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A fixação do quantum indenizatório nas ações por danos morais

01/08/2000 às 00:00

Resumo:


  • No ordenamento jurídico brasileiro, há controvérsias na fixação do valor indenizatório por danos morais devido à ausência de dispositivos legais específicos.

  • O juiz deve definir se a indenização é fixada como ressarcimento ou punição, estabelecendo critérios objetivos para avaliar o valor indenizatório de forma não emocional.

  • Na avaliação das circunstâncias do fato, o juiz deve analisar criteriosamente os elementos probatórios, considerando a culpa, a duração do sofrimento, as partes psicológicas afetadas e a intensidade do dano.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No ordenamento jurídico pátrio há controvérsia doutrinária e jurisprudencial na fixação do quantum indenizatório para ressarcimento dos danos morais decorrentes da responsabilidade civil, posto não haver dispositivos legais específicos, sendo inviável o critério para reparação dos danos materiais, diante da inexistência de prejuízos que possam ser objetivamente calculados com base no valor pecuniário do bem atingido.

No entanto, fundamental é que o Juiz de forma clara, defina se a indenização é fixada como ressarcimento ou punição. Se a função da reparação civil for entendida como ressarcimento ou compensação, deverá estabelecer critérios objetivos, ainda que de forma aproximada, para fixar o quantum indenizatório, o que consiste em avaliar de forma não emocional, isenta e criteriosa as circunstâncias do fato, o grau da culpa, a duração do sofrimento, as partes psicológicas atingidas, as condições do ofensor e do ofendido e a dimensão da ofensa.

Na avaliação das circunstâncias do fato, deve o Juiz efetuar criteriosamente uma profunda análise de todos os elementos probatórios constantes dos autos, evidentemente valorizando as provas representadas pelos laudos periciais e por outros documentos, sopesando de acordo com seu livre convencimento as demais provas, inclusive as testemunhais, para que possa proceder a uma avaliação das reais circunstâncias em que ocorreu o(s) fato(s) que representam o caso concreto posto à baila.

Avaliando o grau de culpa, deve o Juiz deter-se na verificação dos elementos objetivos dos fatos ocorridos, procurando a priori estabelecer uma classificação, o mais possível despida de qualquer critério subjetivo, para que seja estabelecida a classificação que lhe servirá de parâmetro orientador quando prolatar o decisum, sendo de suma importância que estabelecendo o grau em que ocorreu a culpa, também seja analisada a intensidade do dano que em decorrência foi provocado. Se a culpa foi classificada como leve (simples) ou grave. A classificação leve por certo terá que ser levada em consideração para que o quantum indenizatório com maior razão não venha ultrapassar ou até mesmo desprezar os critérios e princípios objetivos e subjetivos da eqüidade quando de sua fixação. Se porém, o grau de culpa for grave; por certo o seu potencial ofensivo terá repercutido com maior intensidade no ofendido, ocasionado-lhe danos de maiores montas. A duração do sofrimento a que ficou exposto o ofendido, deve ser analisada em conjunto com o grau de culpa, devendo ser mais ou menos valorizado na fixação do quantum indenizatório quanto menor ou maior tiver permanecido, ou houver que permanecer, pois, há casos em que o sofrimento do ofendido prolonga-se no tempo, como pode acontecer com o ofendido vítima do erro judiciário que tenha tido sua liberdade de ir e vir violada com o encarceramento, ainda que posteriormente, o erro judiciário venha ser reconhecido e, em conseqüência recupere a liberdade, a lembrança dos tempos de cárcere, a humilhação e o sofrimento, sempre o acompanharão como uma sombra em sua memória afetiva, fazendo com que as partes psicológicas atingidas, apresentem sempre um sentimento de dor, tristeza, e angústia, com comportamentos que podem variar de momentos de alegria, para momentos em que se mergulha em atitudes de isolamento, não sociabilidade e taciturnidade com abalos emocionais e psicológicos que permanecem na intimidade subjetiva do ofendido durante toda a vida.

É de fundamental importância que o juiz detenha-se profundamente na análise das condições psicológicas do ofendido, devendo valer-se para tanto, dos experts que julgar necessários, para a elaboração dos laudos periciais técnicos que possam lhe conferir elevado grau de certeza e eqüidade na prolação do decisum de acordo com seu livre convencimento.

Se no entanto, o Juiz entender que a reparação deva ser fixada como punição, as regras e os critérios para a fixação do quantum indenizatório, invertem-se completamente, não havendo limites para o estabelecimento do valor. Pelo protesto de um título de cem reais, poderá ser fixado um valor de dez milhões de reais, tudo obviamente, levando-se em conta o grau da potencialidade econômica do ofensor, sendo irrelevante, neste aspecto ser analisado o do ofendido, uma vez que o critério adotado foi o da punição.

          Clayton Reis, em sua consagrada obra AVALIAÇÃO DOS DANOS MORAIS, Editora Forense, 1998, pág. 65, sita julgado da Justiça Civil do Estado do Maranhão que fixou indenização por danos morais, em R$ 250.000.000,00, pela devolução de um cheque de R$ 280,00. Esse é um caso típico em que simplesmente foi de forma objetiva e direta adotado com critério da punição. Este critério, predominantemente adotado nos Estados Unidos da América do Norte, tem despertado posicionamento crítico de muitos, que nele vê, o que chamam de uma crescente e florescente "indústria do dano moral", diante das indenizações milionárias que são concedidas pelos tribunais americanos.

Conforme já dito nosso ordenamento jurídico não oferece critérios com dispositivos legais específicos para a fixação do quantum indenizatório em relação aos danos morais que diferem dos danos patrimoniais e materiais, posto que estes, apresentam prejuízos que podem ser objetivamente calculados de acordo com o valor dos bens pecuniários atingidos.

          Yussef Said Cahali salienta que a reparação transforma em sanção do ato ilícito. E sustenta que o "fundamento ontológico da reparação dos danos morais não difere substancialmente, querendo muito em grau, do fundamento jurídico dos danos patrimoniais, permanecendo ínsito em ambos, os caracteres sancionatório e aflitivo utilizados pelo direito moderno". Citando Caio Mário da Silva Pereira e outros autores, conclui pelo caráter punitivo da reparação, observando que "na reparação dos danos morais o dinheiro não desempenha função de equivalência, como, em regra, nos danos materiais; porém, concomitantemente, a função satisfatória é a pena".

A caracterização e o critério para a fixação do quantum indenizatório como punição na reparação dos danos morais, têm origem nos sistemas jurídicos da Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte, onde indenizações milionárias enriquecem as vítimas de ofensas morais.

No Brasil, a referida doutrina tem inúmeros seguidores, como destaca Carlos Alberto Bittar ao observar que a fixação do valor serve como desestímulo a novas agressões, de acordo com o espírito dos "punitive exemplary damage" da jurisprudência dos Estados Unidos e da Inglaterra. A reparação é fixada em quantia relacionada com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo no patrimônio do lesante. O objetivo é que sinta em seu patrimônio a reprimenda, como uma pena. A indenização deve ser quantia economicamente significante em razão das potencialidades do patrimônio do lesante. Árduo defensor da tese, conclui CARLOS BITTAR que "a exacerbação da sanção pecuniária é fórmula que atende às graves conseqüências que de atentados à moralidade individual ou social podem advir. Mister se faz que imperem o respeito humano e a consideração social como elementos necessários para a vida em comunidade".

"Colocando a questão em termos mais amplos, afirmamos que muito embora, no Brasil, o Código Brasileiro de Telecomunicações (art. 84, parágrafo 1º.) e a Lei de Imprensa, têm servido de parâmetro para a fixação do quantum indenizatório, estipulando valores entre 50 e 100 salários mínimos, uma vez que o legislador não estipulou parâmetros rígidos, já surgem julgados que tomam como regra o critério de punição, sendo que podemos citar decisum da MM. Juíza da 75ª. Vara do Trabalho de São Paulo no Processo n.º: 1848/99, movido por Evaldo de Oliveira Siqueira em face de REDE A DE JORNAIS DE BAIRRO, onde a reclamada (ré), foi condenada no pagamento de indenização por danos morais no valor de 2.000 (dois mil) salários mínimos.

No processo de indenização por danos morais que estamos atuando, movido por Cléria Shinohara Ribeiro do Vale em face de LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DE SÃO PAULO em trâmite na 38ª. Vara Cível da Comarca de São Paulo, a ré foi condenada no pagamento da indenização por danos morais no valor de 1.000 (mil) salários mínimos. Já no Processo movido por Janaina Silva Borba Paes em face de PERFIL JOVEM CONFECÇÕES LTDA, em trâmite na 31ª. Vara Cível de São Paulo, a ré foi condenada no pagamento de 80 (oitenta) salários mínimos. Esclarecemos que os processos mencionados estão na fase recursal em segunda instância, sendo que a citação destes, tem por finalidade demonstrar, o que já foi afirmado, no sentido de que já se pode notar uma tendência jurisprudencial de acatamento doutrinário ao critério de fixação do quantum indenizatório nas ações por danos morais, na reparação civil, não como ressarcimento ou compensação, mas como punição, o que dispensa o Magistrado de estabelecer os critérios, de início, mencionados, no caso de entender a reparação civil, como ressarcimento ou compensação.

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Necessário é ter presente a idéia de conjunto do sistema jurídico, que se harmoniza baseado numa unicidade original. Não era o legislador civil que estava a valer-se de multas inexpressivas. Era o sistema como um todo que multava pouco na época da edição do Código Civil. De lá para cá este sistema evoluiu, desenvolveu-se; e fruto desse desenvolvimento, hoje se multa pesadamente, o que constitui numa tendência universal, que vê na repressão pecuniária um meio muito eficaz de regulação das relações sociais.

          "No ordenamento jurídico pátrio, o patamar máximo, se encontra no sistema de obrigações resultantes do ato ilícito do Código Civil, que é de 10.800 (dez mil e oitocentos) salários mínimos, levando-se em conta que este é o valor baseado no Código Penal, referencial que condiciona, sem dúvida o arbítrio do Juiz ao valer-se do art. 1.553 para avaliar casos não previstos na lei civil. Portanto, o desenvolvimento não há de ficar representado apenas no universo criminal, com toda certeza, ainda mais se tratando de prejuízo moral, onde a indenização civil tem caráter marcadamente punitivo, como a doutrina tem sustentado desde o início do século" (RT 743/341, Câm. Civil TJAC, Rel. Desª. Eva Evangelista - grifamos.

A condenação não só deve repercutir no patrimônio do ofensor, como desencorajá-lo a praticar no futuro condutas semelhantes, bem como servir de prevenção coercitiva.

Há também julgados que não adotam o critério de fixação do quantum indenizatório como punição, entendendo que o dano moral não pode ser recomposto por ser imensurável. Pedimos vênia para a transcrição do tópico final da r. sentença da lavra do MM. Juiz Sérgio Gomes no Processo de 98.035932 - 2 da 31ª. Vara Civil da Comarca de São Paulo, no qual estamos atuando, "verbis":

          "Maria Helena Diniz diz que: "o dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar, isto é assim, porque a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir que, logicamente, não poderá concretizar-se onde nada há que reparar. Com muita propriedade, pontifica Giorgi Giogi, que: "nessum dubbio sulla veritá di questo principio; sia pura violata l’iobbligazione, ma si el danno manca, manca la materia del risarcimento". Não pode haver responsabilidade civil sem a existência de um dano a um bem jurídico, sendo imprescindível a prova real e concreta dessa lesão. Deveras, para que haja pagamento da indenização pleiteada é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial moral, fundado não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica" ("in", Curso de Direito Civil. Vol. VII - Responsabilidade Civil - Ed. Saraiva - São Paulo, pág. 50).

Entendo que na falta de previsão legal e por eqüidade, tendo em conta a capacidade econômica das partes, é adequado a fixação do dano moral no caso, em oitenta salários mínimos. Este valor é fixado por eqüidade, a fim de proporcionar satisfação à autora ofendida em razão do abalo sofrido.

O valor de três mil salários mínimos pleiteado na exordial, é por demais elevado, já que o dano moral não pode ser recomposto e é imensurável em termos de equivalência econômica. A indenização a ser concedida é apenas uma justa e necessária reparação em pecúnia, como forma de atenuar o padecimento sofrido.

          ISTO POSTO, julgo PROCEDENTE EM PARTE a presente ação para condenar a ré ao pagamento de 80 (oitenta) salários mínimos a título de dano moral, valor esse a ser atualizado desde o ajuizamento da ação e acrescido de juros de mora a contar da citação" - grifamos.

Inegavelmente, na fixação do quantum indenizatório nas ações de responsabilidade civil visando à reparação por danos morais deve ser levada em consideração as condições pessoais em sentido amplo do lesante e do lesado, posto que conforme definição de SAVATIER, o dano moral é: "qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária" e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio e estético, à integridade de sua inteligência, às suas afeições, etc. ("Traite de la responsabilité civile" Vol. II, n. 525). Em sua obra "Danni morali contrattuali", Damartelo enuncia os elementos caracterizadores do dano moral, segundo sua visão, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são: a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-os em dano em que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.); dano moral que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saúde, etc.) e dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.), e dano moral puro (dor, tristeza etc.)" ("in" Responsabilidade Civil e Sua Interpretação Jurisprudencial 2ª. Ed. RT, pág. 458, Rui Stoco) - grifamos.

Portanto, para fixar o quantum indenizatório para os danos morais, mesmo quando o juiz entender que a reparação deva ser fixada como punição e não meramente como ressarcimento, necessário é que se proceda a delimitação dos danos morais, como parâmetro as lesões de consciência, decorrentes da responsabilidade civil por danos à pessoa latu sensu considerados como tema autônomo, distintos da reparação dos danos materiais, já esboçada na doutrina. A consciência pode ser lesada nos danos físicos, psíquicos, individuais, sociais, familiares, relativos à capacidade de contemplação, prazeres, de projetar, amar, estado de saúde e outros. Esses danos podem também ter conseqüências patrimoniais ou espirituais, sempre justificando o arbitramento da reparação em dinheiro ou mediante outra forma. Os danos podem ser transitórios ou definitivos, conforme o caso, e isto também é importante para definir qual o critério a ser observado na fixação do quantum indenizatório, se de ressarcimento ou punição, bastando que seja demonstrada a existência do nexo de causalidade, o evento danoso e, a culpa do ofensor. A inexistência ou não de causas excludentes da responsabilidade civil, é tarefa que caberá ao julgador examinar criteriosamente com os limites da lesão. Também necessário se faz a delimitação do nexo causal, como essencial para a definição dos reflexos da ofensa que atingiram o patrimônio moral do ofendido e sua personalidade.

Deve salientar que da mesma forma que o dano moral pode atingir o patrimônio e a personalidade do ofendido, também o inverso pode ocorrer. A lesão patrimonial pode também atingir a consciência do ofendido, gerando reparação por danos morais. É o caso da lesão estética, por exemplo, que pode desencadear um sofrimento psíquico ao ofendido. A partir da lesão estética ele pode vir a sofrer depressão, e sendo a depressão um sofrimento imposto ao ofendido em decorrência de lesão material, deverá ser objeto de reparação, seja por meio de tratamento psicanalítico, seja por meio de medicamentos, ou por simples compensação pecuniária, no caso do critério, for o de ressarcimento.

Nossa posição é a de que o critério para a fixação do quantum indenizatório, não pode apenas ser o de punição com o arbitramento indiscriminado de vultosas indenizações, posto que as ações de responsabilidade civil, visando a reparação dos danos morais não devem ser transformadas em "loterias jurídicas", o que de certa forma poderia ter efeito inverso ao estimular ações que ao invés de buscar na prestação jurisdicional, uma reparação pelo dano sofrido, venham antes, buscar o enriquecimento sem causa.

Deve o julgador diante do caso concreto utilizar-se daquele que melhor possa representar os princípios de eqüidade e de Justiça, levando-se em conta as condições latu sensu do autor e do réu, como também a potencialidade da ofensa, a sua permanência e seus reflexos no presente e no futuro; devendo, no entanto, ter o cuidado de não fixar valores ínfimos que não sirvam para desestimular as práticas ofensivas, como por exemplo o arbitramento de valores de até 100 (cem) salários mínimos, nos casos em que o réu seja detentor de grande patrimônio econômico, uma vez que neste caso, o quantum fixado perderá sua função educativa, posto que não servirá como meio de coibir e desencorajar a prática de novos atos ilícitos, uma vez que a pessoa humana como centro do direito na responsabilidade civil, necessariamente precisa ter sua integridade física, sua imagem e personalidade integralmente preservadas.


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Sobre o autor
Antônio Cassemiro da Silva

advogado em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Antônio Cassemiro. A fixação do quantum indenizatório nas ações por danos morais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/670. Acesso em: 26 dez. 2024.

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