questionada porque houve uma deturpação, um desvirtuamento, um vício. Porque houve um vício na vontade. O acórdão abaixo vai nos trazer à prática um caso em que se apresenta flagrante tal vício:

           " VÍCIO DE VONTADE - Captação ou sugestão - Estado mental precário, decorrente da senilidade - Assinatura em papéis em branco - Vontade não manifestada livremente - Anulação da transferência de veículo - Ação procedente, para esse fim - Apelação provida.

          

ACÓRDÃO

           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 292.701 da comarca de SÃO VICENTE, sendo apelante GONÇALO DE SOUZA e apelada MARIA DE LOURDES PORTÁSIO DE SOUZA:

           ACORDAM, em Quinta Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso.

           O apelante pretende anular a transferência de automóvel efetivada em favor da apelada, já que obtida ardilosamente. Assim, alega que, com 90 anos de idade, analfabeto e surdo, conheceu a apelada e, esta, ciente de que não tinha parentes, mas possuidor de alguns bens, o induziu a assinar seu nome (única coisa que sabe escrever) em folhas de papel em branco, sob alegação de necessárias para continuidade do inventário de sua falecida esposa, conseguindo, com tal ardil, a cessão de direitos hereditários da propriedade onde reside o apelante e a transferência do veículo questionado.

           Ainda, fez o apelante casar-se com ela no dia 28.7.1979, matrimônio que durou até o dia 13 de agosto e é objeto de anulação. Funda, a ação, no artigo 147, II do Código Civil.

           O douto Magistrado julgou a ação improcedente, entendendo não provadas as alegações iniciais.

           Não decidiu com o costumeiro acerto, mesmo porque também nenhuma prova foi feita quanto a regularidade da transferência, não havendo como ignorar que o ônus da prova era da apelada.

           Por outro lado, o fundamento jurídico da ação é traduzido pelo vício da manifestação de vontade, externada defeituosamente, na realidade de um artifício, empregado para induzir à prática de um ato prejudicial, em proveito da ré, ora apelada.

           Sem dúvida, tal fundamento, encontra eco no quadro formado.

           Assim, o apelante, homem de 90 anos de idade, sozinho, com deficiência auditiva, foi presa fácil à apelada, mulher de pouco mais de 40 anos, obtendo esta, através do chamado «dolo de captação ou de sugestão» seus intentos de cessão do imóvel onde residia o apelante (anulada, conforme acórdão anexado a fls.), e de transferência do veículo questionado. E note-se que o casamento posterior praticamente não existiu.

           A prova autoriza segura conclusão de que a apelada se valeu do estado mental precário do apelante, decorrente de senilidade, para obtenção da transferência, granjeando-lhe a estima, a simpatia, as boas graças (e tanto é assim que se casaram), conquistas impregnadas de má-fé, provocando-lhe erro sobre seus verdadeiros sentimentos.

           Portanto, à evidência, tivesse o apelante atinado com a intenção de sua futura esposa, com seus reais sentimentos, não assinaria papéis em branco. ou mesmo, qualquer outro documento de transferência de bens.

           A captação ou sugestão, em casos tais, deturpa o caráter espontâneo do ato.

           Foi o que ocorreu, conforme prova produzida, através de documentos e testemunhas, em tudo que se afina, levando à conclusão da existência de indícios e circunstâncias bastantes para livre consideração quanto a natureza do ato, a reputação da apelada e a verdade dos fatos narrados na inicial.

           Portanto, uma porção de provas indiciárias, circunstâncias e presunções, suficientes para demonstração de que a vontade do apelante não se manifestou livremente.

           Por esses motivos, dão provimento ao recurso para julgarem procedente a ação e, conseqüentemente, anularem a transferência do veículo mencionado na inicial, invertidos os ônus da sucumbência.

           Participaram do julgamento os Juizes JORGE TANNUS (Revisor) e PINHEIRO RODRIGUES.

           São Paulo, 21 de outubro de 1981.

           OETTERER GUEDES, Presidente e Relator." (19)

           Vimos mais uma vez a providência da lei no resguardo da fiel vontade do agente quando o mesmo declara algo diverso do seu sentimento íntimo.

          

3.5 -EXTERNAÇÃO DA VONTADE

           A vontade vai aparecer, vai se tornar conhecida, vai poder surtir efeitos no mundo jurídico, com sua exteriorização através da declaração. Enquanto a vontade está apenas no íntimo da pessoa, não tem qualquer significado para o Direito nem poderia ter, pela total impossibilidade de se saber o que vai dentro das pessoas antes que um sinal exterior o demonstre. Esta impossibilidade acarreta a total nulidade de qualquer indagação.

           Mas, a partir do momento em que a vontade é declarada (sob qualquer forma, inclusive pelo silêncio) passa a interessar, não só o que veio à tona, mas temos que retroceder e averiguar o "querer interno". Para saber se ele foi devidamente exteriorizado, ou se a conduta externa está de acordo com o desejo interno, ou se no processo de declaração não houve deturpação do que

           realmente o declarante queria. Também interessa saber se a vontade formou-se de modo exato se ao ser elaborada no íntimo do agente desde logo não houve um desvirtuamento próprio.

           Se houver discrepância entre a vontade declarada e a vontade interna ou se a vontade já nasceu defeituosa, haverá vício da vontade.

           Se a vontade é elemento básico dentro da noção de negócio jurídico - e isto é ponto pacífico - encontra-se algumas discrepâncias doutrinárias quando a questão está em saber até onde os vícios da vontade podem afetar o negócio jurídico.

           O antigo Direito Romano não considerava o erro como vício, e as posições não são tranquilas no que diz respeito aos efeitos, pelo menos em extensão, uns dando maior ênfase e importância ao instituto do que outros. Também será de fácil constatação a divergência quanto a somatória de elementos para que o erro seja considerado como vício da vontade.

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Sobre o autor
Luiz Wanderley dos Santos

bacharel em Direito, agente de polícia da PC/DF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Luiz Wanderley. Erro nos negócios jurídicos, vícios do consentimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/642. Acesso em: 22 dez. 2024.

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