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Controle jurisdicional nos concursos públicos

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06/04/2005 às 00:00
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Não raro, ocorre o julgamento prematuro e temerário de mandados de segurança, inclusive sem apreciação de mérito, em razão da suposta impossibilidade da intromissão do Judiciário na correção de questões de concurso público.

SUMÁRIO: I. Introdução; II. Necessidade de controle dos poderes; III. Concurso Público (natureza jurídica); IV. Ato discricionário e vinculado; V. Controle de legalidade; e VI. Conclusão.


I – Introdução

Observa-se nos meios jurídicos, não raro, o julgamento prematuro e temerário de inúmeros Mandados de Segurança, inclusive alguns sem apreciação de mérito, pelos nossos mais variados Pretórios, em razão da impossibilidade – segundo sustentam eles - da intromissão do Poder Judiciário na correção de questões de concurso público.

Fulminam o Mandado de Segurança, lamentavelmente, utilizando-se de precedentes jurisprudenciais e excertos doutrinários inaplicáveis na grande maioria das vezes. Citam-se, para uma melhor compreensão, alguns:

"O critério de correção de provas e atribuição de notas estabelecido pela banca examinadora não pode ser admitido pelo judiciário, limitando-se a atuação deste ao exame da legalidade do procedimento administrativo" (RSTJ 22/156).1

Ou:

"A competência do Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional dos atos administrativos, restringe-se à legalidade do procedimento, sendo-lhe vedada a apreciação concernente ao mérito, conveniência e oportunidade" (ACMS n. 1999.018648-2 – Relator Desembargador Luiz César Medeiros).2

Ainda:

"Atos administrativos discricionários – seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles" (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros. 2001. pág. 383).3

Não se questiona, aqui, o conteúdo dos excertos acima transcritos, mas apenas quanto à sua aplicabilidade, posto que, salvo melhor juízo, somente são aplicáveis quando se tratar de ato administrativo discricionário. Ao revés, no que tange aos atos administrativos vinculados, sempre deve reinar o princípio da legalidade (Art. 37, caput, da C.F.), cabendo ao Poder Judiciário, de forma indeclinável, realizar o controle jurisdicional nos casos de flagrante transgressão normativa.

Assim, o singelo estudo demonstrará, respeitando os que profligam diferentemente, que o concurso público, por se tratar de processo administrativo, é formado pelo concatenamento de vários atos administrativos, alguns discricionários e outros, na grande maioria, vinculados.

Demonstrará, também, que, dentre estes últimos (vinculados), estão englobados os atos proferidos pelas Comissões de Concursos, notadamente os que dizem respeito ao resultado (gabarito oficial) das questões do certame, competindo ao judiciário, dessa forma, fazer o controle de legalidade.

Em suma, o presente artigo analisará se pode o Judiciário entrar no mérito de uma questão de concurso público para:

- Verificar o acerto, ou não, da resposta dada pela comissão;

- Verificar o acerto, ou não, da alternativa assinalada pelo candidato (quando existir mais de uma resposta correta);

- Ou ainda, verificar se a matéria ventilada numa determinada questão está, ou não, contemplada no edital.


II – Necessidade de controle dos poderes

A nossa Constituição Federal, com o propósito de garantir o equilíbrio, a independência e a harmonia entre os poderes da república (Judiciário, Executivo e Legislativo), formou um sistema de controle/fiscalização mútuo, evitando-se, com isso, a supremacia de um poder sobre o outro (sistema de pesos e contrapesos).

Em outras palavras, esse sistema faz com que se limite o poder pelo próprio poder, assegurando a convivência harmônica entre eles, conforme estabelece o art. 2° da Carta Magna, inclusive com status de clausula pétrea (art. 60, § 4º, III, da C.F.).

Além disso, essa tripartição, nas palavras de seu idealizador (Barão de Montesquieu), visa impedir a concentração de poderes para preservar a liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos governantes.

Na prática e de um modo geral, o controle dos poderes é exercido sobre os atos que cada um profere, quais sejam, administrativos, legislativos e judiciais.

Assim, sinteticamente, passa-se a analisar cada qual:

1.Dos atos administrativos

O Poder Legislativo tem por incumbência, auxiliado pelos Tribunais de Contas, a fiscalização dos atos administrativos, consoante preconiza o art. 49, X, da C.F.

Por sua vez, ao Poder Executivo foi conferido o poder de revogar ou anular tais atos, desde que por ele próprio praticados. A primeira situação exsurge quando o ato se tornar inconveniente ou inoportuno para a Administração Pública. A segunda, amparada no princípio da autotutela, ocorre quando for detectada alguma ilegalidade nos aspectos formadores do ato administrativo (competência, forma, finalidade, motivação e objeto), consoante súmula 473 do Supremo Tribunal Federal: "a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais".

Por fim, cabe ao Poder Judiciário, tão somente, fazer o controle jurisdicional, anulando o ato administrativo malferido pela ilegalidade. A matéria, por ser o objeto primordial do presente estudo, terá uma maior abordagem.

Convém ressaltar, por oportuno, que tais atos (administrativos) podem ser proferidos tanto pelo Poder Executivo (função primordial), como também pelo Legislativo e Judiciário, quando, excepcionalmente, estejam no exercício de funções administrativas, atípicas em relação às suas funções normais, como, por exemplo, na instauração de concurso público para provimento de seus próprios cargos.

Com efeito, tanto o Legislativo como o Judiciário, quando investidos em funções administrativas, têm a possibilidade de revogarem ou anularem seus próprios atos administrativos, da mesma forma que o Executivo, consoante já acima explanado.

2) Dos atos legislativos (leis em sentido lato)

O próprio Poder Legislativo, dentro de sua competência legiferante, pode revogar uma determinada lei, substituindo-a por outra, mais conveniente e oportuna.

Ao Poder Judiciário, quando provocado (ante o princípio da inércia da jurisdição), compete declarar ineficaz o ato legislativo por meio do controle de constitucionalidade, tanto pelo sistema difuso como concentrado. No primeiro caso, a argüição é realizada incidentalmente dentro de um processo judicial litigioso. No segundo, a ação tem por objeto fundamental e exclusivo a própria declaração de inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, como por exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade.

3) Dos atos judiciais

Estando o Poder Judiciário escalonado de forma vertical, cujo ápice é o Supremo Tribunal Federal (onde seus ministros são escolhidos pelo chefe do executivo federal), todos os atos judiciais, isto é, sentenças e acórdãos, podem ser objeto de nova apreciação pela instância superior, mediante recurso da parte prejudicada, fenômeno pelo qual se dá o nome de efeito devolutivo.

Além disso, os provimentos judiciais são constantemente vigiados pelas partes, advogados e Ministério Público, órgão este autônomo mas integrante do Poder Executivo que, após a Carta de 1988, adquiriu enorme contingente de atribuições.

Conclui-se, assim, que os 03 (três) principais atos praticados pelo Poder Público, no exercício das suas funções primordiais, quais sejam, legislar, administrar e julgar, são contínua e harmonicamente fiscalizados pelos próprios poderes da república.


III – Concurso Público (natureza jurídica)

O concurso público trata-se, na essência, de um processo administrativo tendente a selecionar o candidato mais apto a ocupar um cargo ou emprego público, tanto da administração direta como indireta.

Celso Antônio Bandeira de Mello (pág. 392), ao classificar o concurso público como procedimento concorrencial, uma das espécies de processo administrativo, preleciona que "Assim, a nomeação de um funcionário efetivo é a conclusão de um conjunto de atos ordenados em seqüência e que precedem necessariamente o ato final de provimento. Com efeito: a primeira providência, a dizer, o primeiro ato necessário, é a abertura de concurso para publicação dos editais. Depois disso, há a fase de recebimento das inscrições, em que alguns – os que preenchem as condições previstas no edital como indispensáveis para concorrer – são admitidos e outros liminarmente excluídos. Desta decisão cabem recursos, donde os atos decisórios pertinentes a eles. Vencida esta etapa, realizam-se as provas e correspondente atribuição de notas, das quais, aliás, também cabem recursos e correlatas decisões. Afinal, há a classificação dos candidatos e, por último, as nomeações dos habilitados, segundo a ordem das respectivas classificações."

O sempre festejado Hely Lopes Meirelles (pág. 380), a respeito, anota que "O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando empregos públicos."

Por ter natureza de processo administrativo, consoante já exposto, o concurso público é formado pela sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos, podendo, em tese, cada quais se sujeitarem ao controle jurisdicional, caso evidenciada alguma ilegalidade.

Portanto, todos os atos administrativos praticados no desenrolar do certame público, incluindo aí, evidentemente, o gabarito oficial divulgado pela comissão de concurso, ficam adstritos aos princípios constitucionais, às leis e ao próprio edital, sob pena de serem invalidados pela própria Administração Pública ou, em última instância, pelo Poder Judiciário.

A propósito, Walter Ceneviva (pág. 122) adverte que "O edital, enquanto notícia pública do concurso, vincula a administração, ao mesmo tempo em que determina as regras da disputa e dos elementos de fato que a caracterizam."

É evidente que em certas situações, nas quais se exigem, para uma melhor solução, a utilização de critérios de conveniência e oportunidade, a lei e o edital podem conferir à comissão de concurso uma margem de discricionariedade para a prática de determinados atos. Somente em relação a essa discrição, denominada "mérito do ato administrativo", é que se torna incabível qualquer intervenção jurisdicional.

Ponto crucial, por conseguinte, é estabelecer quais atos são emanados em decorrência do poder discricionário e, em contrapartida, os atos vinculados (= sem qualquer poder de liberdade), justamente para se averiguar quais situações comportam o controle jurisdicional. Essa diferenciação será objeto de estudo logo adiante.


IV – Ato discricionário e vinculado

No Estado de Direito, como o nosso, os particulares (administrados) podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, enquanto o Poder Público, em obediência ao princípio da legalidade insculpido no art. 37 da Carta Magna, só pode agir quando houver permissão legal.

Assim, devem os atos administrativos estar sempre embasados em alguma norma legal permissiva, que os precede, numa espécie de subsunção entre a lei e o ato.

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Ocorre que, dependendo da situação, a norma legal pode outorgar, ou não, uma certa liberdade à prática do ato administrativo.

Quando inexistir qualquer margem de liberdade para a prática do ato, isto é, quando a norma jurídica tipificar o único possível comportamento da Administração Pública, diz-se que há vinculação e, por conseguinte, que o ato a ser expedido é vinculado.

Celso Antônio Bandeira de Mello (pág. 810), nesta mesma linha, arremata que "A lei, todavia, em certos casos, regula dada situação em termos tais que não resta para o administrador margem alguma de liberdade, posto que a norma a ser implementada prefigura antecipadamente com rigor e objetividade absolutos os pressupostos requeridos para a prática do ato e o conteúdo que este obrigatoriamente deverá ter uma vez ocorrida a hipótese legalmente prevista."

Por outro lado, quando a norma jurídica conferir à Administração Pública mais de um caminho legítimo, dando uma certa liberdade de escolha segundo a sua própria conveniência e oportunidade, fala-se em poder discricionário, cujo implemento faz exsurgir um ato discricionário.

O renomado autor citado (pág. 821), de forma categórica, assim define: "Discricionariedade é a margem de ‘liberdade’ que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente."

Esse poder discricionário, conferido pela lei, possibilita ao administrador agir com maior dinamismo diante de um caso concreto, tornando-se, inclusive, instrumento imprescindível e necessário em certas situações. Daí a razão da sua existência.

Nesse mesmo sentido, prossegue o aludido autor (pág. 811): "Se a lei todas as vezes regulasse vinculadamente a conduta do administrador, padronizaria sempre a solução, tornando-a invariável mesmo perante situações que precisariam ser distinguidas e que não se poderia antecipadamente catalogar com segurança, justamente porque a realidade do mundo empírico é polifacética e comporta inúmeras variantes. Donde, em muitos casos, uma predefinição normativa estanque levaria a que a providência por ela imposta conduzisse a resultados indesejáveis."

Essa diferenciação (entre ato vinculado e discricionário) é de suma importância, uma vez que tornará perceptível, diante de um caso concreto, quais atos administrativos estão sujeitos à intromissão do Poder Judiciário por meio do controle jurisdicional ou de legalidade.

Ao Poder Judiciário, por imposição constitucional, foi conferido o dever indeclinável de fulminar qualquer ato atentatório ao ordenamento jurídico vigente, principalmente quando violar direito individual garantido constitucionalmente, porquanto "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Carta Política)"

Destarte, quando a norma jurídica não der margem alguma de liberdade ao administrador, isto é, quando se tratar de ato vinculado, este deve estar em perfeita consonância com a lei, sob pena de ser invalidado pelo Poder Judiciário.

De outro lado, quando a norma conferir certa discrição ao ato administrativo, vale dizer, quando conceder ao expedidor do ato margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo seus critérios de conveniência e oportunidade, denominado poder discricionário, incabível qualquer intervenção jurisdicional neste particular.

Esse poder, evidentemente, não é ilimitado e visa, sobretudo, proporcionar à Administração a adoção da melhor providência diante de um caso concreto, sempre alicerçado no interesse público almejado pela norma jurídica que lhe deu origem.

Com efeito, mesmo em se tratando de ato discricionário, é possível a intervenção do Judiciário quando evidenciado algum desvirtuamento da finalidade abarcada pela lei (desvio de poder), bem como extrapolamento dos parâmetros nela preestabelecidos. A norma, e somente ela, é quem vai estabelecer, diante de uma situação concreta, a área limítrofe de atuação da Administração Pública, podendo ser mais dilatada ou não.

Calha bem, por oportuno, a lição do mestre deveras citado (pág. 827): "Assim como ao Judiciário compete fulminar todo comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária."

Nesse sentido, disserta Maria Sylvia Zanella Di Pietro (pág. 202-203): "com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível, mas terá que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que ela é assegurada pela lei. A rigor, pode-se dizer que, com relação ao ato discricionário, o Judiciário pode apreciar os aspectos da legalidade e verificar se a Administração não ultrapassou os limites da discricionariedade; neste caso, pode o Poder Judiciário invalidar [por ilegalidade] o ato, porque a autoridade ultrapassou o espaço livre deixado pela lei e invadiu o campo da legalidade."

Portanto, não só o ato administrativo vinculado, mas também o discricionário nos casos supracitados, podem ser objeto de invalidação pelo Poder Judiciário, o qual tem por função indelével a proteção do princípio da legalidade.


V – Controle de legalidade

Com supedâneo em tudo aquilo que já foi esposado, resta então a análise do objeto central do nosso estudo, qual seja, a possibilidade de controle jurisdicional nas provas de concurso público.

Inicialmente, cumpre esclarecer que, sem sombra de dúvida, o resultado (gabarito oficial) divulgado pela comissão de concurso é ato administrativo vinculado. Isto porque, indubitavelmente, a única opção da comissão fica limitada em emitir a "resposta correta/verdadeira" à questão formulada ao candidato.

A lei, prestigiando a finalidade do concurso, qual seja, selecionar o candidato mais apto, não dá e nem pode dar qualquer margem de liberdade à comissão, sob pena de ser declarada inconstitucional por violação de inúmeros princípios constitucionais, dentre os quais o da igualdade, moralidade, impessoalidade etc.

Da mesma forma, o edital, que é a lei do concurso, não pode conferir qualquer margem de discricionariedade à comissão, no que se refere também ao resultado (gabarito oficial) do certame.

Além disso, sua vinculação em proferir a resposta correta/verdadeira encontra respaldo, igualmente, no princípio da moralidade pública (art. 37, caput, da Carta Política). Para comprovar, faz-se a seguinte indagação: seria moral a comissão emitir resposta incorreta? É evidente que não!

É de conhecimento comezinho que qualquer ato administrativo que atentar contra os princípios constitucionais, principalmente aqueles elencados no artigo 37, está sujeito à invalidação.

Nesse raciocínio, não resta dúvida que se a comissão emitir como resposta aquela que não for a verdadeira, estará ferindo frontalmente o princípio da moralidade pública, tornando o ato imoral e passível de invalidação.

Se não bastasse o argumento acima, a finalidade do concurso resta também lesionada caso a comissão profira resposta não verdadeira. Já se disse que o ato administrativo deve respeitar a finalidade abarcada pela lei, sob pena de estar-se diante de um evidente desvio de poder.

Pois bem. A finalidade do concurso, como já salientado inúmeras vezes, é justamente selecionar o candidato com maior número de conhecimentos científicos, isto é, o maior conhecedor de verdades científicas.

Em sendo assim, a comissão está obrigada a emitir a resposta correta/verdadeira, pois, do contrário, estar-se-ia selecionando o candidato menos apto, fugindo por conseguinte da finalidade do concurso público.

Tem-se conhecimento que não existe norma legal, de forma expressa, impondo a qualquer Comissão de Concurso a emitir resposta correta/verdadeira à pergunta que formulou, contudo, essa conclusão extrai-se implicitamente daquilo que foi dito acima, isto é, em razão do princípio da moralidade e da finalidade do concurso público.

Por ilação, não há que se cogitar em ato administrativo discricionário, com todo respeito àqueles que pensam diversamente. Como já se assentou aqui, o poder discricionário exsurge quando a norma conferir mais de um caminho legítimo ao administrador.

Tal hipótese é inaceitável, porquanto qualquer outro resultado divulgado pela comissão, que não seja o correto/verdadeiro, estaria trilhando um caminho manifestamente ilegítimo, bem como ilegal.

Ademais, o poder discricionário tem por justificativa existencial dar ao administrador a escolha da melhor providência a ser tomada diante de um caso concreto, o que o torna totalmente incompatível e inaplicável quando se está diante de resultado de questão de concurso público.

Portanto, resta à comissão proferir um único ato, qual seja, publicar a resposta correta à questão posta ao candidato. Por exemplo: se uma determinada questão indagar qual é a soma dos algarismos 02 (dois) e 03 (três), não resta à comissão outra alternativa senão publicar a resposta 05 (cinco). Trata-se, evidentemente, de um exemplo esdrúxulo, mas foi aqui utilizado de forma proposital para uma melhor compreensão.

A resposta divulgada pela comissão, entretanto, deve estar sempre amparada nos conhecimentos científicos, tanto nas ciências exatas (álgebra, física, química etc.) quanto nas sociais (história, sociologia, direito etc.), comumente encontradas nas obras literárias.

Isto porque, somente o conhecimento científico é quem pode dar uma relativa exatidão e certeza sobre a realidade. Nesse mesmo raciocínio esclarece João Álvaro Ruiz (pág. 131) que "Tanto os processos de pesquisa científica como os resultados finais alcançados gozam de exatidão relativamente aos outros modos de conhecer. Essa exatidão característica da ciência, relativa às suas conclusões, decorre da possibilidade de se demonstrar, por via de experimentação ou evidência dos fatos objetivos, observáveis e controláveis, o mérito de seus enunciados. (...) Embora os enunciados científicos possam ser passíveis de revisões pela sua natureza "tentativa", no seu estado atual de desenvolvimento, a ciência fixa degraus sólidos na subida para o integral conhecimento da realidade"

Dirimida tal controvérsia, passa-se à analise, de forma individualizada, das 03 (três) situações levantadas na introdução.

1) Questão com resposta incorreta

Em se tratando de comportamento vinculado, eis que a comissão está obrigada a proferir somente a resposta correta; qualquer outra alternativa, que não seja a verdadeira, importa em ilegalidade, passível de controle jurisdicional, consoante já alhures analisado.

Em notável decisão4, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no acórdão nº 00342803, relatado pelo Desembargador José Raul Gavião de Almeida, de 20/03/2001, ao apreciar Mandado de Segurança onde se discutia o uso da crase na frase "ficava exposto a chuva", assim sintetizou:

"V – Acresça-se, ainda mais uma vez antes de enfrentar o mérito do "mandamus", ser possível ao Judiciário examinar o acerto do resultado adotado para determinada questão, apreciando o mérito do ato administrativo avaliatório.

Pode o Judiciário examinar o ato administrativo que expresse uma ilegalidade. Reserva-se ao Judiciário o controle pleno da legalidade do ato administrativo, à qual está sujeito o administrador por força do art. 37 da Constituição Federal (redação data pela Emenda Constitucional nº 19, de 4.6.1998):

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:..."

E constitui ilegalidade atribuir resultado errado a questão em concurso público. Assim não o fosse, poderia o administrador atribuir classificação pessoal aos candidatos, independentemente do mérito de cada um deles.

VI – No que concerne ao mérito da impetração, a crase, de origem grega, tem o significado de junção de duas vogais iguais.

Assim, a fusão do artigo definido feminino "a" com a preposição "a" resulta na grafia da vogal "a" com o acento indicativo da crase (à). Em princípio, portanto, na frase "ficava exposto a chuva" a expressão expor-se exige a preposição, na medida em que se o faz à consideração de algo, e a palavra chuva, substantivo feminino, não exclui ser precedida do artigo definido feminino.

Por sua vez, é regra gramatical da língua portuguesa a não incidência do acento indicativo da crase antes de substantivo feminino tomado em sentido genérico ou indeterminado (Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante, em Gramática da Língua Portuguesa, p. 30, ed. Scipione).

Por isso, a solução da questão levada ao concurso deveria ser alcançada como a correta qualificação da palavra chuva. Se genericamente considerada, abolida restaria a crase, e se, ao contrário, tratar-se de precipitação pluviométrica certa, imporia o uso do acento indicativo da crase.

O contexto em que a frase "quando voltava para casa" foi colocada tem sentido indeterminado e, por isso, o erro de correção não pode ser reconhecido. Não se tratando, repita-se, de chuva certa, mas da generalidade delas, a crase não ocorria."

Assim, o Poder Judiciário não só pode, como tem o dever de entrar no mérito de questão de concurso público, a fim de averiguar-se se a resposta divulgada pela comissão está ou não correta, nomeando-se, caso necessário, perito para tal tarefa, na forma dos artigos 420 e seguintes do Código de Processo Civil.

Em agindo assim, o Judiciário não estará intervindo no mérito do ato administrativo, isto é, na sua conveniência e oportunidade, como pode parecer, pois isto não se trata de ato discricionário, mas, sim, vinculado.

Em suma: a comissão não pode, ao seu bel-prazer, escolher qualquer resposta à questão formulada. Se assim o fizer, estar-se-á perpetuando a ilegalidade, mal que deve ser combatido de todas as formas pelos órgãos jurisdicionais.

Na questão aritmética acima aludida, onde se indagou o somatório dos algarismos 02 (dois) e 03 (três), qualquer outra resposta dada pela comissão, que não seja 05 (cinco), configura ato manifestamente ilegal, pois "dizer que é certo quando está incorreto, denota ilegalidade".

Cabe, assim, ao judiciário, quando provocado, anular a resposta dada pela comissão, determinando-se que outra seja proferida ou, então, que seja considerada como correta a alternativa assinalada pelo candidato, quando, neste último caso, ela for verdadeira e estiver comprovada nos autos.

2) Questão com mais de uma resposta correta

Por outro lado, quando a questão comportar mais de uma resposta como correta, deve o Judiciário, da mesma forma, aprofundar-se em seu mérito e, se for o caso, reconhecer como verdadeiras também aquelas não contempladas pelo gabarito.

Isto porque, em se tratando de ato administrativo vinculado, a comissão está obrigada a emitir a resposta correta/verdadeira, mesmo que haja mais de uma para a questão que formulou ao candidato. Em outras palavras, sua vinculação consiste em proferir como resposta todas aquelas que forem corretas e verdadeiras.

Por exemplo: se uma questão indagar qual dos números a seguir é "par", dando como alternativas 01, 02, 03, 04 e 05, não resta dúvida que, dentre elas, existem duas corretas.

Insistindo a comissão em apenas uma delas (02 ou 04) como corretas, mesmo após a interposição de recurso administrativo, cabe ao judiciário examinar a alternativa assinalada pelo candidato que, injustamente, não foi contemplada pelo gabarito.

Concluindo o Judiciário pela sua exatidão, compete a este anular toda a questão ou, alternativamente, determinar à comissão que se reconheça como verdadeira também a alternativa assinalada, porquanto "dizer que é incorreto quando na verdade está certo, exprime ilegalidade".

Ademais, quando o gabarito enuncia como correta apenas uma delas, por questão de lógica, todas as outras estão excluídas, ou melhor, a comissão as considera incorretas.

Questão intrigante, mas com solução, evidencia-se quando houver divergência na questão formulada ao candidato.

Sabe-se que, consoante já salientado, não existe verdade absoluta, principalmente quando se está diante das ciências sociais, incluindo-se aí o Direito. As divergências doutrinárias e jurisprudenciais são comumente visualizadas nos meios jurídicos.

Para tal solução, deve-se utilizar da verdade relativa, isto é, verossímil, facilmente encontrada por meio do Princípio da Razoabilidade. Quando numa questão houver dissidência, a comissão deve aceitar como resposta (correta/verdadeira) todas aquelas que forem razoáveis e verossímeis, pois, do contrário, se estaria prejudicando o candidato que optou por uma das correntes também aceitáveis.

Se porventura a comissão não contemplar todas as teses verossímeis/razoáveis e negar, posteriormente, o recurso administrativo do candidato prejudicado, tem este a possibilidade de invocar a tutela jurisdicional para que, com base no princípio da razoabilidade, o Poder Judiciário anule toda a questão ou reconheça como verdadeiras todas as teses, desde que razoáveis e verossímeis.

É evidente que tal tarefa não é fácil, mas o Judiciário não pode curva-se diante de lesão ou ameaça de direito. Essa razoabilidade e verossimilhança, naturalmente, demandam análise diante de um caso concreto, todavia, não se pode deixar de reconhece-las quando a tese estiver amparada em um número aceitável de adeptos. Por outro lado, quando ela mostrar-se totalmente desarrazoada, sem qualquer fundamento nas ciências, deverá ser imediatamente descartada.

3) Questão em desacordo com o edital

Para algumas situações preestabelecidas, evidentemente, há possibilidade do edital conferir certo poder discricionário à comissão para a prática de atos segundo a sua conveniência e oportunidade, viabilizando sobremaneira o transcurso do certame público.

Como exemplos mais freqüentes, pode-se citar o local de realização das provas; a sua duração; a quantidade e formulação das questões; os critérios de correção e avaliação; atribuição de notas; entre outros.

Tratando-se de atos discricionários, portanto, incabível qualquer interferência jurisdicional em seu mérito, notadamente no que diz respeito a sua conveniência e oportunidade, conforme já salientado alhures.

Entretanto, caso o edital tenha regulado essas matérias, o ato a ser implementado deixa de ser discricionário para se tornar vinculado, uma vez que a comissão fica integralmente sujeita às suas diretrizes, sob pena de afronta ao princípio da legalidade, pois o edital é a lei e o comando do concurso.

É justamente por isso que, em havendo indagações sobre matérias não contempladas no edital, anula-se toda a questão. Antes disso, contudo, compete ao judiciário analisar comparativamente a essência da questão com o conteúdo programático previsto no edital.

Nesse aspecto, a jurisprudência mostra-se, ao revés, mais contundente. Confira-se o precedente:

"209995 – CONCURSO PÚBLICO – QUESITO DE PROVA OBJETIVA – ADMISSIBILIDADE DE ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO EM CASOS EXCEPCIONAIS – INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZOS AOS DEMAIS CANDIDATOS APROVADOS – LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO – INEXISTÊNCIA – Excepcionalmente, restando demonstrado que a resposta considerada correta pela banca examinadora está, objetivamente, em desacordo com o ramo de conhecimento investigado, houver erro material ou vício na formulação da questão, é admissível o Poder Judiciário anular questão de concurso. (...). Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Apelação dos autores parcialmente provida. Apelação da União e remessa oficial improvidas."

(TRF 5ª R. – AC 106.703 – (96.05.27664-0) – PE – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Manoel Erhardt – DJU 24.10.2002 – p. 888)5 (grifo nosso)

Resta claro, assim, que nesta parte a jurisprudência mostra-se mais evoluída, ao ponto de anular questões de concurso em desacordo com a matéria expressamente prevista no edital.

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Sobre o autor
Lenoar Bendini Madalena

Juiz Substituto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADALENA, Lenoar Bendini. Controle jurisdicional nos concursos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 637, 6 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6560. Acesso em: 21 nov. 2024.

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