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O regime da separação total (absoluta) de bens obrigatória na união estável

01/04/2005 às 00:00

Resumo:


  • Lei nº 10.406/02 regulou as relações patrimoniais decorrentes da União Estável nos artigos 1.723 a 1.727, estabelecendo o regime da comunhão parcial de bens como padrão, podendo ser alterado por contrato escrito.

  • O regime da separação total de bens na forma obrigatória é imposto pelo artigo 1.641 do Código Civil para pessoas com mais de 60 anos, impedidos de casar e dependentes de suprimento judicial, visando proteger o patrimônio acumulado ao longo da vida.

  • Não há equiparação entre União Estável e Casamento, com a legislação conferindo maior importância ao Casamento e estabelecendo normas mais detalhadas para esta forma de união, como no caso da sucessão hereditária.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1) Introdução:

Este artigo tem a finalidade de estabelecer a discussão de um assunto até então pouco difundido na doutrina jurídica brasileira. Em matéria de direito de família, muito se fala sobre a União Estável, ou seja, na entidade familiar, reconhecida constitucionalmente, constituída entre homem e mulher, "configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (art. 1.725, do Código Civil).

Antes da entrada em vigor da Lei n º 10.406/2002 (Código Civil), as situações jurídicas patrimoniais decorrentes das relações oriundas da União Estável em muito se aproximavam daquelas do Casamento. Porém, com a entrada em vigor da referida lei, pode-se observar que a intenção do legislador foi aquela que já era preconizada pelo legislador constituinte em 1988, no sentido de se dar mais proteção jurídica e incentivo às relações nascidas do matrimônio civil. Neste aspecto se concentra o presente artigo, especialmente no que se refere à aplicabilidade do regime da Separação Absoluta de bens, na forma Obrigatória, aos companheiros em situação própria.


2) O Regime de Bens na União Estável:

A Lei n º 10.406/02 regulou, de uma forma geral, as relações jurídicas decorrentes da União Estável nos artigos 1.723 a 1.727 e nos artigos 1.790 e 1.844 (estes dois últimos se referindo sobre sucessão hereditária). Antes desta lei, houve o reconhecimento da União Estável no artigo 226, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) [1], a regulamentação do direito dos companheiros a alimentos e à sucessão pela Lei n º 8.971/94 e a regulamentação do art. 226, § 3º, da CRFB/88 pela Lei n º 9.278/96.

O Regime de bens tem a função de estabelecer as relações econômicas entre os cônjuges durante o Casamento, ou entre os companheiros, na União Estável, também refletindo suas conseqüências em terceiros alheios à relação familiar. Assim, por exemplo, no Casamento, dependendo o regime matrimonial de bens, para a concessão de fiança ou aval há a necessidade de autorização do outro cônjuge (art. 1.647, III, do Código Civil), sem a qual poderão o cônjuge ou os seus herdeiros pleitear a decretação de invalidade do ato praticado sem o devido consentimento (art. 1.650, do Código Civil).

A importância do regime de bens, de uma forma geral, se dirige a dois aspectos: um, à dissolução de relação matrimonial ou de União Estável em vida (no casamento, por separação judicial ou divórcio direto, ou por reconhecimento e dissolução de União Estável); e outro, no caso de morte do(a) cônjuge ou do(a) companheiro(a), abrindo-se a sucessão hereditária.

Relativamente à participação dos companheiros de União Estável na herança do outro, inicialmente cuidaram os artigos 2º e 3º, da Lei n º 8.971/94 sobre este aspecto [2], nada se referindo sobre a dissolução em vida.

Somente com a edição da Lei n º 9.278/96 a dissolução da União Estável em vida dos companheiros passou a ter uma regulamentação legal, aproximando-se do regime da comunhão parcial de bens do Casamento, dispondo em seu artigo 5º que:

"Art. 5º. Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

§ 1º Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.

§ 2º A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito".

Com a entrada em vigor da Lei n º 10.406/02 (Código Civil), em seu artigo 1.725, estabeleceu-se que "Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens". Saliente-se que este regime de bens é aplicável somente na hipótese de dissolução em vida entre os companheiros, pois, no caso de dissolução por morte a regulamentação é realizada pelo artigo 1.790.


3) O regime da Separação Total (Absoluta) de bens na forma Obrigatória [3]:

O Regime da Separação Total (Absoluta) de bens consiste na incomunicabilidade dos bens e dívidas anteriores e posteriores ao Casamento, constituindo o gênero, desmembrando-se em duas espécies: a) Regime da Separação Absoluta na forma Convencional (art. 1.687 e 1.688, do Código Civil); b) Regime da Separação Absoluta na forma Obrigatória. O regime da Separação de Bens Obrigatória é aquele estabelecido no artigo 1.641, do Código Civil, o qual determina que se casarão neste regime, sem qualquer comunicação dos bens ou dívidas:

a) as pessoas casadas com os impedimentos descritos no artigo 1.523, do Código Civil [2] (causas suspensivas do casamento);

b) a pessoa maior de sessenta anos;

c) todos os que dependerem de suprimento judicial para casar.

O legislador obriga tais pessoas a contraírem núpcias sob a égide deste regime, o que difere do regime da Separação de Bens Convencional, na qual os nubentes, isentos de qualquer dos impedimentos anteriormente mencionados, decidem sobre a incomunicabilidade de seus bens e dívidas, anteriores e posteriores ao casamento.

Este impedimento se manifesta em razão de interesses sociais e éticos. Busca-se assegurar a proteção patrimonial de pessoas que tenham acumulado algum patrimônio durante a vida e, diante da expectativa de vida que possuem, possam ser prejudicadas por interesses de eventuais "aproveitadores". Tenta-se evitar o vulgo "golpe do baú".

Agora, imaginem-se dois casais. O primeiro casal é Pedro, 61 anos, solteiro, e Ana, 56 anos, viúva. O segundo casal é João, 62 anos, viúvo, e Maria, 55 anos, viúva. Pedro e Ana querem se casar civilmente, enquanto que João e Maria querem constituir União Estável.

Conforme o art. 1.641, II, do Código Civil, Pedro e Ana deverão se casar pelo Regime da Separação Total de bens na forma obrigatória, em decorrência de Pedro contar com mais de sessenta anos de idade. Portanto, o casal não terá possibilidade de escolher o regime de bens que lhe aprouver, porque há imposição legal relativa ao regime matrimonial.

Quanto a João e Maria, casal que pretende constituir União Estável, não há imposição legal para que o regime de bens escolhido seja o da Separação Total de Bens na forma Obrigatória. Como se observou, na constituição de União Estável, se não houver sido escolhido outro regime de bens entre os companheiros, prevalecerá o regime da comunhão parcial de bens. Neste caso, supondo-se que houvesse a dissolução da União Estável em vida, se o casal não houvesse escolhido algum regime de bens diverso (prevalecendo a comunhão parcial, de acordo com o artigo 1.725, do Código Civil) e se algum deles tivesse adquirido algum bem a título oneroso na constância da união, este bem seria dividido por igual entre ambos. Diversamente seria a situação de Pedro e Ana, casados civilmente sob o regime da Separação Total de Bens na forma Obrigatória, pois, caso houvesse separação judicial de ambos, nenhum teria direito sobre o bem adquirido pelo outro na constância da união.


4) Casamento x União Estável: há equiparação?

Por equiparação entenda-se a possibilidade de concessão dos mesmos benefícios já alcançados por situação diversa.

Antes de tudo, é importante aventar a importância legal dada às uniões civis Matrimoniais. Como se adiantou, a CRFB/88 parece estabelecer proteção maior ao Casamento, pois, na redação do § 3º do artigo 226, observa-se que a Constituição reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, mas deve a lei "facilitar sua conversão em casamento". Não se pretende o contrário. "Facilitar" significa "apresentar ou representar (algo) como fácil (ou como mais fácil do que é na realidade)" [4]. Creio que a intenção de facilitar reside no fato de que as relações decorrentes do Casamento estabelecem maior certeza para a Sociedade relativamente aos aspectos da vida social, patrimonial e particular dos indivíduos envolvidos. Isto porque se torna muito mais fácil, por exemplo, estabelecer a divisão patrimonial numa ação de separação judicial do que numa ação de reconhecimento e dissolução de união estável, vez que, naquela, o regime de bens e o momento da aquisição do patrimônio é muito mais fácil de ser comprovada e discutida do que nesta, haja vista a documentação realizada no momento da habilitação matrimonial, ausente em muitas relações entre companheiros que vivem em União Estável.

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Por outro lado, ao se observar o atual Código Civil, observa-se que o legislador claramente se posicionou no sentido de conferir maior importância ao Casamento, estabelecendo normas mais minuciosas sobre esta forma de união do que a União Estável, que foi tratada, de forma geral, somente em 5 artigos do mesmo Código. Ainda, ao se tratar da questão sucessória, somente dois artigos se referem sobre o direito de sucessão hereditária dos companheiros (art. 1.790 e 1.844). E, não bastasse isso, ainda não houve reconhecimento do(a) companheiro(a) na qualidade de herdeiro(a) necessário(a) (artigo 1.845).

De tudo o que foi retratado, observa-se que não há como se equiparar a União Estável ao Casamento, e a intenção, de modo geral, é estabelecer facilidades desta forma de união para que aquela seja convertida nesta, e não o modo contrário. Portanto, quando utilizado no exemplo acima a situação de ambos os casais, Pedro e Ana (que pretendem se casar) estariam em desvantagem relativamente a João e Maria (que pretendem viver em União Estável). Por tal motivo, entende-se que, na visão do legislador constitucional e do legislador ordinário, nas Uniões Estáveis em que um, ou ambos os companheiros se encontrar em idade maior de 60 (sessenta) anos, o regime da separação total de bens na forma Obrigatória é que se impõe para a hipótese de reconhecimento e dissolução de União Estável, ainda que haja pacto diverso realizado pelo casal.


5) Considerações finais:

Segundo o estudo realizado, chega-se, sucintamente, às seguintes considerações:

a) o regime da comunhão parcial de bens prevalece nas Uniões Estáveis, exceto na hipótese de haver pacto entre os companheiros elegendo regime diverso;

b) o regime da comunhão parcial ou a escolha de diverso regime prevalecem somente para regular a dissolução da União Estável entre companheiros enquanto estiverem vivos, pois, na dissolução por morte, este regime eleito não surte reflexos imediatos na divisão, exceto para se saber quais são os bens adquiridos onerosamente na vigência da União Estável, pois na sucessão hereditária entre companheiros se aplicará a divisão ordenada pelo art. 1.790, do Código Civil;

c) não há equiparação da União Estável ao Casamento pelos legisladores constitucional e ordinário, atendendo-se à priorização do Casamento e não se podendo conceder mais benefícios à União Estável do que ao Matrimônio civil. Isto porque iria contrariar a finalidade determinada pela Constituição Federal no intuito de facilitar a conversão da União Estável em Casamento;

d) Pelas razões expostas, aplica-se também às Uniões Estáveis de companheiros maiores de 60 (sessenta) anos a imposição do Regime da Separação Absoluta de bens na forma Obrigatória estabelecida aos cônjuges em função da idade (art. 1.641, II, do Código Civil).


Notas

1 "art. 226. (...)

§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

2 "Art. 2º. As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

I- o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste ou comuns;

II- o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;

III- na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.

Art. 3º. Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro(a), terá o sobrevivente direito à metade dos bens".

3 Os três primeiros parágrafos deste item foram extraídos do artigo "Algumas aplicações da mudança do regime de bens do casamento", de autoria deste mesmo autor, adaptado para o texto ora realizado. Aquele artigo se encontra no seguinte endereço eletrônico: www.jus.com.br/artigos/5518

4 DICIONÁRIO eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, (2002). 1. CD-ROM.

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Sobre o autor
Diego Richard Ronconi

Advogado, Mestre e Doutorando em Ciência Jurídica pelo CPCJ/UNIVALI, Professor de Direito na Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI (graduação e Pós-Graduação), na Associação Catarinense de Ensino – ACE – Joinville-SC e Pós-Graduação em Universidades no Paraná e Santa Catarina, Professor Assistente do Mestrado Acadêmico do CPCJ/UNIVALI, Professor da Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público do Estado de Santa Catarina e da Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina (ESMAFESC), Autor do Livro Falência & Recuperação de Empresas: análise da utilidade social de ambos os institutos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RONCONI, Diego Richard. O regime da separação total (absoluta) de bens obrigatória na união estável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 632, 1 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6551. Acesso em: 21 dez. 2024.

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