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A possibilidade de instituir tributos ambientais em face da Constituição de 1988

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28/05/2005 às 00:00
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Os tributos ambientais, que buscam desestimular a produção e o consumo de bens danosos ao meio ambiente, são cada vez mais valorizados como alternativa às políticas de repressão, que ainda predominam na proteção ao meio ambiente.

I - Breve introdução aos tributos ambientais

Os tributos ambientais são tributos que têm como principal objetivo desestimular a produção e o consumo de bens danosos ao meio ambiente. Eles são cada vez mais valorizados como uma alternativa interessante às políticas de repressão, que ainda predominam na proteção ao meio ambiente. Isso porque através de uma política tributária ambiental bem estruturada, a tendência é que a pessoa evite o dano ambiental, ao invés de tentar repará-lo depois que ele já aconteceu (como acontece nas políticas repressivas).

Assim, um tributo ambiental se conforma aos princípios do poluidor-pagador e da prevenção, dois dos principais princípios do direito ambiental. O princípio do poluidor-pagador é garantido porque o tributo internaliza o valor do dano ambiental ao custo do produto. Já o princípio da prevenção é protegido porque a produção ou o consumo dos bens prejudiciais ao meio ambiente tendem a diminuir na medida em que esses bens se tornam mais caros, devido à incidência tributária. Ou seja, o tributo ambiental tem uma finalidade específica, claramente extrafiscal, e extremamente positiva.

Por esses motivos, uma política de proteção ambiental calcada em tributos se sobrepõe a uma política fundada na repressão do dano, como afirma Fernando Magalhães Modé:

Enquanto a tributação ambiental garante ao agente econômico uma margem de manobra para adequação de sua atividade, a regra de comando (proibitiva) lhe nega qualquer possibilidade de ajuste. O caráter inflexível das normas de comando e controle acaba por valorizar a opção pela via tributária por consistir um incentivo permanente ao agente econômico, para que busque, segundo sua maior conveniência, o meio mais adequado para a redução do potencial poluidor da atividade. [1]

Conseqüentemente, algumas políticas de tributação ambiental têm sido gradativamente desenvolvidas no Brasil.

A. A primeira green tax do Brasil

Exemplo de um tributo ambiental já em vigor é a contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) prevista no artigo 177, § 4º, da Constituição Federal, que seria a "primeira green tax do Brasil", para utilizar a expressão de Roberto Ferraz [2]. O referido § 4º dispõe o quanto segue:

§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:

I - a alíquota da contribuição poderá ser:

a) diferenciada por produto ou uso;

b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b;

II - os recursos arrecadados serão destinados:

a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;

b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás;

c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. [grifei]

Há, portanto, previsão constitucional para a instituição de um tributo ambiental, ou melhor, de uma CIDE incidente sobre setor da economia que causa graves danos ao meio ambiente, qual seja, o dos combustíveis. É importante ressaltar que essa CIDE objetiva desestimular o consumo dos combustíveis mais nocivos ao meio ambiente, na medida em que a Lei 10.336/01 (que criou o tributo) implementou, no seu artigo 5º, um sistema de tributação graduada de acordo com os danos ambientais de cada combustível.

Além disso, a receita da CIDE tem destinação específica para a proteção do meio ambiente, nos termos das letras a e b do inciso II do § 4º, do artigo 177 da Constituição Federal, representando um segundo incentivo à proteção ambiental, em perfeita consonância com as mais modernas teorias de direito ambiental, consubstanciadas no relatório da Agência Européia do Ambiente:

Given that producers and consumers will probably not cease entirely the activities that are being taxed the taxes and charges will raise revenues. These may be used to address environmental problems directly; or they may be used to subsidise producers or consumers to shift to more environmentally-benign activities, providing second incentives to environmental improvement; … [3]

Tendo em vista que os tributos ambientais têm uma finalidade específica, e que é recomendável a destinação de sua arrecadação à proteção do meio ambiente, não surpreende que a primeira green tax do Brasil seja uma CIDE. Isso porque a CIDE, subespécie do gênero contribuições especiais, prevista no artigo 149 da Constituição,

...é, pois, um tributo cuja instituição está sujeita ao controle de validade finalístico, ou seja, só se mostra válido se destinado a custear uma atividade estatal voltada a atender uma finalidade prevista constitucionalmente e relativa a determinado grupo, área ou setor de que participe o contribuinte [4].

Assim, a CIDE é a espécie tributária mais adequada à elaboração de um tributo ambiental, pois é uma contribuição que tem por finalidade específica a intervenção no domínio econômico, através de indução negativa da atividade econômica em sentido estrito, ou seja, da atividade econômica que não é realizada pelos órgãos estatais [5].

Ressalta-se que a finalidade de uma CIDE difere da destinação de suas receitas. Sua finalidade é a mera intervenção no domínio econômico, a qual é muitas vezes atingida pela simples arrecadação do tributo, como ocorreria no caso de uma CIDE ambiental, em que a exigência tributária garantiria o objetivo de internalizar no custo de produção os danos ao meio ambiente. Por isso, muitos autores entendem ser desnecessária a destinação da receita a uma finalidade ambiental, pois, conforme leciona José Souto Maior Borges, "[...] essa destinação diz respeito apenas à função que a contribuição irá exercer, nada adiantando quanto à sua estrutura" [6].

Mas, como já foi mencionado, a destinação das receitas a uma finalidade ambiental representaria um segundo incentivo à proteção do meio ambiente, extremamente recomendável. Logo, mesmo que se entenda que a destinação de receitas para uma finalidade interventiva não seja obrigatória, ela deve ser adotada, como de fato o foi, na CIDE do artigo 177, § 4º da Constituição Federal.


II - Limitações constitucionais ao poder de criar tributos ambientais

Até aqui foi defendido que a espécie tributária que melhor desempenharia o papel de um tributo ambiental seria a CIDE, tributo que se caracteriza por sua finalidade específica. Por esse motivo, a presente análise passa a tomar por base tão-só as limitações constitucionais ao poder de instituir CIDEs, e não ao poder de criar tributos em geral.

Fato é que já existe uma CIDE com finalidade de proteção ambiental, e que esta foi prevista constitucionalmente. No entanto, resta saber: não fosse pela autorização expressa no artigo 177, § 4º da Constituição, seria possível instituir um tributo ambiental? Ou melhor: seria constitucionalmente possível instituir um tributo com o objetivo de fomentar outros projetos ambientais, não relacionados aos combustíveis?

Essas duas questões surgem porque, como a Constituição traz uma "complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os excessos acaso detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais" [7], na clássica definição de Aliomar Baleeiro, é possível que exista um freio à instituição de tributos ambientais, seja ele consubstanciado em uma vedação expressa, seja ele reflexo da ausência de autorização constitucional.

Desnecessário dizer que a finalidade específica de uma CIDE deve encontrar arrimo na Constituição Federal. Discorrendo sobre o tema, ainda que tratando especificamente da alteração da finalidade de uma contribuição, Marco Aurélio Greco afirma que "... alterada a finalidade da exigência altera-se a própria exigência e, por isso, ou ela deixa de ter fundamento constitucional, ou só poderá subsistir como nova contribuição se a nova finalidade for admitida constitucionalmente..." [8].

Ou seja, qualquer que seja a finalidade de uma contribuição, ela deve estar prevista na Constituição. Mas basta estar prevista na Constituição como um objetivo a ser perseguido pelo Estado, ou deve estar especificamente no Capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional?

Para parcela da doutrina, a segunda opção seria a mais acertada, pois, de acordo com Misabel Abreu Machado Derzi, há um

...vício de interpretação na prática constitucional brasileira, segundo o qual a norma constitucional é interpretada de forma isolada através de compartimentos estanques, de modo que aquilo que se insere no Capítulo do Sistema Constitucional Tributário não guarde relação alguma com outros títulos e outros capítulos inseridos na Carta Constitucional. [9]

A autora trata do assunto quando discorre sobre o caráter tributário das contribuições. Como se sabe, até o advento da Constituição de 1988 eram freqüentes as discussões doutrinárias acerca do caráter tributário das então chamadas contribuições parafiscais. Ainda que a maior parte da doutrina entendesse que essas contribuições fossem efetivamente tributos, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de seu caráter atributário, e o fez justamente porque as contribuições parafiscais não se encontravam dentro do Sistema Tributário Nacional.

Hoje essa discussão está superada, até porque a Constituição de 1988 trouxe para dentro do Sistema Tributário Nacional as contribuições. Contudo, a mesma linha de argumentação pode ser utilizada para impedir a criação de contribuições com finalidade que não esteja prevista no artigo 149 da Constituição. E, a partir de uma rápida análise desse artigo, é fácil concluir que inexiste autorização para a criação de um tributo ambiental:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

(...)

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 11/12/2001):

I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;

II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

III - poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;

b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.

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Logo, adotando-se uma interpretação compartimentada da Constituição, seria fácil concluir pela inviabilidade dos tributos ambientais. E mais, levando ao extremo tal interpretação, seria possível, inclusive, declarar o caráter atributário da contribuição prevista no artigo 177, § 4º, da Constituição.

Mas essa interpretação compartimentada da Constituição não parece ser a mais acertada, conforme deixou claro Misabel Derzi. Outra não é a opinião de Humberto Ávila:

Mais ainda: a estrutura rígida do Sistema Tributário Nacional, que fixa pormenorizadamente regras de competência, termina por contribuir para a confusão entre sistema externo (conjunto de dispositivos que regulam a matéria tributária) e sistema interno (conjunto de normas que dizem respeito, direto ou indireto, à relação obrigacional tributária)... O sistema tributário, em vez disso, engloba o sistema interno (das innere System), no sentido de uma conexão interna e conteudística entre as normas jurídicas que direta ou indiretamente regulem – não apenas e diretamente a matéria, mas – a relação obrigacional tributária. [10]

Ou seja, tudo que diz respeito à relação obrigacional tributária faz parte do sistema interno tributário, sendo, portanto, direito constitucional tributário. Dessa forma, não só as normas que falam especificamente de direito tributário fazem parte do sistema, mas também as que, de uma forma ou outra, podem se relacionar àquelas. Humberto Ávila destaca, dentre as normas que não estão no Sistema Tributário externo (artigos 145 a 169), mas fazem parte do sistema interno, aquelas que estão nos Títulos II (direitos e garantias fundamentais) e VII (ordem econômica e financeira) da Constituição. [11]

De forma semelhante, Edison Carlos Fernandes, ao discorrer sobre o fato gerador das CIDEs, afirma que:

A determinação do fato gerador da Cide, constitucionalmente previsto, não é tarefa fácil, mas também a interpretação de que ele não foi desenhado pela Constituição Federal é uma visão equivocada. A delimitação da incidência da Cide deve ser buscada na estrutura constitucional, e não apenas no capítulo sobre o sistema tributário nacional. [12]

Ao presente trabalho interessam, principalmente, as normas do Título VII. Esse Título, que regula a ordem econômica e financeira, traz dispositivos que orientam o país ao desenvolvimento econômico sustentável, ou melhor, ao desenvolvimento da economia com os menores impactos possíveis sobre o meio ambiente, e até mesmo, quando possível, melhorando áreas já deterioradas.


III - Os fundamentos constitucionais para a instituição de um tributo ambiental

Dentre as normas do Título VII da Constituição – Da Ordem Econômica e Financeira – se encontra a do já referido artigo 177, § 4º, que formulou a primeira green tax do Brasil. Mas existem outras igualmente importantes, em especial a norma do artigo 170, que no inciso VI determina a "defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (Redação dada pela EC nº 42, de 19.12.2003)".

Sobre esse dispositivo constitucional, é interessante transcrever a opinião de Eros Roberto Grau:

A Constituição, destarte, dá vigorosa resposta às correntes que propõem a exploração predatória dos recursos naturais, abroqueladas sobre o argumento, obscurantista, segundo o qual as preocupações com a defesa do meio ambiente envolvem proposta de "retorno à barbárie". O Capítulo VI do seu Título VIII, embora integrado por um só artigo e seus parágrafos – justamente o art. 225 – é bastante avançado.

[...]

O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do ser), informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego. Além de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável – à realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos existência digna. Nutre também, ademais, os ditames da justiça social. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo – diz o art. 225, caput. [13]

Em sentido semelhante, Toshio Mukai:

Resulta daí a questão tantas vezes aflorada em tantos lugares, da necessidade de se compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente.

Tem-se, nas mais das vezes, afirmado que tal compatibilização é impossível e não factível, com argumentos fantasiosos e levianos.

Diga-se sem rebuços: a busca do lucro, a ganância, e até mesmo, a do desenvolvimento econômico natural e legítimo, tem sido obtido, no Brasil, à custa da deteriorização e de prejuízos incalculáveis ao meio ambiente. [14]

Considerando-se que o Estado é o responsável pela garantia dos princípios do artigo 170 da Constituição, é seu o papel de intervir na economia para induzi-la à proteção ambiental. Dessa forma, garante que o desenvolvimento econômico se dê dentro de níveis aceitáveis de danos ao meio ambiente, como propõem os dois autores. A CIDE – instrumento claramente interventivo – pode e deve ser usada para tanto.

A. A possibilidade de individualização da CIDE

Por ser um tributo que tem a finalidade específica de intervir na economia – por força do disposto no artigo 149 da Constituição – a CIDE pode ser individualizada, incidindo somente sobre determinados setores, e tendo suas alíquotas graduadas conforme o dano ambiental. Dessa forma, amolda-se à perfeição à ordem de individualização do artigo 170, VI, que dispõe sobre o tratamento diferenciado de acordo com o impacto ambiental dos produtos e serviços. Acerca da necessidade de individualização, Daniel Vitor Bellan defende que:

A graduação da carga tributária desta contribuição pode e até deve existir, mas em função do próprio objetivo específico perseguido pelo legislador tributário. Assim, sendo contribuição instituída com a finalidade de promover a defesa do meio ambiente, por exemplo, deverá ela ser graduada de maneira a incidir de forma mais gravosa sobre os contribuintes que estiverem mais longe deste objetivo (empresas poluidoras) e menos gravosa ou até mesmo nem ser exigida dos contribuintes cuja atividade já estiver em sintonia com o objetivo prestigiado. [15]

Essa individualização deve ser feita para cada setor da economia, de acordo com a utilização de insumos nocivos ao meio ambiente. Assim, seriam identificados os insumos nocivos (como o petróleo, por exemplo), tributando-se a sua produção, no início da cadeia produtiva. O tributo seria naturalmente adicionado ao valor da mercadoria, tendo o efeito em cascata de desestimular o consumo de bens que utilizem esses insumos no seu processo produtivo, pois este se tornaria mais caro.

E nem se diga que esta seria uma limitação da política tributária ambiental. Como afirma Fábio Nusdeo,

A principal objeção contra ele [o sistema tarifário] levantada redunda no destaque de sua maior vantagem. Alega-se a sua inconveniência pelo fato de os preços incidentes sobre os fatores ambientais virem a encarecer os produtos finais respectivos. A idéia é exatamente esta. Os maiores preços levarão a uma diminuição do seu consumo, reduzindo, assim, a utilização do meio ambiente. Por outro lado, estimularão a conversão da tecnologia para fins de controle de tais externalidades pela introdução de produtos e meios de produção de menor agressividade ambiental. Numa palavra, não se está afetando o mercado mas, pelo contrário, trabalhando de acordo com a sua lógica, ao longo da sua linha. [16]

É exatamente dessa forma que a CIDE do artigo 177, § 4º da Constituição é cobrada: ela incide sobre o refino do petróleo, como se depreende dos artigos 2º e 3º da Lei 10.336/01, tendo impacto ao longo de toda a cadeia produtiva, até o consumidor final de combustíveis.

A individualização da alíquota é relevante porque, caso o valor do tributo ambiental não guarde relação com os níveis do dano ao meio ambiente, ele não garantirá a concretização do princípio do poluidor-pagador, pois não internalizará os custos ambientais. O valor do tributo graduado de acordo com os custos ambientais garante, ainda, a obediência ao princípio da prevenção, pois quase sempre é mais barato evitar a poluição do que remediá-la.

Um óbice à internalização dos custos ambientais, de um ponto de vista estritamente prático, consiste na valoração desses custos, que é tarefa difícil e custosa, conforme bem ressalta Fernando Magalhães Modé [17]. No entanto, considerando-se que os tributos ambientais seriam implementados gradualmente, começando-se pelos setores da economia que mais poluem, essa valoração gradativa dos custos parece ser viável. Ademais, o tributo ambiental não consiste na indenização do valor exato do dano, de modo que um valor aproximado do custo ambiental é perfeitamente aceitável para o tributo.

A individualização do tributo e da alíquota é, inclusive, fator determinante para a constitucionalidade do tributo. Como já dito, uma contribuição só é constitucional se sua finalidade é acolhida pela Constituição. E o artigo 170, VI é claro ao determinar que a Constituição busca não só a mera proteção ambiental, mas a graduação dos custos desta de acordo com a extensão do dano causado por cada pessoa. Assim, um tributo ambiental exigido de forma geral, tanto de pessoas que poluem, quanto de pessoas que não poluem, seria inconstitucional.

B. O dever de proporcionalidade na cobrança da CIDE

Ainda que a individualização do tributo de acordo com os danos ao meio ambiente seja relevante, nunca se pode esquecer que, para garantir a constitucionalidade da exação, ela não pode ser orientada apenas pelo critério de que quem polui mais, paga mais. Certo é que há setores da economia que, apesar de extremamente nocivos ao meio ambiente, são essenciais à população e têm possibilidades reduzidas de diminuir os níveis de poluição. Devido a estas circunstâncias, um tributo ambiental sobre esses setores teria o mero efeito de majorar os custos de produção – bem como os preços ao consumidor –, sem reais vantagens ao meio ambiente, pois os níveis de poluição não diminuiriam.

O relatório da Agência Européia do Ambiente traz como exemplo de setor da economia que não se adapta à tributação ambiental o de energia elétrica para uso doméstico. Entende que a população não tem como reduzir significativamente o consumo de energia, e que os produtores encontram grandes dificuldades em poluir menos, já que a troca de um sistema de fornecimento de energia baseado em termoelétricas para um sistema que adote energias alternativas é muito caro. Dessa forma, o tributo sobre a energia resultaria tão-só em um aumento dos preços ao consumidor, sendo as populações de baixa renda as mais oneradas, porque seus gastos com energia representam uma parcela maior da renda de que dispõem [18].

Assim, ainda que haja determinação constitucional no sentido de que a responsabilidade ambiental seja individualizada, dando ao legislativo o poder de criar CIDEs ambientais, esse poder deve ser orientado pelo dever de proporcionalidade. Isso porque quase toda tributação representa uma limitação aos direitos fundamentais dos contribuintes [19], e, no caso específico de tributos com finalidade extrafiscal, essa deve ser proporcional à limitação dos direitos fundamentais. Nesse sentido, Humberto Ávila leciona que:

Quando uma medida diz respeito a um fim empírico, pode-se observar a existência de uma ‘relação medida-fim-bens jurídicos’ (Maßnahme-Zweck-Rechtsgüter-Beziehung), no sentido de que pode e deve ser decidido se a medida (o meio) é capaz de produzir efeitos que promovam a realização gradual do fim (relação meio-fim), se a medida é a menos restritiva em relação aos direitos fundamentais atingidos (relação meio-meio) e se a realização desse fim externo não está em relação de desproporção relativamente à restrição causada nos direitos fundamentais (relação meio-fim ou dever de proporção em sentido estrito).

(...)

No caso de normas que possuem uma eficácia extrafiscal e restringem os direitos de liberdade (por exemplo, normas que estabelecem obrigações acessórias, isenções para o desenvolvimento de uma região, presunções em razão de fundamentos econômico-administrativos), é consistente a aplicação trifásica do dever de proporcionalidade. E assim é porque existe um fim concreto estruturador da relação jurídica. [20]

Ora, o tributo ambiental tem finalidade eminentemente extrafiscal, qual seja, de evitar o dano ambiental. Nos casos em que não há benefícios ao meio ambiente pela cobrança do tributo – como no caso de exação incidente sobre a produção de energia elétrica referido pela Agência Européia do Ambiente – esse tributo passa a afrontar o postulado da proporcionalidade, pois limita direitos fundamentais sem atingir a finalidade pretendida. Logo, a exação passa a ser inconstitucional, por violar os direitos fundamentais que limitou.

Da mesma forma, se a finalidade pretendida for atingida, mas representar uma limitação muito grande aos direitos fundamentais dos contribuintes, a exação também afrontará o postulado da proporcionalidade.

Nesse contexto, a CIDE deve ser cobrada de forma individualizada, dos setores que causam mais danos ao meio ambiente, e com alíquotas que reflitam o valor do dano ambiental que eles causam. Deve, também, obedecer ao postulado da proporcionalidade, sob pena de se tornar inconstitucional.

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Sobre a autora
Melissa Guimarães Castello

advogada atuante na área de Direito Tributário na Campos Advocacia Empresarial, como coordenadora da área de direito ambiental,em Porto Alegre (RS), especialista em Direito Internacional,mestre em direito na University of Oxford.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTELLO, Melissa Guimarães. A possibilidade de instituir tributos ambientais em face da Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 692, 28 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6796. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo agraciado com o “Prêmio Rubens Gomes de Souza” de melhor artigo jurídico do concurso de artigos realizado no Congresso Internacional de Direito Tributário do Paraná, evento promovido pelo Instituto de Estudos Tributários e Relações Econômicas Internacionais (IETRE), entre 30/03 e 01/04/2005.

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